9 - Victor Vit


...oh, pela deusa! Porque estou caída no chão?

Sim caída!

Me reconheço rapidamente neste gênero. Porém tudo ainda é confuso e meu corpo parece muito enfraquecido como se acordasse após anos de um coma. 

Estive adormecida?

Quem sabe recém-nascida.

Na verdade eu já estive aqui, pelo menos neste corpo magricelo e desprovido de vontade própria do qual tentei por diversas vezes livrar desse cárcere, mas era sufocada pelo meu outro EU. Até mesmo meu peito não sente mais aquela pressão agonizante. 

O que será que está acontecendo? 

Pois me lembro, claro. Estive caída ao chão por pouco tempo e percebi alguém me abanando.  Foi só abrir meus olhos para ele se afastar e prosseguir com uma verborragia pesada, acusadora e chata. O problema é o limite que ele excede, tenho sangue muito quente do tipo que não aceita ser destratada. 

O que esse canalha pensa que está fazendo ao vociferar em minha direção?

— Que cena! Eu sabia que se eu falasse em separar, você ia aprontar alguma coisa. 

— Hã? Mas eu nem...

— EU AINDA NÃO TERMINEI. BAIXA A BOLINHA.

Ele não pode estar gritando comigo. Uma pessoa tem que ser muito abusada para me interromper. Meu sangue ferve.

— Eu...

— Fecha a boca! Eu disse mais de uma vez que você que só puxava o casamento pra vala onde você se enfiou.

— Escuta...

Obviamente que não é comigo ou estaria se arriscando à levar uma facada.

— Eu. Eu levei você nas costas por sete anos. Te banquei, paguei sua faculdade. Se não fosse eu, você nem teria se assumido. Tem medo, tem vergonha. Se anulou porque quis.

— VAI ME DEIXAR FALAR? — Minha voz sai alta demais. Eu mesma não esperava por um timbre tão alto. Acho que usavam essa voz para falar com mais suavidade.

— Não grite comigo, Victor! Pra eu te mandar a merda falta só isso daqui ó... — Nero desata a falar coisas repetitivas se colocando no lugar de uma vítima.

— Terminou de despejar sua lixeira em mim?

— Repete isso só mais uma vez... — Nero aponta o dedo na minha cara e o sacode batendo na pontinha do meu nariz.

— E tira esse dedo da minha cara. — Com um tapa forte na mão dele, eu me livro de sua arrogância.

— Hã? — Ele parece confuso por microssegundos e logo a seguir me olha com raiva — Ficou louco em me afrontar desse jeito? Se coloca no seu lugar. Quer mostrar as garras agora? Eu nunca te agredi, mas antes de passar por aquela porta, não tenho problemas em "deixar uma lembrança" na sua cara.

Ai nossa! Que medo! Nem que eu o matasse a dentadas, não deixaria barato se me batesse. Mas como não pretendo cansar minha beleza, eu me acalmo e dignamente, fabulosa como sou, generosa e absoluta, ofereço de bom grado ao homem das cavernas:

— Quer que eu ajude a preparar suas malas? — Seco as lágrimas que molhavam minha cara por algum motivo.  — Eu chorei? Estranho, isso. Foi por sua causa?

— Ah meu Deus, meu Deus, meu Deus... é isso que eu imaginava que aconteceria. Você ia querer parecer meio biruta imaginando que eu não teria coragem de te abandonar nesse estado.

Cruzo os braços, sinceramente, confusa.

Ele me chamou de biruta? 

— Me chamou de biruta? Olha, também não arrumo mais sua mala. Sem querer ser chata, mê dê licença, vou tomar um banho e vestir uma roupinha melhor.

— Bem que o Bernardo disse...

— Quem? 

— Exatamente como ele falou: "o Victor vai fazer cenas, vai tentar te sensibilizar, se cuida com as armações dele, porque toda pessoa sonsa esconde uma personalidade perigosa"... também disse: "ele vai ameaçar se matar".

