14 - Sign Of The Times


Pare de chorar
Tenha o melhor momento da sua vida
Atravessando pela atmosfera
E as coisas estão bem legais daqui de cima
Lembre-se que tudo ficará bem
Podemos nos encontrar de novo em algum lugar
Em algum lugar longe daqui

— Sign Of The Times, Harry Styles

Chegamos a Londres, a terra da rainha, embora ela já estivesse morta há anos. Mas... Ainda é a terra da rainha. Ellie e Gyu queriam assistir a um concerto cover dos Beatles, e, mesmo não sendo fã, eu concordei em acompanhá-los. Além disso, Ellie era uma grande admiradora de Doctor Who, uma série inglesa, e começou a compartilhar informações sobre os locais onde ela foi gravada. Eu nunca havia ouvido falar da série até conhecê-la, mas ela me convenceu a assisti-la durante as noites em que eu tinha dificuldade para dormir no acampamento. Para minha surpresa, acabei gostando.

Criei tantas memórias felizes que acabei esgotando meu material de pintura pela terceira vez. Enviei tantos desenhos e pinturas para a Coreia, que os SKZ  até me perguntaram se gostaria que fizessem uma exposição póstuma com minhas obras. Essa ideia nem tinha passado pela minha cabeça, esses rapazes são uns verdadeiros gênios. Respondi que eles poderiam guardar as obras e fazer o que achassem necessário. Em seguida, decidimos procurar uma loja de materiais de pintura. Gyu e Ellie aproveitaram para me irritar, implicando comigo o tempo todo, mesmo sem motivo.

Depois de finalmente comprar todo o material necessário, decidimos passear pelas ruas de Londres em um ônibus turístico. Passamos por diversos pontos e, é claro, não faltaram fãs nos seguindo pelas ruas, mesmo que tentassem disfarçar. Quando conseguimos despistá-los, entramos em uma lanchonete e compramos hambúrgueres para fazer um piquenique.

Nossa próxima parada foi no Regent's Park, onde encontramos um local com sombra e estendemos um pano na grama. Colocamos nossas coisas ali e nos sentamos para saborear os hambúrgueres.

— Isso está delicioso. — Gyu disse, com a boca suja de molho.

— O clima também está maravilhoso. Será que podemos acampar por aqui? — Perguntei, terminando o meu hambúrguer e me aconchegando no colo de Ellie.

— Seríamos presos se tentássemos. Este não é um lugar para camping. — Ellie respondeu, enquanto acariciava meu cabelo. — Seu cabelo está muito comprido, você não acha que precisa cortar um pouco?

— Só vou cortar quando o Gyu cortar o dele. — Provoquei o mais novo, que estava mais interessado em devorar a comida.

— Não me envolva nessa. — Ele respondeu de boca cheia.

Depois de terminarmos nosso pequeno banquete e aproveitarmos a atmosfera encantadora do parque, decidimos que era hora de arrumar nossas coisas e ir para o local de acampamento. Caminhávamos distraídos, quando Gyu parou subitamente, observando algo. Olhamos para ele, sem entender, até que nossos olhos seguiram seu olhar. Era uma garota, com não mais do que dezoito anos, sendo importunada por alguns rapazes. Ela segurava um violão e parecia acuada diante daqueles jovens que a provocavam.

Tudo ocorreu muito rápido. Gyu, previamente, tentou se aproximar, mas um dos adolescentes arrancou o violão das mãos da garota e o arremessou com violência no chão, resultando em sua quebra. A garota contemplava, desolada, o instrumento destroçado, enquanto os jovens, rindo, chutaram o case do instrumento e partiram como se nada tivesse ocorrido.

Seguimos Gyu e caminhamos em direção à garota, que ainda parecia estar de luto por seu instrumento. Ele foi o primeiro a quebrar o silêncio:

— Olá. — A garota assustou-se levemente e ele fez um gesto com as mãos para acalmá-la. — Fique tranquila, não estou aqui para lhe fazer mal.

A garota lançou um olhar cauteloso sobre todos nós e começou a recolher os fragmentos do violão.

— O que vocês querem comigo? — Ela indagou, num tom pouco amigável.

— Nós testemunhamos tudo... — Gyu a respondeu, sentindo-se compadecido por sua situação.

— É? Sorte a de vocês.

A garota tentou pegar o case, mas os parafusos se soltaram e este caiu ao chão, espalhando diversas moedas. Soltou um suspiro cansada e reparei em seus detalhes: trajava um moletom preto e calças largas, seus cabelos lisos de prancha eram curtos, e seus olhos estavam marcados exageradamente de lápis preto. Uma garota com um estilo alternativo.

