16 - Victor Vitória Sal


Às vezes eu gostaria de reescrever tudo o que Victor viveu.

Ainda não entendo como surgi, mas parece-me que sempre estive por perto querendo falar, agir, aparecer, ser eu mesma. O problema é que num corpo de homem, não há como ser EU mesma. Simplesmente não combina com minha essência. Não tenho como me separar de Victor para viver plenamente minha existência e isso não é suficiente, tenho a sensação de ser uma pessoa incompleta e que não terá muita liberdade de escolher.

Minhas explosões poderiam ser evitadas, mas nunca consigo chegar antes que Victor seja quebrado emocionalmente. Gostaria que pudéssemos compartilhar o mesmo espaço/tempo com nossas existências em harmonia, mas ele não me ouve, não enxerga e certamente vai me encarar como um surto. Sei que sua mente ao me descrever, sem me conhecer ainda, narra-me como uma sensação de sufoco e às vezes de libertação. Queria muito ser sua mãe, amiga, namorada, companheira, lhe confortar e não ser tão severa com ele. 

Fato que não é fácil estar na minha condição e ser chamada de transtorno por um troglodita vagabundo que chifrou o coitado do Victor com um outro canalha invejoso que já se disse ser tão amigo do casal. 

Já que mencionei... o que eu faço para me livrar disso? Essa porcaria de casamento! 

Não sou puta de entretenimento para um cafajeste que volta para casa com catinga de sabonete de motel. Preciso tomar uma dianteira e fugir disso o quanto antes.

Nero arrumou esse "cacho", decidido pediu para separar-se e agora mudou de ideia porque está curioso a meu respeito e eu já me provei que felicidade com ele, sem a menor possibilidade.  Porém sua curiosidade por Vitória não é maior que a ambição. No fundo, ele quer que Victor se livre de mim. Pensa que não percebi que quer convence-lo à procurar um tratamento para que eu possa desaparecer. Nero não é nenhum homem santo e nas minhas menções a questão de sonegação, ele recua. Para ele é viável que eu suma para enfim dar um chute no Victor e viver sossegado com sua pequena fortuna.

Sinto muito por ele, mas não vim para ser apagada. Faço qualquer coisa para que minha existência seja significativa nem que para isso, eu precise me camuflar e das sombras comandar esse corpo. E já que Nero aproveita-se de quando estou adormecida para brigar com meu Victor, o traindo e o responsabilizando quando deveria bancar o companheiro, amigo e parceiro, eu acho que tive uma ideia...

Sem novas exposições do meu EU Vitória na frente de Nero, passo dias agradáveis e noites fingindo que sou ELE, baixando a cabeça, aceitando seus abraços e escapulindo dos beijos com desculpas esfarrapadas como: "acabei de vomitar", que já não cola mais de duas vezes seguidas. Com cuidado, Nero também escorrega nos fingimentos, sempre insistindo que eu devo procurar pelo apoio psicológico. 

— Falei com a gazela do Gael. Ficou achando que é coisa séria essa sua maluquice de Vitória e já comentou que conhece um bom psiquiatra. Aproveita o plano de saúde que logo vou cancelar essa merda. 

Somente quando Nero se convence que "sou" o Victor, ele passa uns dias fora e numa dessas noites aproveito para retornar a mensagem preocupada de Gael. Um fofo sempre se mostrando interessado no bem estar do Vic. Embora contido com o receio de causar problemas, ele me orienta a iniciar pelas sessões de psicoterapia para que possa nos avaliar.

"Vic, meu bem, só não esquece disso: você não está sozinho."

Essa gentileza vinda de um cara que sempre foi bacana significa muito. Gael é alguém no qual preciso investir à longo prazo, sem que meu jeito fogoso o assuste. Ele sempre teve um interesse no Victor, mostrando sinceridade e zelo. 

Durante o almoço com Raquel e Camila, secretária que reclama do salário o tempo inteiro, atendo ao telefone prontamente. Desculpe-me Victor pelo que estou prestes a fazer.

— Victor?

— Oi amor. Tudo bem? Estou almoçando com minhas colegas. — Victor sempre lhe dá satisfações demais. — Não, estou bem sim. Só senti tontura hoje, não tinha percebido que estava no trabalho. Meu chefe orientou que eu fosse ao médico.

— Então voltou ao normal mesmo... — Nero parece decepcionado com alguma coisa. "Nem faço ideia do que é".

— Como assim? Eu estou bem. Só...

