Capítulo II: "Eles"
(Capítulo: 2037 palavras)
Nem ele nem Cláudia conseguiram dormir direito, a adrenalina ainda estava alta pelo encontro da última festa, pelo bilhete secreto e pelo encontro marcado. Emanuel Portugal? Nunca havia ouvido falar a respeito. O cara não tinha Facebook ou Twitter, parecia não existir. Iria no encontro, mas combinou com Cláudia dela ficar com o telefone na mão acompanhando sua localização compartilhada via WhatsApp e foi de Uber, para ter algum tipo de testemunha.
Chegou no mais luxuoso prédio na orla da Praia da Costa, o porteiro o deixou entrar e avisou que deveria seguir para a cobertura. Respirou fundo antes de sair do elevador e seguiu em um hall de madeira diante de uma imensa porta de madeira, parecia a coisa mais antiga e cara que já tinha visto. A porta se abriu e viu o rosto de Edvaldo:
- Seja bem-vindo, senhor Alex. O senhor Guilherme o espera em sua sala.
Edvaldo! Senhor! Não o conhecia,mas não esperava essa humildade, não depois do que aconteceu. Ele sequer o olhou em seus olhos. Quando adentrou a sala ele saiu e encostou a porta. O lugar era escuro, dois candelabros de velas queimavam em um incandescente e bruxuleante dança, a fumaça exalada pesava o ambiente. Ao fundo da sala uma imensa prateleira com diversos livros e diante dela uma imensa mesa de madeira. Mas havia algo estranho. Notou que em uma imensa cadeira havia um homem, mas ele parecia imóvel, inanimado como o resto dos objetos, parecia estar morto. Mas essa impressão efêmera fez seu coração acelerar e as pernas tremerem, um imenso terror o acometeu, só queria ir embora, nem que seja pulando a janela. Com os olhos frios de um predador o homem olhou para uma cadeira diante da mesa, era para se sentar. Aterrorizado se sentiu compelido a sentar, diante dele havia uma caixa de madeira aberta com um envelope.
- Pegue o pacote, mereceu por ter vindo. – Falou o homem que mais parecia um cadáver, sem mexer quase nenhum músculo.
Ao abri-lo viu um grosso maço de notas de cem.
- Desculpe..., mas por quê?
- Por você ter feito a decisão sábia de vir e mudar a sua vida. Tanto para o bem, quanto para o mal. – Falou ele sem emoção. - Meu nome Guilherme Santos Neves e sou representante do príncipe, sendo seu Senescal. Ira trabalha para nós e nunca mais terá problemas com dinheiro. No entanto, sua vida será nossa, o que já vale mais que a maioria das vidas que não nos importamos.
- Trabalho? Trabalhando de que? Não faço nada que vá contra minha índole.
- Entenda, índole, culpa, medo, são parcas construções mortais, mas não é hora para lhe ensinar isso. Está sendo sábio em aceitar sem que precisamos te convencer ou que precise sair daqui em um saco de plástico. Talvez nosso príncipe esteja certo a seu respeito. A partir de hoje Edvaldo irá te servir, te levar para as nossas propriedades e explicar o que fazemos. Agora pode partir, mudará para um dos nossos apartamentos, pode levar a menina.
Depois ele apertou um botão e Edvaldo entrou, com olhos baixos encarava os tapetes iranianos e com humildade disse:
- Venha senhor Alex, por favor.
Saiu com ele em silêncio. Quem era esse homem que tal poder de colocar o Edvaldo, o Rei da Lama, como meu criado?
- Vamos jantar que eu vou te explicar algumas coisas.
Foram direto para o Aleixo, sentaram em uma mesa isolada e ele pediu uma comida refinada e um vinho caro.
- Sei que deve estar confuso, também não entendo bem o que "eles" fazem, só sei que você ganhou na loteria, pivete, mas o preço é sua alma
- Alma? - Falou pensando um pouco sobre o assunto, almas não andavam em alta naqueles dias e perder a dele para manter Cláudia bem e segura era um preço baixo a se pagar: - Aliás, sou o Senhor Alex para você, aparentemente.
