9 - Merda no ventilador
É impressionante como a vida pode virar de cabeça para baixo em questão de semanas por conta de um erro. Quando se tem consciência do que fez e tenta resolver, é tranquilo.
O problema é quando a merda estoura e não há mais volta. Ou quando as chances são mínimas. Esse foi o caso de Enzo, o gêmeo Valentine mais velho.
Tudo caminhava perfeitamente na vida dele, assim como nos últimos três anos. Seu relacionamento com Luna estava firme, e ela era a mulher com quem queria se casar e construir uma família.
Prestes a concluir a faculdade de engenharia e estabilizado financeiramente, ele já tinha tudo milimetricamente calculado e planejado ao lado da garota.
Pretendia pedir Luna em casamento no dia de seu aniversário de 23 anos, por isso insistiu tanto na boate. Foda-se que são novos, a vontade de viver ao lado dela era muito maior. Estava ansioso e tinha idealizado algo incrível para aquela mulher maravilhosa.
No entanto, um simples toque de campainha mudou tudo. O destino daquela noite, que prometia ser repleta de emoções e comemorações, foi interrompido por Samantha, que apareceu na porta do apartamento de Enzo com um envelope na mão e um sorriso orgulhoso no rosto.
- Eu deveria pedir uma medida protetiva contra você, Samantha. Sinceramente. - Enzo afirma ao atender a porta, mas a garota ignora e entra no apartamento.
- Tome muito cuidado com o tom de voz, querido. - Ela se acomoda no sofá, sem cerimônias. Antes que Enzo pudesse responder, ela prossegue: - Afinal, não se fala assim com a mãe do seu filho.
Enzo olha para sua ex-ficante, que continua com um sorriso triunfante. Seu coração bate descompassado.
"Puta merda, será que ela está se referindo àquela maldita vez? Justamente àquela que não lembro de nada?", pensa enquanto fecha a porta e observa Samantha.
Ela segue relaxada no sofá, com as pernas cruzadas sobre a mesinha de centro e balançando o envelope no ar.
A situação o deixa totalmente atordoado e ele tenta, mais uma vez, se lembrar da circunstância que o levou a essa emboscada. Embora duvidasse que fosse conseguir. Estava tentando todos os dias desde que acordou pelado no quarto de Samantha, ao lado da mesma, mas sem sucesso. Agora precisaria fazer um esforço extra para resgatar a memória perdida.
Dois meses antes, ele havia aceitado ir a um evento para celebrar a vitória dos Sharks no "Clube do Amor". Seu irmão estava radiante e orgulhoso pela conquista, e Enzo não queria decepcioná-lo. Já tinha dado muitas desculpas anteriormente.
Caio sempre fazia questão da presença do irmão, afinal, eram gêmeos. Um sempre esteve ao lado do outro.
Contudo, o Valentine mais velho tinha consciência das coisas, sobretudo de quais lugares um homem comprometido deve evitar. Em sua opinião, o Clube do Amor era um deles.
Essa percepção se confirmou quando, após passar um tempo bebendo e se divertindo no local ao lado de seu irmão e dos colegas de time dele - e isso inclui Bryan, seu cunhado -, decidiram participar de uma orgia na área privada do bar.
Mesmo embriagado, Enzo tentou sair dali o mais rápido possível.
"Puta merda, é pau, cu e buceta para todo lado, pelo amor, preciso de ar", pensava enquanto desviava de casais e trisais que encontrava pelo caminho.
No entanto, o inesperado ocorreu. Foi abordado por ninguém menos que Samantha, a garota que nunca aceitou ou superou ter sido "trocada" por Luna.
Em meio ao ambiente caótico e libertino daquela área reservada, onde a nudez alheia não incomodava ninguém, Enzo começou a se sentir desorientado. O álcool nublou sua mente de tal maneira que, num piscar de olhos, se viu na cama de Samantha. Não fazia ideia de como chegou lá, só estava. E nu.
E agora, ela estava à sua frente, agitando um envelope e afirmando ser a mãe de seu filho.
- Não vai perguntar nada? Nem ler o que tenho aqui? - Samantha indaga, e Enzo, impaciente, pega o envelope de forma brusca.
Ele o abre e retira o papel de dentro. Lê cuidadosamente cada linha do exame de gravidez, que indicava o tempo de gestação de Samantha. O período coincidia exatamente com aquela noite.
Em seguida, Enzo dobra o papel novamente, coloca dentro do envelope e devolve para Samantha, que, aparentemente, está vivendo um dos melhores momentos de sua vida.
- Você vai querer prosseguir com essa gravidez, Samantha? - perguntou friamente, fazendo com que o sorriso da garota desaparecesse em segundos.
- Não prosseguir? Está louco? - Samantha levanta e anda na direção de Enzo, dando-lhe um empurrão. - Seja homem, porra. Honre o que tem no meio das pernas. A ideia de ir até o meu apartamento naquela noite foi sua. Quem disse que foder na pele é muito mais gostoso foi você. Você, Enzo Valentine, escolheu estar comigo naquela noite. - Ela o empurra novamente, pressionando-o contra a parede e apontando o dedo para seu rosto. - Agora assuma as consequências dos seus atos.
Enzo se viu em um beco sem saída, porque, por mais que não se lembrasse do que aconteceu durante o piscar de olhos que o levou até a casa de Samantha, ela tinha razão. Gostaria de ter a possibilidade de voltar no tempo e ter recusado mais uma vez o convite de seu irmão. Não deveria ter pisado naquele clube.
- Que merda, Samantha. E Luna? - Era apenas nela que Enzo conseguia pensar. Sua garota jamais o perdoaria. Precisaria arrumar uma maneira de fazê-la entender. Necessitava de tempo para pensar em algo, pelo menos.
