dezoito
- Lily, tudo bem? - É minha assistente ao telefone. Aperto os olhos, ainda despertando.
Eu não teria atendido a ligação se ela não tivesse ligado mais de quatro vezes. Um vez? ok. Duas vezes? tolerável. Três vezes? preocupante. Quatro vezes? urgente.
Olhei para meu lado da cama, Luke não estava mais ao meu lado. Mas tinha uma coisa na escrivaninha do seu lado da cama.
Uma xícara de café e um pedaço de bolo que nem preciso me aproximar, cheirar ou experimentar para saber que é um dos deliciosos bolos de cenoura da sua mãe.
Minha barriga ronca com a idéia, senti saudades dessas delícias.
- Lily? - chama novamente do outro lado da linha e do outro lado do mundo.
- Hummmm?
- Estava dormindo?
- Sim?
- Bom, desculpe. Pensei que estava acordada, você sempre acorda cedo.
- Pois é - acostumo meus olhos a claridade desse novo dia. Sento na cama me aproximando do café preto e do bolo - Em que posso ajudar?
- Sr.Persson tem uma vídeo conferência em meia hora e me pediu especificamente para procurar anotações suas nas planilhas do office a respeito do...
- Olha, eu sei que disse que poderia me ligar a qualquer momento, tá bom? - interrompi - Ainda mais sabendo que a época que a empresa está passando para fechar novas parcerias é a melhor mas eu... eu gostaria que não me ligasse tanto, assim, sabe?
- Desculpe, não entendi?
- Tudo bem não entender, até porque eu disse que estava disponível sempre. Mas agora, não estou, está conseguindo me entender?
- Honestamente? não.
- Eu sinto que estou aproveitando de verdade esses dias longe, tô me sentindo bem, feliz e em paz. Acho que conversar sobre trabalho com qualquer um do trabalho enquanto estou de férias vai acabar com essa sensação tão boa que venho sentindo.
- Agora eu entendi.
- Bom, pra você não ficar na mão em momento importantes como este que tá a gente fazer o seguinte - penso numa alternativa - Vou organizar minhas anotações e dados importantes e mandar para seu e-mail. Inclusive, vou te dar acesso a todas minhas planilhas para que sempre que precisarem de alguma coisa você possa consultar, tá bom?
- Tá bom - ela disse, e soltou uma leve risadinha - Deus, parece que você está aproveitando muito bem, hein!
Eu coloquei um pedaço do bolo na minha boca, saboreando. O amor que sinto por bolo de cenoura é inexplicável.
- Sim, eu estou bastante.
- Espero que suas férias sejam incríveis, tá legal? nos falamos quando você voltar. Obrigada!
- Até mais.
- Até mais, Lily.
Eu jogo o celular para o outro lado da cama, de repente, tensa.
De repente não. Sabia que uma hora isso chegaria. Sabia que uma hora eu lembraria que isso são férias.
Nada mais, nada menos que férias.
- Luke, você está em casa? - Ouço uma voz subindo as escadas, me apresso para arrumar meus cabelos e esconder meu corpo nas cobertas - Luke? se estiver pelado, saiba que estou entrando.
E então a porta se abre, o quarto tá meio escuro, mas não tanto assim.
- Caramba, que bom que está aí, pensei que já tinha ido com calvagar com o papai! - Ela diz, entrando e acendendo a luz, mas antes de sequer olhar pra mim, ela olha pro quarto analisando a bagunça.
Realmente está uma bagunça
- Preciso de uma carona, eu e minhas madrinhas na verdade pra decidirmos os... - mas ela se interrompe, assim que percebe quem de fato está no quarto.
Não Luke, seu irmão.
Mas eu. Apenas eu.
Ela me observa, desde meus cabelos possivelmente bagunçados até a minha tentativa de esconder meu corpo debaixo das cobertas.
- Oh, Lily - diz, surpresa
- Oi - sorri um pouco envergonhada
Ela coçou a garganta
- Luke já saiu? - Perguntou
- Acho que sim.
- Ok - ela passa as mãos pelas calças jeans, evitando meu olhar - Acho que vou embora então. Se o vir avisa que preciso dele.
- Catarina! - Chamo antes que dê meia volta. Ela me observa e apesar de não dizer uma única palavra consigo ver que está incomodada - Tudo bem?
- Sim, tudo bem.
Sem mais nada a ser dito, Catarina desceu as escadas com a mesma velocidade com que subiu.
- De quem foi essa maldita idéia? - Luísa perguntou, olhando de cara feia para uma galinha.
Sim, uma galinha.
- hummmm... Minha? - digo, tentando afastar outra galinha para pegar os ovos dela.
- Então você é a maldita aqui. - Luísa responde mal humorada
- Não faça drama, Luísa. Eles estão sem ovos!
- Mas eles estão acostumados a invadir um galinheiro para pegar... Aí, que nojo! Que isso? Bosta de galinha? - ela fez som de vômito, tentando se afastar das fezes de uma das dez galinhas que têm aqui nesse espaço tão pequeno.
- Avisaram a gente para não usar nossos sapatos - Eu lembro, olhando para minhas botas acabadas
- Você me mete em cada uma, Alicia! - continua reclamando
Eu peguei outros ovos, afastando com as mãos uma galinha que saiu correndo, gritando.
- Pense pelo lado bom, Luísa, estamos fazendo algo bom - Eu digo - Ficamos o dia todo sentadas no sofá, ou conversando coisas banais... temos que ajudar também.
