7 - Victor V
— Suas camisas estão meio batidas, Victor. Já se prepare com um traje esporte-chique para o dia trinta e um de dezembro e pelo amor de Deus, se anima! Olha essa cara de bunda! Ajeita essa barba.
— Não fique só me criticando, Nero. Eu ajeitei a barba ontem, você não lembra?
— Agora quer que eu preste a atenção nisso? Só porque fica o dia todo em casa, não significa que tem que sair por aí largado. Parece que tem setenta anos, levanta esses ombros.
— Poxa Nero! Você sabe que eu trabalho fora. Tem dias que chego esgotado em casa.
— Ah sei. Seu empreguinho. Se está esgotado fique em casa, isso aqui está uma sujeira.
— Eu acabei de limpar. Esfreguei os banheiros...
— Vai me deixar falar? — ele se irrita com razão — Vou te dizer uma coisa, eu prefiro nem sair se tiver que levar uma pessoa se arrastando. Olha para mim, acha que combina a sua figura ao meu lado? Ou começa a ficar a minha altura, ou já sabe...
— Sim, sim. Tudo bem. Se caso eu não me ajeitar, pode ir sozinho. — eu baixo o olhar como sempre.
Eu sei que Nero não estava com muita vontade de me levar junto, nem que tivesse que abrir mão do prazer de encontrar seus amigos, onde entre eles estava Gael que era o único a me dar um pouco de atenção. Como amigo, eu pedia-lhe sua sinceridade sobre meu aspecto e ele sorria, revirando os olhos quando eu pronunciava o nome de meu companheiro. Gael dizia-me que eu era bonito por dentro e por fora. Papo de psicólogo, creio eu. Acho que tinha um quê de verdade, pois dias antes encontrei-me com Fabiana e Fátima minhas amigas que me colocaram para cima.
— Menino! Que arraso! Olha esse sorriso! É o amor... Só eu que vou ficar encalhada mais um ano. — Diz Fátima, cinquentona que quando está casada reclama que odeia "prisão" e quando solteira, odeia a solidão.
— Você está com uma carinha tão sonhadora e feliz.
— Como assim, Fabi? Estou com olheiras imensas. Meu marido me disse que pareço sempre cansado e estou magro demais. Nero disse que aparento desânimo e me visto mal. Eu perdi peso mesmo. Ai. É que só vejo isso no espelho. Vocês estão sendo bondosas comigo, falem a verdade.
— De nada. — Fabiana me dá um toque, pois sequer agradeci por ter sido elogiado — Menino, você é bonito Victor. Tem um rosto atraente e um sorriso que chama a atenção. Acho que não deve aceitar mais as críticas do que elogios.
— Só quando for críticas que te ajudam a melhorar. Parecer cansado não é algo que "mata" a sua aparência. É coisa de momento. Eu mesma, depois desses três primeiros meses do nascimento da Gabrielle, estou detonada. Eu sei disso, entendeu? Mas continuo maravilhosa.
— Ouviu? Ignore a parte nociva dessas falas dele, meu amor e se cuide com carinho. Apareça lá em casa.
— Então, nem no meu chá de bebê, tu foste, seu sapeca. Que marido é esse que te afasta do mundo?
— Ele é meio possessivo.
— Meio? Dê um pé na bunda.
Todos acham prático resolver minha questão. De certo nunca passaram por isso. Eu, naquele tempo não olhava como algo nocivo vendo possibilidade de corrigir as coisas e ainda viver bem com ele. Afirmo: "não é tão simples como imaginamos, nos livrarmos de relacionamento abusivos".
É ainda mais complicado, pois o amor unilateral faz com que uma das partes tire proveito da submissão da outra.
Nero via vantagens na minha dependência ou temia algo? Na minha cabeça eu acreditava que ainda haviam sentimentos. Seu jeito carinhoso na frente de outras pessoas me dava esperança de que o Nero maravilhoso ainda existia em algum canto daquele ser humano, pois do nada aparecia sorrindo e cumprimentado as pessoas mais próximas com elegância, dando-me orgulho de seu seu. No entanto, nos bastidores da nossa vida social, ele já não me abraçava como antes, nem demonstrava ciúmes e nem reclamava quando eu tinha que fazer horas extras na empresa. E isso doía tanto, tanto que me jogava contra meu passado e todos os fatos desagradáveis e marcantes.
Ainda socializávamos entre o quinto e o sexto ano de relacionamento. Era raro. Eu confesso que aceitava calado quando era deixado em casa durante vários eventos que se realizavam entre nossa turma. Vez ou outra por minha insistência ele me aceitava consigo. Em outros momentos Nero exigia que eu colocasse uma "máscara" e o acompanhasse.
