23 - Jantar em Família

Quando dei a notícia para o meu pai, foi questão de segundos para que o rosto dele ficasse vermelho, ele fechasse os punhos e, depois erguesse um dos dedos bem no rosto de Dimitri e falasse:

"Se você magoar minha filha, eu juro que eu..."

"Vai cortar minha garganta?", Dimitri o interrompeu. "Declan já, me alertou, senhor!"

Dimitri estava calmo. Com um leve sorriso no rosto. Não o sorriso de alguém que estava tentando desafiar, mas um sorriso de alguém que realmente queria ser legal.

Meu pai, recuou, aliviando um pouco suas expressões. Mas, ainda assim, falou de forma rude:

"O último disse o mesmo que você!"

Respirei fundo. Meu pai não citava a estória de Isaac na intenção de jogar algo na minha cara. Mas, de qualquer forma, doía quando ele mexia neste cadáver. Era como se tudo isto jamais pudesse ser esquecido.

"Senhor, com todo o respeito, eu não sou Isaac Jones. A única pessoa que pode me machucar é a sua filha! E se depender de mim, ela pode o fazer quantas vezes quiser, mas ainda vou estar aqui."

Mamãe percebeu o clima pesado no recinto e começou uma de suas graças:

"Ui! Meu Deus! Arrasou dessa vez, filha."

Nenhum de nós pode conter a risada. Primeiro eu, depois Declan, Dimitri e, após uns instantes, até meu pai cedeu a brincadeira e soltou uma gargalhada. Depois, ele disse:

"Acho bom! Bem, vamos nos acomodar. Você, Dylan, pode ficar no quarto com Declan. Temos um colchão extra."

Dimitri foi subindo com as malas, e Declan ia logo atrás. Mamãe me deu outro abraço. De repente, ouvi um latido atrás de mim. Era Rojão, o cachorrinho que meus pais encontraram nos arredores da fazenda, na última vez em que os visitei. Ele era um vira- lata, pequeno, de pelos brancos no corpo todo e uma mancha negra na barriga. O rosto, mesclado por tons de negro e branco. Senti meu sorriso nascendo de orelha a orelha quando o pequeno bichinho felpudo começou a se esfregar em minhas pernas.

"Hey, menino!", o peguei em meu colo e acariciei seus pelos. "Mamãe, e a Betsy?", perguntei.

Betsy era minha vaca preferida da fazenda. As vezes, parecia que ela escutava tudo o que eu falava. No dia em que descobri sobre o vídeo de Isaac, após a briga, quando cheguei em casa, corri direito para o celeiro e chorei, desabafando coisas que jamais conseguiria desabafar com ser humano algum. Ela respondia com um simples "Muu", mas que já era muito mais reconfortante que um "vai dar tudo certo".

Subi com minhas malas e fui direto para o celeiro. Estavam lá, todos os bichinhos, protegidos do inverno. Bois, vacas, galinhas e o galo, Nixon, desfilando em volta delas.

"Machista opressor!", disse, dando um sorrisinho pra ele. Ele eriçou suas penas e me respondeu, com um cacarejo de desprezo.

Caminhei mais um pouco até encontrar Betsy e, então, a abraçar.

"Oi, linda!", disse, completamente animada.

"Muu."

"Ai, senti tanta sua falta. Tenho tantas novidades. Adivinha... Lembra- se do Dimitri?", eu acariciava seu rosto comprido, olhando em seus olhos negros e tocando uma de suas várias pintinhas marrons.

"Muuu!"

"Ele está aqui! Sim, Betsy, agora ele existe."

Eu lia tudo o que eu escrevia para a Betsy em voz alta, enquanto ainda morava em Riverwood. E, assim como ela sempre escutava o que eu falava e desabafava, ela era uma ótima ouvinte, também, em minha leitura.

"Muuu!"

"Eu sei, incrível, não? Vou trazê-lo aqui para você o conhecer, mas não diga nada a ele sobre o livro. É nosso segredinho!", toquei em seu focinho úmido e ela mugiu mais uma vez. "Boa garota!"

Fui tomar um banho depois disto. Viagens de avião sempre me deixavam cansada. Meu quarto ainda permanecia inalterado, com todos os fragmentos que minha adolescência poderia deixar. Posters dos Jonas Brothers, colchas rosas e florais, frases de livros que eu adorava - pintadas a mão em minha parede bege -, fotos com minhas amigas e família acima da escrivaninha branca, onde meus velhos rascunhos de outras histórias ainda descansavam em suas gavetas. Peguei uma velha camiseta da Hannah Montana, da época que fui no show de gravação do DVD da Miley, antes ainda dela subir nua em bolas de demolição e adotar um estilo bem mais ousado. Coloquei, também, um moletom rosa para acompanhar o meu look maltrapilho.

O cheiro de comida da mamãe já invadia minhas narinas. Desci as escadas e vi papai e Declan na sala, comentando algo sobre o jogo de basebol que passava na TV. Segui até a cozinha, onde Dimitri ajudava a minha mãe, colocando a mesa, enquanto ela tirava o bolo de carne do forno.

