24 - Victor Vitória Sal


Eu sei que minha inconsequência pode complicar as coisas para o Victor e em vez de ser apenas uma mulher livre, leve e solta, tenho que bancar a mãezona. 

Já vi que isso pesa em meu lombo muitas vezes, queria somente ser egoísta, penso que não tenho culpa de termos um único corpo e várias memórias em comum. Não pedi para existir onde ele nasceu, apenas nasci no mesmo lugar. Vivo. E vivo bem. Vivo plena e totalmente. Não tenho medo das consequências que virão para mim. Vitória. 

Isso me dá coceira no corpo de agonia. Minha personalidade é fogo combinando com meu elemento ar quando alastra fica difícil de conter. 

Pelo menos na balada semanal vou bater cartão. Balada de sexta-feira é ótima, mas a de sábado é muito mais cheia, e é para lá que vou muitíssimo bem acompanhada.

Termino de usar o rímel. Um lápis discreto, sombra efeito noite, amo o gloss sem cor, amo ainda mais glitter até no gel do cabelo, na pele. Amo minha imagem ao espelho, a cor de minha roupa, meu visual levemente andrógino e glamoroso escolhido para a noite específica. Minha inclinação por gostar de Gael não se tornará uma queda por ele e nem por ninguém. Se ele não me quer como o quero, não vamos foder com a amizade. Não deixaremos de sair juntos hoje, nem de compartilharmos algumas ousadias e quem sabe eu invada aquela boca bonita e o seu corpo invada o meu, bem como já invadiu meu coração. 

Fofo, o maravilhoso já está ao interfone meia hora antes do que combinamos!

— Já vou descer, gato, ou quer subir um pouco?

— Victor?

— AH! Seu... imundo! Nem pensar! Não vai subir, vou chamar a polícia. Não!

— Vitória, espera!

Puta que pariu! Se não deixar esse maldito subir, ele pode fazer alguma coisa com o Gael longe de minhas vistas. Por Deus como eu arrancaria todos os pelos daquele homem com cera FERVENTE!

Espero sentada e com as narinas bufantes. Nero não vai estragar nada esta noite. Maldito, porque ele apareceu hoje? Tenho medo do que Victor pode fazer com a proximidade dessa criatura e quanto a mim... eu quero Gael, quero e nem fodendo que esse macho imenso vai ficar na minha reta. 

— Sacrilégio, não ia embora? Não tenho mais nada que lhe interesse. Minha boca é um túmulo, não sei de nada e nem vi. Adeus.

— Me deu saudade...

— Victor alguma vez o mandou tomar no cu?

— Hã?

— Nossa!!! Como você é chato. Deus que carma na minha vida. Não precisa mais falar: "estou apaixonado" porque não tenho mais nada, nenhum arquivo e nem quero me envolver nessas coisas.

— Vou embora sim, mas sozinho... tive uns problemas nas últimas semanas. O pai do Bernardo foi indiciado e o pai de Saulo saiu do país... Discuti com Bernardo. Perdi aqueles dois terrenos que entraram no contrato de permuta porque embargaram a obra... Eu realmente estou achando que você abriu o bico. 

— Quê??? Deveria, mas não abri e juro que não foi por você que calei a boca. Sabe que corrupto não tem só um esquema.

— Eu tinha uma vida tranquila com o Victor... — Nero esfrega a mão no rosto e demonstra desânimo.

— Tá, e o que eu tenho com isso? Qual é a sua em aparecer com essas conversinhas expositivas? Nero, não deveria aparecer mais. Sabe que causa rebuliço... espera, meu amigo chegou... — atendo ao interfone e o peço para aguardar no carro. — Estou de saída.

— Maquiado???

— Óbvio! MaquiadAAA. E vou me entortar de tanto dançar hoje.

— Você não dança. 

— Danço muito. 

— Essa eu quero ver. 

