30 ♻ crash ♻
Um vício não se desenvolve sozinho. Está tudo em nós. O arrependimento que vem e que vai se fizéssemos diferente. Juramos tantas vezes que íamos ser diferentes.
Contra a palma da minha mão havia um maço de tabaco quase vazio, um isqueiro dentro, achado no restaurante e três cigarros, o maço de Yugyeom perdido pelo meu quarto.
Entre os dedos amacei um pouco a caixa, como se fosse culpa dela a vontade de achar que um cigarro afastaria os mil e um pensamentos que tenho.
Estava tão escuro ali, no primeiro andar das escadas de incêndio do estúdio de Jimin, acima dos candeeiros da rua mal iluminada. A janela estava aberta, para que eu pudesse voltar, e os meus pés em meias contra o degrau de metal e gelado.
Neguei com a cabeça para mim mesmo, amaçando mais aquilo e enfiando no bolso do blusão, pendendo a cabeça entre os braços, suspirando.
Não era tempo para vícios.
"Ei, Jun..." Eu o ouvi murmurar, do sofá, onde ele dormia antes, os dois, nós, e agora levantava-se, vindo até a janela e espreitando.
Eu sorri de canto, olhando os meus pés descalços e logo depois ele estava passando uma perna pela janela, ficando em pé na minha frente, o cobertor do sofá pelos ombros, escuro.
"Vá descansar." Disse eu, a voz baixa, tão baixa, olhando para o fim da rua abaixo de nós.
"Você, hun... Não se sente mais confortável dormindo comigo?" Ele perguntou, quase tímido, e eu soltei uma gargalhada, segurando a ponta do cobertor e puxando-o com calma, levando-o a sentar-se ao meu lado e cobrir as costas dos dois.
"Que tonto." Respondi eu, entre o cobertor passando a mão pela sua cintura e encostando a bochecha no seu ombro.
"Você parece perdido."
E não estava?
"Eu estou." Admiti então, esfregando o nariz ali e rindo de mim mesmo. "Me conte coisas."
"Quais coisas?" A sua mão correu até os meus cabelos, mexendo ali com carinho e a outra passando pelos meus ombros, segurando o cobertor sobre nós.
"Coisas de Jimin."
Eu o ouvi rir, contendo os movimentos, virando-se mais para me acolher melhor, e eu aceitei, encostando-me ali e abraçando-lhe a cintura.
"Eu, hum..." Distraído ele voltou a ajeitar o cobertor sobre as minhas costas. "Arranjei um emprego para... para manter o loft. E para... pagar a você esse mês."
"Ya, eu não quero." Resmunguei eu, tão quente ali, tão confortável. "Mas estou feliz. Você não vai desistir."
"Não, não vou." Assegurou, a sua perna cruzando a minha no degrau. "Mas é uma... Uma coisa pequena. São só umas horas. Você... Você conhece aquele restaurante em que os atendentes se vestem de forma engraçada e é unicamente para crianças?"
"Sim, eu ia lá antes."
"Bom, eu consegui lá, não é muito, mas paga o aluguel. Preciso procurar mais."
Eu concordei com a cabeça, ficando ali por mais um pouco antes de o frio realmente nos atingir.
E embora o frio, nós ainda ficamos ali mais do que devíamos, sem nos vermos mas tão juntos, de todas as formas, com os pés encolhidos e juntos, no cobertor pequeno e que mal aquecia, meio abraçados.
Depois fomos para dentro, onde o estúdio já ganhava mais, já era mais, já tinha algumas coisas de Jimin por perto, as garrafas de água vazias voltavam a estar junto do espelho, a desarrumação. Embora fosse cansaço, era cor, como uma nova decoração do lugar e era tão linda.
Os dois estávamos prontos para dormir de novo, estava tudo como devia, lado a lado no sofá que sabíamos ser um sofá cama e que não abríamos, os dois cobertores dali, a janela fechada e mais quentes. Então o quê que faltava?
"Jungkook..." Chamou ele, deitado ao meu lado, tentando mexer as pernas sem as envolver nas minhas, de lado para mim, que estava de barriga para cima e de olhos abertos para o teto. "Porquê que você leu?"
O meu coração saltou uma batida, aquela coisa toda outra vez dentro de mim como se fosse a primeira vez. Como se eu soubesse tudo na ponta da língua e não doesse mais.
"Eu não sei, estava ali e eu só..." Eu acabei suspirando, sem saber como explicar o que me tinha levado a invadir a sua privacidade. "Me desculpe." E esfreguei os olhos, querendo afastar tudo desse jeito.
"Ao contrário do que Taehyung pensa, eu não... Eu não fiz nada." Começou ele, o tom de quem tinha tanto para explicar. "Eu não fiquei sentado me tornando uma pessoa com quem ninguém quer estar." As suas mãos subiram, juntas para perto de si, as unhas brincando umas nas outras, nervoso. Eu o olhei, mas ele desviou o olhar, porque não queria assim. "Eu vi alguém, eu vi alguém sobre o assunto. E ele, ele me mandou escrever as coisas que doíam e que... As coisas que eu sentia."
