12 - Victor Vitóri
Muito curioso, após minha maravilhosa noite de sono, eu acordei maravilhosa e ainda descubro que estou de atestado. Por dois dias ficarei cuidando dessa casa, melhorando as coisas por aqui. Melhorando, pois sim, Victor é caprichoso, porém básico demais.
Eu gosto das coisas vibrantes e chamativas, inclusive termino a lista de compras, na qual incluí um aromatizante doce para tirar esse cheiro de bambu de casa de família e deixar parecido com uma alcova. Lógico que o farei por mim, pois esse macho que ressona na cama, cama que ele desprezou nos últimos anos, não merece nada dos agrados que vou providenciar.
COMO ASSIM? ELE NEM DORMIA MAIS NESSE QUARTO!!!
Só de vingança, usarei o seu cartão, aquele que Victor cuida para não gastar mais do que X por mês. Gastarei X elevado à vigésima potência. Que se foda, Nero. Minha memória de Victor acaba de me informar que sou casada com um homem economicamente estabilizado, aliás, além disso, Nero tem muito dinheiro e também é um pão duro tremendo. Mas a culpa disso é do Victor que se contenta com migalhas.
— Nero... preciso fazer umas compras. Uso o cartão de crédito ou do débito automático?
Ele ergue a cabeça e vira a cara mau humorada para o lado. Ainda está digerindo algo e eu não estou preocupada com o que quer que seja.
— Você, com quem eu falo essa manhã?
— Vitória, é óbvio.
— Senhor, dai-me calma... — Ele demonstra desânimo e finge ter adormecido outra vez. Ainda meio dormindo (e certamente com arrependimento posterior) ele resmunga algo que suponho ser:
— Débito... Não torre MEU dinheiro...
Mentalmente o mando à merda e vou às compras com o cartão que peguei em sua carteira.
Geralmente no shopping center tem um pouco de tudo, exceto um supermercado, pelo menos neste que fui. Para o básico estava bom, calçados, roupas e perfumaria. Levei muito tempo mesmo. Perdi a manhã e o cavalo do Nero deve ter esquecido que me cedeu o cartão. Acho que esqueceu até mesmo que me encontro de atestado, porque não me ligou ao celular. Escolho um restaurante excelente, como todas as coisas que gosto, compro mais tarde tudo o que gosto de comer e usar naquele hipermercado A. (sem comercial grátis). Até para eu que sou exagerada, acho que extrapolei. E não resisto, mais lojas pela avenida até chegar no estacionamento no qual deixei o carro e consequentemente, mais roupas... calças lindas, cuecas, camisas insuportáveis de chique e peças em renda que a vendedora perguntou na minha cara:
— É para sua namorada?
— Acha que eu tenho namorada? Se eu tivesse intimidade eu lhe diria: "é para eu mesma".
Ela fica completamente sem graça e depois ri comigo. Não expressa mais nenhuma besteira e é muito atenciosa, o que me faz extrapolar ainda mais os limites. E Nero que nem ouse me irritar, pois eu sei exatamente quantas contas bancárias, quanto dinheiro temos na conjunta e o que ele não declara. Me deixem por favor com essa carta na manga.
E um vestido também. Comprei.
Comprei, e daí?
Maravilhoso! Eu vou usar isso nem que seja por uma noite. E se eu não usar, pelo menos o comprei. É peça exclusiva e com certeza alguma perua não irá usar e com muito mais certeza, Nero vai ficar enfurecido comigo. E esse motivo me faz vibrar.
E sinceramente, desejaria que Victor não aparecesse tão cedo...
.
Oh! Não vi passar o dia de ontem. E que noite estranha! Nero dormiu em casa?
O que são essas coisas em minha cama? Roupas íntimas femininas? Há muitas peças masculinas, obviamente bem distantes do meu gosto pessoal. De onde isso veio? Será que Nero espera que eu use roupas íntimas femininas? Com certeza não são para ele porque o estilo é espalhafatoso demais, sem falar no tamanho médio das etiquetas quando ele é GG em quase tudo. Será que foram compradas como presente para o Bernardo? Como todas contêm etiquetas com os valores, algumas muitos caras, eu presumo que sejam um presente.