Jesus Christ! Nope! Você pode ir pro meio do limbo Nero. Meter fogo em Roma outra vez, mas comigo nem pensar. Pode procurar o Calígula numa casa de stripers e fundar um país no meio do deserto. Tem tantas possibilidades. Não tente me segurar. Agora sai, sai...

Vou enxotando para fora do meu apartamento.

— Quero um beijo. 

— Na na não! Nem chega perto. Fico louca quando tiram meu batom. Você quer é um pretexto para passar a mão no meu corpo e se oferecer para ser meu passivo. Isso não entendo, porque todo macho quer ser comido por mim?

— Todo macho? Tá saindo com quantos.

— Mais do que você.

— Só fiquei com Bernardo e o Saulo.

— Seu viado traidor! O Saulo? 

— A ocasião faz o ladrão. Enrico regula muito as coisas.

— Fidelidade nem pensar.

— Olha quem fala. Elton me contou que quase transaram dentro do elevador do prédio dele.

— Que bicha fofoqueira! Foi na escadaria, na escadaria! O que você tem com isso?

— Ele disse que você vomitou em cima dele. Ei... o pau dele é pequeno? Sempre quis saber se todo asiático tem rola pequena.

— Que babaca você é. Agora sai que Gael está no carro e não tenho tempo... espera... alô, mona, sim, dois minutos. É sim, o carro do vagabundo.

— Ei!

— Cala a boca! — aponto o dedo na cara do homem que imediatamente baixa a cabeça. — Sim, sim. Um minuto e meio, já chego.

Sim, omiti um rápido encontro com o japa-gato, sushi e um porre de saquê, logo eu estava mamada e ele pior, ainda assim tentei ajuda-lo a subir pelas escadas porque... achei que era o melhor lugar para dar uma rapidinha, mas antes disso vomitei as tripas em cima de Elton, pois jamais havia comido sushi na vida. O problema é que Elton tem essa de ser meio ético e foi pedir desculpas ao Nero por ter QUASE dado para "seu ex". Affs, ninguém merece isso.

AH! Esse indivíduo não vai desgrudar? Antes de abrir a porta do elevador, ele para atrás de mim, quase encostado ao meu corpo e com o bafo de Halls de cereja na minha bochecha. Se eu me virar, fodeu, ele vai tirar meu batom. Minha cintura sente a pegada bruta, mãos fortes. Meu pescoço é cheirado. Quase perco a pose.

— Desencosta.

Ele obedece, então me viro e por que eu quis, dou-lhe um selinho. Ele fecha os olhos esperando um algo mais.

— Victória...

— Hum... misturou os nomes, meu bem. Não tem mais nada para a senhora. — abuso dele enquanto descemos de elevador e ele quase cola em mim quando passamos pela recepção. Mando um beijo soprado ao velho e insuportável porteiro noturno. Uma piscada e finalmente perto do carro do Gael, Nero diz que vai conosco. Sem tempo de impedi-lo, ele entra no carro comigo e meu amigo parece se divertir com isso.

— Não tenho nada com isso, Vic.

— Vic? Você é muito abusado, Gael.

— Sou?

Gael e ele se olham com quase ódio antes de irmos enfrentar a noite colorida da melhor balada da região. Só homens e mulheres bem resolvidos na pista, os tímidos pelos cantos ou bebendo com amigos que dançam Believe, ninguém resiste ao som eletrônico, ao cheiro da fumacinha da balada, as luzes e aos movimentos. Caio da pista, foda-se ao mundo triste que há do lado de fora. Estou fora de mim. Victor está adormecido. Está em paz. Gael dança comigo, Nero nos olha, se entrega aos meninos que se esfregam nele. Querem apenas saber do que ele é capaz ao som remixado de Madonna, uma relíquia Ray Of Light, que me leva um pouco para perto da memória de Victor quando eles saíam juntos nos primeiros meses, quando Nero parecia adorá-lo e antes de se meter com coisas erradas e virar uma lixeira humana.