— Era um violão lindo, que pena. Eu adoraria vê-la tocar. — Ellie foi simpática e apoiou-se no ombro de Gyu.

— O que dois idols do k-pop e uma bailarina querem comigo? Eu conheço vocês... Pelas notícias, sempre aparecem nos tabloides.

— É, nós aprontamos algumas coisas... — Dei um sorriso brincalhão.

— Por que aqueles garotos fizeram isso com você? — Gyu quis saber.

— Porque vocês não me deixam em paz? Já não estão vendo o quanto eu tô na merda? Não quero conversar com ninguém. — Desviou o olhar e se agachou para recolher as moedas.

Me abaixei junto e comecei a recolher o dinheiro para ajudá-la. Ela me olhou de forma agressiva, mas devolvi o olhar com um sorriso e continuei a pegar as moedas:

— Eu também tô na merda e se você me conhece sabe disso. Não queremos te encher. Só... Não foi legal o que eles fizeram.

A garota respirou fundo e disse sem me olhar:

— São os idiotas que estudam comigo. Eles me odeiam e fazem isso desde sei lá quando, acho que nos primeiros anos escolares já tinha que lidar com eles.

— Imagino que você toque no parque para mostrar sua arte, certo? — Beomgyu perguntou, também se abaixando para recolher o dinheiro.

— Tá certo Sherlock. — Ela disse um tanto sarcástica e Gyu continuou olhando para ela. Acho que a garota se cansou de manter seu escudo e disse de uma vez. — Reprovei no vestibular e meus pais ficaram furiosos comigo. Brigamos e desde então estou morando em um porão. Satisfeito?

— Eu sinto muito. — Gyu disse de uma vez. — Tem outro violão?

— Não e nem sei como vou comprar outro. — Ela terminou de recolher as moedas, e entregamos as que havíamos recolhido. — Valeu.

— Sabia que essa Barbie aqui tirou zero no vestibular? — Gyu apontou para mim, e eu contive o riso.

Meus pais ficaram profundamente decepcionados com minha nota naquela época, mas eu nem me esforcei para estudar. Sabia que me tornaria um idol, pois sempre fui muito esforçado. E, caso tudo desse errado, meus pais já tinham planos de me enviar para os Estados Unidos, então eu estava bem tranquilo nesse aspecto. Embora meus pais tenham ficado tristes ao perceberem que seu filho não era um prodígio, eles nunca deixaram de me apoiar. Enquanto observava aquela garota, me senti mal ao pensar quantas pessoas passam por essa rejeição dos pais, por não serem perfeitas conforme seus desejos.

As pessoas devem compreender que seus filhos não podem ser meras extensões de seus próprios sonhos. Cada indivíduo é único e anseia por coisas distintas. É ingênuo pensar que seus filhos devem seguir estritamente os desejos parentais, pois acreditar que se sabe o que é melhor para eles é um equívoco. Todo ser humano deve ser livre para tomar suas próprias decisões e escolher seus próprios caminhos. Os pais são uma base sólida que devem aconselhar, mas nunca impor suas vontades.

— Qual é o seu nome? — Indaguei à garota, observando-a relaxar sua postura.

— Nancy.

— Nancy, nunca permita que outros ditem as coisas para você. Somente você conhece o seu próprio caminho. — Compartilhei, e ela sorriu um pouco sem jeito.

— É verdade. Minha mãe é uma pessoa louca que fez de tudo para que eu seguisse os desejos dela. No final, posso afirmar com tranquilidade que nenhum dinheiro pode comprar a sua própria paz. Seja feliz, Nancy. — Ellie complementou meus pensamentos.

— Vocês até que são legais. Bem... — Nancy suspirou e dirigiu seu olhar para o violão danificado. — Agora, vou ter que arrumar outro violão, mas tocar no parque não rende muito dinheiro.

— Por que você não dá o seu violão para ela, Gyu? Podemos comprar outro depois. — Ellie deu à ideia. No entanto, Gyu reagiu como se ela estivesse o xingando.

— Esse violão que estou carregando foi um presente, seu presente! — Gyu ficou um tanto ofendido. Então olhou para a Nancy e continuou. — Não posso dá-lo a você. No entanto... Podemos ajudá-la a conseguir outro. — Gyu piscou para mim, e não precisei pensar muito para entender seu olhar.