- Foda-se a Luna, Enzo. Ela é nova, não vai morrer porque ganhou um par de chifres. Isso acontece. - Encara o rapaz no fundo dos olhos com um sorriso ladino. - Sem contar que você está apenas voltando para o lado da pessoa que nunca deveria ter deixado, não é? - Mordisca o lábio inferior. Enquanto isso, o Valentine mais velho eleva uma das sobrancelhas, confuso.
- Voltar? Você não está normal. - Enzo ri e a encara com desdém. - Samantha, eu te engravidei. Infelizmente, aliás. Isso não significa que tenhamos que ficar juntos. Essa porra não é uma história de amor, a minha vida, que está desmoronando. - O desespero toma conta da voz dele. - Tem noção? Caralho, eu ia pedir minha mulher em casamento hoje! Agora, pelo que conheço de Luna, ela vai querer arrancar as minhas bolas, fritar e depois me matar! O pior é que não tiro a razão dela, porra. Olha a bomba de merda que acabou de explodir. - Desabafa e Samantha volta a sorrir.
- Oh, meu querido. - Samantha leva uma das mãos ao rosto de Enzo e o acaricia, sem conseguir esconder a satisfação por estar vivendo aquele momento. - Explique isso para a sua mãe, que já está extremamente feliz pela gestação do neto e me mandando incessantes mensagens sobre o nosso noivado. - Enzo afasta a garota e retira o celular do bolso, com o objetivo de ligar para a dona Flávia.
Uma ida a um bar com fama impetuosa e um simples tocar de campainha. Dois fatores que viraram a vida de Enzo de cabeça para baixo - além de suas atitudes, obviamente. Sem elas, nada disso teria acontecido. Mas ele não queria pensar nesse fator.
Culpar e destinar o ódio a terceiros tornava a situação menos pesada e dolorosa.
***
E agora estava caminhando pelo corredor do shopping, preparando-se psicologicamente para lidar com uma Luna revoltada e raivosa. O que o confortava era o fato de ela não ter encontrado sua mãe e Samantha a sós, e sim com as amigas.
Tinha medo do que a namorada poderia fazer caso Lina e Cora não estivessem ali. Luna sempre foi impulsiva, principalmente em momentos de estresse. E, querendo ou não, Samantha está gestando seu filho. Temia pelo feto.
Aproximou-se o suficiente para perceber que o caos já estava formado. Luna estava cercada pelas duas amigas e Bryan, provavelmente para evitar que cometesse algum ato impulsivo ou criminoso.
A garota discutia firmemente com dona Flávia Valentine. Isso era péssimo, pois sua mãe podia ser muito cruel quando queria. Sem papas na língua, dava para ouvir a mais velha dizendo que se Luna tivesse segurado o homem em casa, nada disso estaria acontecendo e que, na verdade, estariam as duas escolhendo roupas de bebê, e não ela e Samantha.
O rosto de Luna estava quase roxo de raiva. Era nítida a vontade de garota voar na ex-sogra.
Samantha, ao lado da matriarca Valentine, ria, se sentindo vingada pelo sofrimento de ter sido deixada por Enzo anos atrás. Levou tempo, mas conseguiu o que queria: vingança.
A discussão cessou quando perceberam a presença de Enzo, que se aproximou o suficiente. Todos o encaravam.
Os colegas tinham expressões de decepção. A mãe e Samantha aguardavam alguma defesa. Luna, num descuido das amigas, soltou-se e caminhou revoltada na direção dele.
- Você, seu filho da puta, seja feliz com seu bebê e a sua vadia! - Golpeou-o com um soco certeiro no maxilar. - Parabéns, seu merda.
Antes que Enzo pudesse responder, Luna saiu apressada pelo corredor em direção à saída do shopping. Ele pensou em ir atrás, mas Bryan, no papel de irmão protetor, segurou seu braço.
- É melhor ficar aqui, Valentine. - Bryan o encarou firmemente. - Não incomode minha irmã de novo, ou acabará com o outro olho roxo.
- Solte meu noivo! - Samantha se aproxima e estapeia o braço de Bryan. Cora intervém, apontando o dedo indicador para o rosto da jovem.
- Minha querida, apenas pare. Estamos no shopping, não no hospício. - Adverte Cora, sendo interrompida pela mãe de Enzo.
- É isso mesmo, querida. Ela não está louca. - Dona Flávia sorri e entrelaça o braço ao de Samantha. - Noiva do meu filho. - Depois, volta-se para Bryan. - E você, querido, seria bom soltar o braço de Enzo, a menos que queira me ver causar um novo escândalo. Só não comecei a gritar por causa da Luna, coitadinha, porque sei o quanto é difícil descobrir os chifres.
Bryan sorri de desdém e solta o braço de Enzo com força. Lina e Cora se juntam a ele. Os três lançam um olhar penetrante a Enzo, ainda revoltados com a revelação.
- Tudo bem, tudo bem. - Bryan levanta os braços em sinal de rendição, mas o brilho de raiva em seus olhos é evidente. - Mas é bom que explique direitinho que diabo está acontecendo, Enzo Valentine, senão não haverá escândalo que me impeça de te quebrar na porrada por fazer minha irmã passar por isso.
Enzo respira fundo e, com um olhar pesaroso, enfrenta o trio à sua frente. Sabia que teria de omitir certos detalhes para não piorar ainda mais o seu caso, mas a verdade, em algum momento, teria de vir à tona. E como a merda já havia siso jogada no ventilador, não tinha porquê ouvir os protestos de Dona Flávia e Samantha.
- Está bem.
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