24 - A Resposta Perigosa
Eu ainda não entendia o porquê de criar um concurso de monólogos em pleno natal, onde apenas uma peça comum seria o suficiente para alegrar os corações sedentos pelo "espírito natalino". Talvez seja uma velha estratégia para o pastor Jones ganhar dinheiro fácil, já que a taxa de inscrição era vinte dólares.
Mas, o que eram vinte dólares perto dos três mil que eu ganharia se vencesse? Na hora que vi o anúncio, hesitei por alguns instantes antes de chamar a atenção de Dimitri. Ele procurava nas prateleiras o pote de mel.
Algo que eu esqueci de mencionar a respeito da personalidade de Strauss é que ele tinha uma dificuldade inexplicável na hora de escolher as coisas. Lembro- me do capítulo de Algumas Cartas sobre a escolha das armas antes da ofensiva em um dos esconderijos alemães. Enquanto todos já estavam posicionados e entrando nos tanques de guerra, Dimitri ainda estava na base escolhendo entre um rifle e outro, exatamente como ele fazia com o mel naquele momento.
Fui até o corredor onde ele estava e o chamei para vir comigo. Ele pegou pelo menos três potes de mel diferentes antes e jogou na cestinha azul do mercadinho.
"Olha isso!", disse, logo depois de chegarmos ao quadro de anúncios.
Ele leu o anúncio, cuidadosamente e depois disse:
"Tá, mas e daí?"
"E daí que vamos participar.", disse animada. "Isso é o que preciso pra ajudar meus pais!"
"Brenda, como sabe que eles precisam apenas de três mil dólares? Eles com certeza precisam de mais. Já cuidei de fazendas e se nos anos trinta e quarenta era caro, imagine hoje."
"Ah, mais vai ser divertido." disse fazendo um biquinho bem ridículo. "E quinhentos é melhor do que nada."
"E eu acho que tudo isso é uma desculpa sua pra subir no palco e brilhar sozinha!", ele disse, com um sorrisinho sarcástico.
"E quem disse que sou eu que vou apresentar esse monólogo?"
"Não vai ser você? Então vai ser quem?", ele perguntou confuso e eu logo dei meu sorriso mais malicioso de todos.
"Não! Não Brenda, não vou dar uma de ridículo em um palco de novo. Lembra da última vez em Orlando?"
"Mas Dimi, aquilo deu errado porque você estava bêbado. É uma peça de natal e você canta tão bem. E tem presença de palco. Vão te amar."
"Não. Eu disse não."
"E se eu der algo em troca?", disse, apoiando minhas mãos em seu pescoço.
"Ainda vai ser não!", ele falou, dando um sorriso irritante de orgulho próprio.
"E se esse 'algo em troca' for um beijinho?"
"Hum... Não!", ele ainda estava cheio de orgulho.
Então roubei um beijo dele. Demorou uns vinte segundos, de forma que pude mapear o beijo de Dimitri Strauss. Lábios quentes, macios e sedentos, diferente da outra vez em que eles estavam congelando. Irradiando vida. O beijo dele não era urgente e desesperado. Ele era calmo, como se ele tivesse todo o tempo do universo, mas ao mesmo tempo convidavam os meus para mais.
Não poderia parar para descrever todos os beijos de Dimitri Strauss. Mas cada beijo dele me levava a outra dimensão. Me tirava da realidade e me fazia imaginar se algo assim poderia ser realmente possível se ele fosse real.
Eu não deveria tê-lo deixado ir.
Foi a primeira vez que senti aquilo. Das outras vezes, parecia mais um déjà vu ou uma espécie de flashback. Mas aquilo era diferente. Era como se, por um breve momento, minha mente assumisse os pensamentos de outra pessoa. Eu senti que Dimitri estava indo embora e senti que sua partida significaria apenas uma coisa: a morte. E foi isso que interrompeu nossos vinte segundos de eternidade. Isso, e a sensação de estar sendo observada. Quando cessei o beijo, olhei para janela e vi que as velhas sentadas do outro lado da rua, nos observavam de maneira reprovativa, provavelmente pensando "a infame Mitchoff não mudou nada.".
"Olha só, elas estão nos olhando...", disse, tentando fazer disso um álibi para a minha repentina expressão de desespero.
"Nossa, estão mesmo!", ele disse, sério, e depois abriu o sorriso. "Acha que elas gostaram do show?"
"Acho que não.", tentei falar em tom de brincadeira, mas a angústia me tentava a vacilar.
