23 - Victor Vitória Sala


Minha resistência em entrar na balada GLS foi vencida quando de fora do ambiente, avistei aquelas pessoas alegres a esperarem sua vez para comprar o ingresso e carimbar o braço. Dançantes desde a fila, a maioria dando muita pinta como eu mesmo sempre dei. Raros momentos de alegria. O coração aqueceu momentaneamente.

Eu posso estar incerto sobre muitas coisas, mas é certo que jamais vou voltar para o armário. Foram sete anos ao lado de um homem importante ao me ajudar a me assumir, mas sua proteção foi de certa forma nociva, tóxica e só olhando uma figura pelo lado de fora para ver as pequenas falhas da forma perfeita que idealizei. Falo sobre antes das coisas ficarem ruins.

Estou cansado de chorar por hoje, querendo que toda a energia ruim saia de mim. Deixo-me anestesiar. O som alto na música de Ne Yo, Say it, parece soltar o que de mais sensual há no meu ser, essa vida que quer vir à tona e assumir o controle, sinto-a como algo real e possível. Gael não é só meu amigo, ele flerta comigo quando preciso de espaço. Seria cruel feri-lo. Aos poucos, ele entra nos espaços que lhe cabiam como meu amigo e sua importância para eu, jamais será esquecida.


Seria cruel não desfrutá-lo. Eu sei que Gael me vê com outros olhos, como sua amiga. Acho-o incrível por isso, Gael sabe exatamente quando somos eu ou Victor. Basta que eu olhe e me aproxime dele naquela casa noturna. Seu sorriso apaixonado se desfaz dando lugar à um leve e divertido. Na mesma hora, ele chega mais perto e abraçados pulamos, Don't cha, cantamos completamente sem noção de pronúncia ou mesmo sem preocupação com o que sai de nossas bocas. Queríamos comemorar algo. A liberdade do Victor quem sabe. Mais tarde ele confirma que foi um grande passo do meu menino. 

Queria poder beijar, tocar em Gael como ele permitiria ao Vic e amo quando nos chama assim. Adoro quando me conduz para perto do bar e gritando, tenta sugerir o que podemos beber ou quando dançamos um para o outro, flertando com homens que faziam nosso tipo, beijamos outras pessoas e minha experiência foi meio, como defino, louca demais, mas valeu, tínhamos o que comentar e pelo que gritar escandalosamente mais tarde. No meu caso, beijei uma garota, eu sempre quis saber como seria e achei deliciosamente diferente. Beijo é beijo. Foi um estranho bom. Meu próximo beijo foi com um homenzarrão na casa dos cinquenta, charmoso, com algumas adiposidades que o deixavam desconfortável quando o apertava pela cintura. Gael ficou com um menino moreno lindo, comentou comigo que queria levá-lo conosco e eu até o incentivei. Toparia uma loucura sim, não fosse o choque que causaria no Victor. 

Pensando bem, queria muito beijar o mesmo garoto que beijou meu amigo, sentir o sabor de seu beijo em outra boca. Percebi em seguida que o sabor de Gael era delicioso quando compartilhamos o belo moreno litorâneo. Mordi os lábios lindos do estranho, Gael me olhando, esperando sua vez de beber daquele beijo com sabor de chiclete de morango, sorrindo ao beijá-lo como se quisesse provocar meu ciúme. Confessando mais tarde que minha boca era deliciosa e que amara aquela brincadeira.

— Não queria levar o moreninho para casa?

— Queria outra pessoa... sabe bem...

— Eu não sirvo? — Faço charme, mexo em meu cabelo arrumando o topete meio desmanchado. 

— Seria uma loucura.

— Não consigo te passar a perna, fingindo que sou ele?

— Eu te conheço. É loucura como te conheço há tão pouco tempo e tão bem. Gosto muito de você. Mas é que ele... Vic... eu não sei como explico.

— Psicólogo enrolado.

— Não tenho superpoderes, garota. Ei... não vai deixar recado? Dessa vez quero estar perto dele quando ler. É fofo vê-lo cheio de confusão. Sabe que ainda tenho esperança de que ele se entenda com Guilherme. Seria um caminho certeiro se aceitasse compartilhar sua realidade com as pessoas. Pelo menos no emprego, família e amigos mais próximos. Poderíamos protegê-lo melhor.

— Minha maior preocupação é o garoto violento... O doutor deve ter se assustado.

