Two

ㅤㅤㅤOs olhos de Toji seguiram-na até a porta, vendo a figura feminina sumir quando o barulho do trinco anunciou a entrada. Estava irado, com a mandíbula cerrada e as mãos firmes em punhos. Apesar de sua atenção ainda estar fixa na porta pela qual Sakura havia partido, seu pensamento mantinha-se preso naquele jardim, com as palavras da esposa ecoando em sua mente. A falta de ressentimento ou raiva para com ele, deixava-o com o orgulho ferido e demasiadamente perplexo. Sakura já não era a mesma mulher a qual se casou, não era mais a humana que havia conhecido há alguns anos. O que, na extensão de seu frio coração, uma pequena centelha de respeito ganhou vida. Um reconhecimento relutante de sua compostura inabalável em meio à tempestade de emoções que os rondava de maneira tão intensa.
ㅤㅤㅤApós a partida do jardim, Sakura refugiou-se no próprio quarto, onde não se levantou da cama durante o restante do dia. Estava mentalmente exausta devido à discussão acalorada e, como se já não fosse o suficiente, as roupas que vestia não eram adequadas ao clima gelado de ventos matutinos de mais cedo. Os cobertores eram aconchegantes, tanto que se cobriu até a cabeça a fim de manter o frio longe. Ora ou outra, suspirava cansada, desgastada pela mesma situação, pelos sentimentos carregados que mantinha no peito. Não negava, estava evitando-o, afinal sempre acontecia o mesmo quando se encontravam: uma discussão que os faziam se afastar ainda mais - não que fossem próximos, de fato, não eram.
ㅤㅤㅤA noite chegou, o tempo passando como um borrão de puro silêncio frio e incômodo. Toji reviveu as palavras da esposa durante todo o dia, assombrado pelos pensamentos incessantes da conversa no jardim. Seus esforços pareciam inúteis, tanto que nem caminhar sem rumo pelos corredores do palácio eram suficientes para acalmar sua mente conturbada. Aquela era a primeira vez que remoía algo por tanto tempo.
ㅤㅤㅤEstava distraído, inerte à realidade. O solado das botas batia contra o chão de madeira de ébano envernizado, ecoando pelos corredores escuros e silenciosos. Seus olhos de um verde intenso vagavam pelos candelabros presos às paredes, junto das inúmeras pinturas. Ora ou outra encarava as portas dos quartos, estes usados para os numerosos convidados estrangeiros que se hospedavam no palácio em épocas festivas. Seus passos guiaram-no pelo labirinto de corredores até retornar para a ala real, onde parou inconscientemente em frente ao quarto de Sakura. Ele encarou a porta ornamentada e vislumbrou o brilho fraco que transpassava pela fresta, iluminando o chão. Permaneceu imóvel em meio ao corredor, quebrando o silêncio com sua respiração antecipada e demasiadamente pesada demais. Estava apreensivo.
ㅤㅤㅤEm um sobressalto, como se houvesse sido pego no flagra, o elfo soltou um suspiro irritadiço quando a porta do quarto fora aberta bruscamente, mas logo recuperou sua postura estoica e contida. A figura feminina vestida em uma camisola de seda, com os pés descalços e uma manta sobre os ombros desnudos chamou-lhe a atenção mais do que deveria. Seus cabelos róseos recaiam pelas laterais de seu bonito rosto, acentuando sua imensurável beleza. Não conseguia lembrar quando fora a última vez que a vira daquele jeito, se é que alguma vez havia visto-a de forma tão desleixada. Estava acostumado com os vestidos pesados, cobrindo-lhe cada parte do corpo curvilíneo. Os cabelos longos presos em tranças ou coques, mas nunca de fato soltos. E a maquiagem, aquelas sombras escuras que destacavam suas íris com tamanha veemência.
ㅤㅤㅤSakura estava surpresa, vê-lo rente à sua porta quando já era tão tarde da noite jamais havia lhe passado pela mente. Seus olhos buscaram pelos dele, a curiosidade brilhando juntamente do reflexo das chamas das velas presas aos candelabros nas paredes. Esperava por uma justificativa ou ao menos uma desculpa, afinal, o que ele fazia ali?
