28 - O Livro dos Sonhos
"Traga pretzels pra mim."
Estávamos em frente ao carro. Todas as minhas malas já estavam no porta-malas de Kat. Apesar de manter um bom humor, Dimitri parecia um pouco abatido pela minha breve viagem.
"Trago, mas você precisa me dar alguma coisa em troca deles também."
"Tipo o que?", ele perguntou, com o cenho franzido.
"Sei lá. Que tal um encontro de verdade? A gente já namora há mais de um mês e ainda não tivemos um momento só para nós."
Ele meneou a cabeça para o lado, como um cachorrinho tentando assimilar um comando. Depois deu um de seus sorrisos irresistíveis.
"Vou pensar em alguma coisa legal."
"Brenda, vamos! Você vai perder o voo.", Kat gritou de dentro do carro.
"Já vou!", respondi. "Bom, acho que é hora de nos despedirmos.", entrelacei minhas mãos em volta de sua cintura e ele se aproximou de mim.
"Não demore, brotinho. A luz do dia fica opaca quando você não está aqui."
"Você não me engana, soldado. Eu sei que diz isso para todas as suas garotinhas.", brinquei.
"Me pegou!"
Depois, com o indicador, traçou pequenas linhas imaginárias em minhas bochechas e maxilar, enterrou as mãos em meus cabelos e me puxou para um beijo. Tão suave e calmo, como se tivesse todo o tempo do mundo e como se fosse o último. Os lábios se ajustando bem aos meus. Sentou-se no capô do carro e me puxou contra si. Depois de quase um minuto, relutante, ele nos separou, mas antes, dando uma sutil mordiscada em meu lábio inferior.
"Mais um pouco e os dois ficam pelados aqui mesmo!", Kat saiu do carro e me puxou para longe dele. "Diga tchau, Brenda."
"Tchau!", disse, me lamentando.
"Tchau brotinho! Não esqueça meus pretzels.", ele gritou em uma última despedida.
Depois de vinte minutos estávamos no aeroporto. Eu contava tudo o que aconteceu para Kat, desde alguns detalhes de Riverwood que acabei esquecendo nas outras conversas até coisas que descobri sobre a Live Our Way. Deixei alguns detalhes ocultos a respeito dos déjà vus de Sondra. Depois, contei para ela as intenções de Kevin de me encontrar em Nova York. E ela reagiu exatamente da forma que eu imaginei que ela reagiria: ela quase me esganou.
"E você concordou?"
"Ah... Sim. Ele não vai ficar no mesmo lugar que eu. Nem vai pegar o mesmo voo que eu. Vamos só nos ver por lá."
"Contou para o Dimitri? Não né? Porque isso tá errado, Brenda. Imagina se eu dissesse pro Phellix que eu iria viajar pra Nova York e lá me encontraria com o Patrick, ou com Tyrone ou até mesmo o Declan!"
"Espera aí, Kat. Você já namorou o Tyrone?", perguntei, surpresa.
"Eu só peguei ele, mas isso é assunto pra outro dia. Não muda de assunto."
"Não estou querendo mudar de assunto. Só quero dizer que não é nada demais. Kat, Kevin é incrível e não quero perder a amizade dele sendo uma grossa. E se você sugere que ele será algum tipo de 'tentação' para mim, não se preocupe. Eu amo o Dimitri e não vou traí-lo."
Pensei que Kat falaria mais alguma coisa ou insistiria em me repreender ainda mais. Mas ela apenas assentiu e disse para sairmos logo do carro para eu não perder o voo.
A viagem foi cansativa e entediante. Lembrei-me das duas viagens que fiz com Dimitri e como tudo ficava diferente com ele.O que esse homem fez comigo?, eu pensava. Qualquer coisa sem ele se tornava algo tedioso e sem emoção. Então, passou pela minha cabeça que era o melhor momento para aquela viagem. Ironicamente, a presença de Strauss tirou de mim meu foco inicial: Algumas Cartas. Então, tratei de tentar tirar ele da minha cabeça por enquanto e imaginar como seria com meu livro dali em diante.
