Capítulo I: A Agressão

(Capítulo: 1814 palavras)

Conseguiu pegar o TRANSCOL vazio e se sentou, uma chuva quente caía e as janelas fechadas dos ônibus deixava tudo abafado. Estava voltando de Vila Velha para Vitória, havia um pouco de trânsito e viu quando um vendedor ambulante entrou tentando convencer alguém a levar alguma bugiganga para ajudar alguma instituição. Deu algum trocado sem pegar o produto, estava acostumado a ajudar esse tipo de organização, aliás, havia crescido em uma.

Desde que se lembrava morava em uma imensa casa repleta de meninos e meninas que precisavam de ajuda. Alex era o único filho de um velho casal que dava apoio a essas crianças, pela ONG Fraterno, dessa forma, era cercado de irmãos, mesmo que não fossem de sangue. Não era uma organização grande nem do tipo que recebia vultuosas doações, mas todos podiam comer, estudar e se vestir com dignidade.

Riu ao lembrar de mais de uma dezena de irmãos e irmãs correndo na rua, fazendo fila no banheiro ou ajudando os pais e os diferentes tios, que hoje sabe serem os funcionários da organização. Mas não era fácil, era o filho dos chefes e tinha olhos verdes intensos fazendo que muitos dos seus irmãos, talvez por reflexo de abandono, o tratasse com violência, por isso não faltava as aulas de jiu jitsu e de capoeira. Estudou bastante, se desenvolveu, cursava História na UFES, nada muito empolgante, mas estava feliz. Muitos dos seus irmãos também conquistaram vidas simples, mas honestas, trabalhando em lojas, secretariados ou dirigindo carros. Outros ainda se formaram e viraram advogados, engenheiros e políticos, ajudando sempre a casa que os acolheu. Mas boa parte acabou se perderam nas drogas se tornando noias ou mesmo traficantes.

Saltou na frente da UFES, estava atrasada para a aula, mas tinha que entregar uma encomenda para Cláudia, sua companheira de república e de amizade colorida. Desde que saiu de casa começou a trabalhar para somar ao que seus pais lhe davam e para se sentir um pouco melhor. Desde que tomou um pau em Direito se sentia um pouco culpado, isso o ajudava a se sentir melhor. Não tinha nada fixo, alguns bicos noturnos de garçom, modelo ou qualquer coisa que aparecia.

Resolve rir para casa, depois pediria a matéria que perdeu com alguém. Cláudia esperava se arrumando.

- Hei gato, pronto para umas gorjetas?

- Só se o seu serviço for bom. – Respondeu fazendo graça e ela simulou um boquete. Ela era linda, morenas, cabelos cacheados, longas pernas. As vezes quando bebiam ficavam juntos,  era as melhores noite, mas não consolidavam o relacionamento, eram livres, apesar de não querer.

- Hoje é o Abertura, sei que você ama.

E era uma merda, playboys figurantes bebendo para chamar atenção das meninas, jovens recém-saídos das fraldas bebendo e ficando transtornados, velhos gaviões atrás de meninos e meninas novas.

- Ótimo, vou ter que servir bebidas para um monte de "de menor" com a carteirinha mais falsa que as bolsas de marca.

Ela riu de forma gostosa e saíram, não era longe de onde moravam. Mas, pelo menos, havia parado de chover. Chegou no bar, ajudou a arrumar as mesas, colou o avental e começou a servir os graduandos que saiam cedo para tomar uma. Logo a casa estava cheia e não parava, ia de um lado para o outro, entregando cerveja, cigarros ou kiebs. Cláuda estava no mesmo ritmo, mas mais animada, como sempre.

Já tarde, as pessoas bêbadas gritavam, senhoras lhe faziam piadinhas e lhe davam gorjetas, o mesmo com a amiga. Mas em um segundo tudo mudou. Um homem começou a xingar e ouviu um barulho de tapa. Viu Cláudia no chão chorando segurando o rosto e um cara gritando:

- Eu sou o rei da lama, porra!

Seu sangue ferveu. Ele podia ter batido em qualquer um, mesmo nele, mas não nela. Quando percebeu estava socando o homem com toda sua força, pessoas tentavam afastá-lo, sentia sangue em suas mãos e as batidas em carne amolecida. Sentiu um soco, mas não sabia de onde veio, ouvia gritos e choro, mesmo o seu choro, até que conseguiram prendê-lo . O homem não passava de um saco de carne e sangue.

- Ele tá morto?

Ouviu, mas não sabia. Procurou Cláudia, percebendo que arfava. Ela estava bem. Luzes o cegavam, era o giroflex da polícia e foi levado para a viatura, apesar dos protestos de Cláudia. Não sabia quanto tempo havia passado,  estava sentado em u camburão de viatura ainda tentando entender o que houvera. Mas percebia que estava fodido, Vitória ainda era uma cidade de coronéis e bater em um dos magnatas podia destruir qualquer carreira que pudesse ter.

Policiais indiferentes o levaram para dentro da delegacia e depois para uma cela, já nem sabia bem onde estava. Tremendo olhou para os punhos, estavam doloridos e sujos de sangue. Será que matei aquele filha da puta? To fudido! No lado de fora da cela viu um policial assistindo a Globo, ele saiu para atender o telefone e depois voltou para bater papo com algum outro detido.

- Hei, tenho direito a algum telefonema?

- Pera aí, parceiro. – Falou o policial que voltou a conversar e depois saiu. 