"Acho que se nós acrescentarmos um pouquinho mais de indecência, talvez elas gostem!", falou, com um olhar malicioso.
"Acho que não vai pegar bem pegações no mercadinho, Strauss."
"Não. Mas isso vai..."
Então ele abriu o zíper da jaqueta, deu um tchauzinho para as velhas, puxou a camisa de baixo e colocou a ponta dela na boca, deixando a barriga e parte do peito expostos.
"O que você tá fazendo, seu louco?"
"Estou fazendo um topless pra elas.", e começou a se requebrar, em uma coisa que era uma mistura de dança do ventre, do robô e minhoca eletrocutada ao mesmo tempo. Comecei a rir, descontroladamente, emitindo um som semelhante ao som de um burro sendo espancado por um pedaço de madeira. As velhas olhavam com ódio.
"Para seu louco, elas vão te matar!", disse ainda rindo.
"Vão nada. Eu sei que elas gostam!"
Depois de mais algumas risadas, eu o ajudei a escolher o pote de mel, passamos pelo caixa e saímos.
"Que droga de dança era aquela?", perguntei.
"Era tipo Carmen Miranda. Já viu ela? Com todas aquelas frutas?"
"Sim eu já vi, e isso é muito velho! E eu te garanto que aquilo não estava pra Carmen Miranda e sim pra lagartixa prestes a ver a luz!"
"Ei... Eu me lembro de já ter usado essa expressão."
"Naquele dia que roubamos as roupas do Phellix!"
Ele deu uma batidinha com o indicador na cabeça e assentiu.
"Ah sim. Agora eu me lembro. Você tem uma memória boa, brotinho!"
"Pois é. Já fazem cinco meses."
Andamos de mãos dadas pelo centro, sem motivo algum. Creio que da mesma maneira que eu queria apreciar este momento nosso, ele também queria. A pergunta que fiz a ele, alguns minutos depois, é o tipo de pergunta que eu deveria enterrar se quisesse ter um bom relacionamento com ele. Mas, depois daquelas coisas que vieram a minha mente enquanto nos beijávamos, eu pensei que seria bom saber como Dimitri ainda se sentia em relação ao passado.
"Dimitri, você ainda sente falta de Sondra?", perguntei, repentinamente.
Ele hesitou, por alguns instantes, pensando na resposta, o que me deixou preocupada.
"Sabe, brotinho, eu odeio mentiras. Então estarei sendo sincero se disser que ainda sinto muita falta dela."
Tentei não me abater, mas murchei tão rápido quando uma boia furada por uma faca.
"Quando eu apareci aqui, neste mundo, e fiquei sabendo que nele não havia mais Sondra, fiquei desolado. Pensei que... Jamais conseguiria amar alguém outra vez. Mas ai veio você. Não me pergunte como ou porque, mas depois de alguns dias do seu lado eu comecei a sentir aquela coisa estranha que eu estou sentindo agora mesmo.", ele puxou minha mão direita e colocou sobre o seu peito. "Está sentindo? O ritmo não para. Só aumenta."
Sentia o coração dele pulsando por baixo de minhas mãos, do tecido de sua blusa e sua pele. Era tão rápido quanto o meu.
"Novamente... Não me pergunte como ou porque. Cinco meses é um período muito curto de tempo para fazer alguém fazer outra pessoa se sentir assim. Mas você faz eu me sentir assim."
"V-você quer dizer que..."
"Eu quero dizer que eu te amo, Brenda."
Não é possível descrever a sensação que eu senti naquele momento. Foi uma vitamina de sentimentos, todos triturados e misturados, unidos e condensados dentro de mim e crescendo e crescendo...
"Katrinne me falou um dia que, enquanto eu não estivesse convicto de meus sentimentos e não te amasse, não deveria fazer você sofrer. Quando disse ao seu irmão que você é a única que pode me fazer sofrer eu não menti. Porque ultimamente, Brenda, anda difícil imaginar o meu eu sem você e isso me preocupa.", ele dizia em um tom de sinceridade.
Isso me preocupava também. Porque eu conhecia a intensidade do amor de Dimitri por Sondra e sabia que seria praticamente impossível ele amar outra pessoa assim, tão rápido. Nem em um milhão de anos, para ser sincera. Mas ele não estava mentindo. O sentimento estava ali. E como eu fui tola em querer esquecer estes fatos a respeito da natureza de Strauss. Eu simplesmente aceitei sua declaração e o respondi com o perigoso...
