19 - Flowers (Memórias de Ellie)

"Eu posso comprar flores para mim mesma
Escrever meu nome na areia
Conversar comigo mesma por horas
Dizer coisas que você não entende
Eu posso me levar para dançar
E eu posso segurar minha própria mão
Sim, eu posso me amar melhor do que você pode"

— Flowers, Miley Cyrus

Havia pouco tempo desde o término com Rob. Ellie, outrora noiva, enfrentava uma relação insuportável, impossível de sustentar em um casamento. Além disso, Rob a ameaçara repetidamente, e, apesar do carinho que nutria por ele, não poderia aceitar tal comportamento.

Desvencilhar-se daquele homem não foi tarefa fácil. Ele a seguia pelas ruas, ligava implorando para que ela voltasse, chegando ao ponto de invadir a Ópera de Paris em sua busca. Ellie viu-se obrigada a envolver a polícia para mantê-lo afastado. Embora tenha sido doloroso, era necessário. Lucy, sua amiga que estava morando em Londres, sugeriu levá-lo para lá, na esperança de que ele refletisse e mudasse suas atitudes. Ellie achou a ideia excelente e esperava, de alguma forma, que eles pudessem retomar a amizade.

Agora, aos vinte e seis anos, Ellie se tornou uma bailarina de grande prestígio. Mudou-se da casa da mãe, que tentou de todas as maneiras segurá-la, mas Ellie precisava começar a viver por si mesma. Ela iniciou um projeto no qual ministrava aulas gratuitas de ballet para meninas carentes e já acumulava uma extensa lista de espetáculos estrelados. No entanto, em seu íntimo, um pensamento martelava: teria valido a pena todo o esforço? Afinal, esse era o sonho de sua mãe. Embora estivesse tão acostumada àquela vida, sua felicidade era superficial, nunca se sentindo plena.

Encontrava-se no estúdio de ballet da companhia, treinando sozinha. Ali, com as sapatilhas de ponta, poderia expressar os movimentos de acordo com sua própria vontade. Decidiu dançar ao som de "First Light", uma de suas músicas favoritas de Lindsey Stirling, mesclando movimentos clássicos e contemporâneos. Enquanto permitia que seu corpo se movesse em harmonia com a música, uma felicidade única tomava conta dela, algo que não experimentava com nada nem ninguém. Ellie percebeu que, sempre que desejava se sentir livre, bastava calçar suas sapatilhas e dançar, ser ela mesma por meio da dança. Quando a música chegou ao fim, ouviu aplausos e, surpresa, voltou-se na direção do som, encontrando Raoul. Ela sorriu e agradeceu como se estivesse diante de uma enorme plateia. Ele, por sua vez, aproximou-se dela.


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*First Light, Lindsey Stirling*

— Você definitivamente nasceu para isso. Você se transforma quando está dançando, algo te consome e hipnotiza o público. Diga-me, Ellie Mitchels, qual é o seu segredo?

— Não há segredo, eu apenas... Sou eu mesma. — Dançar libertava sua alma, permitindo-lhe expressar todos os sentimentos reprimidos. Talvez fosse por isso que alcançou tanto sucesso no mundo da dança.

— Você sabe que muitas bailarinas te odeiam porque desejariam ser um pouco como você. És delicada como uma flor, mas feroz como um leão.

— E isso é bom? — Ela o encarou curiosa, sem compreender completamente o elogio.

— É isso que a torna única, Ellie Mitchels. Permita-me.

Ele estende delicadamente a mão em direção a Ellie, a convidando para dançar. Compreendendo imediatamente o gesto, ela se junta a ele, e juntos, improvisam uma coreografia harmoniosa. Ao finalizar a dança, Raoul a abraça por trás, depositando um beijo suave em seu pescoço, que arrepia em resposta ao toque. Em seguida, ele desliza sua mão, ousadamente, até um dos seios dela, arrancando-lhe um suspiro extasiado.