— Um homem com a experiência dele não fica facilmente assustado.

— Mas a mim a experiência assusta.

— Posso ficar essa noite por aqui mesmo... tem uma caminha sobrando?

— Claro! 

Eu me empolguei muito mais do que deveria. Gael riu de mim e me chamou de oferecida. Honestamente queria que ele pedisse muito mais. Lhe daria minha cama, meus beijos, sexo gostoso e um café na cama.

Sem tanto, também, afinal não nasci para ser escrava de ninguém. Mas um romance cai bem.

Gael tão parecido com o Victor, valorizando o romance providenciou o café na cama, mesmo que eu achasse tremendamente brega, usou uma das flores trazidas por Nero que vingaram devido ao carinho do Victor pelas inocentes plantas. Mas esquecendo a parte nojenta dessa vida, foi fofo ver um pão francês cortado em fatias que ele cobriu com patê, a laranja em quadrados, o café sem leite e aquela florzinha num vasinho de cristal que surrupiei de Nero quando nos mudamos. Só nos faltou o beijo de bom dia diante de delícia e leveza do momento. 

— Passe o dia comigo, Gael. Pelo Victor... 

Minha cara de pau é uma vergonha!

— Fico até o almoço, mana, depois vou para casa porque tenho mil coisas para arrumar. Sou pobre entendeu? Lá não tem empregada.

— Somos duas então. Mas aqui geralmente o Victor é quem sempre deixa as coisas limpas. Sobra-me pouco a fazer. Ele realmente ama cuida de uma casa. Eu detesto! Odeio mesmo.

— Então estamos acertados. Eu também adoro cuidar do meu espaço. 

— Quero muito que ele esqueça o "inominável" e se dê uma nova oportunidade para ser feliz nessa vida. 

— Vitória, eu respeito os sentimentos dele. Não quero impor nada ao Victor. Quero que ele se sinta confiante, que esteja com a mente livre de tudo. Ou pelo menos que lide melhor com o passado. Acredito no seu drama real e por tudo o que viveu com o ex companheiro, preciso ser paciente.

— Você é um fofo. Bom..., eu acho que ele deu um grande passo ontem ao querer sair, mesmo contrariado.

— Você tem alguns méritos... 

Como acontece quando estamos em boa companhia, a manhã voa, à tarde ambos tínhamos coisas a fazer e combinamos de conversar à noite, por isso coloquei bilhetes colados pelas paredes relembrando-nos do compromisso com Gael e uma carta mais profunda ao meu Victor para que finalmente abrisse seu coração cansado.

Mas pelo visto, Victor não queria sair para o mundo e isso perdurou por dias. Aproveitei para ter uma conversa séria com Murilo que ficou entre a descrença e o medo quando lhe disse que dentro do Victor, existem outras "pessoas". De repente não deveria ter dito naquele tempo, pois o homem achou que tratava-se de entidades paranormais e disse que eu deveria buscar ajuda em Igrejas Pentecostais para o livramento dessa possessão. 

Eu Vitória tive vontade de rir, mas com assuntos que envolvem o nome de Deus, eu jamais brincaria.

Queria fazer muitas loucuras, desrespeitar regras, matar pessoas e me livrar dos corpos. Estou brincando sobre matar, claro. Queria ser inconsequente, mas Victor me ensina sem perceber que não posso tocar o terror na vida alheia. 

Porém, Vitória não ouve calada e não deixa barato qualquer assunto. Se me deixarem quieta, tudo bem, mas combato fogo com fogo e sobre o assunto a seguir, eu fiquei num mato sem cachorro...  Com vontade de dar uma facada no salafrário do Enrico que liga todo pimpão... fiz um esforço hercúleo para segurar a língua:

— Victor, eu e o Saulo desocupamos um apartamento, meu sogro tem vários imóveis, então Nero pediu para oferecê-lo a você. Somente o condomínio fica por sua conta. Sabia que nos mudamos para aquela cobertura decorada maravilhosa?

— Que bom. Parabéns pela conquista. Mas estou "ótimo" no meu cantinho. Obrigado.

— Victor, amado, somos amigos...

Blá, blá, blá... Primeiro, achei que a frieza era o caminho. Contrariada precisei pisar em ovos com essas cobras. Uma pena, porque cobras são animais adoráveis. Eu mesma adoraria ter uma mamba negra de estimação para jogar em cima desses "amigos" quando me visitassem.