Paro de dançar, sinto tontura e sequer bebi algo alcoólico. 


Oh, Deus! Eu estou aqui? 

Troco a água para a mão esquerda.

Gael sorri e imediatamente se aproxima.

— Victor, está tudo certo. Eu o trouxe para esse lugar. Fica calmo. — ele grita, afinal o som é ensurdecedor. Mas eu gosto. Nunca tinha dançado antes. Morria de vergonha. Eu dancei? O que houve? Fico ridículo quando danço.

— Tá. Só preciso tomar um pouquinho de água. Será que posso sentar?

— Vem comigo. 

— O Nero está aqui?

Nero está entretido com alguns rapazes. Não sinto ânimo nem para questionar sobre o porquê e como estou aqui. Nem quero saber o que o ex está fazendo aqui sem o Bernardo. Sinceramente e pela primeira vez, não o quero. Quero paz. A paz que senti por esses dias, dos quais nem me lembro. Meu celular foi trocado, percebi quando fui me sentar e precisei tirá-lo do bolso da calça. Minha tontura passou, tomei quase meio litro de água e sorri.

— Que loucura isso, hoje é dia vinte de outubro. Lembro que saí com você final de setembro... depois lembro de coisas tão rápidas. Se isso não é loucura, não sei mais o que pode ser. 

— Tem sorte dela ser tão boa em informática quanto você. Só que louco você não é. Essa parte ficou com ela.

— Não quero explicações agora. 

— Então vem dançar.

— Não, não sei dançar... — mas ele não me ouve e puxa-me pelo braço, tirando-me a garrafa de água e nos atirando na pista principal. Me sinto um idiota em mexer o corpo. Tenho vergonha dos movimentos, Gael me abraça e tudo fica mais convidativo. Nero olha para mim que danço  na sua frente. Fico muito sério e tento imitar os passos de Gael, me sinto ridículo e penso que se bebesse um pouco ajudaria. Pela mão, ele me puxa dançando até o bar e lá bebemos um coquetel doce, alguém fuma e eu começo a tossir. 

— Quer tentar? — o rapaz me oferece o cigarro, recuso rindo e grito em seu ouvido que tenho asma, ele acha graça e tenta me beijar. Gael se coloca entre nós com delicadeza o que me deixa notar um certo ciúme. 

— Vic, está cansado? Quando quiser ir, só me dar um toque. Quer mais um desses? Aproveita e enche a cara. — meio assustado recebo mais uma bebida. Nunca bebi demais e logo sinto aquela alterada provocada pelo álcool, meu corpo também se solta parecendo ter várias vidas em si. Não preciso de explicações ou desculpas hoje, preciso me soltar como nunca. No banheiro percebo frente ao espelho que estou maquiado, exprimo um grito e vários olhos encontram o meu olhar assustado no reflexo.

— Alocaaaa, o que é isso! Arrasô com essa boca. 

— Tá sexy, viado. Só não fica perto das bicha da pista de cima. 

— Nem dos "queijinho". Ali tá os bofe do acué... mas...

— Ai desaquenda mulher. Não mexe com a amiga do Gael. 

Até para eu que sou gay, ouvir esse dialeto sempre foi algo estranho. Uso menos expressões do Pajubá do que algumas mulheres de fora da comunidade. Foi engraçado ver aqueles rapazes achando que eu fazia programa, massageando o meu ego enquanto falavam de coisas boas de minha aparência. Tentei sair do banheiro, mas tomei um choque com a chegada do Nero. 

— Te conheço bem demais, Victor. Nem no meio da farra, você consegue me enganar... O Glamour que ela tem, não é para você.

Isso dói tanto que sinto vontade de me trancar em um dos banheiros. Os ocupantes dos espelhos todos disfarçam ao sentir a tensão entre nós. Engulo um caroço dolorido. Achei que tinha superado. Estou apenas seco. Não sinto mais o desejo de voltar para ele. Então devo sim te-lo superado.