Perguntamos a Nancy se havia algum lugar mais movimentado por perto, e ela respondeu que sim, havia uma área bem agitada. No entanto, ela evitava ir para lá devido à enorme concorrência. Enquanto isso, Gyu postou em sua conta falsa do Twitter que tinha visto Hyunjin do Stray Kids e Beomgyu do T.X.T no parque, fingindo ser um fã. Depois disso, peguei o amplificador enquanto Gyu o microfone com o suporte, e as garotas cuidaram de nossas coisas, nos guiando até o novo local.

Nancy estava certa; o lugar era muito mais movimentado e repleto de artistas de rua. Encontramos um canto vazio próximo à grama e nos estabelecemos ali. Enquanto eu ajustava o microfone, Gyu lutava com o amplificador, descobrimos que o cabo estava danificado e tivemos que partir para as famosas gambiarras. Por fim, conseguimos resolver o problema, e ele se posicionou em frente ao microfone, enquanto Ellie escolhia o melhor local para deixar a caixa de papelão improvisada e recolher o dinheiro.

— É hora do show, pessoal.

Ele começou batendo as cordas do violão, produzindo um som alto. Em seguida, começou a tocar uma música que eu reconhecia, embora não fosse muito fã de rock. Tanto Nancy quanto Ellie aplaudiram e começaram a cantar junto com ele:

— Today is gonna be the day /That they're gonna throw it back to you/ By now, you should've somehow /Realized what you gotta do...

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A música parecia ser bastante popular, pois todas as pessoas que passavam, olhavam e até começavam a cantar junto. À medida que a música repetia o refrão, algumas pessoas começaram a contribuir com dinheiro, e Ellie agradecia. Notei que uma garota tirou o celular e começou a gravar; tínhamos encontrado nossa primeira fã de K-pop. Quando chegamos ao último refrão, já havia quatro pessoas com seus telefones gravando e cantando em coro. A música chegou ao fim, e nossa pequena plateia aplaudiu calorosamente.

— BEOMGYU, CASE-SE COMIGO! — Ouvimos alguém gritar, e o idol reagiu brincando com ela.

— HYUNJIN, VOCÊ É TÃO LINDO! — Olhei na direção do grito e acenei, o que provocou mais histeria.

— Dedico essa próxima ao meu digníssimo melhor amigo Hyunjin. Gyu piscou para mim e começou a dedilhar já soltando sua voz. — Tonight, I'm gonna have myself a real good time/ I feel a-aaaalive/ And the wooorld, I'll turn it inside out, yeah!/ I'm floating around in ecstasy/ So don't stop me now/ Don't stop me/ 'Cause I'm having a good time, having a good time.

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*Off: vou deixar a tradução do trecho mencionado para dar contexto de porque o Beomgyu escolheu essa música para Hyunjin (para os mais leigos em inglês)

Esta noite, eu vou me divertir de verdade/ Eu me sinto vivo/ E o mundo, eu vou virá-lo do avesso, sim!/ Estou flutuando por aí em êxtase/ Então não me pare agora/ Não me pare/ Porque eu estou me divertindo, me divertindo

Eu conhecia a banda Queen graças a Bang Chan, que é um grande fã do grupo. Por isso, sabia cantar algumas partes de suas músicas e então, me juntei ao coro no refrão.

Gradualmente, mais pessoas começaram a se juntar e gritar por nós. Conforme uma pequena multidão se formava, outras pessoas, curiosas sobre o que estava acontecendo, se aproximaram e deixaram algumas moedas. Ellie não conseguia mais acompanhar o ritmo das pessoas que estavam contribuindo com dinheiro e, por fim, desistiu de agradecer a cada um deles.

Nancy estava chocada ao ver o impacto que estávamos causando, já que os fãs continuavam a chegar com suas camisas de k-pop e até mesmo com lightsticks. Gyu encerrou sua apresentação e nem deu tempo para as pessoas aplaudirem, pois ele já começou a entoar a próxima música, fazendo com que todos cantassem juntos.

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Todos ao redor pareciam apreciar muito as seleções musicais feitas por Gyu. Foi então que me lembrei de um pequeno detalhe: a terra da rainha também é a terra do rock.

Quando a ficha caiu, nossa pequena plateia se tornou uma enorme multidão, o que me fez preocupar se as coisas sairiam do controle. No entanto, as pessoas não causavam confusão nem invadiam nosso espaço, apesar dos gritos ensurdecedores. Quando Gyu terminou a música, ele falou no microfone:

— Que tal todos se sentarem COM CUIDADO, para que possam apreciar o show adequadamente?

