13 - Victor Vitória


É tão bom libertar-me ao anoitecer. 

O táxi termina sua corrida. Finalmente vou estar sozinha. Aleluia!

Que dia péssimo estando presa nesse corpo! O que são aquelas criaturas à minha volta? Todos péssimos. Uns são de dar pena e outros se fazem de coitados. Porquê que o Victor com esse poder todo, não faz algo à respeito?

Ele não fará, tem medo da vida. Medo de tudo. E está me deixando preocupada, senti um arrepio quando ele foi até a janela pensando na "solução final" como solução para seus próprios dissabores. Antes, eu não aparecia com essa frequência, hoje estou praticamente no controle e honestamente, precisamos um do outro para um equilíbrio. Eu acho. Não temo por mim, mas posso meter os pés pelas mãos e não é com todos que preciso ser radical. 

Frente à porta de meu apartamento, coloco a chave no buraco, mas a porta já está destrancada. Imagino que Victor esteja muito avoado, cabeça de algodão.

— Nero! Que inferno! Não tinha ido embora? 

— Vim buscar meu cartão, seu idiota. Onde?  — sentado em meu sofá, MEU sofá, ele grita e eu lhe atiro o objeto como se alimentasse um crocodilo. — Comprou tudo aquilo que estava na nossa cama ontem, Victor? Eu vi, não se faça de lesado.

— Nossa cama? — eu sei que aprontei e nem penso em retroceder. — Parece que sim. Mas quem comprou foi eu e não ele.

— Victor, quem irá pagar por aquele vestido? É por isso que fica falando que é Vitória? Pensa em se travestir com aquelas roupas? — ele levanta e caminha na minha direção. Victor recuaria, claro, morre de medo dessa cara de minotauro, mas eu não me movo e adoraria levar um puxãozinho de cabelo bem dele leve. 

Mulher na TPM é o demônio!

— Vitória, meu nome é Vitória. Chega! — falo com ódio. — Pare aí mesmo. Quebro seu dedo se ele tocar em mim!

Ele para com os olhos arregalados diante de mim. 

— Tem ideia de como me irrita com essa encenação?

— E você tem ideia do quanto me irrita com sua presença? Pelo fato de Victor ter se ajuntado com você, eu tenho que te suportar. Eu ainda não descobri o que sinto por você, mas tenho certeza que não é nada bom. 

— Pare com isso! Eu te processo.

— Mesmo?

— Acabo com você, seu merda. Mitomania. Dá uma lida a respeito. Se informa.

— Narcisismo. Dá uma lida também. Ou quem sabe, sobre sonegação, ocultação receitas para pagar menos imposto.

— Quer falar baixo! — ele quase cochicha e tem preocupação no olhar, olha em volta e amansa no trato — Achei que o Victor tinha comprado aquilo...

Aham? Sei...

Eu não seguro uma risadinha maldosa. Como sou má! Foi mencionar a sonegação de impostos que ele pôs o rabo entre as pernas.

— Achou que o lento do Victor havia comprado roupas decentes? Não meu querido. Victor não sabe viver e eu mesma o ensinarei. E quando ele se livrar de você, finalmente estará pronto para viver de verdade, ser independente... 

— Usando um vestido? — ele mostra deboche na voz. — Liberdade é usar um vestido?

— Obvio! Sou uma diva. Divas não ficam em casa lavando cuecas. Agora dá licença que vou me arrumar e sair desse inferno um pouco. Meu dia foi uma bosta.

Empurro o peito de "rocha" do Nero. Benza a Deus que peitoral! Não é de se jogar fora. Mas ele é escroto e tem melhores por aí tenho certeza (e com caráter e dignidade que é ainda melhor). 

Ele me dá espaço e uma risadinha. Certamente vai querer se vingar do episódio da chave. Coitado. Estou muito à frente desse boçal.

— Você não vai sair, é um homem casado, ops... — ele põe a mão na boca se censurando de maneira fingida e rindo com deboche — "mulher casada". E muito menos vestido de mulher. Não serve nem para ser drag. Não tem glamour o suficiente.

O quê?

Ele me desafiou?

Está morto!

Idiota! 

— Vou sair sim.

Respondo com meio sorriso que é para economizar. Os melhores fogos de artifício, nós soltamos à meia noite. 

Demoro muito no banho, depilo as pernas do joelho para baixo. Disponho na bancada do banheiro os itens cosméticos que comprei no dia anterior, tubos de base em cores diferentes, batons, rímel, kajal, máscara para os olhos, perfume feminino e até uma lente de contato castanha. Uso hidratante, escovo minha barba caprichosamente, aparo de leve para não comprometer o charme masculino de minha aparência, ajeito dois ou três pelos da sobrancelha sempre perfeita que mantenho. Enrolo-me em meu robe de seda, prendo com uma tiara o meu cabelo curto para trás da testa. Espalho uma base em todo o meu rosto, até que minha pele ganhe um tom de canela claro. Meus olhos verdes são escurecidos com lentes castanho-escuras, maquiados e sombreados. Meus lábios são cobertos por um batom rosa neon. Cabelo escuro escovado perfeitamente la Letícia Spiller em Suave Veneno. 