- Certo, senhor Alex. Coma e beba enquanto você pode. – Disse e achou esquisito. - Eu sei o que vou falar agora é estranho, também não conseguirei te provar o que estou dizendo. Mas a verdade é que você vai morrer e, assim que morrer, se tornará um "deles".
- Não seja dramático!
- Bom, a verdade que não são os políticos, os ricos ou os policiais que controlam essa cidade. Por trás deles existem "eles". São vampiros que mandam e desmandam aqui, alguns poucos de nós podemos saber a verdade e ainda menos de nós podemos nos tornar um "deles".
- Vampiros? Eles estão na moda, não. Posso lidar com isso. – Respondeu sarcástico e passou a dar atenção ao filé de cordeiro que havia chegado e que nunca havia experimentado.
- Essas palavras irão amargar na sua boca, senhor Alex. – Disse ele com rancor. - A primeira regra é nunca falar isso com ninguém, pois isso quebra pode quebrar a Máscara. A punição para quem falar e para quem ouviu é a morte. Não diga nem mesmo para aquela garota, se você realmente gosta dela.
- Tá certo, posso guardar esse segredinho pela bolada que me foi dada. Para onde eu vou me mudar?
- Saberá amanhã.
Terminaram de comer e Edvaldo o levou para casa, falou que viria buscá-los pela manhã. Cláudia desesperada esperava.
- Caramba, no Aleixo?
- Olha, não sei direito o que está acontecendo, mas vou trabalhar para uns figurões do tipo topo da cadeia alimentar. Vem comigo?
- Pra onde?
- Vamos nos mudar, arruma as suas coisas.
- Será que eles são traficantes? Não é perigoso? Meu Des, Alê! Me fala o nome do cara para eu investigar.
- Não, fica fora disso. Você sabe que eu não me meto em coisa errado. Na verdade, isso parece ser mais estranho do que errado. É coisa de político Cláudia, tipo crime de colarinho branco e tal. Não se apega a detalhes por enquanto. - Falou sorrindo enquanto a encarava tentando manter um semblante tranquilo.
- Tem certeza? – Depois da afirmativa vacilante ela continuou: - Sabe, nesse tempo aqui eu fiquei muito preocupada. Vem cá para eu te fazer uma massagem, tenho certeza que você vai gostar
- Tô precisando mesmo... A gente só se mete em coisa torta nessa vida. Mas as coisas vão melhorar, se não melhorar a gente pega esse dinheiro e vai pro Acre.
Ela gargalhou e começou a massagear seus músculos, mas tinha algo diferente, mas sensual. Com a boca bem perto do seu ouvido ela disse: - Hoje eu quero.
Sentiu a palavra como um choque e mais vivo do que nunca. Os lábios úmidos dela lambeu sua orelha enquanto sua mão esperta apalpava seu corpo. Foi a primeira vez que dormiram juntos sem estarem bêbados ou magoados com alguém. Havia um excesso de vida que transbordava de Alex na forma de vigor e desejo. Fez como se tivesse tido outra oportunidade de viver.
Pela manhã uma equipe de mudança veio buscar algumas das coisas do casal e os levou para um apartamento enorme não muito longe de onde conversou com o tal Guilherme. Estava mobilhada, tinha os mais novos equipamentos, eletrodomésticos e eletrônicos. Transaram três vezes antes de sair de casa pela primeira vez e ver as redondezas.
A semana foi passando, acostumaram-se facilmente com o novo apartamento. Voltou para a UFES, a seus afazeres normais, já que Edvaldo ou "Eles" não o procuraram mais. Conjecturava o que tinha que fazer. Talvez ser um garoto propaganda? Algo sexual? Irão pegar os órgãos? Ainda ria da cara do seu novo servo quando falou sobre eles serem vampiros. Mas na outra semana Edvaldo voltou com sua caminhonete falando que precisavam fazer algo. Finalmente saberia do que se tratava essa mordomia. Alex serviu café, reparou que o homem reparava nas fotos que veio junto com o apartamento que ainda não tinham trocado, as pessoas se pareciam com eles, talvez esteja na sua casa. Mas onde ele estaria? Qual era o poder desse senhor Guilherme ou do misterioso senhor Emanuel?
- Alex, você precisa subir no Morro do Macaco e convencer o Jota a atacar a facção de Alto Tabuazeiro.