— Ah sim, lembrei do Bernardo! Uma tremenda bicha invejosa que dá pra você e acha que está abafando ao seu lado! Sinceramente, eu odeio infidelidades. Foi isso que fez esse casamento ir pelo ralo? Ué... o que eu tenho a ver com esse casamento? — A reação dele é espalmar a mão em minha testa. — Estou bem. Saudável e maravilhosa!

— Maravi... o quê?

— Maravilhosa, mesmo que o corpo pareça precário. Que confusão, não acha? Estou meio perdida, mas saquei tudo já. Então... vamos ao que interessa... você não ia embora desse apartamento? O que está esperando?

— Eu disse na sexta... — Nero parece preocupado — O apartamento é meu e eu saio quando quiser.

— Sacramento, você não acabou de falar ao Victor que vai dar o fora? Eu não tenho nada com esse casamento, repito, não sou obrigada a aturar um homem grosseiro com cara de segurança da Boate Azul, amigo. Não mesmo. Eu tenho só vinte e sete anos, uma vida pela frente e muita lenha pra colocar fogo. 

— Dá pra parar com essas conversas estranhas?

— Meu bom Deus, estou sendo honesta e tranquila. Eu repito...

— Pare com isso, Victor... — Nero fecha os punhos e aperta tanto que parece que vai explodir. 

— Está bem. Eu paro. Só para nos entendermos: não quer ir hoje mesmo? 

— Eu não vou a lugar nenhum. Depois dessa conversa, espera para ver, vou colocar um advogado na jogada e nossa Senhora... te deixo na rua da amargura. E para de se pôr no feminino, ô retardado.

Castro ele com uma faca de cozinha? Deixa eu pensar na cena para me acalmar.

— Você não tem palavra mesmo. Falou ao Victor algo totalmente diferente...

— Cala essa boca. Eu posso até assumir que mudei um pouco. Tentei levar a relação nas costas sozinho enquanto você se arrastava ao meu lado. Mas cansa, não cansa? No final, você ainda faz um teatro representando uma pessoa desequilibrada mentalmente. Por quê? 

— Ah. — estou em choque. Completo choque. Ele levou a relação nas costas? Que relação? Sem tempo para discutir. Obviamente ele não acredita em mim e eu não tenho a paciência enfadonha de Victor. Jamais permitiria um desenrolar tão lento dos fatos de minha vida e tenho mais o que fazer. 

— Ok? Parou com a cena?

— Claro que não! Cena? Eu nunca faço cena

— Ai meu Deus dai-me paciência com esse cara... — Nero esfrega a mão no rosto. Ele é a impaciência em pessoa. Acho que ele é quem vai fazer cena. — Não estou com saco para essa baboseira. Fica se fazendo de louco que uma hora acaba se dando mal. Só um pedido: não brinque com isso. 

Enfim, ele não crê em mim e eu não posso fazer nada. Existo. Não posso anular minha existência. Porque eu brincaria com algo tão sério? E só por Deus, como quero que isso tenha uma maneira mais tranquila de se resolver. 

Primeiro, preciso me livrar dele, desse homem esquisito por quem meu Victor é perdidamente apaixonado.

Segundo, não nasci para ficar me lamentando.

Terceiro, eu passo por cima dele se não abrir caminho.

Não sei ao certo se Nero sente alguma piedade pelo Victor e por mim essa pena não faz diferença e não é por falta de sensibilidade, meu Victor não carece da piedade dele e nem de outras pessoas.

— Victor, porque está fazendo isso? Bola pra frente, acabou de dizer que tem só vinte e sete anos, não é o fim do mundo recomeçar.

— Pois eu concordo totalmente e até apoio sua ida. Victor precisa de alguém mais sensível e intenso como ele mesmo é. Não precisa ficar preocupado que dele eu cuido. Vá, homem, vá viver seu casinho com aquele oferecido do Bernardo. Diga-lhe que o que se planta, se colhe. E quer saber, vocês se merecem. Daqui a pouco estão se traindo também, fica tudo elas por elas... Quem não presta hoje, amanhã continuará fazendo merda.