— Sim, ok. Vá direto para casa. Pare com essa melação comigo e depois conversamos. 

— Tá...

Ele desliga na minha cara. Eu seguro o sorriso e o veneno.

Homem burro!

O que não faço para garantir minha liberdade?

E quanto ao Diogo? Ele tem me ligado mais seguidamente desde que nos conhecemos pessoalmente, mas ainda não me recuperei do episódio, por Deus do céus! 

Não estou pronta para falar sobre isso. Jamais estarei.

Foco, Vitória!

Nero bebeu bastante. Plena terça-feira e o homem mamado. Valentão, volta a esculachar em casa. Inclusive comenta com "Victor" sobre eu mesma. Chama-me de invenção. Deve estar me cutucando de propósito e o mais interessante, quando "Victor" tenta se aproximar com sua carência é rejeitado. Acho que meu fingimento o está convencendo. 

— Nero... eu vou agendar com o Gael, posso? — Sempre achei o cúmulo ter que pedir as coisas a ele, mas devo seguir a risca esse "manual" de como afastar homens indesejados.

— Por mim tanto faz. Não boto fé num merdinha daquele. Um absurdo pagar para conversar umas babaquices com alguém. Tão logo o gesseiro terminar o apartamento, me mudo em definitivo. E tente me acusar mais uma vez de — ele cochicha — sonegador, que te mando pro hospital.

Vitória, sangue de barata não esquenta. Seja firme menina!

— Eu jamais teria coragem, meu amor.

"Meu amor" sai sempre forçado, mas como ele não se importa. Foda-se. 

— Bernardo mandou-lhe um abraço. 

Ele provoca. 

— Poxa... eu sempre tive esperanças. Nero, porque?

— Já estou saindo, tenho um compromisso logo mais. — ele beija meu rosto e eu baixo o olhar. Finjo tristeza quando tudo o que tenho é raiva desse cara.

— Mas... e nós?

— Eu e você estamos separados. — Nero chega à porta, vira-se e me olha com piedade — Não vejo a hora que você pare de me chantagear com essa baboseira de Victor Vitória para eu tocar minha vida.

— Então só está se prendendo nesse casamento por isso? Não é chantagem. Juro. Nero Por favor. — Tento tocar nele, porém o homem se afasta e arruma o cabelo.

— Não existe mais "esse casamento". Por favor, aceite ajuda profissional, toque sua vida, se apaixone por outro e se não quiser viver, também não me importa. Não temos documentos que formalizaram nossa união, sendo assim, você esta oficialmente liberado para dar a quem quiser.

— Nero! Porque faz isso comigo? Eu sempre fiz tudo, tudo... ah...

— Arrume alguma coisa para fazer e um cara que tenha uma paciência maior que a de Jó.

Para eu, Vitória, a pior parte é fingir o choro. Eu queria mesmo era dar umas bofetadas nesse puto. Escondo a cara, me jogo no sofá, afinal ele nem vai notar a diferença se meu rosto estiver seco ou não. Então ele se vai e eu salto rapidamente e decido que farei algo antes que fique maluca. 

Victor pode andar vestido com essa calça cafona, afinal, o glamour está dentro dele, em mim. Escolho uma maravilhosa camisa preta com gola V que ajusta-se ao meu corpo, um tênis descolado, muito diferente de seu jeito tão engomado.

— Oi Murilo. Desculpe a hora. Mil desculpas...

— Victor? Oh, oi como você está? Sempre fico esperando que me ligue à noite. Ele está?

— Está onde deve estar. Como vai sua "amiga"?

— Está ao telefone comigo... se quiser. Olha Victor...  eu não quis dizer isso. 

— Ah...Nossa, meu corpo todo respondeu. Podemos fazer uma "arte", mas amanhã, você por favor finja que nada aconteceu, pois me demito na hora. JAMAIS me aborde na empresa, entendido?

— Claro.

— Só "amiga" de foda. Nada mais. Não quero relacionamento, nem namorado, nem ninguém pegando no meu pé. Já deu trabalho em me livrar do Nero.

— Mas você estava, bom, eu sei que você o idolatrava.

— É meio complicado para explicar e eu não quero falar de "gente morta". Topa ou não?

Murilo gagueja. Aceita. Eu me empolgo. Marcamos um motel porque eu não quero que nada me atrapalhe. Oficialmente livre quer dizer: chorando pelo falecido ou dando para um conhecido.

