13: a sociedade de Irbena

Novamente, Margareth não foi capaz de pegar no sono. A maldita conversa entre os guardas, no dia passado, ecoava por seus ouvidos em meio ao silêncio daquela madrugada. E soava amarga, feito remédio para infecções.

Marga não conseguiu contar para senhorita Bolgart sobre os absurdos que ouvira. Quando voltou a encontrá-la, no fim daquela mesma tarde, a rainha fez questão de preencher todo o tempo livre que ela e a ruiva teriam para estarem sozinhas. As donzelas mal foram capazes de despedir-se, ao cair da noite. Quando deu-se conta, Allboire já estava em seus aposentos, sem fazer o que desejava ter feito, e de mãos atadas por seus próprios medos.


Durante uma longa parte da noite, a dama fez de tudo para aqueles pensamentos passarem: visitou a varanda do quarto, organizou os lençóis da cama, ensaiou seu discurso a Sienna frente ao espelhou... e nada funcionou. A verdade era que – e ela, enfim, percebeu isso, em dado momento – a única coisa que poderia dizimar aquele incômodo de si era preencher a cabeça com um problema ainda mais incomodante.


Este problema era o livro. Aquele que a menina retirou dos aposentos de Gabrielle Vincent. A sociedade de Irbena. Ele mesmo.

O amigo recém-feito já posava-se sobre a superfície escura de sua escrivaninha, trajando-se no mesmo tom rubro da madeira e escondendo-se inocentemente em meio ao seu lar temporário. A dama sentou-se no assento almofadado e inclinou o olhar sobre a capa dura do objeto. Ele olhava para Margareth como uma coruja, mas gritava, chamando-a para que fosse aberto. Um chamado alto, insuportável e perceptível apenas para ela.

Era como se, a cada segundo longe das palavras contidas ali, um pouco de sua consciência era sugada pelo livro e tudo o que lhe sobrava era ansiedade e nervosismo. E Allboire podia ser tudo, mas não era teimosa.

Sem delongas alguma, ela respondeu ao chamado.

Marga elevou os dedos angulosos à mesa. Com a ponta das unhas descuidadas e sujas, ela puxou o canto da capa e o abriu de uma só vez. E assim foi, com todas as seguintes páginas.


O livro estava em completa bagunça. Em meio a textos enormes e passagens grifadas, Margareth notou diversas anotações escritas sobre as páginas. Termos específicos, pontos de interrogação, círculos... Mas, além disso tudo, páginas retiradas de outros livros eram postas ali, escondidas em meio a um bolo de outras folhas e cartas.

Marga segurou seu sorriso vislumbrado por um bom tempo. Não imaginava encontrar tantas informações sobre o local em que nasceu e aquilo trouxe-lhe um profundo sentimento de paz. Ao menos, até o momento em que deparou-se com os seguintes títulos:

Art. 2. Comentadíssimos Boatos Sobre a Custódia da Coroa de Irbena;

Art. 3. Uma Nova Revolta: Antipacifistas Denotam Sua Chegada Com Ataques Pela Cidade;

Ela respirou fundo e pensou rápido. Aquilo tratava-se de notícias de quase vinte anos antes daquele momento. As revoltas Antipacifistas começaram quando Margareth era apenas um bebê e estenderam-se por muito tempo depois. E, ainda assim, a dama sabia menos do que qualquer um quanto a esse assunto. Em meio à ansiedade de ler aqueles textos, ela chegou a cogitar a ideia de que, talvez, sua chegada ao castelo de Kaena fosse uma forma de reconectar-se com seu passado e com quem realmente era.

Talvez fosse isso.


Foi por isso que ela iniciou a leitura o quanto antes.


"Artigo N.2: Comentadíssimos Boatos Sobre a Custódia da Coroa de Irbena

É notório à sociedade Irbeniense  – em especial, ao povo pertencente ao Reino Gálago, o qual descansa próximo à residência da família real – os distintos ares que instalaram-se no país pelas últimas semanas. Após uma extensa noite de chuvas invisíveis e de trovões sinuosos, o sol do dia seguinte não parecera amanhecer com semelhante força aos demais. Algo havia mudado; até mesmo o mais longínquo vilarejo de Irbena era capaz de sentir o eco das cinzas apagadas de um fogo desconhecido. Fogo este que, após tantas perguntas, resolvera reacender sobre as costas de nossa fiél família real.

Os comentários e murmúrios correram com tal rapidez que mal pude compreender o que ocorria até a cidade toda estar a par dos terríveis boatos de que havia algo desconhecido sobre – ou sob – a coroa. Peço que não entendam-me mal, sou um mensageiro por estas terras apenas e de forma alguma infligiria tamanha traição à família real. Mas eis aqui a pura verdade: após pouquíssimos dias, era impossível residenciar neste país e não estar ciente de tal história.

Encontramo-nos num labirinto. Os cidadãos têm indagado por respostas há semanas, enquanto, até então, nenhuma manifestação pela família real fora feita. [...] Apesar do silêncio, os boatos não morrem tão facilmente. Mesmo com as inúmeras tentativas de abafar tais casos, tudo voltou com o dobro de força após um residente anônimo do próprio castelo relatar a estranha ausência do rei e da rainha pelos corredores. [...] O homem não quis revelar-se perante a sociedade, mas a história não acabara por aí.

