20 - Victor Vitória Salazar


Minha perda do controle traz Victor à tona e certamente foi ele que colocou Nero para dentro de nosso apartamento dia desses. 

Recordo que há dois dias EUZINHA tinha planejado ir direto do trabalho para um lugar reservado com Murilo e encontro tudo fora de controle outra vez. Raquel me cobrando sobre a caminhada, Murilo dizendo que passei dois dias chorando e Nero me recebendo com um sorriso largo de quem se fartou com meu corpo.

Só me faltava isso!

Nero comenta que passou a tarde assistindo TV e comendo. Filho da puta! Passou o dia preso no meu apartamento, MEXENDO NAS MINHAS COISAS, comendo minha comida, meus doces e deixando louça suja na pia!

— Vai limpar aquilo. Eu e o Victor não somos seus empregados. 

Ele se aproxima da porta sorrindo:

— Deusa... adoro quando pega o controle desse corpo. Te fiz gritar essa madrugada.

— AH!

— Bem assim. Pena que não era você com sua raiva... era só ele... 

Suspiro desanimada e sento-me.

— Como consegue? Está mentindo para o Victor que o quer de volta e traindo seu atual? Nero isso não vai me conquistar nunca. E o mais importante... você vai lavar a louça.

— Limpo tudo se vir comigo a um jantarzinho com o pessoal da imobiliária. Até o Bernardo vai estar lá e queria muito ver vocês dois se enfrentando.

— De novo? Jantar, festinha, encontros? Chato isso. E quanto à limpeza de minha pia, você vai limpar aquilo ou não me chamo Salazar!

— Uh... que assustadora. — ele debocha. Deus me segure. — Podemos fazer uma troca, eu lavo a louça e você me acompanha.

— Não vou me humilhar discutindo com aquela biba queixuda para você se entreter como se fosse um Imperador Romano com o polegar virado para cima. Não sou obrigada a isso!

Vai me acompanhar e eu limparei a sua bagunça.

Solto uma gargalhada tão alta que o porteiro escandalizado posteriormente me questionaria se eu ouvi alguém rindo. Eu não negaria e ainda diria que foi a melhor risada que já ouvi. Sarcasmo em cada vocalização.

— Minha? Se limpar antes, eu o acompanho.

— Não confio em você.

— Tudo bem, Nero, você me venceu. Eu mesma irei limpar a bagunça que deixou quando retornarmos. Está bem assim?

Eu vou para o banho. Providencio tudo o que preciso enquanto ele assiste. Ajeito minha barba crescida, de maneira que fique mais bela do que sou ao natural. A base esconde algumas insignificantes manchas em meu rosto. Dois pelos de minha sobrancelha que estavam revoltados são arrancados e são sempre os mesmos a me irritarem. Opto por calça jeans preta, camisa social e echarpe, arrematados por um blazer cor vinho. Gel me dá ideia de um topete abusado e um batom cintilante brilha em meus lábios. Mulher por dentro, homem por fora. Aliás, que homem lindo!

— Hum! Porque não fez isso antes? Só aprendeu a se arrumar depois dessa historinha de Vitória. Só tire o batom e coloque um casaco um tantinho mais discreto. Não estamos indo para uma balada.

— Quem disse que vou sair com você? Eu tenho um encontro. E pode dar pití, pode surtar, fazer discurso e tentar, ousar me impedir. Nada vai adiantar. Eu faminta e hoje tenho um "prato" em meu cardápio de emoções que está deixando babada e não é de saliva.

Nero praticamente salta do sofá e se coloca entre eu e a porta. Coloca as suas mãos na cintura, pronuncia o nome de Gael e eu ergo a sobrancelha. Estou muito irritada. Ele não desgruda de mim. Ah, o que faço? Não estou com vontade de fingir ser o Victor, porque me daria muito mal. Victor ia aceitar na hora acompanhar o traste e ainda limparia a pia com a língua. Eu não estou com tesão para ver o coleguinha Bernardo, que além de tudo continua sócio na imobiliária e mesmo para EU Vitória, discutir com aquela porcaria, vai fazer mal para minha pele. 

Sou fútil sim. Me permito tudo o que Victor deveria ter se permitido.

— Só sobre meu cadáver queimado, é que você vai sair desse apartamento pra ver outro macho.

— Não seja por isso. — Retiro do bolso e de minha carteira de Carlton, meu isqueiro e o acendo na frente da cara do homem. Ele dá um passo para trás — Eu sei. Victor tem asma desde a infância. Aham. Mas eu não. 

— Mulher! Você me excita muito.

— Sai... desencosta desse corpo delicioso que tenho. Comeu ontem, hoje mantenha pelo menos três metros de distância. Hoje vou sair com um gatinho delícia. 