ㅤㅤㅤO elfo parecia desconfortável, talvez pelo constrangedor momento de silêncio que reinava. Ambos encaravam-se com intensidade, travando uma batalha onde ele buscava em sua mente uma razão para justificar sua estadia. Não esperava vê-la acordada quando já era tão tarde, mas lá estava ela, agora recostada no batente da porta aberta, com os braços cruzados abaixo dos seios enquanto mantinha o peso do corpo apoiado em uma das pernas. Estava sem palavras, sem fôlego.
ㅤㅤㅤ- Bem... - murmurou, a voz grossa preenchendo a quietude dos corredores banhados pela luz suave das velas. Ele pausou brevemente, as palavras estavam presas na garganta. Seu semblante bonito torceu em uma carranca insatisfeita, estava buscando uma explicação coerente que não soasse absurda. - Eu só...
ㅤㅤㅤ- Você só? - anuiu a mulher de cabelos róseos enquanto sorria de forma travessa.
ㅤㅤㅤEle não respondeu de imediato, mas seus olhos meticulosos vagaram das íris verdes de Sakura para os seios, logo descendo o caminho até a fenda da camisola que expunha sua pele. Não devia estar olhando, ao menos, não de forma tão descarada e primitiva. Limpando a garganta em um pigarro, suspirou profundamente enquanto também cruzava os braços sobre o peito.
ㅤㅤㅤ- Estava caminhando - justificou com certa impaciência, o sorriso que ela sustentava nos lábios irritava-o. No entanto, o que mais lhe incomodava era a sensação estranha de tê-la atormentando seus pensamentos e instintos de forma tão direta. Céus, ela estava em sua cabeça o dia inteiro! - E também, verificar se estava bem...
ㅤㅤㅤCom a risada baixa provinda de Sakura, Toji sentiu a pequena brasa que queimava dentro de suas entranhas incendiar. O escárnio mascarado na voz da esposa era o estopim de sua paciência. Não era um homem estressado, mas ela sabia os lugares certos onde devia pressionar para provocá-lo. Com isso, deu um passo à frente, diminuindo a distância considerável que mantinham.
ㅤㅤㅤ- Nunca fez isso. Nem mesmo apareceu no quarto que devíamos dividir após o casamento. - Sakura ergueu brevemente a cabeça, mantendo seu olhar fixo ao dele. Não havia negado a aproximação, mas não recuaria diante seu ato de superioridade, pelo contrário. - Por que está preocupado? Justo agora? Está com a cabeça desordenada?
ㅤㅤㅤ- Não estou desordenado - retrucou o elfo com certa impaciência, estava desgostoso e isso era evidente em seu semblante carrancudo. Seu orgulho estava ferido, novamente. Tinha plena consciência de que não havia cumprido seu papel como esposo, tal qual companheiro. - Estou apenas tentando ser pragmático. Afinal, não seria bom para nossa reputação se a deixasse em seu quarto após uma discussão complicada.
ㅤㅤㅤ- Toji, todos deste lugar tem plena ciência que não somos um casal. Tanto que, acredito que sequer esperam herdeiros provindo deste casamento - Sakura explicou, enfatizando calmamente os limites que o relacionamento tinha. Uma pequena centelha de cansaço e desgosto transpareceu em seu rosto, estava exaurida. Com isso, ergueu uma das mãos até o rosto e, com o dedo indicador e polegar, massageou as têmporas enquanto mantinha os olhos fechados. - Não venha até mim com falsa simpatia ou importância.
ㅤㅤㅤSakura estava faminta, não havia comido nada durante o dia inteiro e, graças a isso, estava com uma dor de cabeça insuportável. Internamente, estava feliz pela dor, afinal, graças a ela, evitou uma possível discussão que não tardaria a acontecer.
ㅤㅤㅤ- Não é falsa simpatia - Toji murmurou, baixo o suficiente para que a esposa ouvisse apenas um resmungo. O elfo não sabia ao certo o que dizer ou fazer, queria protestar, defender sua honra e reputação perante as palavras da esposa e os demais súditos de seu reino, mas sabia que tudo era a mais pura verdade.
