PRELÚDIO
MARW - VIWQEN
SINESTREA - DEZ ANOS ANTES
A PEQUENA SINESTREA ESTAVA CANSADA, seus cabelos ruivos estavam armados e com fios espetados, mas isso não importou para ela. Seu rosto descansava em cima dos grimórios, esperar pela mãe era um alívio, poucos segundos onde podia fechar os olhos.
Olhou para a janela marrom, podia ver dali quatro montanhas. A maior se chamava Nilyhow, em homenagem ao Todo Poderoso. Diziam ter sido a primeira coisa feita por ele na Criação do Mundo. As outras três chamavam-se Blade, Qetsiah e Renesmee, seus filhos adorados. Aprendera isso na última aula com a mãe. Eram imponentes, e amedrontavam Sinestrea. Pareciam encará-la de volta, em sua magnitude colossal.
Mas antes que pudesse afastar os pensamentos por completo, sua mãe surgiu na porta, uma xícara de chá ocupava sua mão. Seu vestido negro balançou conforme andava de volta para a mesa, se sentou suavemente e olhou para a menina. As duas compartilhavam de olhos verdes encantadores.
— Recomponha-se, Sinestrea — ordenou, a criança se arrepiou de medo e levantou a cabeça, olhou fundo nos olhos da mãe, que devolveu um olhar determinado. — Onde paramos?
A menina pestanejou, mas jamais desobedeceria a mãe, ou estaria sujeita a um castigo dolorido. Pegou o livro e procurou o lugar onde haviam parado, estavam tão no começo que Sinestrea preferia morrer a terminá-lo. Depois, arrependeu-se de desejar tal coisa.
— Em ordem de nascimento, Eles são reverenciados — murmurou a menina, com certa dificuldade em realizar uma leitura agradável.
— Isso — concordou Eleanora, quase deixou escapar um gemido de frustração, não haviam saído do lugar na leitura no dia anterior.
Sinestrea esqueceu tudo ao seu redor, ignorou o cheiro do chá e o vapor quente. Fixou completamente nas palavras do texto. Depois que aprendera a ler, havia iniciado um estudo intenso sobre religião. Eleanora bebericou o chá enquanto observava a filha ler:
"O inatingível Conjurador do Fogo
Fez e desfez, de acordo a sua vontade
Conclame o poder divino de Nilyhow
Para a bênção da imortalidade".
Sinestrea sentiu um calafrio. Lembrava-se das outras crianças dizendo o quanto a benevolência de Nilyhow poderia ser leve, castigando os menores pecados. Ele era o Todo Poderoso, pai de todos os outros deuses, criador do céu e da Terra. Uma vez, sonhara com ele, apesar de ter se assemelhado mais a um pesadelo. A verdade é que Sinestrea nutria um medo irracional dos deuses. A menina continuou a leitura:
"Senhor da Verdade
Que os sussurros de Blade cheguem aos ouvidos humanos".
Blade não perdoa ou castiga. Alguns o chamam de Sabedoria, pois ele molda o ar, e o ar está em todos os lugares, possibilitando que ele saiba de tudo. Também é o protetor da verdade, o mais perto de justiça que os deuses poderiam alcançar. A próxima oração fez o corpo de Sinestrea se arrepiar:
"Bendita a defensora da Noite
Criadora da Morte
Feita de gelo e pesadelos reais
Qetsiah reconhece seu medo".
Qetsiah era a pior de todas. Deusa dos assassinos e dos ladrões. As outras crianças nunca a mencionavam, pois, diziam que apenas sussurrar seu nome sem o devido respeito pode despertar sua fúria. No grimório não havia nada a respeito dEla, nenhuma aventura ou participação nas histórias dos outros deuses, ou santos. Sinestrea agradeceu por isso, não gostaria de sonhar com essa também de modo algum.
Eleanora permaneceu quieta durante toda a leitura. Cada Deus possuía histórias, aventuras da época que a magia não havia sido extinta, levada para o outro mundo. Sinestrea parou de ler, levantou os olhos e observou a mãe, tentada a perguntar algo, como sempre.
— Por quê... por que nunca vi magia, mamãe? — perguntou a garotinha, Eleanora desviou o olhar para a filha, suspirou.
— Ninguém ainda vivo teve a oportunidade de ver qualquer mágica, querida — respondeu, as sobrancelhas vermelhas da menina se franziram. — Foi banida por Nilyhow, o Conjurador do Fogo, muitos e muitos anos atrás.
— Por quê?
— Escute, minha filha, e preste atenção na história que vou lhe contar — iniciou a mãe, a menina se animou com a possibilidade de ficar um tempo significativo sem ler.
''Existe um segundo império, muito diferente desse que vivemos, e muito, muito longe daqui. É lá que vivem os seres mágicos, criaturas estranhas e muito fortes. Mil anos atrás é quando se passa a nossa história, querida. Os dois impérios não se gostavam, e então uma guerra foi iniciada. Os humanos contra os feiticeiros.
Os dois povos brigaram por muito tempo. Naquela época, os deuses andavam entre nós. Até que, durante uma batalha na Floresta Queimada, uma deusa morreu. O nome dela era Renesmee, deusa da Magia. Era adorada por todos os humanos. Quando seu coração parou de bater, Nilyhow urrou e cuspiu fogo, queimou toda a floresta ao redor da divisa dos impérios, matou centenas de milhares, tanto humanos quanto feiticeiros. E então, como castigo, os três Inatingíveis Deuses restantes criaram o que chamamos de Véu, uma barreira que impede que venham para cá''.
Sinestrea ficou em silêncio, seu corpo estremecia toda vez que ouvia o nome dos deuses. Ao menos sabia que nunca seria perseguida pelas criaturas mágicas descritas nos livros, estavam presas do outro lado, e ela nunca atravessaria o Véu. Entretanto, os deuses podiam vir até ela, e precisava eliminar esse medo.
Olhou novamente para as páginas amareladas. Haviam desenhos dos deuses, mas estavam quase apagados de tão velhos. Nilyhow parecia ter orelhas pontudas, mas seus filhos não. Virou a página e encontrou mais desenhos. Desta vez, cinco homens. Leu o título, mas não sabia o que a palavra significava. Em letras garrafais, era possível ler ''Os Arcanos''.
— O que são os Arcanos, mãe?
— São criaturas cruéis, minha filha — disse Eleanora, e levou a xícara a boca e tomou um gole do chá ainda quente. — Nilyhow nos puniu pela morte de sua filha caçula. Os humanos são proibidos de usar magia e grande parte de nossas terras são inférteis. Não sabemos se os Arcanos são reais ou apenas lendas, mas dizem que de tempos em tempos, eles vêm para cá e punem os que ousam desrespeitar as regras.
— Por que haveriam feiticeiros desse lado se eles não são daqui?
— Simples, filha. Vivemos quinhentos anos sem separação até que a guerra começasse, muitos vieram para cá. Seus descendentes estão entre nós até hoje, e alguns podem apresentar poderes. São essas pessoas que os supostos Arcanos viriam punir.
Sinestrea ficou assustada. Nilyhow era tão cruel assim? Sentiu um alívio quando lembrou que não era capaz de usar magia, assim como todos que conheciam. Estava segura. Sinestrea descobriria meses depois o quanto estava errada.
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