Quando voltou foi direto falar com ele:

- É rapaz, o trem foi feio. Quem vê esse seu rostinho não acredita que você espancaria logo um Santos Neves. Você tem direito a um telefonem sim, mas um advogado já veio te ver.

Assim que ele falou um rosto conhecido lhe trouxe esperanças, era o Dudu.

- Cacete, Lex, o que tá rolando. Uma tal de Cláudia me ligou, achou meu contato no seu celular. Aliás, tava salvo como Eduardo Nego Advogato, de nada.

Apesar da situação soltou uma gargalhada.

- Quem mandou ser nego, advogado e gato.

- Tava me atualizando aqui, parece que você fez merda feia dessa vez e que a fiança vai ser cara. Mas cara, logo agressão!

- Um playold deu um tapa na Cláudia e eu perdi a cabeça, só fiz uma massagem nele.

- Parece que ele tá internado com essa massagem. Porra, você sempre foi um dos mais pacíficos. Você deve gostar dessa garota. Pelo face ela era linda mesmo.

- Mas e aê, você consegue me ajudar?

- Bom, consigo levantar essa verba, vou ter que pedir um pouco pro nossos pais, mas vai ter que esperar.

Ele saiu, mas não demorou nem dez minutos.

- Um número protegido me ligou e disse que pagou a fiança. Fui verificar e você tá solto. Esse cara deve ter vários inimigos, hein.

Despediu-se de Dudu e foi direto para casa onde encontrou Cláudia ainda acordada. Conversaram, tomou um banho e depois de muito tempo conseguiram dormir. Tentou retomar a vida de forma mais discreta possível, mas na UFES foi tratado como um herói, um vingador de Vitória. Riu, fez piada, mas sabia que estava fodido. Depois de algumas semanas já vivia com menos medo até que chegou em casa e não viu sinal de Cláudia. Tentou ligar e nada, isso era estranho, ela sempre deixava algum recado. Inquieto ligou algumas dezenas de vezes e mandou dezenas de mensagem, talvez estivesse paranoico demais, mas não conseguia se controlar.

Bem de manhã ela ligou:

- Alex, calma cara. – E riu, talvez um pouco nervosa também. – Foi mal não conseguir falar, hoje tava tenso o serviço. Aqui, consegui um puta serviço pra gente de garçom, coisa fina em Guarapa, vão pagar bem pra cacete. E nem vem negar porque já coloquei seu nome.

- E vai ser quando?

- Hoje a noite, beleza. Arruma seu blazer!

Mais a tarde ela chegou de cabelo e unhas feitas e antes do anoitecer uma vã que levaria a equipe para a tal festa. Foram na direção de Guarapari, no interior, até uma imensa fazenda colonial toda equipada com o que tinha de mais moderno de cozinha, luz e som. Ela estava linda e sabia que também estava ótimo, era a chance de retomar a vida depois do incidente. Era uma festa de luxo, começaria por volta das onze da noite e tiveram treinamento.

Mas Vitorinha sempre seria Vitorinha, o organizador do evento chegou com cicatrizes no rosto e um nariz torto, era o homem que agrediu Cláudia, seu nome era Edvaldo Santos Neves. No mesmo instante se escondeu no banheiro antes de ser visto por ele. Queria ir embora, mas não sabia como. Logo depois os convidados chegaram com seus lindos carros e roupas, tentaria fazer seu serviço sem ser notado por ele e iria embora no primeiro carro que partisse, nem que tivesse que implorar por carona. Também tentou falar com Cláudia, mas não a encontrava, até que a viu nos braços do próprio Edvaldo.

Não sabia o que fazer, no rosto da amiga o claro terror e quando seus olhos se encontraram percebeu uma lágrima que escapava. Tremendo se aproximou dele e disse em seu ouvido baixinho:

- Cara, você pode achar que é tudo isso, que é melhor que todo mundo ou que não tem ninguém melhor do que você, mas não tenho medo de nada disso. Solta ela agora ou vou fazer você se arrepender.

Ele sorriu com ódio e disse alto:

- Moleque, ela que veio até mim, mas se faz tanta questão pode levar essa putinha! Não gosto de carne de segunda!

Os convidados riram e se afastou com Cláudia nos braços, ela tremia de raiva e medo, apesar de estarem um pouco aliviados.

- O que você tava fazendo agarrada com aquele homem?

- Eu não sei. – Disse ela chorado. – Quando percebi eu tava com ele, meu deu uma vontade, não sei ao certo!

- Uma vontade? Você está doida!

- Não sei, talvez eu esteja, caralho. – Falou chorando de ódio e claramente confusa. A abraçou firme e disse: - Vamos dar um jeito de ir embora.

Molhou a mão do motorista da vã que o deixou na cidade, de lá pegaram um TRANSCOL até perto de sua casa. Assim que chegaram ela foi levantando o vestido reclamando.

- Cacete, tem um negócio me incomodando! – Depois ficou paralisada um instante antes de falar de novo: - Por que tem um cartão na minha buceta?

Alex também ficou sem entender nada. Ela leu e lhe entregou. Estava em nome de Emanuel Portugal e tinha um remetente, era o próprio Alex. Além de um endereço e data com hora marcada. Era um encontro?

- Como isso veio para aqui? To ficando com medo, Alê.

- Nossa, realmente estamos em uma imensa maré de azar, mas isso passou dos limites! Você bebeu algum drinque ou desmaiou, sei lá?

- Lógico que não e eu saberia se alguém colocasse a mão dentro da minha calcinha.

- Tá certo, também só to tentando entender.

- É pra amanhã a noite, você vai?

- É a única forma de saber o que tá rolando, né.

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