Vou jogar essa tralha no fundo do guarda-roupa.
Não! Espera. E se Nero me presenteou e gostaria de me ver usando-as, com exceção do vestido e das calcinhas de renda? Dobrarei as peças, pois tenho um enigma na frente dos olhos.
Sinto muito, mas não há como perder meu tempo com esse questionamento. Preciso ficar bom logo, preciso pensar no Murilo que é sempre tão compreensivo e não consigo me perdoar por esses atestados. Pergunto-me, qual empresa aceita isso sem reclamar, ainda que o faça pelas costas, porque não pedi para que minha imunidade baixasse tanto e muito menos ficar susceptível a qualquer infecção que é meu caso. Amanhã é a sexta-feira, pior dia de minha vida e último do Nero por aqui. Nem que for abaixo de febre, vou ao trabalho. Nem que me esgote.
Porque estou tão exausto e ofegante logo cedo, meu Deus? Prefiro em vez de comer, tomar muitos comprimidos e me jogar como um trapo na cama. Então só acordo no final da tarde quando invento de fazer uma sopa, a minestra que é a preferida dele, que como bom descendente de ítalos é louco por tudo que contenha massa. Na cozinha mais um susto, tem compras espalhadas por todos os lado em sacolas, o freezer socado de cortes caros de carne nobre e frutos do mar que há tempo, ele me proibiu de comprar.
Por isso me questionei se Nero não tinha planos de me tirar do apartamento para ocupa-lo com o outro. O que eu poderia fazer no caso? Mesmo assim, como um gesto de gratidão por tudo o que ele faz por nós, eu ajeito as coisas e arrumo a casa como dá em alguns minutos. Passam das sete horas da noite quando tomo um banho, escovo os dentes e mais alguns comprimidos analgésicos e um antialérgico que comprei por conta própria, então o sono me derruba feio em algum momento.
Ele voltou tão tarde que nem o vi e ver seu prato na pia pela manhã ainda aqueceu meu coração e a ilusão sorriu para mim. Será mesmo que não há uma maneira dele mudar de ideia? Eu juro que me esforçarei em dobro.
Solitário, tomo um café solúvel sem comer nada. Estou sem apetite. Preciso sair de casa, mesmo com febre e esse gosto horrível na boca e enfrentar o dia, me convencer de quão bom profissional eu sou. Murilo aposta em minha pessoa, pagou-me dois cursos incríveis pela empresa.
Força Victor!
Meu trabalho fica em um edifício comercial na rua XV de Novembro, centro nervoso da cidade de Blumenau. Nesta mesma rua ainda têm alguns pequenos prédios no estilo enxaimel que são um charme e que são mantidos afim de preservar nossas raízes germânicas que se mesclaram com outras, no meu caso por parte de pai, brasileiro descente de espanhol. Parece que quando ocorre de trazermos um atestado à empresa, todos nos olham como se fossemos pesos, pessoas que de repente se tornaram inaptas e que poderiam ser dispensáveis. Ninguém fala muito comigo, eu também não me justifico, pois no dia em que obtive meu atestado o remeti imediatamente ao departamento pessoal e avisei meu chefe, sendo assim, o que pensam os demais não deveria me interessar.
A pessoa com quem mais converso no intervalo de almoço ou parada para o café, é a Raquel. Sempre deslocada do ambiente, não é levada muito em conta mesmo quando soluciona os problemas de seus clientes através do acesso remoto. Uma mulher discreta assim como eu que faz seu serviço sem se gabar ou comemorar quando algo dá certo ou socar o teclado quando algo dá errado.
Meu chefe e patrão Murilo disse que sabe muito bem quem é que trabalha e que não há necessidade de gritarem "bingo!" quando ocorrem acertos.
— Isso atrapalha quem trabalha quieto. — Murilo corrige Afonso que se excede para mostrar o quanto é foda e intimidar os colegas com menos tempo de empresa e experiência.
