20 - Corações Fragmentados

Eu estava em uma situação difícil no final daquele domingo. 

Depois de instigar as lembranças traumáticas de Dimitri acerca da guerra, para provar a Eun Hee a veracidade da minha história, Dimitri tinha praticamente sumido do mapa. Comecei a sentir  enjoos fortes de ansiedade, com medo de que qualquer coisa possa ter acontecido com ele, então, tentei procurá-lo mais rápido, porém, com cuidado.

Passei novamente pelos parques aquáticos, depois perto das montanhas-russas, nos cinemas de realidade ampliada... Nada. Até que finalmente eu o encontrei, sentado em um banquinho, com a cabeça baixa. Suspirei, aliviada e fui até sua direção, me sentando ao seu lado. Observei que sua pele estava arrepiada, provavelmente porque já era quase noite e ele ainda estava apenas com o calção molhado do parque aquático.

"Dimit...", ele me interrompeu, levantando a mão.

"Não quero ouvir, Brenda. Sabe... Isso não foi legal."

Ficamos ali por um bom tempo, compartilhando o silêncio. Eu não tinha como justificar o que eu fiz, então só me bastava pedir perdão.

"Olha, foi só uma brincadeira. Eu sei que foi de muito mau gosto, mas lembra quando você ficou tirando um sarro das minhas fotos com a Brizza e o Brett?", argumentei, mesmo sabendo quão baixo era fazer isto.

"Não é a mesma coisa, Brenda!", ele disse, de forma rude e dura. "Você tocou na ferida que eu tento reprimir desde que eu vim parar aqui, na sua época."

"Eu não sabia disso. Sério! Eu... Sinto muito, Dimitri."

Ele se virou para mim e finalmente olhou em meus olhos. Os seus, tão próximos ao âmbar ou ao mel ainda em uma colmeia, me constrangiam com sua intensidade.

"Me perdoa, como eu te perdoei daquela vez. Eu... Prometo que não farei mais isso!", eu disse por fim.

Pelo menos uma vez eu fui sincera... Ou quase isso. Não mencionei que aquilo era mais que uma simples brincadeira, mas a parte de pedir perdão foi de coração. O medo dele não falar comigo, mesmo que por um tempo, foi tão intenso que foi quase como arrancar alguns órgãos do meu corpo.

Segurei suas mãos, enquanto ele me olhava de forma indecifrável. 

"Tudo bem. Vamos esquecer isso..."

Sem poder me controlar, o abracei com toda força que eu poderia, sentindo meu rosto esquentar e meus olhos umedecerem.

"Obrigada!"

Ele tocou levemente minhas costas e depois correspondeu ao abraço.

"Eu que agradeço, Brotinho. Não sei o que faria sem você e... Ficar brigado com você de novo é algo que eu não suportaria!"

Senti tantas borboletas no estômago no momento, que quase me esqueci da minha decisão inicial de manter Dimitri longe de mim. Eu o queria por perto. Queria muito. Mas precisava manter as coisas simplórias com a amizade, como se ela fosse o muro que construí para me proteger do sofrimento. Do sofrimento de não ser correspondida. De Dimitri não me amar tanto quanto eu o amava. Parecia algo ridículo. Mas o que eu poderia fazer, se o amor, em si, era ridículo? Ou melhor... Ele é sempre ridículo.

"Bom... Agora vamos ao Hotel tomar banho, porque ainda temos a Casa Mal assombrada, as montanhas-russas e o Show de Fogos!"

Encontrei Kat e nós três fomos nos aprontar. Após tirar o cloro do corpo, vestimos roupas bem legais. Eu com uma regata florida e leve, jeans rasgadinhos e tênis, Kat com uma camiseta rosa e shorts e Dimitri com uma bermuda jeans e camiseta com uma estampa grafitada do Capitão Gancho. Dimitri nunca nas escolhas de camisetas. Uma hora depois, estávamos de volta ao parque.

Fomos primeiro à casa assombrada. Levamos diversos sustos, mas depois deles vinham as risadas. Os monstros, as luzes verdes e arroxeadas me davam uma ótima oportunidade de abraçar Strauss de vez em quando. E fazer isso me dava a plena convicção que eu realmente era bem bipolar em relação as minhas decisões de me afastar ou me aproximar dele. Outra coisa que o amor faz: nos de divide entre a razão e emoção. 