— Ellie, não consigo mais me conter quando estou perto de você. — Confessa Raoul, com sinceridade. — Eu deveria ter feito isso há tempos, mas você não percebia as minhas intenções, ocupada com seu ex-noivo. Não posso mais resistir.

— Não resista então. — Responde Ellie, com voz suave, antes de ele girar seu corpo e unir seus lábios em um beijo quente.

Embora Raoul já esteja na casa dos quarenta anos, Ellie o considera atraente, e o sexo que acontecia depois dos ensaios era eloquente. Eles decidiram manter seu relacionamento em segredo, uma vez que ambos concordaram que não é do interesse deles torná-lo público. Raoul proporcionava a Ellie uma sensação de liberdade, embora não seja ele em si, mas sim a emoção de estar envolvida em um romance proibido. Assim, ela continuou a se encontrar com ele, consciente de que estavam dançando uma dança perigosa, podendo arruinar toda a reputação que construiu ao longo dos anos.


Mesmo que ninguém pudesse provar, os boatos se espalharam. Várias bailarinas falavam mal pelas suas costas, sobre como Ellie mantinha um caso com Raoul. Inesperadamente recebeu o título de Prima Ballerina Assoluta pela academia da Ópera. As outras afirmavam que ela só ganhou o maior título entre as bailarinas porque era a "putinha de Raoul".
*off: famigerado título que no mundo real somente 11 bailarinas possuem. Esse título é atribuído as habilidades fora de série de alguma bailarina. Só para terem noção de como é um título tão único e especial, faz mais de 20 anos desde que a última foi nomeada.

Quando Ellie tomou conhecimento das palavras ofensivas, convenceu algumas colegas a revelarem a fonte e exigiu a expulsão da bailarina responsável. Por ser uma figura respeitada na companhia, a equipe técnica atendeu ao pedido de Ellie, intensificando assim a hostilidade das demais, que passaram a enxergá-la como uma verdadeira megera. Ellie percebeu que, se quisesse conquistar algum respeito naquele meio, precisaria impor-se. O clímax dessa situação ocorreu quando uma das bailarinas a chamou de vagabunda na sua frente, a desmerecendo de seus títulos. Então, bem no meio de todos, ela dirigiu-se à garota:

— Se quiser falar mal de mim, no mínimo precisa ser superior a mim. Você consegue ser melhor?

— Cale a boca! Você não é melhor do que ninguém aqui. — Respondeu a garota que dizia estar farta da equipe técnica puxar tanto o saco de Ellie.

A prima ballerina sorriu para ela, afastou-se. Se preparou e fez algo totalmente inesperado: realizou cento e cinquenta fouettés consecutivos, parando sem perder o equilíbrio. A outra garota até tentou, mas executou um número inferior de giros, o que fez Ellie sorrir triunfante. Ela aproximou-se da bailarina e, com certa arrogância, proferiu palavras que serviram como um aviso para todos ali presentes:

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*Exemplo do que é um Fouette*

— Preocupe-se mais em aprimorar suas técnicas medíocres do que falar mal de mim. Eu não sou sua amiga, e você não vai querer se meter comigo. Qualquer pessoa aqui, que queira me ofender precisa, no mínimo, executar cento e cinquenta e um fouettés sem perder o equilíbrio.

Dito isso, Ellie deixou a sala de treinamento e voltou para casa. Naquela mesma noite, encontrou-se com Raoul. Como de costume, seus encontros sempre acabavam em sexo e sendo sincera, ela até apreciava o poder que tinha em mãos. Tentou ser amigável, mas não foram com ela. Por que deveria continuar se fazendo de vítima, protegida pelos coreógrafos? Ela podia cuidar de si mesma naquele ambiente repleto de mulheres desesperadas para tomar o seu lugar.

Foram duas bombas de uma só vez. A primeira foi Raoul trocando-a por uma bailarina mais jovem, causando-lhe uma profunda raiva. Em seguida, veio a notícia que fez Liya chorar, mas não arrancou uma única lágrima de Ellie.

