Capítulo 1
Eu não comemoro aniversários. A razão? Eu acabei perdendo a minha mãe no dia em que nasci. Ela deu sua vida pela minha. E eu deveria comemorar a data com alegria, mas não consigo, não quando ela não está aqui, não quando eu sou o motivo dela não estar aqui. Eu sei que não devo me culpar, mas, as vezes não consigo evitar. Eu só queria que tudo pudesse ter sido diferente, eu não entendia como o destino funcionava, mas sabia que ele está além do nosso querer, foge do nosso controle. Para mim, o destino poderia ser cruel e amargo. Difícil de aceitar.
Minha tia havia me dado um caderno de anotações roxo - porque roxo é minha cor favorita - com flores e borboletas em diferentes tons de púrpura na capa, quando ela o entregou me disse que escrever poderia ser libertador, colocar em forma de palavras cada sentimento gritante que ronda nossas cabeças. Então, de vez em quando venho rabiscar alguns versos em busca de consolo. Também o uso para fazer anotações escolares importantes, poderia até chamá-lo de diário se escrevesse mais sobre meus sentimentos do que sobre o que vai cair nas provas, e se eu também não arrancasse as folhas e as jogassem no lixo quando falo sobre o que sinto.
Hoje escrevi sobre o fato de não comemorar aniversários. Esse dia era um grande gatilho para mim, principalmente para meu pai. Ele amava minha mãe e ela foi tirada dele tão precocemente, minha tia disse que na época ele ficou muito mal e se recusava a falar com qualquer pessoa. Tia Susi foi quem cuidou de mim no começo até meu pai melhorar.
Duas batidas em minha porta me chamam a atenção fazendo eu olhar para ela, estava sentada sobre minha cama, o travesseiro sobre as pernas e meu caderno apoiado nele enquanto escrevia o quanto achava o destino injusto.
— Pode entrar — falo alto, minha tia aparece abrindo metade da porta, hoje ela estava por aqui em uma das suas visitas frequentes. Tia Susi era como uma mãe para mim, eu era muito grata por tê-la em minha vida, sempre senti falta de uma figura materna, mas eu tinha a ela e isso me reconfortava. Todos os finais de semana ela vem para cá, tia Susi mora em uma cidade vizinha a nossa, chamada Crowerville, e desde que seu filho Arthur se formou no ensino médio e foi embora para fazer a faculdade ela procura um emprego aqui em Streewood para se mudar e ficar mais perto da gente. Faz alguns meses que ela está a procura, já que aqui é difícil achar um emprego, mas sei que logo ela vai conseguir.
— Oi, Vi, você disse que tinha um trabalho que precisava de ajuda para terminar? Logo eu já vou ter que ir... — Ela sorri gentil em minha direção.
— Ah, claro — exclamo. — Vou pegar os materiais, te encontro na sala — minha tia concorda e me deixa sozinha no quarto.
Saio da cama, antes de fechar o caderno arranco a folha que quase preenchi toda com meus pensamentos gritantes, amassei e joguei no meu lixeiro que ficava ao lado da minha amiga escrivaninha.
O trabalho que tínhamos que produzir se tratava de uma maquete que o professor de Geografia tinha proposto para nós. E o tema era livre, então escolhi fazer uma réplica do sistema solar e eu tinha costume de caprichar em meus trabalhos escolares e garantir uma boa nota, por isso pedi ajuda a tia Susi para terminar pois amanhã já seria as apresentações, e eu precisava que tudo estivesse pronto.
Sobre a mesa de centro da nossa sala coloquei tudo que precisaríamos.
Enquanto pitávamos as bolas de isopor que representariam os planetas resolvi preencher o silêncio entre mim e tia Susi com algumas questões.
— Tia, você acredita em destino? — lhe lanço a pergunta, queria saber o ponto de vista da minha tia, com ela podia conversar abertamente sobre as coisas mais aleatórias que permeavam minha mente borbulhante.
— Acho que somos donos no nosso destino, mas há coisas que estão além de nós, do nosso controle — absorvo sua resposta. Nossa ideia sobre o destino era um tanto semelhante e isso me reconfortou, era bom saber que alguém pensava o mesmo que você.
— E você acredita em universos paralelos? — a olho. Tia Susi franze um pouco o cenho e me encara.
— Universos paralelos? — ela indaga com a mesma expressão.
