Capítulo 2

A rejeição a machucava, mas parecia ser sempre inevitável.

Diana não conheceu a mãe e perdeu o amor do pai muito cedo. Por mais que se esforçasse para a madrasta amá-la como filha, nunca foi correspondida. Em sua alma havia uma carência afetiva que vinha tentando controlar desde o último término de noivado.

Com sucesso, esperava.

— Jesus, menina! Acordou com as galinhas hoje?

Ao escutar a familiar voz, Diana usou os pés para impulsionar a esteira com rodinhas para sair debaixo do carro. Ela se sentou e encarou Miguel, um meigo senhor de cabelos grisalhos que fora o melhor amigo de seu pai em vida.

— Digamos que acordei antes delas — respondeu ela.

Assim como Diana, ele estava vestido com o macacão azul-marinho da oficina.

— Uma workaholic.

— Uma o quê? — indagou, franzindo o cenho.

— Você. É uma workaholic. Pessoa que trabalha demais. Li isso em algum lugar. Cuidado com a saúde, criança — advertiu com certa preocupação. — Trabalhar em excesso pode fazer mal.

Ela admitia que ultimamente tem convertido toda a sua mágoa e frustração em horas extras de serviço na oficina. Ao contrário de seu amigo Miguel, via isso como algo positivo.

— Quanto mais serviço feito, mais dinheiro — argumentou e se ergueu da esteira.

Miguel pegou um pano e entregou para ela.

— Sabemos muito bem que não é assim que você pensa.

— Como eu penso? — Olhava-o intrigada enquanto limpava as mãos sujas de graxa no pano.

— Você é igualzinha ao seu pai. Conserta carros porque gosta. O pagamento é uma consequência disso.

Ela sorriu. Seu peito enchia-se de carinho sempre que ouvia falarem de seu pai.

— Exatamente. Gosto de trabalhar, então o que tem ficar umas horinhas a mais na oficina, Miguel?

Ele devolveu-lhe com outra pergunta:

— Quando foi a última vez que saiu para se divertir?

Sabia onde Miguel queria chegar, mas não se renderia sem antes tentar sair pela tangente.

— Domingo passado, quando me convidou para jantar com sua família — respondeu com inocência.

— Não estou falando disso! — Viu que ele começava a ficar nervoso por ter que entrar com ela naquele assunto.

— Ah, não? Sobre o que, então?

— Homens, Diana... Falo de homens! — soltou, constrangido.

— O que tem os homens? — Fez-se de desentendida.

— Menina...

Ela riu e jogou o pano sobre uma cadeira danificada.

— Você não quer falar comigo sobre isso.

— Não quero, mas preciso. — Após inspirar longamente, ele olhou-a nos olhos e disse: — Tenho imenso carinho por você, Diana. Não porque é minha chefe, mas porque a considero uma amiga, uma filha... uma amiga-filha. Seu pai foi um grande homem, um grande amigo. Gostava dele tanto quanto gosto de você, e é por isso que não vou ficar calado enquanto a vejo se fechar para o mundo da forma que está fazendo.

Descoberta em seu plano, ela virou o rosto.

— Precisa sair mais, divertir-se. Fazer coisas que moças da sua idade fazem. Conhecer pessoas novas, namorar...

Quando voltou a encará-lo, sua boca estava torcida em um sorriso triste.

— Estou dando um tempo de homens, Miguel. Como deve ter notado, minhas experiências amorosas sempre acabam se transformando em um grande desastre. Acho que meu cupido veio a este mundo na forma de um mosquito e eu o matei sem querer — disse com humor seco.

— Ao menos não se prive de conhecer novas pessoas, de se divertir.

— Oh, não quero conhecer ninguém. Só quero fazer meu trabalho...

— Sobre o que os dois aí estão cacarejando?

Diana e Miguel viraram suas cabeças para o mecânico que acabara de entrar na oficina. Era Fabrício, o mais novo na equipe depois de Diana.

— Cacarejando, uma ova — rebateu a única mulher ali, os traços suaves. — Miguel estava conversando comigo sobre "homens". — Executou as aspas com os dedos.

— Homens? Vejamos, por onde eu poderia começar?

— Ninguém te chamou para a conversa. — Dito isto, Miguel afastou-se de Diana para pegar uma prancheta.

— Meu caro Miguel, você precisa entender que essa aí é diplomada quando o assunto é homens. Não tem nada que ela já não saiba sobre a espécie masculina.

— Mais respeito, rapaz.

— Por acaso menti? — Fabrício foi até uma estante no canto e pegou sua caixa de ferramentas, trazendo-a consigo quando voltou para acrescentar: — Diana tem 23 anos e já teve três noivos. Isto não lhe diz nada?

Miguel nem dava mais ouvidos. Imerso no serviço, anotava na prancheta os veículos prontos para serem entregues naquele dia.

— Sim, diz muito. Que você deveria ir trabalhar — cortou Diana. — Não te pago para ficar conversando, muito menos fofocando sobre minha vida privada — advertiu Fabrício, com uma invejável serenidade mantida em seus olhos castanho-claros.

Fabrício bateu continência.

— Sim, chefe!

Tanto a atitude quanto a exclamação transbordavam sarcasmo, mas ela fez o que sempre fazia: não deu a mínima, pois se se incomodasse com cada pequena afronta masculina dirigida a ela, viveria estressada.

Logo, mais dois mecânicos chegaram para completar a equipe: Emanuel e Lorenzo.