- Está falando como se fosse da família - Esfregou seu sapato no chão, fazendo careta. Logo em seguida abriu um sorriso travesso - Opa, me esqueci que você já é. De papel e tudo.
Revirei os olhos
- Você gosta de falar disso - observo - Acho que já tem ovos o bastante.
- Lily - Ela chama, me impedindo de fazer qualquer movimento. Seja sair do galinheiro ou ousar furtar outro ovo das galinhas.
- Hum?
- Já se decidiu?
- Sobre o quê? - olhei pra ela confusa
- Sobre tudo isso - Girou o dedo no ar - E sobre Diego e Luke, principalmente o Luke.
Mordi o lábio, sentindo minha cabeça arder, e sentei numa madeira próxima.
- Acho que você acabou de sentar em fezes de galinha - ela disse
- Com certeza sentei - senti algo estranho na minha bunda - Ele me liga todos os dias, Luísa.
- Diego?
- Sim, e eu não estou atendendo. Nem ele, nem ninguém do meu trabalho, nem nada do tipo.
- Você está de férias, garota.
- Estou, mas avisei que podiam entrar em contato comigo sempre caso precisassem.
- Ok, e qual o problema? atenda ué.
- Não é isso - suspirei, olhando para uma galinha bicando a outra
- Você ainda está sentada aí, Lily?levanta sua nojenta! - Exclama Luísa
- Sabe por que eu fui embora, não sabe? - perguntei pra ela
- Por que você tinha medo?
- Não. Eu nunca tive medo, esse é o problema.
- Como é?
- Luísa, eu e Luke nos conhecemos e ficamos juntos por três meses. Mal nos conhecemos e na loucura e na emoção ele me pediu em casamento, e depois de três meses a gente casou. Luke sempre me trouxe isso, amor, paixão, loucura... E eu gosto, me sinto viva pra cacete, me sinto a pessoa mais feliz do mundo e a mais maluca também... Mas como eu podia simplesmente abandonar minha vida em outro país, meus sonhos e objetivos por um casamento repentino? Eu sempre julguei todo mundo que deixava sua própria vida de lado por causa de alguém e quando vi em menos de uma semana aqui eu já estava me tornando essa pessoa. Doente de amor, apaixonada, louca por alguém que mal conhecia. Quando meu telefone toca, seja minha assistente, seja Diego ou até mesmo o Sr.Persson eu me lembro de uma vida que construí sem o Luke, e eu odeio ela, e isso me magoa sabia? eu batalhei durante anos, estudei pra cacete para concluir o ensino médio, entrar numa faculdade e me tornar quem eu sempre quis ser. Aí eu me lembro o porque deixei Luke fora de tudo isso, porque fui embora.
- Por quê?
- Amar é bom, mas não é tudo na vida. Não era o amor que iria me incentivar a estar no auge da minha carreira como estou hoje. Me sinto egoísta falando assim, mas é a verdade.
- O que você sente por ele especificamente?
- Eu sinto tudo, Luísa. Tudo. É tão... Tão, indescritível a maneira que Luke faz eu me sentir desde o segundo que o vi pela primeira vez.
- Você não fala assim do Diego. Você mal fala do Diego.
- Eu nunca amei o Diego.
- Me conta uma novidade - caçoa
- Ele não me ama também, é só um relacionamento de duas pessoas que se gostam, mas não se amam.
- Por que você aguentou esse relacionamento sem amor por 1 ano então, Lily?
- Por saudades eu acho. Saudades de ter alguém, sentir alguém, querer alguém. Ao mesmo tempo que é aliviante pra mim estar com ele sabendo que... que... - me senti sem palavras, cômico, pois tenho tanto a dizer.
- Que? - incentivou
- Que não vou sentir medo e indecisão sobre as coisas da minha vida como minha carreira, meu futuro e o... o amor.
Ela ficou em silêncio, então eu continuei. Melhor aproveitar a brecha e de uma vez abrir o meu coração.
- Luke me cega de todas as maneiras Luísa, eu amo, eu quero, eu imploro, eu desejo, a cada segundo da bosta do meu dia a dia, e a única coisa que me deixa espantada com tudo isso é saber que isso não me assusta, e deveria. Como posso mudar minha vida de repente por alguém? como passo amar alguém que mal conheço? como posso querer alguém que só conhecia a três meses?
- É assim que é o amor, Lily. Você tem que aprender a lidar com ele se quiser Luke na sua vida.
Fiquei em silêncio, e finalmente levantei da madeira com coco de galinha. Meus sentimentos são tão terríveis na minha cabeça que sentar em cima disso não me deixa tão agoniada quanto a tudo que estou sentindo.
- O amor me deixa com medo, principalmente porque não tenho medo.
Ela ficou em silêncio me observando, então perguntou de novo?
- Já decidiu?
- Sobre Luke e Diego?
- Exato.
- Eu sempre vou escolher o Luke, Luísa. Mesmo que em algum momento minhas atitudes digam ao contrário.
- Então de um basta nessa situação, Lily.
- É complicado - respirei fundo - Estar com Luke significa faze-lo abandonar as coisas que ama, esse lugar é tudo pra ele, sempre foi. Ou, eu, abandonar tudo que amo e conquistei longe daqui, e eu não me vejo feliz sem nada daquilo, é a minha vida.
- Agora eu entendi
- Eu sei que entendeu.
- Você tem medo dele te pedir pra ficar em algum momento não é?
- Sempre tive esse medo - fui sincera - porquê sabia que mesmo meu cérebro dizendo não o meu coração diria sim.
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