- O que? Provocar uma guerra!
- Isso. Sabemos que Jota foi criado na instituição de sua família e que ele tem certo status no tráfico. O ataque deve acontecer nesse final de semana, sem falta. Se falhar não haverá misericórdia.
Sem se despedir o homem saiu. Mandou uma mensagem para Cláudia avisando que iria sair, não iria preocupá-la e pediu um UBER, precisava de um carro e se sobrevivesse pediria um. O motorista era de Maruípe e subiu com ele até a parte mais perigosa do morro provavelmente achando que ele era um playboy viciado.
Sentiu-se exposto de imediato, as pessoas o olhavam com medo, estava colocando todos em perigo por estar onde não devia, eles sentiam e sentiu também. Andou por terra batida, pisou em bosta de galinha e viu uma escadaria escura onde dois moleques queimavam algo no cachimbo. Aproximou-se, eles o olharam inebriados, viu quando um segurou uma garrafa vazia e tentou acertá-lo, mas caiu. O outro saiu correndo e o caído continuou no chão. Subiu os degraus, no alto dois moleques embalavam algo em papel, devia ser craque. Ficou decepcionado quando reconheceu um, era Wesley, um dos últimos que conheceu na ONG.
Ele arregalou os olhos amendoados quando o reparou. Estava magro e mais alto, o cabelo raspado baixo e a sobrancelha marcada como estava na moda. Parecia um figurante da "Cidade de Deus".
- Alê, nem vem que eu não vou voltar, beleza!
- Some daqui, porra! – Falou o outro menino, este branquelo e ambos segurando um revolve.
- Relaxa que eu conheço ele, seu zé cu!
- Você sabe que eu sou tipo o Chuck Norris da porrada, né! Jota tá aê?
- Porra, veado, não podia ligar?
- Se eu tivesse o número dele tinha ligado, porra. To sabendo que vocês estão querendo descer pra Alto Tabuazeiro!
- Tá maluco, mermão. Qué morre?
- Cala a boca, veado. – Brigou Wesley. – Vou te levar pro Jota.
- Relaxa aí, irmão. Não vim atrás de briga, to desarmado.
Seguiu ele para uma laje de pedra com escadinha de concreto até duas casas muradas e a mata logo atrás. A casa mais perto estava com o portão aberta de onde saia funk, fumaça e risada. Lá dentro seis caras, todos negros, conversavam, bebiam e fumavam. Jota estava com eles, mais magro e feio, seus dentes que eram canjicas imensas estavam amarelados e seus olhos opacos.
- Que porra é essa Wesley? – Gritou um apontando uma arma.
- Calma aê, neguinho! Ele é meu amigo, relaxa, beleza. – Falou Jota com as mãos para o alto. – Porra Alê, tá maluco?
- Tenho que falar com você em particular.
O outros riram em deboche, os chamaram de veado, mas Jota o levou para o fundo da casa já perto da mata. Tremeu quando viu algumas roupas queimadas e pneus carbonizados, sabia o aquilo significava.
- Os pais estão bem?
- Estão sim, eles sempre estão bem no final das costas.
- Então o que caralho você veio fazer aqui em cima? Faz anos que a gente não se vê.
- To trabalhando pra uns caras poderosos. É verdade que vocês vão cair sobre Alto Tabuazeiro?
- Tá maluco! Quer morrer e quer me levar junto, caralho! Cala a boca!
- Porra, fiquei sabendo e fiquei preocupado.
- Ficou sabendo como?
- Já disse que tô trabalhando pra gente poderosa. Politicagem e coisa e tal.
- Mas ficou sabendo como, porra? Quem te falou?
- Pra você ter uma ideia o Edvaldo Santos Neves é tipo um empregado meu, é coisa grande, então fique ligado, beleza.
- Fica fora disse, Alê. Se quiser se matar pula da ponte, ok. Valeu pela preocupação, mas agora é melhor você vazar.
Saiu passando pelas pessoas que o encaravam, o clima da sala estava pesado, podia ter complicado Jota. Wesley foi com ele até o final da escadaria e de lá desceu andando até o ponto para pegar um verdinho. Chegou em casa, não falou nada para Cláudia, trabalho finalizado.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top