Uma semana após o ocorrido, um dos chefes de cozinha desaparecera e seu paradeiro não fora revelado desde então. O sujeito em questão não possuía brigas, inimizades e tampouco devia valor algum. Um desaparecimento deste deixou dúvidas na sociedade, e muito insistem em acreditar que o chefe era nosso querido residente anônimo. Um simples homem que resolveu aventurar-se num mundo de fofocas."


Margareth parou de ler. Os parágrafos seguintes não passavam de simples especulações e entrevistas com cidadãos do Reino Gálago. Após tanto tempo, ela duvidava que comentários do público fossem relevantes para si.

Mas aquilo não deixou de revirar-lhe o estômago. Principalmente pelo texto não conter uma única conclusão. Uma mínima explicação para o ocorrido. O que quereria dizer, aquele sumiço? Teriam o rei e a rainha de Irbena voltado à aparição?

Talvez, as respostas estivessem no texto seguinte. Ela apressou-se para continuar.


"Artigo N.3: Uma Nova RevoltaAntipacifistas Denotam Sua Chegada Com Ataques Pela Cidade

Como explicava-lhes no artigo anterior, tais boatos denotaram tamanha repercussão, que levaram à sociedade uma nova maneira de pensar. Até hoje, não posso ser capaz de admitir o meu singelo ponto de vista quanto ao que lerão agora, mas é meu dever contar-lhes o que sei e o que vi.

Há cerca de uma semana, no castelo, uma tentativa de ataque por um grupo de pessoas em revolta ocorreu. Alguns homens foram presos e outros escaparam. Mas, dias depois, na cidade principal, onde inúmeros membros da corte residenciavam, um outro ataque evidenciou-se. Dessa vez, mais medonho e violento do que o primeiro. Nobres foram feridos e a coroa delatou, de imediato, repúdio à revolta.

Por um bom tempo, a cidade fora esvaziada e, após alguns dias, uma escolta de guardas reais reapareceram para avaliar as habitações do local. Nessa avaliação, uma insígnia desconhecida fora encontrada, presa à parede da Igreja principal, e, junto dela, uma carta de ameaça à coroa de Irbena.

Vossa Majestade, rei Teodor, enfim, manifestou-se em relação à situação, pedindo a seus leais súditos para que repudiassem qualquer um que estivesse a favor da insígnia verde, pertencente aos grupos que causaram o ataque no castelo e na cidade, respectivamente. [...] O discurso, que fora apresentado por um de seus guardas, recebeu aplausos de todos.

Alguns dias depois, porém, a situação novamente entrou em murmúrios. Foi denotada uma incompatibilidade entre a insígnia pertencente ao grupo do primeiro ataque, no castelo, e ao do segundo ataque, na cidade principal. Para ser honesto, devo-lhes contar a verdade: eram insígnias, de fato, totalmente opostas.

De acordo com diversas testemunhas, os homens que tentaram a queda da coroa utilizavam de insígnias azuis em suas vestimentas. Nada parecidas com aquela que fora encontrada no segundo ataque. [...] O rei, junto de sua rainha, pouco manifestaram-se sobre, reforçando, apenas, seu repúdio contra quaisquer atos de rebeldia, e denominando os misteriosos grupos de "Antipacifistas".

Entretanto, a sociedade de Irbena não cala-se. E tudo o que a mesma deseja, no momento, é saber a verdade. Quem é o real inimigo? E por que a coroa não está desesperada para descobrir?"

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A dama precisou de tempo para repassar tudo o que havia acabado de ler. Afinal, era o mais próximo que já havia chegado das respostas para a realidade em que vivera por anos. E, ainda assim, tudo pareceu-lhe ainda mais intrigante do que quando não possuía resposta alguma.

Por alguns segundos, ela cogitou entregar-se a Gabrielle. Se a dama guardava o livro e tantas anotações de tal forma, era impossível que não soubesse mais do que ali havia. Mas Margareth impediu-se de continuar em tais pensamentos no mesmo momento. Era uma ideia dissimulada, que beirava o ridículo. Senhorita Vincent era uma boa dama, mas não duvidava da capacidade de um nobre para crucificar um possível ladrão. Ainda mais um ladrão que, antes, fosse pobre.

Ela decidiu abdicar da ideia de ser honesta. Ao menos, naquela situação. Havia males que vinham para o bem, afinal. Isso era o que Enrico lhe dizia.


Margareth passou muito mais tempo focada em ler as anotações deixadas pela colega nas folhas apagadas. Muitas delas não passavam de incógnitas. Palavras soltas e símbolos esquisitos. Termos propositalmente difíceis de compreender e coisas que convenciam Marga a acreditar que, talvez, Gabrielle possuísse algo a esconder.

O que, de fato, chamou sua atenção foi uma das poucas anotações que ela foi capaz de ler em voz alta. Esta, a menina encontrou durante a última vez em que folheava as páginas. Já estava pronta para guardar o livro de volta à escrivaninha, quando as palavras em vermelho-sangue chamaram-lhe a atenção:

Caliver Romstock, 47º – A RESPOSTA

O Casarão Azul, Os...(os restos da anotação foram cobertos com rabiscos)

(Para quem está lendo esta história, peço que deixe-me dar-lhe uma dica: esta não é a primeira vez que você ouve este nome.)

Se você está acompanhando e gostando, não se esqueça de deixar seu voto! Vai me deixar muito feliz e ajuda a história a crescer. <3

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