Depois, fomos em uma das montanhas-russas temáticas. Assim que entramos no carrinho, nos assentos da frente, propus um jogo:

"Vamos fazer que nem aquele programa, Radicalize: Eu faço um desafio pra um de vocês dois e vocês tem que responder ao desafio enquanto o carrinho desce pela montanha."

"Eu amo esse programa! Quero!", Kat disse, animada.

"Estou dentro!", Dimitri também parecia animado.

O carrinho subia e, gradativamente, meu coração começava a acelerar.

"Ok! Dimitri, fale para mim vinte palavras que comecem com B! Agora!"

"OH MEU DEUS!"

Ele começou a gritar e não conseguia parar. Já eu, não sabia se gritava como ele, ou se ria alto como Kat.

"BALEIA, BANANA, BRUXA, BIROSCA, BROTINHO, AI CARA..."

"É COM B, NÃO COM C, AHHHHH!", gritei e ao mesmo tempo o repreendi pelo palavrão.

"BANDIDO, BARÃO, BAAA EU VOU MORRER!"

No final, ficamos tão histéricos que mal pude contar as palavras, então Dimitri acabou ganhando, por falta de opções. O prêmio foi um picolé de uva, que ele reclamou o tempo todo, dizendo que merecia um prêmio muito melhor.

Depois de uma caminhada, Kat disse que voltaria para o apartamento antes do show de fogos, pois estava com muita saudade de Phellix. Provavelmente ela faria uma chamada de vídeo com o Wifi do Hotel, então eu e Dimitri fomos ao castelo mágico, admirar o show de fogos.

Estava lotado. Crianças montadas nos ombros dos pais, amigos e casais tirando fotos... Eu e Dimitri novamente compartilhando o silêncio, enquanto esperávamos o Whishes Night Time Spetacular começar, no exterior do castelo. Quando tudo começou, fiquei maravilhada com todos os fogos. Era uma cachoeira de cores se fragmentando em pequenas faíscas no ar. O barulho era alto, mas não feria meu ouvido, como acontece durante o Ano Novo... Acho que a beleza que meus olhos absorviam suprimiram todo o incomodo que meus ouvidos chatos sentiam durante tais eventos.

"Eles falam que você tem que fazer um pedido...", Dimitri sussurrou em meu ouvido, trazendo uma corrente de choque rápida em minha espinha e um sopro frio na barriga. Não o tipo de sopro frio que se sente quando está com medo. Era aquele sopro que se sente toda vez que se está com alguém especial. Aquele alguém que faz dos nosso sentimentos um playground.

"Já fez seu pedido, brotinho?"

Estávamos nos olhando fixamente. Dimitri estava com um sorriso enorme no rosto iluminado pelas cores primárias que se alternavam durante o show. Ele era tão lindo... Muito mais do que o que eu imaginava durante meus finais de semana debruçada em minha escrivaninha. Muito mais do que quando ele cintilou em minha mente pela primeira vez no Ensino Médio, enquanto rabiscava palavras aleatórias no meu caderninho da Hello Kitty.

"Dimitri! Você não existe!", eu disse com um sorriso. Não quis dizer que ele não existe, de não ser algo real... Porque ele era real naquele momento. Mas este "você não existe" saiu como aquela velha expressão que usamos quando alguém nos deixa chocados.

Ele deu uma risadinha e deslizou o dedo indicador em minha bochecha, me olhando de uma maneira que eu jamais fui olhada. Depois, os outros quatro dedos surgiram, envolvendo o lado direito do meu rosto neles, como se ele fosse uma perola e sua mão uma concha. Sua respiração veio de encontro ao meu rosto e ali nos beijamos, com toda a força e convicção que faltou na noite passada. Era como se meu coração fosse como um daqueles fogos, se fragmentando dentro do meu peito e eu sentia que a qualquer momento eu fosse cair da cama e acordar do sonho maravilhoso que eu estaria tendo. Era como se eu fosse... A Sondra!

"Sondra Nanica, aposto que você jamais viu algo tão belo quanto Londres! E ainda no Ano Novo! A única coisa que você vê em todos os anos novos é o estrume da Clécia, a sua vaca!"

