Capítulo Único
A porta do elevador mal havia aberto e Fernando Staub já se colocara em marcha em direção à sala de reuniões. Os passos pesados ecoavam por todo o 19º andar do prédio espelhado da Faria Lima. Ao passar pela mesa de Berta, foi direto ao assunto — seria estúpido dizer bom dia.
— Relações Públicas, Marketing, Operações, Advogados, os nerds da TI... — Ele pontuava cada um deles com os dedos. — Quer saber? Chama todo mundo. Eu quero todos os diretores na sala de reuniões, agora.
— Eles já estão na sala, senhor — disse Berta de imediato.
— Ótimo.
Fernando havia diminuído o passo durante a conversa, mas não havia parado de caminhar sequer um segundo. Berta já estava acostumada, sabia que teria mais uma ou duas perguntas antes do chefe passar por sua mesa e seguir seu caminho.
— Devo chamar alguém do RH? — ela perguntou.
Fernando pensou por uma fração de segundo — era o máximo que se dispunha a desperdiçar.
— Não, eles só atrapalham.
A secretária sabia que o chefe pensava sobre a área de Recursos Humanos e resolvera deixá-los de fora num primeiro momento. Fez certo.
— Mais uma coisa, senhor — ela acrescentou com olhar apreensivo.
Houve um pesado esforço mental por parte de Fernando para manter a calma e não gritar com a senhora de 63 anos à sua frente. O que o RH tinha na cabeça quando contratou uma secretária tão velha para uma empresa de tecnologia?
— Diga.
— Tive que desligar o telefone — ela confessou com um suspiro —, ele não parava de tocar. Estava me enlouquecendo.
— Ok.
A resposta de duas letras era dada quando Fernando estava sem paciência e Berta sabia disso. Havia um milhão de perguntas que ela ainda queria fazer, mas achou melhor ficar em silêncio. Deixou que ele seguisse seu caminho e decidiu desmarcar todos os compromissos do chefe para o resto do dia.
Fernando chegou rapidamente à sala de reuniões e viu pela janela lateral que estava cheia. Ao colocar a mão na fechadura da porta, sentiu o celular vibrando no bolso. Era sua esposa.
Ele se lembrou de como havia saído de casa naquela manhã. Vira a notícia do incidente pelo celular, ainda deitado na cama. Após o choque inicial, se apressou em colocar o terno e pegar um taxi para a sede da empresa. Não teve tempo nem para chamar o motorista particular, quanto mais avisar a esposa que estava saindo.
— Agora não — disse para si mesmo. Recusou a ligação e colocou o celular no modo silencioso. Em breve a mulher veria o noticiário e entenderia o motivo do marido ter saído tão apressado.
Entrou na sala e todas as conversas paralelas imediatamente cessaram. Estavam lá os diretores, gerentes executivos, advogados e algumas pessoas que ele não conhecia. A sala comportava vinte pessoas, mas havia muito mais gente que isso lá. Ele ignorou todo mundo e pegou o controle sobre a mesa. Ligou a TV na extremidade oposta da sala e começou a passar pelos canais. Todos eles noticiavam a mesma coisa. Fernando balançou a cabeça em discordância.
— Eles fazem parecer que a culpa é nossa — ironizou em voz alta. Desligou a TV e finalmente se dirigiu às pessoas na sala. — Como estamos?
Era o tipo de situação que ninguém estava preparado para lidar. Nenhum MBA no mundo ensinava a resolver algo como aquilo. Não queriam começar a falar. Não sabiam o que falar. Ainda assim, tinham que encarar os fatos e fazer o que eram pagos para fazer.
— Soltamos uma nota genérica para a imprensa. — A diretora de Relações Públicas tomou a frente. — Dissemos que estamos analisando os casos e vamos prestar suporte às famílias.
— Aquela baboseira de sempre, né? — Fernando disse impaciente.
A mulher hesitou antes de responder.
— Sim.
— Os envolvidos? — o CEO continuou, o tempo era imperativo.
— Estamos levantando a lista. — A resposta veio do diretor de Data Science, que estava sentado em uma das posições à esquerda da mesa. — Deve estar pronta em dez minutos.