"Ual, o cheiro está ótimo!"

"Eu sabia que iria querer bolo de carne quando chegasse, Brendy. E Dylan disse que também adora, então acho que acertei em cheio.", mamãe disse, colocando a bandeja no centro da mesa.

"Da próxima vez, senhora Mitchoff, a cozinha vai ser minha! Sei fazer um frango ao molho que, modéstia a parte, é de lamber os dedos e os beiços."

"Meu Deus, Brendy! Onde encontrou este cara?", mamãe disse, sem tirar os olhos da decoração da mesa.

Eu e Dimitri sorrimos, tímidos.

"Sei lá, eu acordei e, de repente, ele estava lá!", eu disse, como se essa fosse nossa piada interna.

Mamãe chamou meu irmão e meu pai para comermos. Durante o jantar, meu pai fez as clássicas "perguntas de namorado". Onde ele nasceu, o que ele fazia da vida, o que queria do futuro, se já usou drogas... As duas perguntas que mais causaram desconforto em nós foi sobre a idade e se já tínhamos... Bom... Feito coisas de casais. Claro que ele perguntou de uma maneira bem mais indiscreta que essa.

Mas Dimitri manteve a calma durante todo o interrogatório e escapamos do jantar dos infernos. Ele subiu, sem muitas cerimônias, enquanto fiquei sozinha com meus pais, arrumando a cozinha.

"Você não alivia mesmo, né pai?"

Papai riu, pegando uma cesta cheia de papéis e colocando na mesa, já limpa.

"Não. Mas eu gostei dele. E estou feliz por estar finalmente com alguém."

"Ah é? E por que foi tão grosso?", eu disse, secando o prato, ainda com ligeiro sorriso no rosto.

"Porque sou um pai. Esse é meu dever. Mas a verdade é que, há um tempo, comentava com sua mãe que você andava sozinha durante muito tempo e merecia alguém especial. Merecia... Esquecer tudo aquilo. Fico feliz por você, bebê."

"Obrigada, papai", agradeci e o abracei, sentindo seu barrigão aconchegante me espremer. Sentia falta disso.

Depois, ele se sentou, pegou os óculos pendurados no pescoço, dentro da camisa, e começou a remexer nos papéis da cesta.

"O que é isso?", perguntei, me sentando ao lado dele.

"Contas e mais contas, meu amorzinho!", sua alegre expressão mudou para algo inquieto e preocupante. Mamãe se sentou também à mesa vazia, feita de papéis.

"Nossos principais clientes mudaram seus fornecedores, filha." mamãe começou. "Se lembra da Relley's S.A? Que compravam nossos leites e ovos? Se foram. Era uma pequena empresa, mas ainda assim pagavam muito bem. Mas, conforme foram crescendo, começaram um cultivo em fazendas próprias. Todos em Riverwood estão sem clientes e até as feirinhas estão sem movimento."

Olhei os papéis. Contas de água, luz, telefone, internet, coisas da manutenção da fazenda.... Tudo atrasado.

"Mas como faremos agora? Não restou cliente algum?"

"Até restaram, mas nenhum que pague tão bem quanto a Relley's." papai disse.

"Filha, não está nada fácil. Nós até..." mamãe fez uma longa pausa, como se decidisse se realmente deveria falar o que ela pensava." ...Pegamos dinheiro com o senhor Fuller."

"Mas o senhor Fuller é um agiota! Isso é muito perigoso."

Fiquei com tanta pena e culpa pelos meus pais, que não pude dizer mais nada. Era revoltante o fato que eu e Declan já éramos adultos e não podíamos ajudar em nada. Tanto eu como ele conseguimos bolsas em nossas universidades, então, apenas estudávamos. Se trabalhássemos, teria sido possível ajudar meus pais.

Joguei meu corpo na cama, sentindo a textura e o conforto do meu velho colchão e afundando a cabeça em meu travesseiro velho e pensando em tudo. O que seria de meus pais? Agiotas sempre foram perigosos e pela grandeza do problema, eles pegaram uma quantia grande. Fiquei o tempo todo pensando no problema até pegar no sono.

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Acordei com um frio lancinante. A temperatura vinha diminuindo conforme os dias passavam e a tendência era ficar pior. Lá fora, a neve caía de forma mais frequente e parecia mais grossa do que no dia anterior. Então, peguei uma de minhas jaquetas enormes, calças grossas de moletom e fui procurar Dimitri pela casa. Ele e meu irmão estavam em frente ao computador, vendo algum clipe no Youtube.

"Espero que não seja sacanagem isso aí que vocês estão assistindo!", eu disse.

Eles se viraram para mim, ambos sorrindo, segurando os fones e balançando seu corpos no ritmo da música que ouviam.

"Acredita que ele não conhecia Linkin Park?" Declan disse, completamente animado. "Cara, em que mundo você vivia quando era moleque?"

"Não era ligado em música como sou hoje!"

Eu amava a ligação que meu irmão e Dimitri estavam criando. Parecia que, apesar do embate inicial, eles estavam se dando muito bem agora. Mas, naquele momento, eu precisava desabafar com alguém. 