— O psicólogo de bosta?  

— É a pessoa que mais quer ajudar. Foi um dos poucos que não se afastou quando Victor chegou no mais fundo de seu problema. Você é um rato. Um idiota. Covarde e ridículo. Cachorro. Um vagabundo. É tão lixo que...

Filho da puta! Odeio quando esse cavalo me interrompe e ele faz com medo de ouvir mais "elogios". Me cala com um beijo " desentupidor". Aquele que sou obrigada a confessar... amolece as pernas e pior: 

TIROU MEU BATOM!

— E então?

Plaft! É assim que exprime-se o som de uma bela bofetada? Ok. Deu para entender, seguimos. 

— Não me encosta. Eu tenho raiva de você, seu... ui... não toca!

— Vitória é uma tigresa raivosa. Já estou duro... ei, tem certeza que não lembra de como gemeu de tesão enquanto fodia meu pau com essa bunda assanhada. Estava tão puta na cama.

— Meu Deus! Você se aproveitou do Victor dessa maneira? —  Aponto o dedo na sua cara e ele mantém o deboche — Encosta de novo nesse corpo e eu te dou um soco. Te dou uma... uma facada.

— Aham. Ei, esse "suposto" encontro com Gael é para alguma safadeza? Deixo você me maltratar se quer fazer essas safadezas. Podemos deixar esse evento sem graça de lado e fazer uma festinha só nós dois.

Coloco a mão na boca para tentar esconder o espanto.

— Mas que canalha, cara de pau! Nunca. Nem morta!

— Que besteira... quem precisa do Victor? Ninguém precisa dele.

— Eu preciso. — respondo magoada de verdade e fecho a porta do quarto. Nero me segue ainda rindo e eu completo — E Victor precisa de mim. Precisa de você, precisa dos amigos... e nós precisamos dele. Porque faz isso? Creio que seja a pessoa que mais te ame. Isso que você faz, beira a crueldade. Não, não. Ultrapassa a crueldade. Victor está aqui dentro. Eu vivo nele. Embora eu seja outra pessoa como Gael me explicou, eu preciso de Victor e não de você. 

Nero numa das poucas vezes que percebo, fica sem graça. 

— Não entendo nada disso e ainda prefiro achar que é só uma brincadeira, mas quando é Victor, pouco me interessa. 

— Então... sendo Nero, não interessa a mim também. 

— Já que o Victor não se lembrará... vou abusar muito dele para te atingir. Louca.

— Quê? —  minha voz sai aguda de tão perplexa.

— Estarei de olho... Sai comigo hoje. Desmarque o encontro com Gael.

— Nem pensar! Fazemos assim, troca justa, última chance: eu saio com você e lavo minha própria louça e...

— O quê?

— Você me traz para casa antes das dez, some da minha frente e eu sigo com meu encontro como havia planejado. 

— Não. 

— Foda-se. Então chispa. — faço sinal para um homem que parece um monte de pedras no meu caminho. Maldito empata foda. Nem se mexe do lugar. Desgraçado é grande pra caralho!

— Não mesmo. Tenho planos de passar a noite com você.

— Amigo, nem pela louça da pia eu desmarco o encontro de hoje, nem que me alocar no meu antigo apartamento. Você vai se afastar por seis meses de mim.

— Por aquele apartamento, eu quero passar a noite com você então.

— Não sou prostituta para foder em troca de algo. Trepar, eu trepo por tesão e não sinto isso quando olho para você, Nero. Mas ok, vamos nesse jantar. — desisto, ele venceu. Pronto, ele vence sempre. Vitória foi derrotada enfim.

— Desistiu do seu encontro?

— Claro, claro. — Espero que Victor não acorde pelas próximas horas. E menos ainda o moleque dos infernos. Baixo o olhar e ouço um risinho de quem venceu. Ele se acostumou a isso com Victor e já estamos exauridos de voltar no assunto. Tiro do outro bolso o meu batom e o retoco. Viro-me ao espelho e ajeito o topete. Perfeita! — Vamos?

Nero não parece certo de que quer me ver de batom e com a vaidade tão exacerbada. Todos estão acostumados a ver um derrotado ao seu lado e certamente se sentirão perplexos diante do inusitado.

Descemos de seu sedã valioso em frente ao restaurante de tijolos à vista ricamente decorado por dentro e por fora. É possível sentir o luxo derramando nas taças em cristal onde despejam vinhos caríssimos. Meto na boca um cigarro, um pouco tensa. Melhor mesmo manter-me equilibrada. Nero estranha. 

— Ué? Destra?

— Desde que me conheço por gente.