A leucemia retornou, desta vez de forma crônica, o que significava que a quimioterapia não teria nenhum efeito. Tudo começou com uma anemia severa. Desde que enfrentou o câncer na infância, Ellie passou por várias crises de anemia ao longo da vida, mas dessa vez foi tão debilitante que ela já sabia que não teria escapatória; o câncer iria concluir seu trabalho.

O médico prescreveu uma série de medicamentos e tratamentos que ela poderia seguir, mas de que adiantaria? Se a quimioterapia não poderia curá-la, o que valeriam todas aquelas tentativas? Ali, sozinha em seu apartamento, ela compreendeu que sua vida tinha sido uma grande farsa. Durante todo esse tempo, ela tinha vivido de acordo com os desejos de sua mãe, esforçando-se para ser perfeita em tudo. Mas será que ela realmente queria ser perfeita em tudo? Talvez, no fundo, ela apenas desejasse errar um pouco. Foi ao som de "Flowers", de Miley Cyrus, que ela percebeu que não precisava de todas essas coisas.

Então, Ellie tomou um banho prolongado, deixando que a água lavasse seus pecados. Vestiu um elegante vestido preto justo, calçou seus sapatos de salto alto e saiu. Dirigiu-se ao mercado e comprou a garrafa de vinho mais cara, que bebeu por inteiro no táxi. Entrou numa casa noturna e dançou, dançou até sentir seus pés doerem, dançou até que os seguranças a mandassem embora. Ainda sob o efeito da noite, dirigiu-se à casa de Trevor, um dos bailarinos da companhia, que ela achava encantador, e transou com ele. Enquanto permitia que ele a tocasse, seus pensamentos estavam em outra pessoa, já sabia o que precisava fazer em seguida.

No dia seguinte, foi até a companhia de dança, onde os bailarinos estavam reunidos. A apresentação da temporada seria "Giselle", e todos esperavam que Ellie assumisse o papel principal. Ela entrou vestindo um sobretudo preto, seus cabelos soltos e sapatos de salto agulha, chamando a atenção com o som de seus passos, atraindo todos os olhares para si.

— Aqui está ela, nossa estrela. — Disse Raoul, e Ellie sorriu de forma sarcástica.

Aproximou-se dele e o beijou, deixando todos surpresos. Raoul a empurrou e, em resposta, ela lhe deu um tapa forte e bem estalado no rosto, deixando-o atordoado:

— Só alguém desprezível faria o que você fez.

— O que foi, Ellie? — Ele a olhou assustado.

— Levante a mão aqui, bailarinas que deram para ele. — As garotas olharam para Ellie, assustadas, mas ela não parou. — Vamos lá, não sejam tímidas, meninas. É fácil se deitar com ele, mas admitir é difícil?

— Que vadia! — Uma das bailarinas exclamou, e Ellie riu.

— Querida, por que não admite para todos que transou com Raoul para conseguir um avanço dentro da companhia?

A garota gaguejou enquanto tentava formular uma resposta. Ellie, mantendo sua postura cínica, elevou a voz para que todos pudessem ouvir:

— Mulheres, não sejam ingênuas. Ele não vai promover ninguém em troca de sexo. Isso é apenas uma artimanha para levá-las para a cama. Você até tentou antes né? Mas eu estava num relacionamento sério e consegui subir sem seus privilégios. Mas bastou ver a oportunidade, que avançou. Você é tão ridículo, Raoul. Realmente achou que poderia comer cada bailarina e nunca seria descoberto?

— Já chega, Ellie! — O coreógrafo se posicionou à sua frente, irritado.

— Não! Eu ainda não terminei!

— Ellie, você está alterada. Vamos conversar lá fora. — Raoul tentou se aproximar.

— Sabe de uma coisa? Vai se foder! Se fode você, você, vocês todos. — Ellie apontou para todos no recinto, inclusive para o pianista, que ficou pensando no que tinha feito. — Eu não preciso dessa porcaria! Vou embora, mas não se preocupem comigo. Estarei muito bem... Bem longe daqui.