— Cheio de afronta hoje, Victor, chorando pelos cantos amanhã. Sua vida é só isso.

— Victor? Eu não sou Victor...

— Pare com isso seu idiota! Essa encenação.

Reviro os meus olhos verdes escuros. Meus belíssimos cílios, maravilhosos, encostam-se por segundos. Já estou farta dessa lenga lenga. Só o observo a locomover-se pelo apartamento com o celular ao ouvido enquanto bebe algo destilado. Certamente está confuso, até porque eu mesma estou a digerir isso tudo. Acordei de meu sono estranho com eletricidade latente, agora pareço estar me equilibrando. Tudo foi rápido. Victor nunca me percebe. Já estive aqui, eu sei, só não me lembro quando o fiz. Minhas aparições não devem ter feito bons amigos. Nero sequer se lembra de mim. Se não lembra, talvez é porque nunca me viu, mas isso não significa que vou baixar a cabeça e aceitar sua ideia feita de que estou encenando.

— Bem como você disse, Bernardo. Abri o jogo, posso sair de cabeça erguida. — Nero fala mais de meia hora com o outro como se eu não estivesse escutando. — Sim... encenação ou ia se fazer de coitado... tá, eu vou aí... me espere...

Este homem não me conhece!

— Presta a atenção energúmeno! Eu acabei de acordar após anos em que fiquei encurralada, presa nesse corpo... e que está com um aspecto deplorável. Eu lhe disse isso? Eu não estou inventando. Portanto, pare de ser tão escroto comigo agora mesmo ou faço sua vida virar um inferno. E não estou brincando.

— Vem comigo, vou leva-lo agora mesmo ao pronto socorro ou direto à polícia.

— Não me encosta! Ficou louco, homem! Não me toque ou vou fazer com que se arrependa por umas três gerações. Sai, solta! Eu vou fazer um escândalo e acusa-lo de violência e quem vai se foder é você. Eu, eu acabo com você!

— Victor!!! Enlouqueceu??? — os dedos fortes dele apertam em redor dos meus pulsos.

— Eu sou Vitória! Não sou Victor e sinceramente não sei para onde o mandei. Será que não podemos ficar acordados ao mesmo tempo? Você poderia me contar, porque eu não lembro de nada. Já tinha me visto antes?

— Vitória? Como assim? Estamos casados há sete anos! Te vejo todos os dias e sinceramente, ainda não acredito que para não aceitar uma separação, você tenha criado uma mentira tão absurda.

— Quê? Se quer separar-se, vá em frente. Você é um homem ridículo que não me interessa nem um pouco.

— Vou chamar a polícia.

— Vai passar a maior vergonha de sua vida se chamar quem quer que seja. Imagina só: um macho com seu tamanho não conseguindo segurar uma mulher pequena como eu.

— Mulher?! Você está passando dos limites. Já falei que pretendo me separar, não vou voltar atrás e você, Victor, está fazendo um papelão que não condiz com seu comportamento sensato.

— Sensato? Bom, Victor podia ser sensato enquanto usou essa carcaça, mas eu Vitória, sou insensata. E quando à separação, blá, blá, blá. Estou muito mais interessada que você nessa questão. Eu quero liberdade em todos os sentidos.

— Ah... — Após lutar para me arrastar consigo, sabe-se lá Deus para onde, ele desiste, senta-se desanimado no sofá e joga a cabeça para trás. — Você chegou ao fundo do poço. Que acabar internado num hospício? Não brinque com isso, Victor. Não faz nem ideia da tristeza que é estar naquele local. Nunca viu o olhar vazio de quem está em tratamento. Meu pai ficou "pirado" quando descobriu sobre... isso já te contei. O fim dele foi lá. Pare, por favor. Por respeito à memória dele.

— Você é chato, Nero. Pois sim, imagino sim a tristeza. Estou compartilhando as memórias de Victor, sei que é triste. Está aqui dentro.

— Não vai desistir? — Nero respira fundo. — Não te aguento mais... No fim, em vez de sair com dignidade, você...

