Capítulo 12
Rowan acordou em um pulo quando sentiu que alguém estava sobre ele. Antes que pudesse abrir os olhos, ele sentiu a coisa se afastando rapidamente e, quando conseguiu olhar em volta, viu apenas Geomi a um metro dele, observando-o com o cenho franzido.
— Está tudo bem? — indagou ela, e o garoto assentiu. — Você estava tendo pesadelos, mas fiquei com receio de te acordar...
A julgar pelos primeiros raios de sol surgindo, ele deveria ter passado o turno para ela há pelo menos uma hora. Ele observou a própria mão segurando o cabo da espada com força e entendeu o motivo do receio de Geomi.
Rowan lançou um sorriso fraco para a moça e olhou para a irmã ao seu lado. A julgar pela mandíbula tensionada e pela testa franzida, ela deveria estar passando pelo mesmo mal que ele. Por isso, afastou o arco da garota e a acordou com um cutucão.
Não fora preciso tocar mais que uma vez: Zariah imediatamente abriu os olhos e se levantou, observando a clareira com a respiração arfante. Quando colocou os olhos no irmão, ela engoliu em seco e pareceu se acalmar um pouco.
— Obrigada — disse ela, levantando-se com um grunhido. — Você me salvou da pior parte do sonho.
— Estava sonhando com papai? — perguntou. Era o sonho que ele mesmo estava tendo antes de acordar.
Zariah suspirou.
— Sim. A gente tinha conseguido a folha, mas não chegamos a tempo de dar para ele. Você me acordou exatamente no momento em que eu estava tirando a coberta de cima do rosto dele...
Rowan assentiu. Não era incomum os dois terem o mesmo sonho. Muitas vezes suas preocupações eram as mesmas e elas sempre se refletiam na hora de dormir. Era horrível, mas pelo menos isso queria dizer que sempre podiam conversar sobre os pesadelos sem precisarem entrar nos detalhes.
— Suponho que devamos partir agora, então — ele olhou para Geomi, que estava se aproximando dos dois com uma aparência cansada. — Tudo bem por você?
A moça deu de ombros e olhou para os lobos mortos no canto da clareira, espalhados cuidadosamente para que o cheiro não ficasse tão forte e para que possíveis predadores escolhessem as carcaças ao invés deles.
— Não podemos fazer mais nada aqui, de qualquer forma — ela então olhou para Rowan e sorriu. — E eu estou com fome.
Os irmãos concordaram, as mentes indo automaticamente para a ceia da noite anterior. No mesmo instante eles desejaram ter guardado pelo menos algumas uvas...
— A taverna... — começou Zariah. — É muito longe da árvore da vida?
— Precisaríamos fazer um desvio — respondeu Geomi, pensativa. Ela olhou para Rowan. — Mas a minha casa fica bem perto. Poderíamos dar uma passadinha lá e seguir viagem.
Rowan sorriu e abriu a boca para responder, mas Zariah já estava negando com a cabeça. Ir para a casa dela significaria mais uma forma de ligação com a moça e Rowan definitivamente não precisava de mais uma coisa para se lembrar dela quando eles tivessem que se separar.
— É melhor não. Podemos pegar algum animal pequeno no caminho e dividir. Custará menos tempo.
O sorriso de Geomi foi substituído por uma expressão triste.
— Oh, mas a minha casa fica tão perto da árvore... Não custaria tempo algum e eu ainda tenho alguns cereais na despensa.
— É, Za. Qual o problema de uma parada de alguns minutos?
Ela olhou para Rowan com uma expressão preocupada. Será que ele entenderia se tentasse explicar que ele não podia formar laços muito fortes com Geomi? Ela apostava seu arco de que não.
— Não podemos nos dar ao luxo de distrações — falou, um pouco mais firme. —Sem ofensas, Geomi.
— Oh, tudo bem, mas... caçar e fazer uma fogueira vai demorar mais, não é?
— Zariah, vem aqui um minuto — chamou Rowan. Ela se aproximou do irmão, que a guiou para longe de Geomi.
Quando estavam longe o bastante para que a moça não pudesse escutar, ele virou a irmã de frente para ele, a expressão mostrava que o garoto estava bravo.
— O que deu em você, hein? Geomi está oferecendo um lugar pra comermos e você prefere caçar?
Zariah piscou. O irmão nunca a confrontara daquela forma antes.
— Vocês vão enrolar — disse, soando mais confiante do que realmente estava. — E não podemos...
— Perder tempo, eu já sei — interrompeu. — Mas você perdeu tempo em ajudar aquela menina também sem sequer hesitar, e isso nos custou uma noite. Se formos caçar, perderemos muito mais tempo do que...
Ele se interrompeu. Sua expressão de repente se tornou desconfiada quando ele observou a irmã de cima a baixo, analisando-a atentamente.
— Ah, não... Você... você está com ciúmes?
— Não seja ridículo, Rowan! — ela suspirou. Não havia mais escapatória: teria que admitir: — Eu só... eu só não quero que você se machuque quando tivermos que voltar...