Não deu muito certo porque, durante um cochilo, eu tive um sonho.
O hálito dele era fresco como o perfume dos pinheiros daquela floresta. O rio continuava tranquilo e resplandecia a luz do pôr do sol, quente e aconchegante.
Nossas roupas estavam molhadas, depois do mergulho que demos mais cedo, então permanecemos apenas com nossas "roupas de banho" improvisadas. Minha cabeça descansava sobre o seu peito.
Eu sei que a maioria das garotas gostam que os homens sejam viris e másculos, com os braços, pernas e peitos serpenteadas por pelos mais másculos ainda, mas realmente Dimitri nunca foi um desses homens. Não sei se era genética, mas quando encostava minha cabeça em seu peito, sentia que estava encostando em um travesseiro de tão macio e liso que era. E eu preferia assim. Na verdade eu preferia tudo nele que o fizesse ele mesmo.
Suas mãos brincavam com meus cabelos ainda úmidos... E nem eu, nem ele dizíamos nada. Me levantei para encarar seu rosto. Seus olhos castanho- claros quase ofuscaram a visão dos meus por tamanho brilho que emanavam sob a luz do Sol. Ele abaixou a visão do céu para mim e olhou para meus lábios. Foi o convite perfeito para que eu colasse eles nos dele. Cada beijo e toque reproduzia centenas de fogos de artifício em meu interior. E era viciante.
Não foi o único sonho que eu tive durante essa viagem. Alguns cochilos depois, no avião, táxi e no hotel, passei a vislumbrar uma série de fragmentos de sonhos - mais parecidos com memórias - que ficavam cada vez mais coloridos e... Reais. Depois do quinto fragmento, peguei um caderninho da minha mala e passei a anotar:
Acho que nos sonhos eu sou Sondra.
Porque não a vejo, nem escuto ou sinto. Eu simplesmente estou vivendo o que ela viveu.
"Memória 5"
Alguns dias antes de Sondra, ou melhor, eu, ter sido pega pelos soldados alemães, recebi uma carta de Dimitri contando sobre os primeiros ataques, seus amigos e a falta que sentia de mim. Sondra, ou melhor eu, estava começando a sentir alguns enjoos e suspeitava de estar grávida. O que é mais estranho é que o fato de Sondra estar grávida ou não sempre foi algo que coloquei nas entrelinhas.
Jamais escrevi essa cena.
Jamais escrevi a historia no ponto de vista dela.
Grifei bem as últimas linhas:
Devo investigar mais o Imaginare e descobrir o porquê destas memórias.
Aquela memória tinha sido a mais forte de todas. Tão forte que quando acordei, senti a mesma vontade de vomitar que Sondra sentiu no momento que parou de ler a carta. Aquilo estava mesmo muito estranho. A minha entrevista com os editores seria no dia seguinte, às 9:00hs. Então, tentei entrar em contato com Kevin. Se tinha alguém poderia saber o que estava acontecendo comigo, era ele.
Eram mais ou menos cinco horas da tarde, então resolvi mandar uma mensagem para ele.
Já chegou?
Dois minutos depois ele respondeu.
Kevin Pyro: Cheguei ontem. As coisas não estão fáceis na companhia.
Hesitei antes de propor o que eu queria. Mas eu precisava de ajuda... Eu já havia chegado há quase um dia e meio e sentia que ia enlouquecer se não falasse com ninguém ou, pelo menos, saísse para passear pela cidade.
Quer conversar? Vamos nos encontrar.
Kevin Pyro: Onde?
Central Park. Daqui uma hora. Meu hotel não é muito longe.
Kevin Pyro: Hahaha, mas o meu é. Me dê no mínimo duas horas.
Ok.
Eu já conhecia Nova York. Tinha vivido pelo menos três aventuras com Kat na cidade que nunca dorme fora as vezes que eu e Declan visitamos nossa avó Frida durante a infância. Vovó Frida era uma versão de Kat com 70 anos. Ela não era o tipo de avó que nos fazia chocolate quente com biscoitos, mas era o tipo que nos levava para tomar um frapuccino no Starbucks. Sempre senti falta dela, mas depois de casar com um velho indiano, ela se mudou para Mumbai e nunca mais a vimos.