Faltou uma peruca, pois... não preciso dela agora, sou suficiente por hoje. No meu pescoço à mostra, eu borrifo o perfume feminino mais caro que tenho à minha frente. Meus brincos são colocados. Uma meia 7/8 sobe sensualmente por minha perna, deixando a renda preta em minhas coxas totalmente à mostra pelas fendas profundas do vestido.

Por fim saltos.

Uma analisada em frente ao espelho.

Minha auto estima é uma faca de dois gumes. Nem sei porque. Sou rasa, nem ligo, não preciso me aprofundar em tudo. Vitória. Eu mesma. Com muito do Victor, pois não consegui apagar completamente algo que também sou eu. 

Nero toma um baita choque e ri. Ri com desprezo e deboche forçado. Sendo mulher, eu capto tudo no ar e ele finge, pois seu olhar é de ciúme e cobiça. 

— Já sei. Você nos trancou no apartamento? — homem previsível é tão broxante.

— Vai fazer o que? Se jogar pela janela? Fazer escândalo? Ia ficar muito engraçado você com esse vestido caído como um palhaço no meio da avenida.

Retiro a cópia da chave de dentro na renda da meia 7/8 e ele fica mudo.

— Aprenda com as mulheres, seu trouxa. Me impeça de sair...

— Victor, você está ridículo e pelo que já senti por você, preciso te dizer isso. Não nos faça passar vergonha nesse prédio.

— O que disse, seu sonegador?

Ele entra em pânico e pede perdão:

— Desculpe, Vitória. Mulher. Vitória, fique em casa. Eu durmo na sala, no chão, na puta que pariu, mas não saia. 

— Acha que me envergonho de mim? Jamais. Aliás, amanhã vou colocar academia em minha rotina, farei box e defesa pessoal...

— Faça o que quiser amanhã. Academia? Eu pago, ok? Pago, você vai. Fica feliz fazendo sua academia. Mas hoje não saia de casa.

— Estou sufocando.

— Tire essa fantas... digo, esse vestido e podemos sair como casal.

— Só saio assim. — cruzo os braços.

— Se ficarmos, eu faço o que me pedir.

De novo, Nero entra em pânico. Se deu conta de que ofereceu algo caro demais para Vitória Salazar. Sua vida.

— Nem que eu estivesse desesperada por um macho. Aliás, você não é meu tipo. Pare de me "comer" com os olhos. Parece um cachorro querendo pegar uma cadela no cio. E não chegue perto! 

— Tire isso...

— Certo. Tirarei o vestido. A maquiagem fica e nós vamos sair. Estou louca para arrumar confusão com pessoas ignorantes que vão ficar me encarando. 

— Não consigo crer muito nisso tudo... será que vamos ao médico que cuida disso? Fiquei um pouco preocupado. Victor, você mesmo ou mesma, tem coisas no passado. Ele me contava as coisas tristes de sua vida.

— Por mim não precisa de médico nenhum. Me resolvo bem com quem quer que entre no meu caminho. Não se preocupe, cuido dele melhor que você. E por falar nisso: quando vai desocupar o imóvel?

— Como assim?

— Pediu a separação, seu idiota. 

— Porque lembra disso e quando é "ele" não se lembra de nada?

Sua cara é de descrença. Eu na verdade não me importo com o que passa em sua cabeça. 

— Tira esse batom.

— Fale direito comigo! Já me fez trocar a roupa e quer me fazer jantar nesse lugar xexelento.

— Sabe a diferença entre um PF e um a la carte ou tenho que te explicar?

— Talvez... porque sou moça que sabe muito mais quando uma comissão de quinze mil entra no banco como sendo apenas cinco. 

— Calada! Olha, eu já fiz o que pediu. Estamos socializando. E dá uma olhada nos preços  — ele me entrega o cardápio — razoável?

— Vamos discutir os termos da separação. Se passar a perna no Victor, nossa Senhora, eu reviro as latas de lixo atrás de você. Só precisamos de um apartamento por enquanto. Não queremos estar relacionados à corrupção em que está metido.

— Shhhh! Pare com isso. Tenho um pequeno...

— Aquele no qual estou alocada.

— De acordo. — Nero é tão generoso, não é mesmo? — Só isso. Não vou te dar mais um centavo.

— Não?

— Podemos chegar num acordo.

— Sim, claro que vamos. 