"Eu também te amo."
Quando entramos no carro, resolvi voltar à conversa anterior.
"Não pense que sua declaração fofa de amor vai me fazer esquecer da história dos monólogos. Nós vamos fazer isso."
"Droga, meu plano deu errado!", ele disse. "Sério que você vai me obrigar a isso?"
"Sim. E vamos nos inscrever agora mesmo. Deixa que eu me encarrego do script e do figurino."
"Não mesmo. Você vai participar também."
"Mas é um monólogo, Strauss. M - O - N - Ó - L - O - G - O."
"E daí? Você pode ser uma figurante, sei lá. Qualquer coisa."
"Olha, discutimos isso depois. Mas vamos nos inscrever?"
"Vamos, fazer o que?"
Então liguei o carro e levei a gente direto para a igreja. Nada havia mudado lá. O mesmo prédio cor bege, com uma cruz na fachada e uma placa escrita "Igreja Batista de Riverwood." Segurei as duas mãos no volante, me lembrando da humilhação que passei no dia em que tive que ir conversar com o pastor, a respeito de Isaac.
"Meu filho é um bom moço, mas é humano. Você se ofereceu para ele e ele caiu. Foi um deslize."
"Você não ouviu nada do que eu falei? Ele filmou e planejou tudo."
"Ele te obrigou a fazer alguma coisa?"
"Brenda?", Dimitri me tirou dos meus devaneios. "Tudo bem?"
"Sim, sim...", menti. Mas então, suspirei, vencida. "Na verdade não. Eu tenho péssimas lembranças deste lugar."
"Podemos deixar isso pra lá!"
"Não. Vai ser divertido. E eu preciso parar de fugir do pastor Jones. Vamos!", disse, já saindo do carro.
Assim que entramos na igreja, vimos diversas pessoas, de diversas idades, montando fila pelo corredor principal. Abaixo do púlpito, tinha uma garota, com a cara em vários papeis, anotando nomes. Estava bem barulhento. Quando as pessoas me viram entrando com Dimitri, percebi que algumas começaram a cochichar. Ele soltou as mãos das minhas e ficou abraçado comigo. Ele tinha um talento nato para provocar as pessoas.
Quando chegamos à mesa, vi quem era a garota que trabalhava nas inscrições e me surpreendi:
"Tricie Ortega?"
"Brenda!", ela se levantou e me abraçou. "O que faz aqui?"
"Vim visitar minha família. E você?"
"Ah, resolvi seguir seu conselho. Pedi demissão da Disney. Agora voltei pra casa, fiz as pazes com meus pais e até voltei a ajudar com as coisas da igreja."
"Tricie, fiquei por aqui durante anos e não me lembro de você! Sabia que era de Wisconsin, mas não de Riverwood. Fiquei realmente surpresa!", sorri.
"Ah, é porque houve uma época em que meus pais estavam separados e eu morei durante um bom tempo com minha mãe no Novo México. Acho que quando voltamos, você já havia partido."
"É um mundo pequeno. Mas fico mais feliz por te ver de novo!", disse, realmente muito feliz.
"E ai, vai participar deste concurso bobo?"
"Vou sim, pode colocar nossos nomes."
Falamos nossos nomes e ela os anotou na pequena planilha que controlava.
"Alguma dica?"
"Olha não posso dar dicas, já que sou diretamente ligada ao júri.", ela falou. "Mas quem sabe mais tarde?", disse sussurrando e com um sorrisinho.
Anotei o numero de Tricie no meu celular. Por sorte, não encontrei o pastor Jones. Ela disse que as audições seriam em três dias, então quebrei a cabeça pensando em uma forma de escrever um roteiro neste pequeno intervalo de tempo até as audições. Dimitri falava alguma coisa sobre músicas do Michael Jackson no carro, mas eu estava completamente distraída, tentando extrair ideias da minha própria mente para o monólogo de natal.
No final, depois de muito quebrar a cabeça e a ponta dos lápis em meu quarto, bati o recorde e criei um roteiro em menos de quatro horas chamado Relatos de um anjo figurão. Eu já tinha a história, agora eu precisava de pelo menos três músicas. E era ai que o Declan entrava.
"Declan, poderia compor três músicas pra mim em menos de três dias?"
Ola amigos❤
Desejo a todos (atrasada hahha) um feliz ano novo :)
Até a próxima ❤❤
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