O meu peito subia e descia, pensando sobre como Jimin ficara tão mal com a ida da avó e ao invés de se deixar ir na maré, como todos pensaram, ele estava tentando, realmente tentando, vendo especialistas e tentando o que podia.
"Como foi?"
"Horrível." Foi a primeira palavra, o ar escapando das suas narinas quase como uma risada. "Quer dizer... Eu tinha deixado a dança, e depois... Depois aquilo, antes nós, e eu não sabia... Não tinha... Não tinha nada bom naquele momento, por mais que eu buscasse."
Aquilo era a pior parte. Ele tentou. Ele tentou buscar algo bom para ele e o que esse algo fez? O mandou embora, sem saber.
"Você vai conseguir, as coisas vão voltar ao normal. Você vai voltar a dançar, o estúdio já está e-"
"Você." Ele sorriu de canto, finalmente envolvendo as pernas nas minhas. "As coisas boas vêm com você."
Eu nada disse, tocado por aquilo, mas sabendo que não era assim e se fosse não era assim que devia ser visto.
Jimin tinha tudo com ele, era tão forte, ele por ele, era tão... tudo.
Continuávamos a ter tudo, mas não dormíamos por nada, como se faltasse sempre alguma coisa.
"Jimin, você..." Eu acabei prendendo o ar, sem saber quanto aquilo me custaria e dadas as recentes descobertas, o quanto doeria. "Você quer trabalhar lá, no restaurante? Umas horas no Duno's e umas horas lá eu acho que você podia... conseguir."
"Mas a sua mãe está procurando alguém?"
Não.
"Sim, ela precisa de ajuda."
"A sério?" Ele acabou se entusiasmando, se sentando e me fazendo abrir os olhos, os cobertores levados por ele. "Isso seria bom! O restaurante é perto daqui e talvez desse mesmo!"
Eu concordei com tudo, com todos os planos semanais que ele estava fazendo, prometendo igualmente que logo no dia a seguir de manhã nós poderíamos ir encontrar minha mãe e discutir todas essas coisas, embora no caminho ainda tivesse de convercer essa mesma mãe de que não havia ideia melhor do que aquela.
"Obrigado, Jungkook." Ele disse então, cortando a excitação, sendo sincero e sério. "Eu acho que sem você, eu já teria desistido. E eu não quero, não quero desistir e nem te quero longe."
Doía tanto.
Jimin não sabia que agora doía, que depois de tudo era duro tê-lo tão perto e saber de tudo o que estava para trás e não estava para a frente.
A esperança é suposto nos agarrar, mas a falta dela nos solta?
Na manhã seguinte, quando eu ergui o rosto do sofá, Jimin já estava comendo cereal junto do balcão da cozinha. Parecia sorridente, com um caminho todo planejado e eu começava a ficar nervoso de o ter encaminhando em uma coisa que não era tão certa.
"Eu te acordei? Me desculpe, eu estou entusiasmado."
"Às vezes acho que você gosta da minha mãe mais do que faz parecer."
"Eu não faço parecer o suficiente?" Questionou ele, incrédulo e com a boca cheia, engolindo tudo. "Porque eu gosto bem mais dela do que você." Brincalhão, piscou-me o olho enquanto eu calçava os sapatos com calma, negando com a cabeça.
"Está pronto, huh?"
"Sim! Mas... não vai comer?"
"Eu posso comer depois."
No entanto, se tivéssemos ficado mais um minuto que fosse talvez as coisas não tivessem terminado tão trágicas naquela manhã.
O caminho até o restaurante ia se encurtando e eu não via uma maneira de adiantar a minha mãe do que lhe pediria. Sem outra opção, eu acabei pegando o celular, pensando no que digitar e atento à estrada.
"Quer que eu envie algo?" Ofereceu Jimin, me vendo com o objeto na mão e sendo simpático.
"Não, eu só queria avisar Aurora que... Vai chover hoje."
"O quê?" Jimin uniu as sobrancelhas, estranhando aquela mentira tanto quanto eu e as minhas ideias geniais. "Não parece que vai chover."
Eu acabei sorrindo quando ele olhou pela janela.
"Me diz quando eu puder ir." Pedi eu, referindo-me aos carros vindos do lado dele naquele entroncamento.
"Sim." Ele disse, enquanto eu olhava a tela por um segundo, e isso me fez arrancar, sem entender que tudo havia sido um mal entendido. "Ainda n-"
"Ji-"
A minha mão chegou a tocar a sua coxa, como se isso o pudesse tirar dali, como se isso o fosse fazer teletransportar para um lugar que não fosse do meu lado, naquele dia, naquela hora, naquele momento.
Ficar do meu lado sempre te fez mal, Jimin, mas nós insistimos tanto.
Um vício não se desenvolve sozinho. Está tudo em nós.
E pum. Embatemos.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top