— Ele era canhoto, sempre foi.

Ele parece impaciente. Espera que eu trague e absorva a calmaria nociva das mais de mil substâncias de um cigarro. Mete as mãos nos bolsos e quando se volta, lhe atiro no rosto minha echarpe devidamente perfumada com Trèsor da Lâcome, ficando apenas com minha chamativa camisa social e blazer. Ao olhar para baixo, Nero dá um salto, não mais que meus próprio sapatos de salto alto.

— Vão rir da sua cara.

— Olha minhas linhas de preocupação. Viu? Nenhuma. Estou muito, mas muito irritada. O diabo não teria coragem de se indispor comigo hoje. Nero. Eu tentei impedir o que estava planejando para esse jantar, mas você implorou para me trazer. 

— Não seja maluco de me fazer passar vergonha. Mas uma briguinha entre duas bichas é sempre engraçado.

— Claro. Conseguiu me deixar pra baixo, sabia?

Entro na sua frente quando ele me abre a porta do restaurante/bistrô. Victor entraria atrás como sempre. Por isso que ninguém lhe dava importância. EU mesma, chego atraindo olhares. Exótica demais para não ser notada. Ando firme e empinada. 

— Se comporte. — Nero diz baixo e tenta pegar em meus dedos. Eu disfarço, finjo arrumar os cabelos e chego até a mesa cheia de casais parecidos conosco e exijo que Nero puxe a cadeira para mim, só olhando-o com ordens expressas no olhar.

— Caramba! Oi Victor.  — Saulo me cumprimenta com os olhos arregalado.

— Deve estar se sentindo por cima... — Bernardo rosna com ressentimento. — Eu que disse ao Nero, MEU marido, que fizessem as pazes para que voltássemos a ser todos amigos.

— Que bom que conseguem manter o nível, você e o Bernardo. Acabaram de voltar de lua de mel. — Enrico diz — Mas, confesso que sete anos tem peso. Você e Bernardo são nobres, Nero... que bom que Victor aceita de coração manter a amizade com todos.

— O que seria de nós se não houvesse o perdão, não é mesmo Bernardo? — Falo com ele que engasga com seu vinho e me olha com desprezo.

— Verdade. Eu o perdoo por ter tentado seduzir MEU marido nos últimos dias. Entendo, carência depois de tantos anos. Mas um dia supera. Fico feliz que tenha vindo. Obrigado.

— De nada, meu bem.  — Bernardo sorri e se esfrega no braço de Nero, quer marcar território.

Eu acho que não vale a pena fazer confusão e humilhar o Victor, contando que Nero e ele transaram. Ah que vontade de rir da cara do Nero, preocupação pura. Deve estar pagando os pecados com esse traidor puto do Bernardo. Só me dói pensar no desgosto de Victor se tivesse que passar por isso hoje depois de uma noitada de "amor" com aquele que deve ter prometido-lhe alguma coisa. 

Aliás, isso está muito mal contado. Bernardo não notou a falta do SEU marido à noite? Ou também anda aprontando por aí? 

— Está usando batom, Victor? — Bernardo tem um ar de riso. — Jesus!

— Aham. Maravilhoso não é. — O retiro do bolso, um Yves Saint Laurent. — Seus comentários são sempre tão profundos. Ainda bem que só meu batom que lhe causou espanto, amigo. 

Ele se remexe na cadeira e vira o vinho. Encara descarado ao Nero que está louco para que eu faça cenas e assim, ele se sinta o machão alfa do bando. Seu ego será murchado hoje. E a louça ainda está na pia. 

— Acho bacana uma reviravolta, Victor. Às vezes é o que precisamos depois de passar por tantas coisas pesadas. — Saulo se dirige a minha pessoa — Mas cuide para não mudar demais. Perder a essência. Conhecemos um Victor tímido e doce. Depois de poucos meses, aparece outro Victor. É bastante notável a mudança na aparência. Mas não mude aqui dentro.

— Saulo, mudar, significa alterar algo de maneira significativa. Estive "preso" em Victor, só quero vir para o mundo. 

— Podemos pedir o jantar? — Nero corta o assunto e limpa o suor da testa.

Bernardo realmente deve estar dominando a situação ali. Hum... Nero tem que mostrar que me despreza na frente dele então? Interessante. 

— Claro, Nero. — Enrico incentiva.

— Mas acho nobre que você tenha superado tão bem as coisas. 

— Claro que perdoaria algo significativo. Importante. — Bebo meu vinho branco usando o melhor deboche em mim. — Nero, perdão, pode devolver minha echarpe, a colocou em seu bolso. Deus me livre saber que Bernardo brigou com você por isso. 