O primeiro, Emanuel, era um homem com mais de quarenta anos com família já constituída. Apesar de falar normalmente com todos, mantinha uma amizade mais próxima com Fabrício. Às vezes os dois ficavam tão agitados que passavam dos limites com as brincadeiras no trabalho, atrapalhando o andamento do serviço. Nesses casos, Diana intervinha fazendo o papel da estraga-prazeres. Os bagunceiros voltavam ao trabalho, mas não sem o típico rolar de olhos e resmungos em resposta.

Já Lorenzo, era um homenzarrão de poucas palavras que vivia de cara fechada. Diana raramente o via trocando palavras com os outros mecânicos. Em dias cheios, quando havia muita demanda, nem retornavam para casa na pausa para o almoço. Tiravam do depósito a velha mesa retangular de madeira, em volta da qual se reuniam para comerem juntos. Enquanto os homens se empolgavam contando histórias e riam alto, Lorenzo apenas escutava comendo em silêncio. Só falava o necessário, como "bom dia" e "até mais".

Uma das poucas exceções, lembrava Diana, foi em um dia de pagamento no mês natalino, quando Lorenzo veio procurá-la em sua sala para proferir a frase mais longa que ela um dia já ouvira dele: "Eu não entendi como isto aqui foi calculado." Diana quase caiu para trás. Não sem antes refazer todo o cálculo salarial na frente do homem, claro.

Lorenzo era o único que não pertencia ao time da antiga, da época em que o pai dela era vivo. Fabrício sempre perguntava em que buraco ela tinha se metido para arrumar um esquisitão como aquele, com cara de mafioso, para trabalhar na oficina.

Diana apenas balançava a cabeça, sem responder.

A verdade era que colocara um anúncio de emprego e Lorenzo viera atrás, demonstrara suas habilidades e fora contratado no mesmo dia. Simples assim. Se o homem preferia ser adepto do silêncio, era uma questão dele.

Havia Augusto também, mas naquele dia sua esposa ligara avisando que ele precisaria faltar ao trabalho. Estava doente.

— Faringite. Foi o que Carmem disse. — Diana avisou aos mecânicos, quando questionaram sobre a ausência de Augusto.

— Como diabos esse velho pegou faringite? — Fabrício perguntou, curvado sobre o capô de um carro.

— Eu é que não sei.

— Já tive isso aí. É horrível. — Emanuel desparafusava uma peça. — Fiquei até com febre. A garganta fechada.

— Não parece nada de mais — desdenhou Fabrício.

— Aparentemente pode ter a ver com a mudança brusca de clima — continuou o outro.

— Mas que ótimo! Nossa equipe ficou desfalcada. Agora vamos ter que cobrir Augusto — queixou-se, mostrando certa irritação.

Diana parou ao lado de Fabrício, desgostosa com o rumo desrespeitoso daquela conversa. Surpreso com a aproximação, ele ergueu-se para encará-la.

— Você quer trabalhar ou reclamar? Porque se quiser reclamar, sabe onde fazê-lo — declarou ela, o polegar apontado para a rua. Os olhos, geralmente calmos, faiscavam em uma clara ameaça de demissão.

A contragosto, ele se calou.

— Vou para minha sala agora. A papelada me espera. — Não havia nenhuma nota de felicidade em sua voz.

Diana era a gerente, a contadora, a administradora... e, ainda por cima, mecânica. Acumulara vários cargos por necessidade, já que infelizmente não dispunha de capital para aumentar o corpo administrativo da Oficina Ferreira.

A lista de motivos para fazer hora extra era longa.

O trabalho não parecia ter fim. Sempre que o mês virava, o ciclo pesado e estafante reiniciava. E assim, ia levando a vida.

Olhou através da janela para a praça arborizada. Mães passeavam e brincavam com suas crianças enquanto um grupo de garotos jogava futebol na quadra. Vendedores de comida de rua preparavam os lanches e serviam seus clientes. Na rua à frente, veículos iam e vinham, ocasionalmente parando para os pedestres atravessarem na faixa.

E por que não conseguia se animar com essa visão?

Porque era um dia como qualquer outro. Com as mesmas pessoas, os mesmos acontecimentos. O mesmo tipo de novidade:

"— Você ficou sabendo? Gabriela vai casar!"

"— O filho dos Silva nasceu... Acabei de vir da casa deles. O garotinho é um fofo!"

"Você viu? O salão da esquina foi reaberto. Talvez eu dê uma nova chance."

Em seguida, para alegria das línguas maldosas:

"— E Dário? Foi pego traindo a esposa..."

"— Que horror! Soube que o padre Joaquim deu-lhe um sermão. Coitadinha da Vanessa!"

E então, após protagonizar mais um noivado fracassado:

"— Diana foi deixada pela terceira vez."

"— Meu Deus! Essa mulher tem sérias dificuldades em segurar um homem."

Como todos os habitantes, estava presa naquela roda repetitiva. Não importava o quanto girasse, parava no mesmo lugar. Até um tempo atrás, não estaria se incomodando com isso. Estivera cegamente apaixonada e noiva de um homem com quem sonhara passar o resto da vida para preocupar-se em analisar mais profundamente seu íntimo.

Mas agora, entendia que somente aquilo não lhe bastava. Queria algo a mais. O quê, não sabia. Subitamente lembrou-se das palavras de Maria no dia anterior: "Este lugar está precisando de um pouco de emoção."

— Sim, está — concordou em voz alta. — Como está!

Sem ela saber, o destino começava a trabalhar.

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