Faço uma bolsa rapidamente, metendo desta vez a primeira das perucas que comprei. Auto bronzeador cor de canela instantâneo, rímel e kajal pretos muitíssimo marcados, batom dourado, hidratante com glitter, peruca lisa e preta, bijuterias pesadas imitando jóias do antigo Egito, vestido em linho cru com cinto dourado, saltos e pose de rainha. 

Murilo se assusta quando entra no quarto. 

— Está de Cleópatra?

— Nefertiti. Cleópatra já esgotou seus encantos com os mortais. Preciso de um escravo essa noite. 

Murilo se ajoelha em resposta. Muito dentro da farra ele me alegra. Beija meus pés, desde as solas das sandálias, minhas canelas, coxas, meu sexo sob o tecido, meu abdômen sob a veste e minha boca. Sua roupa some rapidamente e meu tesão de vaca no cio quase me traem, pois aceito ser possuída ao montar seu quadril inquieto para ser invadida por sua rola mediana. Arrisco dizer que seu pau é delicioso porque Murilo sabe foder, sabe obedecer e também aceitou ser meu passivo pelo resto da noite. 

Um sexo que valeu cada segundo. E Nefertiti ainda poderá ser  usada para um propósito mais sombrio no futuro. Foi divertido e ele cumpriu sua parte no dia a seguir sendo legal e sem chegar perto do assunto. Digamos que foi um sexo que me saciou por dias. Dias em que Nero ia e vinha sem me dar satisfações. Sequer notou que eu estava bronzeada. 

As notícias sobre nossa separação definitiva era uma música deliciosa aos meus ouvidos. Amigos seus queriam prestar solidariedade e um deles em especial, eu apreciaria muito se achegasse mais. Elton, o descendente de japoneses apetitoso dono das franquias de lojas de chocolate. Ele me parece bem compatível comigo. Seu cheiro é doce como suas trufas, sua mão é macia, macia demais até. E o comportamento é de um lorde. Parecia sempre tão safadinho que resolvi ligar para ele na sexta depois de um dia repleto de emoções no trabalho.

— Victor, sinto muito por você. Que coisa, né? 

— Estou muito triste. — Que saco ouvir essas frases. Mas sou boa atriz e morro de rir quando fico sozinha. — Estou só hoje... sabia?

— Estou bebendo com meus amigos. Mas se precisar de alguma coisa me avisa.

SE PRECISAR? Eu não quero migalhas. Isso eu já tenho por culpa do Victor. Logo o faço engolir uma desculpa fria e mal temperada. 

— Na verdade, estou me preparando para sair sozinha.

— Sozinha?

— Exatamente. Tenho que desligar. Outro dia, se der tempo ligarei.

— Espera! Vic...

Não preciso disso! Elton meio que furou minha bola e me deu preguiça de sair e repetir Murilo na mesma semana.


Mas que merda é essa que está me acontecendo?

Eu dormia deliciosamente e acordo com um trabuco cutucando-me por trás e um bafo de cana  pelo lado da minha cara. Bafo matinal mesclado com álcool é o mesmo que aspirar o "perfume" de uma granja de porcos.

— Desencosta agora, seu porco!

Que buceta!!! Esqueci que lhe dei cópia da chave. "O Victor deu a ele".

— Vitória? 

Espera! Eu fingia que era o Victor. Merda! 

— Amor, desculpe... eu tive um pesadelo, achei que estava tendo um pesadelo ainda. Desculpe. Desculpe. Senti falta de seu abraço. Ainda bem que voltou.  

— Só fique paradinho assim que estou em ponto de bala, a rola está babada de tesão nesse rabo empinado. — ele diz e segue com o ato nojento por trás. Lógico que é nojento! Alguém gosta de ser assediado por um homem asqueroso que fodeu outro pela madrugada inteira? 

— É que estou com dor de cabeça.

— O quê?

Ele chega a sentar na cama e eu me escapo para o canto do quarto. Realmente não vou trepar com ele. Está perplexo e não fechou a boca. Que mal hálito desgraçado.

— Porque... não tomei café. Eu estou faminto... desculpe.

Ai que vontade de vomitar por minha causa. Não seria um vômito de alegria dessa vez.

Não é impressão minha. Esse maldito queria transar com meu corpo! Isso não acontecerá quando Vitória estiver acordada. Deus me livre Victor permitir isso ao homem que lhe pediu para se separar. E se ele nos trouxer alguma pereba para esse corpo? Victor precisa se livrar disso.

— Estou duro, vem aqui agora. Me chupa!