— É! — exclamo. — Uma realidade diferente da nossa — explico simples. As vezes eu gostava de pensar em uma realidade onde minha mãe também estaria entre a gente, onde comemoraria meu aniversário com alegria, teria uma festa incrível, assopraria velinhas e faria um desejo, mas minha realidade não era essa. Muito pelo contrário.
— Pergunta difícil, Violet, não sei o que pensar.
— As vezes gosto de acreditar que sim — falo, tia Susi sorri. — Agora uma pergunta mais facil: qual a ordem dos planetas do sistema solar?
— Fácil, Violet? Eu nem me lembro mais.
Rimos juntas.
— Mas que bagunça é essa? — a voz do meu pai preenche o cômodo, ele olhava horrorizado para a mesa de centro. Um cigarro pendia entre seus dedos.
— Vai fumar isso lá fora — Tia Susi fala olhando para ele.
— Estava indo para lá — meu pai sorri forçado para minha tia depois me olha. — O que estão fazendo?
— Eu e a tia Susi vamos terminar minha maquete do sistema solar.
— Só por favor, desocupe a sala na hora que for o horário do meu jogo.
— Tá, pai, tudo bem.
Minha tia e eu nos entretemos tanto fazendo a maquete que mal vimos a hora passar.
— Agora tenho que ir, Vi, logo vai escurecer e não gosto de dirigir a noite — minha tia fala olhando pela janela da sala, o sol já estava quase se pondo.
— Tudo bem, tia, eu termino, falta pouco mesmo — sorrio amarelo para ela, que faz carinho nos meus cabelos antes de se levantar.
Levanto junto e espero tia Susi pegar sua bolsa que estava sobre o sofá que estava sentada antes e ir até a varanda se despedir do meu pai. Quando ela retorna caminho junto à ela até a porta, e a abraço apertado antes de partir.
— Se precisar de qualquer coisa, ligue, faça chamada de vídeo, o que for, tá bom?
— Tá okay, tia — falo a soltando do abraço.
— Cuida bem do seu pai — ela fala e eu assinto sorrindo antes dela sair.
Suspiro encarando a porta fechada a minha frente. Sempre sinto a sensação de vazio quando tia Susi vai embora, mas saber que logo ela estará de volta me trás um alento.
Caminho até a varanda onde encontro meu pai sentado em uma espreguiçadeira olhando a fumaça do seu cigarro subir pelo ar.
Ele era um bom pai, não me deixava faltar nada, mas as vezes mal conversávamos, preso em sua bolha particular. Ele tinha seu trabalho na empreiteira e isso tomava muito seu tempo, quando pequena a vizinha aqui de casa Lourdes cuidava de mim até ele estar de volta. Ela era legal, mas não tanto quanto a minha tia. Seu marido era o faxineiro da escola, e me lembro que os dois costumavam me chamar quando criança de florzinha, como uma das meninas super poderosas, porque o meu nome é Violet. Minha mãe havia escolhido esse nome para mim, meu pai me disse que era porque ela gostava muito de violetas. Se tornou minha flor favorita também.
Deixei meu pai sozinho com seu cigarro e antes que eu concluísse meu trabalho de Geografia fui preparar a janta, mas não demorou muito para meu pai aparecer e já chamar minha atenção.
— Violet eu não pedi para que não fizesse bagunça?! — pela porta que separava a cozinha da sala pude perceber seu olhar embrabecido.
— Eu vou arrumar, pai. Estou preparando o jantar primeiro, o senhor não está com fome?
— É claro que eu estou — ele diz entrando na cozinha e se sentando a mesa.
Ele estava com a cara amarrada, com seu mal humor de sempre, e aos domingos ele se estressava mais, porque o final de semana estava chegando ao fim e ele odeia as segundas-feiras.
Mas tudo bem, já estou acostumada com o jeito dele.
Quando terminamos enfim de jantar, papai mandou eu arrumar as coisas na sala enquanto ele tirava a mesa, transferi meu trabalho semiacabado para o quarto, e desci para ver se meu pai precisava de ajuda, mas ele tinha finalizado também, e já estava sentado no sofá com uma cerveja na mão procurando algum canal para assistir.
— Quer ver televisão comigo, Violet? — papai pergunta quando percebe minha presença, ele me olha esperando eu responder.
— Na verdade, vou terminar meu trabalho, ele é para amanhã — sorrio amarelo para ele.
Ele assenti e retorna a atenção para a televisão.
Subo as escadas calmamente até meu quarto, e sento ao chão para concluir minha maquete. Quando a termino sorrio satisfeita, modéstia parte, tinha ficado ótima.