O vejo rindo e debochado, chamando a nós de lentos em baixo tom. Cansei de ver a Raquel sair do banheiro com o rosto vermelho de tanto chorar quando ele resolve algo no computador dela e tira um sarrinho. Teve uma situação que me fez ter asco dele para sempre quando falou:
"leva o netbook para a academia e fica treinando, daqui a dez anos para de me chamar pra fechar tela aberta"
Basta olhar para a Raquel para ter certeza de que ela passa longe de uma academia, pesando quase cento e vinte quilos, morre de complexo consigo por inteiro. E quanto aos dez anos, é a diferença de idade entre ambos, enquanto ele é um prodígio de vinte e quatro anos, ela tem trinta e cinco. Eu sei que ambos são competentes e nosso chefe também sabe. Porém nem sempre ele interfere nessas discussões quando nossas particularidades são adicionadas aos assuntos. Às vezes interfere por mim. Por exemplo:
"não tenho nada contra, mas acho esquisito chamar isso de casamento"
"não tenho nada contra, mas do meu * só sai, nada entra"
"não tenho nada contra, desde que não dê em cima de mim"
Sempre usam essas frase antes de descer a verborragia preconceituosa. Sendo o único gay da turma, único representante da causa, eu deveria nos defender, mas fico com medo e baixo a cabeça saindo às vezes no calor das conversas e ouvindo as gargalhadas lá da minha mesa.
"Gente, vocês sabem que Victor é homossexual, dá para manter o nível. Tanto assunto para conversar no break, sempre as mesmas indiretas. Vai ter advertência se eu pegar de novo. Eu falo com adultos e não adolescentes, né?"
Pensava que me diziam essas coisas pelo fato de eu ser tímido e receoso, mirrado e nada ameaçador. Queria ver se fosse com meu companheiro! Nero é um homem forte e ameaçador, ninguém falaria mal dos gays perto de um homem como ele. Nunca!
Almoço com a Raquel, depois atendo dois clientes muito exaltados e um deles ameaça até de trocar de sistema, pois disse que nos dias em que eu estive fora, foi atendido por um moleque metido e que achava que ele deveria ser um expert em informática, pois não explicou nada, apenas resolveu o problema de maneira corrida.
— Agora o senhor conseguiu compreender melhor? — pergunto ao headset.
— Ah, agora sim. Mas não vou fazer sozinho se ficar com dúvida.
— Não precisa ficar com dúvida, pode me ligar que estamos aqui pra isso.
— Tem messenger se eu precisar de sua orientação fora de expediente?
— É que não sou plantonista, seu Diogo. Desculpe, meu messenger é só o particular.
— Não precisa pedir desculpas não. Mas me passe mesmo assim, te pago como extra, fica como se fosse um serviço particular. Odeio ligar ali, esse plantonista não me atende como eu gosto.
Como ele gosta!
Clientes precisam ser agradados com algum detalhe às vezes e por isso eu lhe digo que falarei com meu chefe se posso fazer isso sem prejudicar o rapaz do plantão, pois ele recebe hora extra pelo serviço.
— Aí ligo em seguida pra o senhor.
Ele aceita e eu peço uns minutos para resolver isso com o Murilo que diz que só permitiria se eu fizesse plantão e isso significa atender todos os clientes depois que a empresa fecha. Como estou em fase de quase separação, tenho medo que afete ainda mais na decisão do Nero. Ainda tenho esperanças de nos acertarmos. Agradeço o chefe e aviso o sr. Diogo que fica complicado, explicando-lhe minhas razões e ele me faz anotar seu próprio telefone particular.
Para finalizar o atendimento, peço se ele pode deixar o feedback e ele diz:
"em primeiro lugar, gostaria que esse atendente não me chamasse de senhor, pois tenho só quarenta anos, segundo lugar... melhor não comentar isso... ótimo atendimento, obrigado Victor"
Eu tremi na base. Uau, com aquele vozerio o imaginei mais senhor, mas tudo bem. O que será que ele comentaria? Será que falaria a verdade sobre o atendimento do "perfeito" Afonso? Ele baixaria muito a crista.
Sem ânimo de ir para o refeitório tomar um cafezinho com os demais da equipe, como sempre sobramos apenas eu e a Raquel no ambiente e ela pra variar está triste. Sem 1% de maquiagem fica parecendo mais velha. Usa o mesmo coque, mesmo óculos retangular e pequeno. Come um pacote de pão de mel em cinco minutos e quando os demais retornam, ela recoloca o headset e vira o rosto para o monitor ficando de costas para todos.