Pelo menos ela era feliz.
Vesti uma saia comum e uma das minhas camisetas "I Love New York" e sai do hotel, à procura de um táxi. Era hora do rush - ou seja lá como eles chamam isso - já que o transito de saída do turno administrativo estava intenso. Fiquei com medo de chegar muito antes que Kevin - tinham muitos loucos naquele parque à noite - mas ele já estava lá quando eu cheguei, sentado no banco em frente a barraca de cachorro quente do Rei Tutty - péssimo nome - como combinado. Ele estava com uma calça social preta, camisa branca e gravata frouxa. Parecia lindo e destruído ao mesmo tempo.
"Você demorou", ele disse, enquanto apreciava um cachorro-quente enorme.
"Pensei que você tinha dito que seu hotel era longe. Como chegou mais rápido que eu?", perguntei.
"Existe uma coisinha chamada metrô... Já ouviu falar?"
Revirei os olhos e me sentei ao seu lado.
"Seu faraó, vê um completo pra minha amiga aqui!"
O homem começou a preparar o lanche, com uma carranca.
"Ele não gosta que eu o chame assim", Kevin sussurrou. "Ele diz que o nome da barraquinha faz referencia ao rei Tut e o rei Tut não era um faraó."
"E nem tinha o nome com dois 'Ts' e um 'y', mas ok."
Ele riu.
"Mas me diga, o que houve lá na empresa"
Kevin suspirou e começou a falar. Eu realmente não sei o porquê de eu ter perguntado aquilo, já que tudo o que tinha em minha mente era aquele emaranhado de supostas lembranças de Sondra Yelzen e o que seria de mim na entrevista, na editora. Kevin notou isso, pois enquanto ele reclamava de um dos sócios super arrogantes do pai dele, ele notou que eu não escutara nem um por cento do que ele estava falando.
"Brendy o que você tem?"
Peguei o cachorro- quente do Tutty e suspirei antes de dar uma enorme mordida e começar a falar.
"Kevin, quando Bimbo ainda estava vivo, você tinha... Sonhos estranhos?"
Ele franziu o cenho e depois de dar uma última mordida em seu cachorro- quente, respondeu.
"Você sabe que os poderes de Bimbo eram diretamente relacionados aos sonhos. Então não tenho como te dar uma resposta exata, já que era difícil diferenciar o surreal da realidade com ele. Mas por que a pergunta? Aconteceu alguma coisa?"
"Eu ando...", hesitei por um instante. "Tendo alguns sonhos estranhos. Quase lembranças com Dimitri e são de partes que eu não escrevi em Algumas Cartas."
"Podem ser apenas sonhos comuns, quem sabe..."
"Não! É algo a mais eu sinto. Só não sei o que é.", soltei a última frase em um sussurro murcho.
Depois de alguns instantes, Kevin se sobressaltou, como se lembrasse de algo.
"Tinha um bibliotecário lá na universidade, que me ajudou na época do Bimbo. A entender tudo melhor, sabe... Eu não sei como, mas ele conhece mais sobre o Imaginare mais do que ninguém. Eu acho que... Sei lá. Você deveria procurar ele quando voltasse. Eu te ajudo!"
Depois dessa conversa, eu e Kevin caminhamos mais um pouco, mas logo tive que me despedir. Prometi que pensaria a respeito desse bibliotecário, mas que naquele momento deveria focar em minha entrevista. Ela seria no dia seguinte e eu deveria descansar.
Como se eu tivesse conseguido.
A maior parte do tempo passei me remexendo na cama, tentando manter a minha mente focada em qualquer outra coisa que não fosse as supostas lembranças de Sondra. Mas o esforço fazia doer minha cabeça como se quinhentas furadeiras escavassem minha órbita craniana.