Ela se virou e não olhou para trás. Pela primeira vez, se viu livre de todas as correntes que a aprisionavam. Foi inevitável não lembrar de um certo asiático que um dia lhe perguntou o que a impedia de ser livre, e ela sorriu de orelha a orelha. No fundo, tudo o que precisava era mandar todos se danarem.

Ao deixar a Ópera de Paris, dirigiu-se à estação de trem, comprou uma passagem para o próximo trem disponível e embarcou sem rumo, apenas com sua carteira e as roupas que vestia. Seria isso o que a liberdade significava?

Depois de receber inúmeras ligações feitas por sua mãe , implorando para retornar para casa, Ellie decidiu reunir suas coisas e voltar para Paris. Durante esse período, ela não fez nada além de desfrutar de sua própria companhia. Talvez tenha percebido tardiamente que não precisava da Ópera de Paris nem de sua mãe, apenas da dança e do seu estilo livre. Afinal, esse era seu verdadeiro sonho: afastar-se de tudo o que a aprisionava.

No entanto, ela ainda ansiava por viver um romance, não apenas qualquer romance medíocre como os que havia experimentado em sua vida, mas um verdadeiro romance. O problema era que Ellie estava morrendo, então sempre que pensava em se apaixonar por alguém, esse pensamento a assombrava. No entanto, nada a convencia de que ela nunca havia experimentado o verdadeiro amor, e ela atribuía toda a culpa à sua mãe, que nunca lhe permitiu ter a oportunidade de viver e descobrir por si mesma o que realmente desejava.

Até que, numa noite, ela sonhou com um belo asiático que dançava com ela sob a luz da lua. O sonho era tão vívido que, ao acordar, Ellie desejou que fosse real, pois os olhos negros afetuosos do asiático a olhavam como ninguém jamais havia feito em sua vida.

Esse sonho repetiu-se nas noites seguintes, e quanto mais se repetia, mais Ellie tinha a sensação de já tê-lo visto antes. Então, abriu seu notebook e pesquisou por asiáticos famosos, pois se alguém aparecia com tanta frequência em sua mente, deveria ser alguém conhecido. Não precisou procurar muito para descobrir que o rosto que via era o de Hwang Hyunjin. Ela realmente sabia quem ele era, pois haviam se encontrado anos atrás, quando Ellie apresentou "La Sylphide". Foi ele quem enxergou as correntes que a prendiam e perguntou o que a impedia de se libertar.

Ela parou para refletir sobre por que ele invadia seus sonhos, até que lembrou de uma cafeteria na Alemanha, onde apreciava um delicioso cappuccino enquanto observava a chuva cair do lado de fora. A garçonete decidiu ligar a TV, e alguns clipes musicais começaram a ser exibidos, incluindo um do Stray Kids. Quando Ellie parou para prestar atenção na música, viu o homem que havia flertado com ela quando ainda estava namorando Rob. Ela se questionou como ele estaria agora, já havia se passado algum tempo, e desejou que estivesse tudo bem.

Foi dessa forma que, de algum modo, seus pensamentos foram tomados. A ocorrência dos sonhos era algo inexplicável para ela, mas ao vê-lo no Palácio de Versalhes, ela simplesmente não conseguia acreditar. Era uma coincidência grande demais que, justamente no dia em que decidiu voltar para a França, eles se encontrassem.

Seria adequado falar com ele? Ou deveria apenas fingir estar delirando? Será que ela não estava, de fato, delirando? Ela detestava lidar com tantas incertezas, mas, no fundo, pensou que era uma grande coincidência que a vida lhe proporcionou para que ela ficasse apenas se questionando se deveria abordá-lo. Então, decidida, ela caminhou em sua direção, enquanto ele nem mesmo notou sua presença, parecendo hipnotizado diante da pintura. Ellie observou atentamente os traços de seu rosto, percebendo sua beleza estonteante, e finalmente disse:

— É lindo, não é? — O rapaz olhou para ela e quando seus olhos se encontraram Ellie sentiu-se atraída imediatamente. — Enfim nos encontramos Hyunjin. — Ela o olhou como se eles fossem amigos de longa data e sorriu.

Não se esqueça da estrelinha

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