Um exemplo disso foi uma confraternização do pessoal da imobiliária na qual aproveitariam para brindar a união de Enrico e Saulo, também seus sócios. Usar essa "máscara" beirava o desconforto. Era uma metáfora quase palpável, pois achei que tivesse me livrado de todos os disfarces. Era possível compreender até mesmo o propósito da pintura facial de um palhaço, o sorriso sempre pronto. Crente de que eu estava bem, de que estaria adequado, mesmo com seu olhar revirando quando lhe perguntei, ouvi apenas:
— Melhora a cara. Parece que está com dor. Cara de quem está sofrendo. Não muda. Ei, para com isso! Não comece a chorar. Não sabe ouvir críticas construtivas?
— Poxa... eu...
— Põe o cinto e para de retrucar.
— Tá.
Acho que realmente tinha vergonha de mim, pois me deixou muito separado de si quando chegamos nesse evento. Muito chorei pelos cantos. Perdi o sono. Fiz tudo que faz uma heroína de novela mexicana. Tudo bem, afinal, quando a novela está no final, a boazinha é quem se dá bem.
E o resto da novela?
Voltei a me odiar e desejar muito ser outra pessoa. Eu beirava os vinte e sete anos e parecia cada vez mais nulo e menino sem maturidade. Sem conseguir me soltar dessa amarra. Preso no inferno do passado. Girando, girando e chegando sempre no mesmo ponto.
Não tinha outra pessoa mais culpada do que EU nisso tudo.
Gael meu amigo se preocupava de verdade. Só não entrava mais em minha vida por respeito ao Nero. Resisti a ideia de ser ajudado, até porque, o que eu contaria ao profissional? Eu tinha um terrível receio de ouvir dele que eu era apenas um menino mimado que frustrou-se com a vida por ela não ser como eu achava que deveria ser. Ou chamaria de drama.
Logo, eu era o erro da questão.
Também sobre o psicólogo, Nero disse que não gastaria dinheiro com essas coisas e que Gael mesmo era um boboca recém formado e que a mim faltava o que fazer pra ocupar meu tempo. Eu concordava com ele mentalmente, pois ele endossava minhas próprias teorias. Ele me diminuía e eu o ajudava a fazer isso. E de novo a pergunta que mais me fiz durante aqueles anos:
"Porque me mantém como companheiro?"
Sobre eu, ele usava palavras de posse. Como se fosse realmente meu dono. E isso era só o que eu necessitava. Ser seu.
— Nero... você ainda me ama? É que mudou muito e eu ficou tão preocupado. Eu fiz alguma coisa errada?
— Se fez coisa errada, melhor que eu nem saiba...
Ele nunca mais respondeu com simples sim ou não.
— Eu jamais magoaria você. Não lembra de como era carinhoso?
— Vem aqui... — sento-me ao seu lado no sofá e ele me abraça, mas não é capaz de falar em amor em momento algum. Nem sobre sua mudança. Parecia então me amar. Será que sem amor, continuaria a me manteria preso a si?
Eu não saberia viver sem essa "prisão"... porém quando vinha-me a falta de ar e aquelas estranhas sensações que tinha desde adolescente, os sentimentos fortes de ódio e de vingança, minhas memórias reviraram e a mais pronta delas era o fato de que ele e seus sócios sonegavam quantias expressivas. E de novo aquela sensação de esmagamento no peito e sufoco. Tudo errado. Uma pessoa encarcerada, o que eu era, dentro de mim. Sentia-me vez ou outra como se tivessem me enterrado vivo e que dali eu nunca mais sairia, morrendo aos poucos e vendo essa morte chegar. Num quase "apagão" que me deu, eu acabei por mencionar o assunto e por esse acontecimento, Nero depositou-me um valor alto, passando pelo menos uma semana sendo cuidadoso comigo quando eu andei confuso e senti uma certa repulsa por aquele dinheiro. Como eu era manipulável, logo aceitei que era um mimo doce de marido e voltamos ao marco zero, donde estacionamos dias antes.
Nero poderia ser a porta para algo maior num esquema?
Percebi que nunca teria coragem de prejudicar esse homem. Jamais o faria.
Quando ele pegava o controle de volta, fazia-me o que faria qualquer Imperador Romano, dava-me pão e circo... agrados financeiro, jantares a dois e sexo
E sexo?
Ele ainda tinha sexo bom porque eu me empenhava em ser a esposa do século passado que achava que agradar seu homem era obrigação. Eu não tinha mais muita coisa... ou gozava enquanto ele estava no vigor da obrigação, traduzindo, enquanto metesse com toda a força no meu rabo, ou eu não gozava.
— Hum!!! — com um tapa no traseiro, meio que acordei enquanto ele me montava feito touro por trás. Mas foi bem rápido, sem recuperar minha própria ereção o senti gozando e desacoplando, pra variar, não tive ânimo para me masturbar. — Amor... faz pra mim... — eu imploro tentando ser um mínimo sexy.
— Depois. Deixa meu coração acalmar.