"Dylan, podemos conversar um pouco?"

Ele entendeu o meu olhar e a forma que a minha voz soou. Parecia que já sabia me ler quase tão bem quanto eu o lia.

"Lá vem, Brenda Mitchoff e seus dramas de mulherzinha!", Declan zombou.

"Ele é meu namorado, não seu!", resmunguei e puxei Dimitri pela mão.

Então o levei para fora, Eu o puxava para cada vez mais distante da casa, indo e indo pelos campos cheios de neve, passando pelo Bruster, nosso imenso trator vermelho, até que me sentei, na neve mesmo, e puxei Dimitri para sentar do meu lado. Ele colocou a touca, com as mãos frementes de frio.

"O que foi, Brendy?"

Não sabia por onde começar, nem o que falar. Só sabia que precisava contar a alguém sobre minha inquietação e a melhor pessoa para isso era ele.

"Meus pais. Estou preocupada com eles."

"O que houve?" ele perguntou, esquentando minhas mãos nas suas.

"Eles estão falindo. Não conseguem vender para mas ninguém e ainda, pegaram dinheiro com um agiota. Fico preocupada de algo acontecer com eles se... "

Tentei engolir o choro. Mas eu realmente estava preocupada. Ele viu que algumas lágrimas começaram a aparecer e as enxugou.

"E é incrível. Sou adulta, independente, mas não posso ajudá-los. Sou inútil."

"Por favor, Brenda. Não acredito que está falando isso! Olha, nem tudo é como a gente quer, sabia? Se você não trabalha no presente momento, é porque está construindo seu futuro, estudando e não há nada demais nisso."

"Eu sei, mas..."

"Sem 'mas'. Olha, seus pais são adultos e muito mais experientes que você. Eles sabem o que tão fazendo. Relaxa."

Assenti. Ele tinha razão. De qualquer jeito, eu pedia a Deus que alguma coisa aparecesse, para ajudar meus pais. Resolvi mudar de assunto.

"Você se saiu bem ontem, Sr. Strauss."

"Acha mesmo?", ele abriu seu sorriso doce e gigantesco como as casas de João e Maria.

"Sim! Meu pai disse que gostou de você."

"Não acredito."

Rimos, esfregando nossas mãos.

"Mas, me diga, essa história de namoro é verdade mesmo?", ele perguntou, esperançoso.

"Só respondo se você me disser se realmente aquela história de que somente eu posso te fazer sofrer é verdade."

Ele tirou uma mecha da minha franja do rosto.

E meu coração virou pó em segundos.

"Poderia um cara, que detesta mentiras, mentir?"

"Poderia!"

Ele estalou os dedos, fingindo uma decepção.

"Acabou com meu argumento!"

Dei uma risadinha, puxando minha touca.

"Mas sim, era verdade. Ainda é. Não tenho como provar só com palavras. Preciso de uma chance. Você me dá?" ele perguntou, outra vez, com aquele sorriso que poderia me alegrar em momentos mais tristes que eu poderia passar.

"Por que quer isso? Eu sou chata, irritante, indecisa e..."

Ele me interrompeu, selando seus lábios nos meus. Ah, ainda me lembro da sensação de choque e surpresa inicial e depois da sensação boa de sentir ele assim, comigo, outra vez. Ambos na mesma sintonia, trancados em nosso próprio universo. Só nós dois. Seus dedos adentrando no calor da minha touca e dos meus cabelos, o beijo que insistia por mais...

"Chega, sua boca está gelada!", interrompi, com nossos lábios ainda próximos.

"Você que me forçou a sentar na neve, brotinho." ele se levantou. "Vem, sua mãe pediu pra comprarmos mel para o chocolate quente que ela vai fazer de tarde."

Pegamos o carro que Declan nos buscou no aeroporto. O centro era muito próximo de casa, então chegamos em vinte minutos. Conforme andávamos pelas ruas pequenas, algumas pessoas me cumprimentavam, mas o que me fez sentir mal foram as velhas que ficavam rondando a vida dos outros, sentadas nos banquinhos em frente aos brechós de Riverwood. Anos já haviam passado, e elas ainda me olhavam torto. Dimitri percebeu, e quase instantaneamente me puxou para perto de si e me abraçou, encarando- as. Aquilo me arrancou um rápido sorriso e uma onda de satisfação vingativa.

Entramos no mercadinho, enquanto ele pegava o mel, eu  encarava distraída o pequeno painel de madeira disposto na parede ao lado da porta. Até que vi o anúncio.

Concurso de monólogos de Natal.

É divertido e a cara de Riverwood. O vencedor ganhará uma quantia de três mil dólares. Inscreva- se na Igreja Batista de Riverwood.

Três mil? Não sei quanto meus pais precisavam, mas seria uma boa ajuda. Só havia algo que me incomodava... A igreja!

Hey!

Como vai? E agora será que a Brendy vai entrar no concurso, mesmo sabendo que é na igreja dos seus ex sogros?
Vcs viram a novidade? Coloquei um elenco pra Você Não Existe❤ gostaram?

Me digaaaaam hahahhaah

Beijos da Carol.

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