ㅤㅤㅤTodos sabiam do casamento arranjado, sabiam de seu ódio para com os humanos. Mas, em comum acordo, os anciãos acreditaram que Sakura fosse aquela que carregava o sangue de Thalentir em suas veias, afinal, a semelhança era absurda. E, graças a isso, o casamento aconteceu.
ㅤㅤㅤPara Toji, tudo aquilo não passava de uma desonra, algo inadmissível. Visto que Sakura não oferecia nenhum benefício à Lír Arōn, uma vez que ela era uma simples humana. Reconhecia que a humana possuía boa educação e um ótimo conhecimento em áreas que outras mulheres - até mesmo de seu povo - não tinham interesse, como, por exemplo, montaria e estratégias de guerrilha. Mas, ainda assim, para Toji isso não era o suficiente e, possivelmente, nunca seria.
ㅤㅤㅤ- De qualquer forma, vá para seu quarto ter seu repouso. - A voz feminina trouxe-o novamente a realidade, estava completamente perdido em seus pensamentos. - É tarde, você retornou depois de tanto tempo longe que seus deveres e obrigações se acumularam. - murmurou a mulher de cabelos róseos, voltando à sua postura estoica. Abaixando as mãos aos lados do corpo, desencostou do batente da porta e, com um passo longo para trás, buscou a maçaneta da porta com os dedos. - Boa noite, Toji.
ㅤㅤㅤA porta se fechou.
ㅤㅤㅤO elfo permaneceu parado ali por mais um tempo, com a mente confusa pela breve conversa. Uma parte dele desejava estender a mão e impedir que ela partisse, desejava dizer algo que nem mesmo sabia o que era. Mas, quando a porta bateu contra o trinco sem sequer esperar por sua despedida, teve a sensação de que aquela era uma péssima ideia. Com isso, virou-se e caminhou para o próprio quarto.
ㅤㅤㅤQuando Toji entrou no comodo aquecido por uma aconchegante lareira, permitiu-se suspirar fortemente, exaurido pelo péssimo dia. Encostou-se na porta e escorregou até que chegasse ao chão, onde se sentou e apoiou o rosto nas mãos. Apesar de seu exterior estoico, suas emoções eram uma completa confusão. As lembranças do olhar frio de Sakura o atormentava, como também a forma esbelta em que ela se encontrava, envolta em uma camisola de seda e com seus bonitos e exóticos cabelos soltos. Estava se sentindo estranho.
ㅤㅤㅤAté tentou deixar esses pensamentos de lado, a fim de concentrar-se em suas responsabilidades. Mas a memória da voz melodiosa da humana continuou repetindo em sua mente. Com isso, preferiu erguer-se do chão frio e acomodar-se na cama. Precisava dormir, pois o dia seria exaustivo e difícil.
ㅤㅤㅤSakura, que esperava o barulho dos passos do marido desaparecer, sentou-se à beira da cama em silêncio. A lareira crepitava baixo, indicando que o fogo estava perecendo lentamente e o restante da lenha estava tornando-se cinzas. As chamas dançavam em um ritmo constante, lançando sombras pelo cômodo tranquilo e acolhedor. Ponderar sobre as coisas era um dos muitos hábitos que a humana possuía e, neste momento, ponderava sobre o que acabara de acontecer naquele dia. No fim, Toji ainda era o mesmo e ela também, ambos com seus orgulhos irredutíveis e egos inflados para com suas opiniões e decisões egoístas. Apesar dos quatro anos de casamento e da vivência difícil, repleta de desencontros, aquela era a primeira vez que tudo parecia tão estranho. Que ele parecia estranho.
ㅤㅤㅤEm seu íntimo, tinha a certeza de que ele mentira sobre estar preocupado com ela, mas, mesmo tentando a todo custo convencer-se disso, a curiosidade ainda lhe pairava na mente. E, atormentada com tudo aquilo, deu-se por vencida após um longo tempo desperta. Quando a fogueira na lareira se apagou, Sakura abraçou seu próprio corpo e permitiu que o sono vencesse.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top