Fernando sabia que por "estamos" ele quis dizer que "o cara de pé atrás de mim está". Os anos no mundo corporativo fizeram o CEO desenvolver a habilidade de identificar os cargos e a área dos funcionários apenas com um olhar. Era muito útil, já que seria impossível decorar os nomes de todos os funcionários do maior conglomerado de redes sociais do país.
Diretores e gerentes executivos tinham sempre uma boa aparência. Roupas sob medida, cabelos bem cortados, unhas e sobrancelhas feitas e maquiagem para esconder a idade — homens inclusos. Eles não carregavam nada nas mãos além dos celulares, que usavam para responder a uma centena de e-mails durante o dia. O diretor de Data Science não fugia ao padrão. Tinha alguns talentos, mas numa situação daquelas, era inútil.
Já a criatura parada de pé atrás dele, esta sim tinha alguma utilidade. Era um analista. Camisa dois números maior do que o ideal. Gravata com estampa colorida. Cabelo despenteado e esse ainda tinha um bônus: a barba lembrava um filhote de capivara. Com uma mão segurava um notebook e com a outra digitava numa velocidade que faria inveja a qualquer datilógrafo da década de 80 — ou adolescente moderno num celular.
Os analistas não sabiam como se portar de maneira civilizada em reuniões ou num almoço com clientes. Não era o tipo de pessoa que Fernando gostaria que a filha apresentasse como namorado. Mas eram úteis para trabalhos operacionais e era o que o CEO precisava naquele momento.
— Sente-se aqui. — Ele apontou a cadeira na ponta da mesa para o analista. — Use as duas mãos para digitar e me dê o resultado na metade do tempo.
O analista obedeceu sem vacilar.
— E os vídeos? — Fernando perguntou para ninguém em específico.
— Todo o compartilhamento foi bloqueado. — A diretora de Operações respondeu. — Também bloqueamos o compartilhamento no Zatwap e no Facenote. Mas eles ainda estão circulando em outras redes.
A frase acendeu uma luz de alerta na cabeça do CEO.
— Alguém com um celular, entre na loja de apps e me diga qual está no topo da lista?
Seis ou sete pessoas sacaram rapidamente o celular do bolso para fazer a consulta.
— É o Geletram — disse alguém orgulhoso por ser o primeiro a falar, parecia uma criança da quinta série respondendo ao professor. — Dois milhões de downloads nas últimas 24 horas.
— Droga — praguejou o CEO —, além de tudo, as pessoas estão baixando essa bosta do concorrente para compartilhar os NOSSOS vídeos. O que essa gente tem na cabeça? Por que diabos eles querem ver um monte de adolescentes idiotas se suicidando?
A frase veio como um baque. Até então ninguém tinha tocado explicitamente no assunto. Mas sabiam que hora ou outra teriam que abordá-lo de frente. Naquela madrugada, centenas de adolescentes usaram suas redes sociais para transmitir o próprio suicídio. Na mesma hora. Da mesma maneira. Sem explicar o motivo.
— Tiraram a própria vida, senhor — falou novamente a diretora de Relações Públicas. — Vamos evitar o termo "suicídio", a forma como nos pronunciamos é primordial nesse momento.
— Exato — completou a diretora de Marketing —, a comunicação deve ser clara e assertiva.
Fernando Staub não tinha paciência para aquele tipo de frase genérica. "Clara e assertiva." Era isso que estavam ensinando em Harvard hoje em dia?
O telefone no centro da mesa começou a tocar, mas ninguém teve coragem de atendê-lo. Não sabiam se deveriam. O senhor Staub tomou a frente e atendeu no viva voz.
— Sim, Berta — bufou o homem. Era melhor ser importante ou a mulher estaria com os dias contatos na empresa.
"Desculpe incomodar, mas tem dois policiais na minha mesa querendo falar com o senhor."
— Mas que m... — O CEO segurou o palavrão. — Eles disseram por que estão aqui?
"Não senhor. Estão dizendo que só podem tratar o assunto pessoalmente."