— Eu que não te aguento! — esse homem pensa que tenho sangue frio? — Você não é homem o suficiente para uma mulher como eu. Eu jamais teria olhado na sua cara só para começar.

— Victor, eu jamais encostei um dedo em você, mas vou ter que lhe dar uma pancada na sua cabeça...

— Está esperando o quê?

— Vi...

— Vitória. Por favor.

— Pare com essa palhaçada agora! 

— Ih, porque essa histeria, homem? Estou calmamente dialogando com você.

— Não vou entrar nesse jogo! Você enlouqueceu! Você enlouqueceu! 

— Ótimo, vá! Suma de uma vez. Morra.

— Morra você, seu "nó cego". Se você se atirar daqui de cima, me avise antes que vou filmar e dar risada depois.

— O quê? Jamais desperdiçaria a dádiva de estar viva por um homem. UM homem qualquer. Me deixe sozinha, por favor.

— Victor, vai tomar no cu! Seu idiota. Retardado! Vou pegar o melhor advogado que puder pagar e te processar.

Por fim ele finalmente se vai e deixa-me solitária como era minha própria vontade.

.

Tive uma noite de sono decente e sonhos engraçados. Mas infelizmente foram apenas sonhos. Não lembro-me dos eventos que se desenrolaram antes que eu apagasse. Dormi sozinho enrolado em cobertores que não me aqueceram como o corpo de grande estrutura de meu companheiro me aqueceria. Ou ex, se caso se concretizar seu desejo recente de mudar-se de nosso lar.

Eu morrerei em pouco tempo, agarro-me a esse pensamento que ele chamará de drama.

Oh! Pelos céus, ele confessou ter saído com Bernardo. Disse-me na cara e isso tudo deve ter desencadeado uma avalanche de sentimentalismo sofrível em mim. Eu creio que desmaiei e que fiquei apagado por horas.

Viro de lado na grande cama... para o lugar onde ele costumava dormir que está ajeitado. Será que ele já se foi? Se foi-se daqui ou não, eu preciso levantar e me arrastar até a empresa onde ainda trabalho. Não sei até quando. Lá eu tenho um mínimo de apoio. Senhor Murilo é tão gentil que aquece-me a alma por segundos. Mas antes de pensar em ir, sinto cheiro de café que me invade o olfato. Jogo o edredom de lado, visto um suéter sobre o pijama e descalço caminho com cuidado até a sala. Observo meu marido arrumando a mesa para dois. Parece preocupado, pois mantém o cenho franzido. Tão charmoso esse alguém que foi só meu e hoje me escapa das mãos. Queria me compreender melhor e o porquê de minha inércia. Minha apatia. 

Acho que vou me acalmar para organizar meus pensamentos. Sinceramente não sei o que fazer?

— Vi... você aí, dormiu bem? Melhorou? Parou com aquilo?

— Dormi sim. — Quantos anos que ele não perguntava isso? — Parei com o quê? Não sei. Estou bem sim. — Eu lhe sorrio meio tímido como se novamente fossemos dois estranhos a tentarem uma nova adaptação. Porém ele me olha sério.

— Vai trabalhar? Nessas "circunstâncias" deveria buscar ajuda profissional e ficar em casa.

— Estou bem. Estava um pouco cansado. Creio que minha imunidade esteja em baixa novamente. Peguei um novo resfriado. Eu desmaiei ontem?

— "Cansado"???

***

Eu esperei tanto para sentir que eu tinha valor. Encontrar alguém que pudesse escrever minhas páginas. Cresci com a dor, banhada na solidão. Tudo que quero neste momento é alguém para me abraçar. (Feel Something, Adam Lambert)

***

Olá pessoal querido :3 espero que estejam gostando desse conto. É mais arrastado mesmo, mais dramático, ainda bem que Vitória equilibra um tanto e me dá leveza quando narro sua parte. Não desistam por favor kkk, já estou no capítulo 24, quase nos finalmente e amando muito a experiência. 

Beijão. Muita luz e paz a vocês!

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