Me levantei dez minutos antes do relógio despertar. Tomei um banho rápido, passei uma grande quantidade de pó e base no rosto para disfarçar as olheiras, coloquei meu vestido azul social e um salto combinando. Era hora de partir.
Apesar do trânsito estar intenso e os metrôs serem a melhor opção nesta hora, decidi pegar um táxi, com medo de acabar errando a estação ou qualquer outro desatre que somente Brenda Mitchoff seria capaz de causar.
Apesar das minhas inúteis e insistentes súplicas para que o motorista pegasse algum atalho, ele fez questão de seguir pela região mais engarrafada. Não sei se para receber mais, ou apenas para me provocar, mas no final de tudo, ainda consegui chegar chegar com dez minutos de antecedência.
"Brenda Mitchoff. Tenho uma entrevista com Peter Firest em dez minutos."
A recepcionista digitou uma série de coisinhas em seu computador e olhou para mim, simpática.
"Oh! Bem-vinda, Brenda. A sala do senhor Firest fica no décimo andar. Já mandei um recado para a secretária dele e você já pode subir."
Agradeci, alegre e ansiosa e fui até o elevador.
Dez andares de angústia. Dez andares de ansiedade. Dez andares de insegurança. Dez andares pensando em Dimitri...
Definitivamente, tudo aquilo era sobre ele.
A secretária, uma moça de cabelos castanhos em rabo de cavalo, óculos e jovem me cumprimentou com um abraço caloroso, muito estranho em pessoas de Nova York. Passou pela minha cabeça que ela poderia ser mexicana, italiana ou até mesmo brasileira. Nova-iorquina pura ela não era.
"Vem comigo, vou te apresentar o senhor Firest."
Animadas, fomos até a sala dele. O lugar era todo decorado em tons de prata, com pequenas esculturas de vidro e quadros modernos. Muitos e muitos livros nas estantes. A editora era enorme, mas aquele andar era inteirinho só de Peter.
"Brenda?", ele tirou os olhos do computador, se levantou e me cumprimentou com um aperto de mãos. "Peter Firest. Petunia me falou muito de você."
"Espero que tenha falado bem!", disse, tentando fazer piada. Péssima ideia.
"Sente-se. Calista, pode nos deixar a sós?"
"Claro, qualquer coisa me chamem.", ela se retirou, tímida.
Peter era o tipo de homem de negócios que deixaria qualquer garota sem estruturas. Cabelos bem penteados e escuros, pele bronzeada e luxuoso de uma forma indescritível. Um típico deus de Nova York.
Nos sentamos e demorou alguns instantes para que qualquer um de nós dois falássemos. Ele ficou me estudando por um bom tempo. Até que tomei a atitude.
"Bom...", minha voz falhou. "Eu fiquei muito impressionada com o e-mail de Petunia. As coisas aconteceram tão rápido e..."
"Sim, Petunia me entregou uma cópia do seu manuscrito. Disse que sua história tinha tudo para bombar e que eu deveria lhe dar uma chance. Que você tinha talento.", ele falava com os olhos fincados em um monte de papéis.
Senti algumas lágrimas querendo nascer em minhas pálpebras. Quase ignorei o fato que ele havia me interrompido. Eu odiava ser interrompida.
"Meu Deus... Não sabe o quanto eu..."
"Eu considero muito Petunia, pelos anos que trabalhamos juntos.", ele me interrompeu outra vez. "Então resolvi ler logo esta história e dar meu próprio veredito antes de te chamar e dar mais algum passo."
Ele arrumou os papéis e olhou para mim, esperando que eu fizesse a seguinte pergunta.
"E então... O que achou?", perguntei, mordendo os lábios.
"Com toda a sinceridade, senhorita Mitchoff... Achei sua história clichê, sem graça e completamente desprovida de riqueza literária."
Imagina só vc ir cheio de esperanças pra um lugar e levar um tiro na cara desses?
O que acharam desse capítulo? Como será que a Brendy vai reagir perante tamanha crítica? Só quem é escritor sabe como é receber uma patada dessas... E doi😢
E esses sonhos? Hummm
Bjs tia Carol ❤
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top