— Acho que não perguntei. 

Digo a frase e inseguro saio caminhando firme, me livrando das lágrimas pelo caminho. Escondo isso de Gael por medo de vê-los discutindo. Nero quase encosta-se em mim quando peço ao meu amigo para irmos embora. Me nego a contar sobre as palavras do ex, mas Gael o afronta e o manda pegar um táxi.

— Deixei o carro perto do prédio do Victor. 

— Problema seu. Victor vai dormir lá em casa. Vem. E não toque nele. Solta. — Gael retira a mão de Nero do meu braço quando o ex me transmite a mesma posse de anos. — Vem comigo Vic. 

— Victor! Vem comigo! Vamos pegar um táxi. Levo você, depois pego meu carro. Preciso falar um particular.

—Nem pensar. Você não toca nele. 

— Fui casado com ele, eu que mando.

— Você é um babaca. Não dá para te respeitar quando faz isso. Tadinho, olha o que está fazendo. Solte o braço dele! Está machucando-o. 

— Você é nojento, Nero!

A frase me escapa. 

Vou cair... me ajudem... não respiro...

Esse homem me machuca. Odeio quando me trata como fraco. Sou menino. Não tenho marido. Odeio esse homem feio. Com toda a minha força, pulo na cara dele, começo a socar e arranhar tudo, puxando o cabelo e mordendo perto do olho dele. Quero arrancar os dois fora. Pessoas, muitas pessoas gritam e alguém muito forte me tira de cima do homem.


Que bagunça em minha cabeça. E o gosto que sinto na boca parece de comida azeda. Meio lado da minha cabeça dói e estou completamente suada. Como que minha noite maravilhosa foi terminar assim? Como vim parar aqui? Quem me deu banho?

Achei que iam me enquadrar por aquela agressão. Maldito garoto! Mesmo que Nero tenha merecido e sinto-me mal por não ter sido euzinha a agredi-lo, acho que a coisa foi longe demais. 

— Oi meu bem, acordou então? 

— Nem sei o que dizer...

— Sabe que não precisa me explicar nada. Mas confesso que fiquei com medo. Nero tomou ponto. Sorte que não quis registrar queixa. Ninguém dentro de uma delegacia tem a mente aberta de um psiquiatra ou médium... porque ontem isso foi o bafo. O comentário do momento é que tinha um rapaz possuído tentando canibalizar o outro. 

— Puta merda... 

— Foi UÓ. 

— Não tem graça.

— Tem sim, amiga.

Merda. A boca bem desenhada dele é um convite ao inferno. A dipirona, o carinho no meu cabelo até que a dor passasse, o beijo na testa, o algodão com demaquilante nos meus olhos e o café na cama... Gael não poderia exigir que eu não me apaixone mais a cada minuto.

— Gael... namora comigo?

— Mana, quer me matar do coração?

— É sim ou não.

— Você é uma fêmea perigosa. 

— De lambuja, Victor é seu.

— Se eu o conquistar, de lambuja serei seu.

— Você é muito vaca!

Gael ri muito alto e minha cabeça sofre umas pontadas de dor. 

— Namoro com vocês dois. Mas quero dar tempo ao Victor e depois tanto carinho nele que nem vai lembrar do falecido.

— Sem nomes. Não quero ouvir. Quero que o Império Romano acabe. Que Nero morra de raiva que de certo pegou naquela dentada. 

— E outra coisa. Se prosseguir com suas safadezas por aí, que eu nem desconfie.

— Sou uma vagabunda completamente fiel... 

— Adoro uma pitada disso também.

— Ai minha cabeça... não me faça rir.

Gael me dá um selinho muito discreto. Agora tenho a tarefa de convencer um garoto tremendamente ferido de que achamos o homem certo para nós.


***

Tudo que ouvimos é Rádio Ga Ga. Rádio Blah Blah. Rádio, o que há de novo? Alguém ainda te ama (Radio Ga Ga, Queen)

***


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