Essa sugestão gerou um pouco de confusão, algumas pessoas tropeçaram umas nas outras, e nos preocupamos se alguém havia se machucado. No entanto, todos foram capazes de se ajudar, dando espaço uns aos outros, e logo se sentaram. Agora, com uma visão melhor, pude ver várias pessoas segurando skzoos e pôsteres do SKZ, T.X.T. Sorri e acenei para aquelas pessoas, que gritavam em busca de um pouco de atenção.

— Fico feliz que todos tenham se acomodado — disse Gyu, aliviado por tudo ter dado certo e ninguém ter se machucado. Observando-o ali, ele realmente parecia uma estrela do rock. Seus cabelos pretos, que iam até os ombros, combinavam com seu moletom preto, que tinha um pequeno bordado de uma carinha feliz no peito. Ele usava uma calça jeans desfiada e um par velho de All Stars. Ele era lindo em todas as suas versões, seja o Beomgyu idol, seja Beomgyu adolescente emo. — Sabe, pessoal, o Hyunjin queria dizer algumas palavras para vocês — Os fãs gritaram de forma ensurdecedora, Ellie e Nancy até tamparam os ouvidos.

Não havia como recusar a oportunidade de pegar o microfone e falar algo após aquela efusiva reação. Tomei o microfone de Gyu, embora estivesse incerto sobre o que dizer:

— Bem, olá a todos.

Os gritos se intensificaram, e esperei que a empolgação diminuísse para prosseguir:

— Agradeço a presença de cada um de vocês aqui. Vocês são muito especiais para nós. Espero que todos estejam saudáveis e felizes, pois é uma grande alegria estarmos aqui hoje. — Meus olhos vagaram em várias direções, enquanto buscava inspiração para continuar falando. Gyu é realmente um idiota por me fazer dar um discurso sem mais nem menos. Então, olhei para Ellie e logo ao seu lado a Nancy, a verdadeira razão por trás dessa apresentação. — Estamos reunidos aqui hoje por causa de Nancy, que está passando por um momento difícil em sua vida. Estamos a ajudando a arrecadar fundos. Portanto, ela vai se apresentar para nós. Muitas palmas para a Nancy!

A garota me olhou chocada, enquanto os fãs batiam palmas calorosas. Ela permanecia imóvel, então me aproximei dela:

— Está com medo? — perguntei, notando sua evidente intimidação.

— E-eu nunca me apresentei para tantas pessoas assim... — A garota enfiou as mãos nos bolsos e deu alguns passos para trás.

— Ei, vai dar tudo certo. Mostre o que sabe fazer para eles. — Apertei seu ombro, mas mesmo assim ela permaneceu receosa.

— É fácil falar quando vocês são tão lindos e perfeitos. As pessoas não gostam de mim. Elas me evitam, e essas pessoas vieram ver vocês... Eu não posso fazer isso. — Nancy abaixou o rosto e ficou encarando seus velhos pares de All Star.

As pessoas podem ser muito cruéis ao julgar aqueles que são diferentes delas. Nancy pode não usar roupas da moda ou ter um corte de cabelo mais afeminado, mas isso não afeta sua beleza de forma alguma.

Ellie então se aproximou dela e acariciou gentilmente seu rosto. Em seguida, levantou o queixo de Nancy e olhou em seus olhos:

— Como pode dizer uma coisa dessas, meu bem? Você é tão linda, tão preciosa. Já percebeu o quão bonito é o seu sorriso? Você tem uma única covinha na bochecha esquerda, é tão adorável. E seus olhos são tão brilhantes, combinam com seu sorriso. Não se importe com o que disserem, você é linda, e ninguém pode discordar disso. Estou ansiosa para ver você tocar. Tenho certeza de que você é incrível, e todos aqui vão te amar.

Nancy sorriu tímida para Ellie e a abraçou como se estivesse revendo uma velha amiga. Depois, respirou fundo e pegou o violão das mãos de Gyu, que havia se juntado a nós.

— E se ela não tocar tão bem assim? — perguntou ele, pois nenhum de nós a havia visto tocar antes.

— Vamos aplaudir e fazer barulho mesmo assim. — Respondi, enquanto aguardávamos Nancy.

— O-olá.