Sondra Yelzen, a Sondra Nanica, estava parecendo um anjo em seu incrível vestido azul, que a deixava com um aspecto de menina e, ao mesmo tempo, uma moça madura. Eu tentava não fitá-la o tempo todo mas... Era impossível. Desviava minha atenção para os fogos.

"Papai vai me matar, Dimitri! Essa foi a ideia mais idiota que você já teve."

"E você adorou, então cale a boca e admire os fogos!"

Todos estavam nas ruas, comemorando, bebendo e caindo. Devo admitir que também era espantoso para mim estar fora da fazenda e que meu pai também me mataria. Mas eu tinha que fazer isso com a Sondra. Minha melhor amiga. Nós só tínhamos 11 e a ideia de fugir em um trem para ver o ano virar foi mesmo extrema. Mas eu tinha que fazer isso.

Havia centenas de moleques encardidos segurando rojões naquelas ruas abstratas. Era quase meia- noite e começou a contagem.

"Dez, nove, oito..."

"Meu Deus, Dimitri, quem eu vou beijar?"

"Sete, seis, cinco..."

"Aquele cara ali perto do carro. Ele está sozinho!"

"Ele é muito velho! E gordo!"

"Quatro, três, dois..."

"E aquele..."

"Um! Feliz ano novo!"

O casais de desconhecidos começaram a selar seus lábios uns nos outros e a multidão começou a nos espremer até que num impulso eu a beijei. No inicio, ela se surpreendeu tanto, que nos primeiros segundos do beijo permanecia de olhos abertos. Depois, como seu todo o meu ser e o dela optassem por isso, nosso beijo se sincronizou e a unica convicção que eu tinha era que aquilo era muito mais do que uma amizade. Era amor. Eu amava Sondra Yelzen.

Era como se eu estivesse vivendo tudo. Senti o cheiro de esgoto daquela rua em Londres, vi claramente o rosto do homem velho e gordo, encostado no carro preto e vi os garotos preparando os rojões e senti que tinha 11 anos outra vez. Empurrei levemente Dimitri longe de mim, mas com a força o suficiente de nos separar daquele beijo.

"Brenda?"

Me virei e saí correndo para longe do castelo.

"BRENDA!", eu escutava a voz dele logo atrás de mim. Até que senti ele segurando minha mão.

"O que foi? Por que está chorando?"

Comecei a secar minhas lagrimas, me sentindo uma tola. O que teria sido aquilo?

"Brenda... Tudo bem se você não quer. E-eu errei. Não deveria te forçar a ficar comigo se você só me vê como amigo."

"Não é isso. Eu quero ficar com você mais do que tudo."

"Então por que isso? Por que fugir de mim, como uma Cinderela toda vez que eu demonstro que quero você? Por que não tentar, Brenda?"

"Porque não vou suportar, Dimitri. Não vou suportar o fato de que eu... Jamais vou ser a pessoa que você realmente amou. A que você ama. Eu sinto algo por você... Que vai além das minhas palavras. Além do que eu mesma andei imaginando e isso não pode acontecer. Isso só vai me fazer sofrer."

Eu desabafei, certa de que o que eu falei não faria sentido para ele. Mas eu conhecia o meu personagem. Cada fibra do ser dele ardia de amor por Sondra Yelzen e isso não era culpa dele. Era minha. Porque eu o criei.

"Me dê uma chance. Pare de sofrer por antecipação. Não vivemos nada pra saber que vai dar errado. Me deixe... Aprender a te amar!", ele disse, segurando minhas mãos. Eu me desvencilhei.

"E-eu sinto muito! Eu não posso. Ambos vamos nos ferir."

Ele olhou para o lado e enrijeceu o maxilar.

"Quer saber? Eu cansei. Você complica tudo! Tudo! Eu... ", ele se virou e foi andando. "Esquece que aconteceu, ok? Finja que não tivemos esta conversa."

"Dimitri..."

Mas ele não disse mais nada. Tentei conversar com ele no táxi, no hotel, no avião e nada. Ele simplesmente se fechou completamente. Kat percebeu o clima entre nós. Eu desabei em seus ombros, no banheiro do avião.

"Eu ouvi a conversa de vocês dois, Kat. Eu sei o que ele sente e ele nunca vai sentir nada por mim. Mas eu só me iludo!", eu dizia chorando.

"Ai amiga, as vezes eu sinto vontade de dar na sua cara!", ela dizia, fazendo carinho em meus cabelos. "Você não deveria ficar assim por cara nenhum, Brenda. Nem pelo Dimitri."