Depois disso dormia pelado com a rola ainda suja de seu próprio esperma. Eu às vezes nem conseguia um abraço seu para não dormir tão frustrado.
Sexo, por ele não precisava de apego. Ninguém paga um programa em troca de amor. É sexo. De minha parte, eu o amava com todo o meu ser. Minhas forças podiam estar sendo drenadas, mas por ser ele, eu não me importava em me rebaixar, em ser pisado.
Nocivo. Destruía meu ego. Eu, Victor. Eu, novamente iniciando frases com a palavra eu. Duas letras E U, eu, EU, eu. Tão pequeno verbete, tão vasto.
A ideia de separação podia ser absurda para mim. Para amigos acostumados às encenações dos últimos anos, seria absurdo. Porém nada era mais absurdo do que fingir-me de cego no que se referia ao Bernardo. Um dos novos sócios de Nero, filho de um deputado mencionado em esquema de corrupção em nosso estado. Tão acostumados à imunidade e esquecimento da população, seu pai precisava "lavar" o dinheiro e infelizmente o escolhido foi um corretor de origem modesta.
Oh! Deus, que pensamentos horríveis para se ter com Nero!
Se alguém tinha culpa, era o próprio Bernardo. Porém haviam se tornado amigos e eu não cogitava estragar isso no começo... depois, passou a me dar asco em ver a maneira como os dois manifestavam sua proximidade com brincadeiras tolas de adolescente como desculpa esfarrapada para tocarem um no outro na minha frente.
No início, Nero ofendia-se com as sugestões de seus amigos a respeito de ele "supostamente" estar dando mais liberdade ao Bernardo. E de tão ofendido, cortou várias amizades. Exato aquelas que nos diziam que Bernardo entre nós era tóxico e Gael era o principal deles. Eu não amava a piedade de meu amigo quando sugeria isso. Preferi fazer o certo e ouvir meu companheiro que dizia-me que o problema era meu amigo que sentia inveja.
Numa dessas conversas, eles discutiram por minha causa.
— Nero! Por respeito ao Vic, dê uma cortada no Bernardo. Fica ridículo essa coisa vulgar entre vocês neste evento. Tem famílias com crianças e suas brincadeiras estão extrapolando.
— Não coloque coisas na cabeça do "Vic". — ele debocha — Depois sou eu quem aguenta as cenas de ciúmes em casa.
Que mentira! Jamais fiz cenas memoráveis de ciúmes. Também jamais desmentiria meu marido.
— Claro que sou ciumento. O marido é meu. — Minha mentira ao Gael, deixou Nero satisfeito.
— Devia ser além de ciumento, deveria se impor mais, Victor. Quem não conhece vocês, acha que Nero está com Bernardo e não contigo.
Meu amigo poderia, mas não conseguia me magoar, pois sua franqueza ácida vinha antecedendo grande tranquilidade. Dono de um olhar perscrutador e ótima aparência, Gael era bonito pra caramba. De barba bem cuidada, esbelto, pouco mais alto que eu, jovem e muito diferente dos machos que me atraiam, assumidamente homossexual, nem tão discreto, nem tão cheio de trejeitos. Apenas um carinha natural que não usa nenhuma máscara por ninguém.
— Olha quem fala, Gael. Está sempre sozinho e de certo acha que entende de relacionamento. Cadê o seu companheiro?— Nero o enfrenta e debochando olha em volta procurando alguém. — Não tem, né?
— Só penso que relacionamento é feito de duas partes e não apenas de uma.
— Que foi? Andam cochichando pelas minhas costas? — Nero fica irritado e com ciúmes. — Victor você fica se queixando da vida para pessoa estranhas... quando tomar um "pé" quero ver se esses ombros "amigos" vão estar aí para consolar...
Isso acabou com o evento para ele. Me proibiu de falar com Gael, isso ele fez aos gritos e à base de intervenção de vizinhos no elevador. Achei que seria agredido naquela noite. E dentro de nosso apartamento me encheu de culpas:
— Você usa essa cara de cu para que as pessoas fiquem com dó. Está vendo ao ponto que chegamos? Pessoas se metendo em nosso relacionamento. Uns até fazendo sugestões comigo e Bernardo. Mas aquele "psicólogozinho" de bosta tem razão, você não se impõe. Vai lá, seu abobado, fique com ele. Outra bichinha idiota igual você.
Eu aceitei a culpa. Afinal era minha mesmo. Nero não tinha culpa de quase se esfregar com outro homem na minha frente.
A culpa era minha em aceitar a situação.
***
Porque eu sei, que no segundo que você vai, eu quero que você traga isso de volta... E você sabe que eu quero o seu sufoco, quero que você traga isso de volta. Que traga isso de volta. Que traga isso de volta pra mim. (Chokehold, Adam Lambert)
***
Beijos pessoal lindo♥ Ótimo domingo ♥♥♥
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