As pessoas responderam e observaram ansiosas. Nancy pensou por um momento, provavelmente escolhendo uma música, e depois verificou a afinação do instrumento. O silêncio se estabeleceu de novo e ela reuniu sua coragem começando a dedilhar uma música que fez todos gritarem e se animarem. Apesar de ter desafinado no início, demonstrando sua insegurança em tocar na frente de tantas pessoas, com o passar do tempo sua voz ficou mais firme, e seu sorriso foi se abrindo:

— Here comes the Sun/ doo, doo, doo/ Here comes the Sun/ And I say/ It's all right

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Sua voz ressoava com plenitude, envolvendo o ambiente enquanto ecoava no microfone. Os espectadores erguiam os braços, movendo-os em sincronia, e alguns até acenderam suas lanternas, aproveitando o entardecer que contribuía para criar um cenário mágico. À medida que Nancy se sentia mais à vontade, permitia-se rir e criar acordes inovadores em seu violão, enriquecendo sua performance. Ao final, todos aplaudiram entusiasmados e clamaram por mais. ela não demorou a começar uma nova música, aproveitando seu momento de fama.

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No desfecho, descobrimos que Nancy era talentosíssima, tanto como cantora quanto como instrumentista. Ela apenas carecia de um pouco mais de coragem para enfrentar aquela multidão, já que na empolgação semitonou várias notas enquanto cantava. Lembro que fiquei pensando que gostaria de ter mais tempo em minha vida para, quem sabe, ajudá-la a construir uma carreira caso fosse seu desejo.

Mas como a vida não é um morango, fomos interrompidos pela chegada da polícia, ordenando que todos se dispersassem. Não compreendi bem o motivo pelo qual mandaram todos embora, uma vez que estavam todos sentados, apreciando a música de Nancy. Acabamos parando na delegacia, acusados de desordem pública.

Assim, todos nós estávamos na sala de um delegado, assinando alguns documentos referentes à fiança, que Gyu e Ellie dividiram. Eu gostaria muito de ter ajudado, mas meu dinheiro já estava escasso. Gastei toda a minha fortuna com essas viagens de um lado para outro, mas tudo bem. Os momentos criados valiam mais a pena do que o dinheiro que ficaria na terra.

— Pronto, senhor delegado, assinamos tudo. — Ellie disse com um sorriso amarelo ao entregar os papéis, contendo todas as nossas assinaturas, incluindo as de Nancy.

— Vocês foram muito inconsequentes. — Repreendeu o delegado pela milésima vez. — Um evento como aquele requer autorização e uma estrutura adequada para receber tantas pessoas.

— Mas não era um evento. Estávamos apenas tocando, tipo os Beatles fizeram no terraço do prédio. — Retrucou Gyu, um tanto irritado por nossa apresentação ter sido interrompida.

— Desculpa Paul Mcartney, se você não tivesse dito, eu não saberia que era você. — Ele disse  debochado. — E pro seu governo, coreano, mesmo os Beatles tiveram seu show interrompido por perturbação da paz.

Gyu ficou sem argumentos, e pegamos nossas coisas. A parte positiva foi que conseguimos arrecadar quase trinta mil euros para Nancy, que agora tinha recursos não apenas para comprar um violão, mas também para adquirir mais coisas que desejasse. No entanto, como a vida adulta a chamou mais cedo, ela optou por depositar o dinheiro e utilizá-lo em caso de emergências. Sábia decisão.

Começou a chover, e já era tarde da noite. Nancy ofereceu seu porão para nos abrigarmos, e acabamos aceitando. O porão era um cômodo simples, com apenas um banheiro. Ali, Nancy possuía um sofá, uma geladeira, um pequeno fogão, um armário e suas roupas penduradas em um cabideiro. Havia também uma pequena mesa com um notebook, entre alguns itens de higiene feminina.

— Por favor, ignorem a bagunça. — Nancy disse, empurrando algumas latas de Red Bull para um canto e apressando-se para arrumar as roupas espalhadas pelo ambiente.

— Está tudo bem querida. — Ellie disse, sentando-se no sofá.

Depois que a jovem concluiu a sua breve arrumação, decidimos comprar uma pizza e organizamos nossos colchonetes no chão. Embora parecesse desconfortável, estava adequado. Após terminarmos de comer, Ellie prontamente se ofereceu para recolher a bagunça deixada pela comida enquanto Gyu estava num papo sério com Nancy sobre bandas de rock da atualidade. Quando Ellie terminou de juntar tudo que iria para o lixo, disse animada:

— Gyu, toque Love Song para nós.