— Antes de eu dar qualquer passo, vou levar você ao psiquiatra que é para descartar a ideia de armação. Na verdade, pretendo levar o Victor ou você, no caso, que é a mesma coisa. Só um pouco mais surtado.

— Não vai me levar a lugar algum. E saiba que nem estou interessada nas suas coisas, só quero um tempo para organizar minhas prioridades. Só isso. Você muda-se daquele apartamento, eu continuo a trabalhar, alugo alguma coisa daqui uns meses e você segue com sua vida.

— Suas prioridades, ai ai. — Nero debocha — Quanto ganha, uns seiscentos reais por mês? Aposto que quer dinheiro. Te dou dinheiro, aí você para de teatrinho e começa a viver sua vida.

— Igualmente, querido, e você também como eu dizia, vá vivendo, comendo, rezando, amando e sonegando à vontade até que de repente alguém denuncie você, que Deus me livre que não aconteça.

— Sh! Que falar baixo? Nós vamos resolver isso. 

— Não quero dinheiro sujo. Victor tem seus direitos, então nos deixe no apartamento por enquanto. Só isso. Agora vamos beber, relaxar e brindar o momento. 

— A essa "mulher" que está comigo! — ele fala sem muita alegria.

— A mim! — Ergo o copo de vinho branco. Ele vira pelo menos três taças antes de devorar a comida. Eu não bebo. Tenho planos e minha sanidade precisa ser preservada. 

Nero pede outro jarro de vinho e eu o incentivo. Quando se percebe, está rindo e contando-me pela enésima sobre a professora que o pôs de castigo depois de pegá-lo rindo das suas adiposidades marcadas por usar camisas muito coladas. Ele fala sobre o quão imensa a mulher era e emenda com uma piada ultrapassada sobre gordos que Ary Toledo contava no Sílvio Santos nos anos 80.

— Eu tinha ataques de risos...

— Você não aprendeu a ser escroto. Era desde a infância então? Onde já se viu rir disso.

Seu sorriso morre. Morto. Velado e enterrado.

— Como aprendeu a fazer isso?

— Não sei sobre o que está falando. Não me proponha enigmas porque estou mais para Cleópatra do para brincar de Esfinge.

— Você inventou esse joguinho de personalidade e eu vou ser honesto: eu gostei. Deu uma remexida nas coisas. Devia ter feito isso há uns três anos. Só uma coisa irrita quando quero que pare com isso e você insiste em prosseguir.

Ergo a sobrancelha ao seu limite. O olho com firmeza. Nero para de sorrir novamente e olha para o lado.

— Pela última vez. Pare de me ofender. Pelo que conheço de Victor, ele tem muito caráter para "brincar". Gosta muito de você para te rejeitar e prefere morrer do que vê-lo sofrer. Eu sou Vitória. Não sei como, nem quando e nem o porquê. Só sei que existo. E não quero mais sentir essa raiva transbordante por você a cada tentativa de nos acusar de falsidade. Eu não gosto de você, homem. Sinceramente. 

Nero continua a beber e olha para outra mesa flertando com um rapaz muito mais afeminado que Victor. O menino fica todo empinado e Nero me olha com diversão.

— Podíamos testar isso na cama...

— AH! — Meu grito sai fino. Meu "discreto" escândalo é abafado por minha mão sobre a boca. — Nem morta. Eu não toco em restos. Você anda por aí pegando "cachorro de rua", em mim não toca. 

— Victor morre de tesão quando o abraço carinhoso... quando o surpreendo... eu certamente te farei molhar a "calcinha".

Não seguro minha risada. Gargalho descontroladamente à bandeiras despregadas. Isso é hilário! É engraçado demais. Alguém me socorra! Vou passar mal. Meu riso descontrolado chama a atenção em várias mesas e Nero se incomoda.

— Então... — tento por diversas vezes parar com o riso. Ele está no mínimo puto.

— Virei palhaço?

— Palhaços não me divertiriam tanto. Quer mesmo ir para a cama comigo?

— Você ia ficar viciada, "Mulherzinha".

— Com certeza. — eu bebo só um gole de vinho para molhar minha palavra e uso minha melhor expressão sádica —Posso te foder? 

Nero chega a cuspir o vinho e arregala seus olhos ficando congelado por segundos nessa expressão.

Foi apenas uma perguntinha. Se for esperto, esse macho topará. Ter uma noite comigo é uma honra para poucos. Ele que aproveite. Amanhã posso desaparecer.


***

Você tem um apetite tão louco. Você tem que caçar. Eu não sou do seu tipinho. Se você brincar comigo, eu acabo com isso. Eu não sou o tipo de cara que sempre está triste, não. (Loverboy, Adam Lambert) 


***

Oi gente linda♥ Mais um revisadíssimo (e sempre tem uns erros kkk). 

Deixo beijão e abraço♥

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