A única mulher no ambiente. Poxa, ela deveria resplandecer um pouco. A presença feminina é poderosa, para mim um universo.
— Aí Victorino — Afonso quando me acha no ambiente, faz de tudo para irritar. Inventa-me apelidos que detesto. Não o corrijo e não consigo encarar. Imito Raquel e me concentro no computador até que algum cliente me contate.
No fim do expediente num ambiente pesado, vou para outro lugar do qual acho que preciso de um tempo também. Casa. Estou realmente enfadado disso tudo.
Nos dias a seguir, só marasmo sem a presença de Nero. Me recupero mal, pois não sinto fome alguma. Nem quando a tontura me proíbe de pegar no volante.
Ele realmente se foi?
Então não me resta muita coisa.
Quero sumir bem devagar. Quero morrer aos poucos. É o que eu mereço.
Algo desperta na minha cabeça, a lembrança de uma das brigas por aqueles dias em que ele estava em casa. Nero falou-me sobre Vitória. Pelo jeito a odeia, pois o ouvi falar seu nome com raiva. Mas o que tenho com ela? Será outra amante ou alguma mulher que quer prejudica-lo? Não compreendi nada sobre esse assunto. Não sei quem é e não estou suportando mais essa carga toda sobre meus ombros.
Voltar ao meu trabalho no dia a seguir parece uma benção quando o final de semana voa sem que eu tenha feito algo além de limpar e dormir. De novo me vem a ideia de findar com tudo e a janela do prédio me convida. Creio que para minha existência que pesa quilos em meus ombros, seria libertador esse salto. A morte me vem à cabeça com significado de liberdade sobre meu ser por inteiro. Mas quando olho para o que vem a poucos andares abaixo, penso que parte de mim não merece esse fim.
Meu trabalho vira meu refúgio, mesmo com algumas chateações de colegas. Final do dia peço ao Murilo se tem uns quinze minutos para conversar.
— Murilo... estou ficando maluco.
— Senta, Victor. Caramba! Está abatido, meu anjo.
Meu patrão fica preocupado, me abraça e até chora comigo quando conto-lhe vários eventos ruins de minha vida até a separação. Sei que tem grande carinho por mim e de minha parte também. Novamente peço demissão por minha vergonha de faltar pelo fato de adoecer de maneira constante. Novamente ele me convence a ter paciência e diz que a minha separação vai me fazer um bem maior do que todo o mal que já fez.
Ficamos conversando por mais duas horas, aceito comer um pedaço de pizza que ele pediu, aceito um copo de guaraná e sua carona. Seu abraço confortante e sua amizade de chefe.
— Obrigado, Murilo. Obrigado mesmo. Vou me esforçar para fazer o meu melhor dentro da empresa.
— Sim. Mas primeiro fique bom. Posso indicar uma terapeuta? Acho que ela faz umas coisas... regressão, acho que é kardecista, acho, não tenho certeza. Ela que deu-me o livro que lhe dei.
— Ai, desculpe, nem terminei de ler.
— Não tem pressa mesmo. Lê no seu tempo. Agora vai descansar um pouco. Já me separei também. No começo parece um vazio interminável. Quando você começar a gostar de ser solteiro, começam a aparecer pessoas que querem te amarrar. Comigo está acontecendo.
Murilo me confessa que também já esteve interessado em uma moça e por ela ficou no meu estado, mas que agora está abrindo o coração. Um pouco de felicidade, é o que sinto. São segundos. Mas creio que ela será possível em minha vida se eu um dia permitir isso.
***
Continuo nesse círculo vicioso. Viciado no torpor, vivendo nesse frio. Quanto mais alto, mais dura a queda... Cansado de estar esgotado e doente e pronto para outra espécie de vício. O estrago está me condenando ao fundo, fundo, fundo. (Runnin', Adam Lambert)
***
Gente oioioi. Acabei finalizei Victor Vitória hoje! ♥ Ao total são 27 capítulos, então para quem gosta de coisas mais lentas se aguente. Acho que vai valer a pena aquele final. Obrigado gente pelo apoio e o carinho♥ Ótima semana e muita alegria :D
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