Mas o irmão não queria ouvir:
— De novo isso, Zariah? — Rowan bufou. — Podemos deixar o futuro para o futuro, por favor?
— Mas...
— Vamos comer na casa da Geomi — falou. — Como você mesma disse: não podemos nos dar ao luxo de perder tempo. Se formos caçar por causa dos seus ciúmes, perderemos o pouco que ainda temos.
Zariah suspirou. Sabia que a batalha estava perdida. Teria que aguentar, portanto, o mau-humor de Rowan na volta.
Eles voltaram para perto de Geomi, que os observava com uma expressão esperançosa.
— Vamos? — indagou Zariah, seca. — Sua casa realmente fica perto?
O rosto de Geomi se iluminou ao ouvir aquilo, e ela inclusive bateu palmas quando garantiu de que sim, era muito perto.
Então eles se puseram a andar, o sol nascendo à frente deles. Em dado momento, Rowan, constrangido pelo clima ruim que a expressão fechada da irmã estava causando, se virou para Geomi e perguntou:
— Se você mora tão perto da árvore, porque cruza o oceano para colher rosas? Não seria infinitamente mais lucrativo vender as folhas da árvore?
Geomi assentiu. Se lhe dessem uma moeda toda vez que lhe perguntassem isso, ela não precisaria vender rosas nunca mais.
— Já considerei fazer isso — admitiu ela. — Mas cheguei à conclusão de que a árvore é muito poderosa e eu não tenho o direito de facilitar o acesso a ela. Afinal, se a cura se tornar algo banal, que valor a vida terá para as pessoas? Se a árvore escolheu nascer naquele lugar, eu não tenho o direito de leva-la para pessoas que não sejam dignos de chegarem até ela.
Rowan refletiu por alguns minutos antes de assentir lentamente. Ele achava aquele pensamento nobre, mesmo que, se ela tivesse escolhido vender as folhas, a viagem deles seria bem mais fácil e muito menos arriscada. Afinal, qualquer hora perdida podia significar a morte do pai.
Mas se as folhas fossem comuns, eles não teriam se preocupado tanto e não teriam percebido o quanto o pai era importante para a família — Feijão estaria sem sua amada e a garotinha teria morrido na noite anterior.
... e ele não teria conhecido Geomi.
Conforme andavam em silêncio, o moreno chegou à conclusão de que eles estavam exatamente onde deveriam estar. Se o pai morresse, era assim que deveria acontecer. Eles salvaram muitas vidas naquela viagem e ele tinha certeza de que o pai ficaria muito orgulhoso.
Ele também provavelmente iria gostar de Geomi e sua voz de veludo. Pelas histórias que ouviam do mais velho, a mãe deles também amava cantar. Apesar dos irmãos terem poucas memórias dela, se lembravam do rosto delicado, dos olhos verdes e da forma que ela os colocava na cama e dava um tapinha bondoso no nariz de cada um.
Ela se fora quando tinham apenas quatro anos, pega pela febre amarela. Se lembravam do doutor Flitzen praticamente se mudando para o quarto dos pais. Quando a doença estava em seus estágios finais, eles viam mais o médico do que a própria mãe.
É irônico, pensou melancólico, conhecermos melhor o médico do que a nossa própria mãe. Se nós ao menos tivéssemos...
— Rowan? Está tudo bem? — a voz de Geomi o fez despertar do torpor que as lembranças ruins o deixaram. Ele olhou para a moça e se forçou a sorrir. — Eu perguntei se vocês se importam de pegar um atalho.
— Za? — indagou Rowan com uma sobrancelha arqueada. Ela estava com os lábios levemente projetados para frente. Ele sabia que isso significava que a irmã estava emburrada. Com certeza com ele. — Atalhos são bons, não é?
Ela apenas deu de ombros.
— Tudo o que agilizar nosso caminho será mais rápido — falou ele, virando-se para Geomi e decidindo ignorar a irmã. Ele definitivamente não queria discutir com a ela perto da moça. — Obrigado.
Quando eles finalmente saíram da floresta, já estava claro. Geomi os guiou por uma estrada muito florida que fez os olhos de Rowan brilharem. Até mesmo Zariah desemburrou um pouco com a visão.
— Plantei praticamente todas estas flores — informou ela com um sorriso orgulhoso. — É mais fácil das pessoas virem até mim.
— De fato — concordou Rowan. Ele olhou para ela com um sorriso apaixonado. — Eu iria todos os dias para sua casa comprar flores se tivesse que seguir um caminho como este.
— Apenas para comprar flores? — Geomi arqueou uma sobrancelha e retribuiu o sorriso.
— É — ele riu, sem conseguiu manter a mentira. — E rosas também, claro.
— E posso saber para qual dama você as daria?
— Hum... — Rowan fingiu estar pensativo por um momento, mas logo voltou a sorrir. — Para você, claro. Talvez um buquê de lavandas para Zariah também, pra ela parar de ser tão mal-humorada...