Fernando abaixou a cabeça e respirou fundo. E mais essa agora...
— Tudo bem, tente enrolá-los o máximo que você conseguir. Pergunte se tem um mandato ou algo do tipo.
"Mas senhor..."
— Se vira, mulher!
"Si... Sim, senhor."
Ele desligou o telefone e olhou para os dois homens gordos de terno no fundo da sala.
— Eles podem me prender?
Os advogados olharam um para o outro e balançaram a cabeça negativamente.
— Não — disse o mais velho —, eles não podem fazer nada em relação ao senhor. Qualquer ação deve passar pela área jurídica da empresa e até agora não recebemos nada.
— Talvez eles peçam para retirarmos a rede do ar — continuou o outro advogado. — Mas podemos reverter a decisão em pouco tempo com uma liminar.
— Ótimo. — O CEO respondeu e decidiu ignorar o caso por enquanto. Precisava focar no problema. Olhou para o barba de capivara. — Seu tempo já acabou.
— Só mais dois minutos, senhor — disse o analista sem tirar os olhos da tela. Seus dedos batiam violentamente no telado.
— Estou contando — Fernando respondeu e se dirigiu novamente à sala. — Já temos alguma ideia de por que os usuários se su... tiraram a própria vida?
— Não encontramos nenhuma mensagem deles em lugar nenhum — disse o diretor de TI. — Nenhum post, comentário em fotos, ou qualquer indício de que estavam planejando isso juntos.
— Não podemos acessar as conversas deles? — Fernando perguntou.
— É tudo criptografado, senhor, não temos acesso às mensagens que eles trocam entre si.
— Essa porcaria de privacidade de novo — Fernando disse em voz baixa, sem se preocupar se alguém estava ouvindo.
Um breve silêncio se fez na sala antes que o próximo comentário surgisse.
— Talvez o ato em si tenha sido a mensagem. Heavy users de redes sociais tem 89% mais chance de sofrerem de ansiedade e depressão. Esse número dobra quando consideramos apenas adolescentes do sexo feminino. Talvez eles tenham planejado isso para provar que tem alguma coisa errada com a forma nos relacionamos hoje em dia.
Algumas cabeças balançaram, como se a coisa fizesse sentido. Mas não a de Fernando. Pelo contrário, ele ficou indignado. Não sabia quem era o funcionário, mas pelos óculos vintage, roupas da moda e cabelo roxo, fez seu julgamento. Mais um desses adolescentes molengas criados com os avós. Isso sim era o que tinha de errado no mundo. Depois ainda perguntavam por que ele não gostava do RH. Porque eles contratam esse tipo de gente.
— Esqueça essa droga que acabou dizer — o CEO falou de forma seca —, imagine o que aconteceria se a imprensa descobrisse que nós já sabíamos dessa informação e não fizemos nada. — Ninguém se atreveu a questionar. — Na verdade, vamos fazer melhor... não esqueça não. Podemos trabalhar isso na nossa campanha para incentivar um consumo consciente das redes e blá blá blá. Por falar nisso, como está a campanha?
Ele procurou a diretora de Marketing com o olhar. Prometeu a si mesmo que daria na cara dela se recebesse outra resposta genérica.
— Já entramos em contato com a agência e pedimos prioridade. Como estamos sem tempo, pensamos em fazer algo simples, mas chamativo. Reservamos o horário nobre de todas as emissoras de TV e vamos colocar uma tela preta por um minuto inteiro.
— Um minuto de silêncio em respeito às vítimas — alguém falou no fundo da sala.
— Exato — continuou a diretora. — A ideia é não vincularmos a marca para não falarem que estamos nos promovendo. Mesmo assim vai estar em todos os noticiários e ainda podemos usar nossos algoritmos para aumentar o alcance das notícias. As pessoas saberão que foi uma ação nossa. Nos próximos dias, quando tivermos mais dados, vamos trabalhar nas outras peças da campanha.
— Bom. — Finalmente alguma competência.
O custo da campanha com certeza estouraria o orçamento, mas eles não tinham escolha.