— Ah... eu... Sim. — Nero me estica e desvia o olhar — Você deixou cair lá fora. 

— Achei que tinha jogado em seu rosto.

— Gente, vamos manter o clima gostoso. Relacionamentos às vezes acabam, mas amizades não. Eu sei que o Victor tem todo o direito de estar um pouco magoado, porque me coloco no seu lugar, mas com o tempo superamos e perder alguém não é o fim. — Enrico comenta

— Verdade, meus pais se separaram e hoje tenho duas irmãs que são frutos dos relacionamentos deles. Duas maravilhosas. — Saulo incrementa

— Estou mantendo o nível — Bernardo faz pose — Não me rebaixo por pouca coisa. Victor também sempre teve etiqueta. Eu respeito seu ressentimento, pois o mereço.

— Imagina, querido. — não consigo não soar falsa — Ressentimento faz mal para quem o cultiva no coração. Estou maravilhosamente bem. Na verdade, estou com um pouco de enxaqueca, esse vinho não me caiu bem.

— É porque é fino demais. Seu paladar não está acostumado, querido.

— Oh sim, claro, deve ser isso. Na verdade quero me economizar, tenho um encontro com alguém às dez e vou dirigir. Meu boy e eu preferimos os drinques docinhos e não esse vinho seco amargo tão fino que combina com você, meu anjo.

— Seu boy? Não quer ficar por baixo? Victor, não precisa inventar.

— Ai Bernardo, pergunte ao Nero porque estou vestida assim. Balada amor.

— Se caso você fosse... — Nero me olha ressentido. — mas não vai.

— Que é isso, Nero. Victor está bem no processo de superar tudo o que passou. Você é nosso amigo, você e o Bernardo, por isso que não julgamos vocês quando... sabem né? 

— Victor só não quer ficar por baixo, tudo bem, gente. Eu faria o mesmo. Tudo bem de nossa parte. — Bernardo comenta e olha furioso para Nero que está possesso — Né, amor?

— Por falar nisso, estou me sentindo uma vela para dois casais tão lindos. — Ah, sou falsa mesmo — Nove e quinze... Vou chamar um táxi, Nero não precisa me levar.

Ele levanta e diz:

— Eu trouxe e eu levo de volta. 

— SEU marido pode não gostar. 

— Sou suficiente, MEU marido não tem motivos para procurar fora. — Bernardo se mete, levanta e mete um beijo de língua no Nero.

Pra que fazer uma coisa dessas? Só em novela mesmo. Falar em novela...


— Eu fumei, Nero? — Já no carro, coloco a mão no peito e minha respiração ruidosa o assusta. 

— Caralho. Só que me faltava. Eu devia ter te metido num táxi.

Só queria chegar em casa o mais rápido possível. Ele me segue e reclama a cada passo. Liga ao Bernardo e reclama que estou tendo crise asmática.

— Vou lavar a louça, Nero. Poderia levar o lixo lá embaixo para mim?

— Não vai tirar a roupa de palhaço?

— Claro. Desculpa se o fiz passar vergonha estando vestido assim... Ontem, na madrugada eu...

— Esquece... — Ele liga a TV, joga-se no sofá como se fosse dono da casa e permanece em silêncio. — Toma um banho que não vou perder a viagem.

— Nero... desculpe te incomodar.  — tento chamar sua atenção, ele segue sem olhar na minha cara — Vou pôr o lixo lá embaixo, vai pensando no que gostaria de comer. Afinal estraguei seu jantar e vou fazer de tudo para que se sinta melhor, meu amor.

Ele não reponde. Aumenta o som da TV. Eu, sem o lixo nas mãos, apenas uma bolsa com roupas, caminho estalando meu salto em um andar confiante, abro a porta com chave na mão DESTRA e de relance Nero percebe. Tarde demais. Meu sorriso é a última coisa que vê ao ser trancado dentro do apartamento xexelento do Victor.

Eu me adoro quando engano a todos. Sou perigosa e não tenho remorso algum. 

Ouço seus socos na porta e passando pela portaria aviso ao porteiro sobre o invasor que lá se encontra e que vou dormir fora, mas que ele pode chamar a polícia se caso as pessoas reclamarem. 

No carro, troco o salto por um sapato sem graça estilo Victor, não gostaria que Gael ficasse muito assustado hoje. Eu sugeri balada, ele ganhou sugerindo um Pub, beber e conversar apenas. 

Bom, já é um bom começo.


***

Eu quero me libertar. Eu quero me libertar. Eu quero me libertar das suas mentiras. Você é tão auto-suficiente, eu não preciso de você. Eu tenho que me libertar. Deus sabe, Deus sabe que eu quero me libertar (I Want To Break Free, Queen)

***

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