Reuni os matérias que tinham sobrado e guardei na caixa colocando do lado da minha escrivaninha, peguei cuidadosamente a maquete e a coloquei por ali também.
Fui até minha mochila do colégio e peguei alguns papéis do resumo que fiz para minha apresentação para fazer uma breve revisão.
Quando terminei notei que já estava tarde, amanhã tinha que acordar cedo para ir para aula, tomei um banho rápido e antes de ir me deitar, desci as escadas e notei que papai já tinha ido dormir, pois já não estava na sala.
Andei calmamente até a cozinha eu estava com fome, tinha que comer antes de ir também, mas fui cautelosa, pois se meu pai me pegasse iria brigar comigo.
Tomei cuidado para fazer o mínimo de barulho possível, quando cheguei a cozinha liguei a luz e fui até a geladeira, a abri e peguei o pote de maionese e a mortadela fatiada. Fiz um sanduíche com o resto de pão fatiado que tinha, as coisas estavam acabando aqui em casa, tinha que ir as compras.
Comi tranquilamente meu sanduíche sentada em frente a mesa da cozinha, pensando o que me aguardava no dia de amanhã no colégio, bem que a Staci Fitzgerald podia faltar, eu não aguento aquela chata.
Terminando finalmente meu lanchinho noturno, subo para meu quarto, mas antes de me deitar escovo meu dentes e coloco um pijama. Bocejo de sono e sinto meus olhos pesar, me ajeito confortavelmente na cama e me agarro ao meu travesseiro para poder enfim viajar nos meus sonhos.
Acordo com meu despertador apitando, minha vontade era ficar mais um tempo na cama, mas me obrigo a levantar porque tenho que preparar o café da manhã para mim e papai.
Depois que usei o banheiro vesti minha jardineira jeans que havia ganhado de tia Susi no meu último aniversário, eu adorava ela, coloquei uma blusa meia estação com listras horizontais azuis e rosas, em meus pés um tênis branco. Penteei meus cabelos ruivos e prendi uma presilha roxa nas duas laterais do meu cabelo.
Me apressei para ir até o andar de baixo preparar o café da manhã, fiz omelete para nós, embora papai goste mesmo de panquecas. Me sentei junto à ele e comecei a comer, ainda estava com um pouco de sono e acabei bocejando.
— Foi dormir tarde ontem? — meu pai indaga.
— Um pouco.
— Conseguiu terminar seu trabalho de...
— Geografia, pai, e sim, consegui.
— Não vai esquecer ele em casa.
Assinto, e logo termino meu omelete.
— Já vou indo, pai. Vou pegar a maquete.
Subo até meu quarto, ponho minha mochila nas costas e pego com extremo cuidado minha maquete, desço as escadas a passos de tartaruga até chegar à sala.
— Uau! — papai, exclama da cozinha ao ver eu passando com a maquete. — Ficou realmente muito bom.
— Obrigada, pai. Até mais.
— Quer que eu abra a porta?
— Seria ótimo — digo a ele que vem até mim.
Ele a abre e eu passo cautelosamente com a maquete por ela.
— Antes de ir Violet, você sabe onde está aquele resto de pão fatiado?
Engulo em seco e solto um riso nervoso.
— Não tinha acabado?
— Pra mim que tinha dois ainda.
— Tenho que ir, pai — falo.
— Você não está comendo de noite ainda, né, Violet?!
— Eu vou comprar mais tá, pai?! Para você! Não se preocupe. — digo seguindo a calçada de pedra da nossa casa.
— Mas não é essa a questão...
— Tchau, pai, tô atrasada.
— Cuidado pra não derrubar essa coisa — ele fala se referindo a maquete, quando vou abrir o portão.
Sorrio para ele, passo pelo portão com dificuldade fechando-o atrás de mim e parto rumo ao meu colégio, que não é tão longe, fica duas quadras daqui de casa.
Eu não sabia que horas eram, mas já tinha bastante gente no colégio, o movimento me deixou apreensiva em alguém bater em mim e acabar derrubando meu trabalho que fora feito com muito sacrifício e dedicação.
Mas tinha que me arriscar, entrei pela porta principal e segui a passos calmos até minha sala, estava no corredor dos armários, faltava pouco, andei mais decidida.
Foi então quando virei o corredor que levava para minha sala que um idiota esbarrou em mim, seu corpo se chocou contra meu braço, fazendo eu perder o equilíbrio e deixar minha maquete cair.
...
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