— Não? — eu não creio que meti uma interrogação junto com a resposta. Assim como num porco, do seu corpo, eu poderia aproveitar várias partes, mas o odeio. — Ah, eu estou com problema na audição depois da última gripe.

— Caralho, tá ficando surdo também? Isso está bem mal explicado. Você me adora.

— Claro... — cutuco o ouvido com o dedo indicador como se estivesse desentupindo-o — Hã?

— Eu mereço. Escapou, mas hoje a noite eu te pego. Engordou... sua bunda tá bem do jeito que gosto.

— Me chamou de gordo? — Sem ele entender a mim, ridiculamente fingi um choro mais falso que nota de quinhentos reais, chorei "convulsivamente" até que ele praguejasse todos os palavrões que se lembrou. Que se dane. Não fui eu quem se apaixonou por Nero e no que depender de mim, pode se matar que não vou dar pra ele. Nem morta. Pra transar bem gostoso Murilo é perfeito.

Tomamos café juntos em silêncio com ele sem olhar na minha cara, por sorte, porque ia perceber que não há sombra de tristeza no meu olhar e que não tenho cara de choro. Nem estou suspirando como Victor.

— Por enquanto fica nesse apartamento como combinei com ela. — ele ri com desprezo e se corrige — Estou desocupando um menor, vou ver se o Dênis, meu advogado concorda que devo te alocar lá. Entendeu? 

— Sim. Entendi perfeitamente, Nero.

— E se aparecer dizendo que é Vitória, vai apanhar.

— Entendi. Nunca mais vou ser isso daí que falou.

— Aham. — ele parece desconfiado — Não queria trabalhar? Não queria independência? É a hora de correr atrás de algo. Não vou mais te sustentar. Sua vida boa acabou. Acabou tudo para você. 

Victor... segure-se! Eu vou, eu vou explodir!

— Não me abandone por favor. 

Porra, ele já tinha dito que eu estava oficialmente separado, que merda de homem repetitivo.

— Acabou. 

— Farei uma loucura.

— Problema seu. Toma aquela cópia da chave. — Nero a joga aos meus pés. — Não preciso mais dessa bosta. E por favor, sem mais choro. Não aguento mais você.

Sangue de barata? Sim. 

Enquanto Nero escova seus dentes, eu tramo. E ao mesmo tempo entro em ação. Na frente dele. 

ÓBVIO.

— Ó DEUS QUE GLÓRIA! FINALMENTE É SÁBADO! Que dia lindo lá fora! Hoje a noite será promissora e eu vou soltar a franga. Meu corpo precisa de um macho quente. Estou separada finalmente. Preciso de música, preciso dançar...

— Victor!

— O caralho Victor! Vai encher minha paciência logo cedo seu boçal? Espera... falou que ia bater em mim, sonegador?

— Não tem como provar.

— Não? 

— Você é maluca.

— Me bata! Me bata! Vou acabar com você. Vai para a cadeia, perderá tudo o que tem. Seus amigos vão te abandonar e eu serei a principal testemunha do seu julgamento. E como terei sido agredida, vou ter muito motivos para te ferrar, seu maldito. 

— Eu falei aquilo de cabeça quente.

— Não importa. Eu quero ser agredida. Não vai sair daqui sem me dar um tapa no ouvido pelo menos. Perdeu a bravura indômita? Então continua a falar que fazemos encenação.

— Eu não quis dizer isso.

— Você é um lixo. Acha que isso daqui é a casa da mãe Joana? Entra e sai. Trai o Victor e despreza minha existência. Abandona o rapaz e o maltrata covardemente. Você não me merece. Nunca vai tocar em mim.

— Ai... coitado de você com essa encenação pobre.

— Querido, vai achando que é encenação que um dia vai se arrepender quando não tiver mais volta. Victor ainda vai tirar você do pedestal onde o colocou e eu o ajudarei. Vai lembrar dessas palavras quando não puder fazer mais nada. Na cadeia e sem amigos. Seu ex Victor um dia vai te odiar tanto quanto eu. Aí, meu amigo, "fudeu"!

Nero para com a escovação e junta a sobrancelha. A boca ainda tem espuma que escorre pela barba quando saio do banheiro.

— Perdão? — ele me pergunta.

***

As luzes piscando, pode parecer tão bom, mas eu tenho você preso na minha cabeça, sim. As roupas e o palco podem me enlouquecer, mas isso não significa nada hoje à noite (If I Had You, Adam Lambert)

***

Uma ótima sexta-feira gente♥


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