"A culpa é toda minha.", dizia, limpando minhas lágrimas e o nariz ranhento.

"Sim, não posso negar. É toda sua. Mas pare de se torturar por isso. Segue em frente."

Me separei dela e suspirei.

"Como?"

"Seja verdadeira consigo mesma e com os outros. E quando digo outros, quero dizer Kevin."

Se as lágrimas já estavam acabando, elas voltaram com tudo a partir do momento que ela mencionou Kevin. Deveria conversar com ele quando chegasse. Ser franca pelo menos uma vez na vida.

Quando chegamos em Vancouver, na nossa casinha/dormitório, o clássico gelo de Dimitri me abateu com mais força. Aquilo estava se tornando um hábito terrível. Mas, desta vez, resolvi não chorar e encarar meus problemas de frente. Liguei para Kevin.

Combinamos de nos encontrar no porto, onde jogamos paintball em nosso primeiro encontro, em cima de um contêiner tombado. Ele estava com uma garrafa térmica com chocolate e estava abraçado comigo, tentando me manter quente. Estava muito frio e usávamos casacos enormes.

 Aquela proximidade me triturava por dentro. Eu tinha a convicção que eu era a maior vadia da história da humanidade. Kevin era bom demais pra mim e eu estava prestes a partir seu coração. Ele me contava que estava morrendo de saudades e contava sobre um evento beneficente dos betas que aconteceu no final de semana. Ele disse que eles coletaram mais de 120 brinquedos e que todos foram entregues ao orfanato Stann. Que mesmo não sendo mais o vice, Dexter exercia muito bem o seu posto e ele se sentia bem por isso. Não faço ideia de como consegui prestar a atenção em tudo o que ele falava.

"Kevin?"

"Sim?"

"Podemos conversar?"

Ele se desvencilhou de mim e me olhou, deixando um sorriso branquinho surgir.

"Claro, amor! Mas já não estamos conversando?"

Senti de novo as malditas lágrimas nascendo em minhas pálpebras. O sorriso de Kevin foi sumindo gradativamente.

"Vai terminar comigo, não é?"

Então o choro infantil começou. E quando eu achei que ele iria se levantar e descer do contêiner, ele me abraçou de novo.

"Ei... Calma. Eu não tô bravo."

"Não?"

"Eu... Meio que já esperava isso."

Assim, Kevin Pyro me surpreendeu novamente e tomou a frente da conversa que eu tanto temia.

"Brenda, eu sou escritor. Sei que o laço que você tem com o menino-russo é forte, ainda mais por causa do Imaginare. Eu sei que... Não sou capaz de competir com isso."

Se ele tivesse ido embora, teria sido menos doloroso.

"Vocês... Estão juntos?"

"O quê? Não! Eu só... Não poderia continuar com isso... Com você e amando outra pessoa. Você não merece isso." meu rosto queimava tanto, que eu quase tirei os casacos de tanto calor.

"Ual então, Brenda Mitchoff, você é mais incrível do que eu pensei que era!", ele disse, com um sorriso.

"Como isso?", meu nariz escorria, o que me dava ainda mais vergonha.

"Brendy... Você poderia continuar namorando comigo, fazer de mim uma segunda opção sem se preocupar em me chutar quando o cara russo te desse bola. Mas você não o fez. Você foi sincera comigo e respeitou meus sentimentos." ele secou algumas lágrimas minhas com o dedo.

"Então..."

"Não posso mentir, eu estou me sentindo um porcaria agora. Mas eu me preparei pra esse momento. E sei de duas coisas: a primeira é que isso não significa que desistirei de você. Vou te esperar, porque confio no meu taco. Sei que você vai me amar!"

Dei uma risadinha, mas perguntei:

"Como sabe que eu realmente estarei te amando de verdade? Quando eu te procurar?"

"Porque agora, Brenda, você terminou comigo porque eu sou como uma segunda opção. Mas, se o dia de você me procurar chegar, sei que eu serei a primeira."


Ola amigos ❤

Esse capítulo foi um tiro né? Eu admito. Novamente entramos no impasse Team Dimitri e Team Kevin. Qual time vc é?🌚
E ai galera...Feedbacks... O que estão achando?

Bjs da Carol ❤

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