As coisas começavam a se acalmar na cabeça de Fernando. Ele repassou tudo que acontecera até ali e as possibilidades do que poderia ocorrer. As próximas semanas seriam infernais, com certeza. Teria que remarcar a viagem da família à Genebra, mas Berta cuidaria disso mais tarde — pelo menos isso ela sabia fazer.
Em relação à rede social, os pais diriam aos filhos para não usarem mais. Os acessos diminuiriam e talvez perdessem receita de publicidade, mas nada duradouro. Que autoridade os pais teriam se eles mesmos eram uns viciados nas telas. Com o tempo as pessoas iriam se esquecer do incidente e tudo voltaria ao normal.
Por um momento Fernando percebeu que o tapear furioso do teclado na ponta da mesa havia cessado. Ele sabia o que aquilo queria dizer e olhou para o analista à espera de respostas.
— Está pronto, senhor. Foram — ele hesitou antes de completar — 997 casos no total.
Alguns suspiros surgiram na sala. O número era alto. Mais alto do que todos ali esperavam. Algo no peito de Fernando doeu. Um número tão grande de vidas perdidas. E ele nem sabia dizer o porquê. Mas seu cargo não permitia que ele se deixasse levar pelas emoções. Ele tinha que tratar aquilo como um número.
— Faça as análises para ver se encontra algum padrão — deu a ordem ao analista. — Idade, sexo, religião, orientação política... Qualquer coisa. Também procure por algum nome conhecido, podemos usar o caso na campanha de marketing. Algum influencer com muitos seguidores ou filho de alguém famoso.
O analista balançou a cabeça e voltou sua atenção para o computador. Mas seus olhos viram algo que o fez parar.
— Staub... — ele disse.
— Sim? — O CEO perguntou.
— Não é isso, é que... — O analista de Data Science tinha uma expressão de horror estampada no rosto.
Fernando ficou esperando o homem completar a frase, mas não obteve as palavras. Antes que pudesse questioná-lo novamente, foram interrompidos pela porta se abrindo. Berta entrou acompanhada dos dois policiais.
— Senhor Staub — ela disse —, esses homens precisam falar com o senhor.
Fernando notou o semblante triste da mulher. Provavelmente já sabia que ela não teria o emprego por muito tempo. A secretária não tinha a capacidade básica de inventar uma desculpa para mandar os policiais embora.
— Senhor — disse um dos policiais —, podemos falar em um local reservado?
"Claro que não," Fernando pensou.
— Podemos falar aqui mesmo, se não for um problema. Aliás, estes são o doutor Garcia e o doutor Hoffman. — O CEO apontou para os homens no fundo da sala. — Os advogados da empresa. Eles podem participar da conversa também. Imagino que estejam aqui para falar do incidente desta madrugada, certo?
Os policiais se entreolharam, confusos. Eles abriram a boca, mas ficaram sem palavras. Se entreolharam de novo e respiraram fundo, como se alguma coisa estivesse errada.
— O senhor já conversou com sua mulher hoje? — Um deles finalmente perguntou.
— Minha mulher? — Fernando ficou confuso. — O que ela tem a ver com isso?
Ele se lembrou da ligação que recusara antes da reunião e pegou o celular do bolso. Viu que tinham 23 chamadas não atendidas da esposa.
Alguma coisa estava muito errada.
Fernando olhou confuso para os dois policiais parados a porta da sala. Encolheu os ombros em sinal de desentendimento. A tela do celular brilhou novamente, era a esposa ligando. Ele quis atendê-la, mas estava com um mal pressentimento.
Os policiais adotaram uma postura diferente. Estavam se preparando para a parte mais dolorosa de seu trabalho. Algo que já haviam feito muitas e muitas vezes e que mesmo com os anos de experiência, nunca se acostumaram. Mas assim como na profissão de Fernando, eles não podiam se deixar levar pelas emoções.
— Nós estamos entrando em contato com todos os pais envolvidos no incidente.
— Pais? — perguntou o CEO confuso. — Do que estão falando?
— Senhor Staub — o policial falou —, sua filha Pietra foi uma das envolvidas no incidente desta madrugada.
Fernando ficou estático.
— Ela está morta.
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