— Ellie, sério, todos os dias? — reclamou ele, Gyu já estava cansado de sua própria música.

— Neste momento, eu adoraria ter um pouco de álcool. — Eu disse, deitando-me para esticar as costas, enquanto pegava meu celular para responder às mensagens dos meus amigos.

— Acho que tinha uma garrafa de tequila em algum lugar... — Nancy levantou-se e procurou a tal garrafa.

— Mas você ainda é menor de idade, não é? — questionou Gyu a britânica, que deu de ombros, demonstrando não se importar.

Uma hora depois, todos estávamos embriagados por causa da tequila barata, e conversando em voz alta. Minha cabeça doía um pouco e a chuva lá fora não dava trégua. Ellie continuava a cutucar Gyu, e sempre que ficava bêbada, sua voz assumia um tom manhoso:

— Gyu, por favor, toca Love Song para a gente. — Ela permanecia firme em sua insistência.

— Já disse que não. — Ele respondeu, impaciente.

— Você é um chato, Nancy, toca Love Song para a gente.

— Desculpa, Ellie, eu não ouço k-pop. — Nancy respondeu, mas pegou o violão mesmo assim. — Mas vou tocar outra música.

Ela começou a dedilhar a melodia, e Gyu até se sentou, reconhecendo-a.

— Nancy, você ganhou todos os pontos comigo. — Olhei para ele sem entender, e ele me encarou chocado, provavelmente porque eu nem conhecia aquela música. — Ela está tocando Pink Floyd, seu inculto!

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— Inculto parece um xingamento muito feio. Chame-o de desprovido de um alto conhecimento musical. — Ellie disse e arrancou risos.

Os três começaram a cantar juntos, enquanto eu fiquei ali, observando-os. Ellie se jogou no colo de Gyu, que balançava o corpo enquanto Nancy tocava a música. Comecei a me sentir triste ao pensar que, a cada dia que passava, eu estava deixando este mundo. Eu não queria que essa paz acabasse, nem queria que aqueles que amo me perdessem. Nas últimas semanas, não foi apenas Ellie que aprendeu a viver novamente; posso dizer que eu também aprendi.

Fui agraciado com o sabor de uma felicidade que nem sabia que poderia existir. Talvez, em meio às loucuras dessa viagem, tenha me privado de olhar para mim mesmo, e agora conseguia enxergar isso perfeitamente.

Depois que os três adormeceram, decidi sair do porão e caminhar pela rua. A chuva continuava caindo, a lua estava alta no céu e fazia um pouco de frio. Apenas caminhei pelo passeio e permiti que aquela água fria batesse em meu rosto, como se aquela água fosse capaz de lavar todos os meus pecados. Se eu morresse naquele dia, estaria feliz de qualquer maneira, pois acreditava e ainda acredito que tudo teve significado.

Não me arrependo de nada. No entanto, deveria ter diminuído as discussões com Bang Chan, pois o tempo todo ele estava apenas preocupado. Deveria ter mantido um contato mais próximo com meus amigos, que estavam tão tristes quanto a minha família. Falando em família, deveria ter expressado mais meu amor aos meus pais e até mesmo à minha irmã,  sempre fui tão ranzinza com ela.

Deveria ter dito a Ellie o quanto aquela noite em que estivemos juntos foi maravilhosa, e que a desejava novamente. Da mesma forma, deveria ter dito a Gyu o quanto o amo, o quanto aprecio que ele sempre me compreendeu e permaneceu ao meu lado, mesmo arriscando sua própria carreira para ficar comigo. O que mais posso fazer por eles?

Eu parei de chorar e aceitei meu destino, buscando aproveitar os melhores momentos da vida. No entanto, parece que continuei fugindo. As lágrimas que escorreram dos meus olhos naquele dia, se misturando com a chuva, não eram pelo passado que perdi, mas sim pela nova vida que criei.

Deus, se você existe...
Ainda há tempo para mim?

Vou deixar aqui listado o nome de todas as músicas que eles cantaram em ordem:

- Wonderwall, OASIS
- Don't Stop Me Now, QUEEN
- Starman, David Bowie
- Here Comes The Sun, The Beatles (cover feito por Emily Linge)
- Linger, The Cramberries
- Wish You Were Here, Pink Floyd

Curiosidade: O Hyunjin da vida real zerou o "enem coreano", mas não podemos culpá-lo, pois sabemos como o sistema de treinamento é rígido e nem todo mundo consegue acompanhar a escola e os treinos sendo bom em ambos.

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