Eles olharam para a garota que fingiu não escutar.
— Lavandas de fato fazem bem para o humor — concordou Geomi. — Não sabia que entendia de flores.
As bochechas dele coraram com o elogio.
— Tivemos algumas aulas no exército. É meio importante sabermos quais plantas podemos comer ou não em caso de sobrevivência.
Ela assentiu com um sorriso. Então ergueu o rosto e apontou para o fim da estrada, que dava para um círculo de montanhas tão altas que eles tinham que estreitar os olhos para ver o topo enevoado. A base era coberta por pedras incrivelmente redondas.
— Oh, é logo ali! Vamos!
— Vamos ter que subir uma montanha de novo? — indagou Zariah, o cenho franzido. — E você chama isso de atalho?
— É por baixo, na verdade. É um caminho antigo feito por anões — ao perceber a hesitação dos irmãos, ela acrescentou: — Foi abandonado há muitos anos, assim que descobriram que não havia ouro. É tudo o que os interessa, afinal.
— E como entramos?
Ela não se deu ao trabalho de responder. Com um sorriso, ela se colocou ao lado de uma pedra particularmente grande e a empurrou com uma facilidade que surpreendeu os irmãos.
Ao notar o assombro dos dois, a moça deu de ombros e mostrou o braço.
— Eu disse pra vocês que remo duas vezes por semana...
A pedra removida abriu caminho para uma passagem estreita e redonda. Era realmente muito parecida com a que os dois entraram quando foram resgatar Godãh, o que reforçou a fala de Geomi.
— Podem ir na frente. Precisarei fechar a passagem de novo — falou ela, apontando para o caminho.
— É realmente seguro? — perguntou Zariah, cética.
— Oh, muito seguro. Os anões são excelentes no que fazem — respondeu.
Rowan observou a irmã por um segundo antes de estender a mão para ela, que, para a sua surpresa, aceitou.
Juntos, os dois entraram no caminho. Rowan primeiro, depois Zariah e Geomi foi logo atrás. Enquanto que os dois iam engatinhando, a moça foi com as pernas dobradas, sem sequer tocar o vestido no chão.
Assim como na caverna dos sete anões, o caminho incrivelmente estreito e era uma descida. Mais ou menos a cada meio metro de avanço, o rosto deles tocava em algo que parecia ser teia de aranha. Era um material gosmento e que grudava nos cabelos.
— Acho que pisei em um osso! — exclamou Rowan, sentindo o gosto das teias em sua boca.
— Eu já pisei em vários — comentou Geomi. O garoto se surpreendeu ao perceber que sua voz, não estava mais tão aveludada assim. Ao invés disso, estava em um tom mais rouco, esganiçado. Ele assumiu que era por causa do medo do lugar e, portanto, seguiu tentando afastar o máximo possível os ossos com os pés para que Geomi não tivesse que pisar neles também.
O estômago dele foi se apertando e revirando e, quando pensou que iria vomitar toda a pouca comida que ainda restava em seu estômago, o caminho finalmente se alargou e eles caíram em uma área larga. Com uma rápida olhada em volta, Rowan observou que as teias estavam em todos os lugares. Haviam, inclusive, casulos tão grandes quanto ele pendurados no teto. No meio destes, uma tocha pendia fraca, presa apenas por um estranho fio prateado.
Seu coração disparou quando percebeu onde estavam: era a toca de uma aranha!
No momento em que Zariah caiu na área, Rowan se virou para onde Geomi estava surgindo.
— Não entre! Deve haver uma aranha em qualquer...
— Não seja tão tolo assim... — interrompeu Geomi, usando o mesmo tom rouco. Habilmente, ela saltou para junto dos dois.
Antes que a informação pudesse ser inteiramente processada pelos irmãos, ela começou a rir como uma hiena e seu corpo magro se contorceu como se seus ossos estivessem se quebrando em mil pedacinhos. Ela deu dois passos na direção dos dois e, antes mesmo que Zariah pudesse pensar em sacar seu arco, ela voltou para o ponto inicial e se encolheu, a cabeça entre os joelhos.
Mais rápido do que seus olhos mortais pudessem acompanhar, Geomi saltou na direção da parede e a escalou como se estivesse engatinhando no chão. Pulou para o teto, na direção da tocha e, com um golpe forte, apagou a luz.
|Votinho porque estamos a três ou quatro caps do fim!|
Gente, vocês sabiam que "Geomi" em coreano significa "aranha"? Bom, como ninguém desconfiou da moça, então eu assumirei que não hahaha.
Enfim, não é livro de Julie Sachs se não tiver pelo menos um traidorzinho otário no meio, né..?
Como pedido, o nome que esse capítulo provavelmente teria é: "A aranhazinha desceu pelo corredor e pegou o amador". (E, sim, fez sentido shhhh)
Se tudo der certo, conseguirei terminar o livro até domingo, então... AGUARDEM MUAHJAHAHAHA.
Espero que estejam animados! Até amanhã, meus aventureiros <3
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