No meu mundo cor de rosa com glitter, onde ao caminhar flores flutuam enfeitando e perfumando ao mesmo tempo que a delicadeza me deixa maravilhada, eu delicadamente resolveria as coisas de maneira doce e meiga por exemplo...

— Avaliado em três milhões de reais, menino???

— Foram dois anos de economia, nem acredito que conseguimos quitá-lo.

— Em dois anos conseguiram juntar três milhões de reais? O que fizeram? Narcotráfico?

— Victor, que coisa horrível. O pai do Saulo nos ajudou, ok? — pela voz, Enrico se ofendeu — Mas o mérito é meu e do MEU companheiro. Não há necessidade em nos atacar pelo motivo de ter sido largado pelo Nero. Coitado dele, tem um coração do tamanho do mundo, o apartamento...

— Ah, verdade. O "errado" sou eu.

— O Nero gostava de você e cansou dos seus dramas...

— Você deve saber mais do que nós que vivemos sob o mesmo teto. — interrompo.

— Ele fez...

— O Nero. O Nero e o Nero. Chamem ele para morar com vocês. Ou vão copia-los e saltar fora do esquema???

— Cala essa boca! — Enrico grita ao telefone.

— Não se preocupe comigo, tudo o que eu tinha, está nas mãos de Nero. Se caso forem denunciados por algo, não terá partido de mim. Aliás, seu sogro também foi citado junto ao pai do Bernardo na Operação...

Mas como a vida é chata pra caralho a prosa segue como abaixo transcrevo:

— Imagina, amigo. Estou bem mesmo mesmo. Mas agradeço do fundo do coração por sua bondade e a de Nero. Sempre tão maravilhoso.

— Você é nobre, meu bem, eu mesmo teria atormentado o Saulo se fosse comigo. Posso contar um segredinho?

— Ah... — eu bem que queria saber — melhor não, Enrico. Tudo de bom tá. Xau...

Ai, que delícia essa falsidade. 

Mas daí Nero que deve ter recebido as informações na íntegra, pensa em brincar conosco e liga incansável para meu número. Não é fácil ficar trocando de número, mas o faço e só não me mudo de apartamento agora para não arcar com a multa de quebra do contrato que falta três meses para encerrar. 

Sobre o psiquiatra, eu persisti. 

Sobre Gael, queria que ele me olhasse como olha ao Victor. 

Sobre Nero, ele também pediu-me, usando o contato empresarial, que eu lhe desse uma única chance. Não sei pra que e nem quero saber. 

Sobre minha mãe, passamos a nos entender um pouco melhor e nos reunirmos uma vez por semana. 

Sobre o Victor, ele parecia em sono profundo. 

Sobre eu, eu estava entediada, louca para meter o pé em tudo.

— Diogo! — o cumprimento pelo headset e ele sabe que sua voz é quase um ato de canalhice barata, pois seu "boa tarde" sai rouco e sensual. Como ele pode usar essa voz no meio da tarde sem ser preso por descaramento?

— Ainda vou cobrar aquele vinho em frente à lareira. — Filho da puta! Porque meu corpo está arrepiado. Não paro de arrepiar e se fechar os olhos lembro da imagem, a imagem que quero tirar da cabeça. — Vamos tomar um café hoje no final da tarde?

— Morro de insônia depois.

— Um uísque? Tenho um escocês 18 anos que raramente sirvo... 

— Hummm, destilado faz meu crânio rachar depois.

— Cerveja?

— Não quero criar uma pança.

— Um suquinho?

— Facilita, por favor. — meu pedido o faz rir. O riso é uma tentação, mas não vou cair nesse golpe. 

— Vou facilitar hoje, Victor. Um ótimo final de expediente e até uma hora dessas... posso aparecer onde trabalha e lhe oferecer uma carona...?

AHHHHH! Isso nunca!!!


***

Há muitas maneiras de você ferir um homem e deixá-lo pra baixo. Você pode golpeá-lo. Você pode enganá-lo. Você pode tratá-lo mal e abandoná-lo quando ele está deprimido. Mas eu estou pronto, sim eu estou pronto para você. (Another One Bites The Dust, Queen)

***

Olá gente querida. Estamos bem nos finalmentes faltando mais 4 capítulos para terminar esse conto. 

Agradeço muito muito a todos os que estão acompanhando♥ Obrigado gente!!!

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