Capítulo 13 - 📜Buscando Fundamentos 📜

A tempestade rondava os céus, mas ainda não se manifestara. O cheiro de terra úmida entrava pelas janelas abertas, misturando-se ao aroma da madeira antiga da casa. O vento fazia as cortinas balançarem, com leveza.

No meio da sala, Hélia se desmanchava em prantos, os soluços sacudiam seu corpo magro. Seu rosto estava afundado no ombro de Beto, que a segurava firme, tentando conter a própria angústia.

— Eu quero o meu filho, Beto! — a voz dela saiu embargada, sufocada pela dor. — Querem fazer uma injustiça! Miguel não fez nada, e agora está acuado feito um animal na mata escura!

A pele de Beto estava quente, e seu peito largo subia e descia com a respiração pesada. Ele passou a mão calejada pelos cabelos de Hélia, sentindo a umidade das lágrimas nos fios.

— Ele está bem, querida... — murmurou, como se quisesse convencer a si mesmo. — Se ele achou por bem não se entregar, é porque sabe que estão armando pra cima dele.

Hélia se afastou um pouco, com os olhos pequenos e castanhos brilhando de raiva.

— E ontem nós o alertamos sobre esse relacionamento com a filha do prefeito, mas ele, cabeça dura como é, não nos ouviu!

— A paixão é cega, Hélia. — A voz de Beto carregava um cansaço antigo, um peso que parecia ter se acumulado ao longo dos anos. — Nós também já fomos assim. Amanhã, Elisa vai contar tudo, e as acusações contra o nosso filho vão cair por terra.

No sofá, Ana estava encolhida, com os joelhos puxados contra o peito. Ela também chorava, mas seu pranto era diferente: menos resignado, mais inflamado. Os olhos ardiam, e a respiração era curta.

— Aquele tal Bruxo malvado... — a voz dela tremeu. — Ele é o culpado por tudo isso!

Hélia fechou os olhos por um instante e respirou fundo. Precisava ser forte pela filha. Enxugou as lágrimas com as costas das mãos e sentou-se ao lado dela, puxando-a para um abraço apertado.

— Venha cá, filha...

O cheiro dos cabelos da menina era familiar, um misto de ervas e suor jovem. O cheiro de casa. De família. De tudo o que estava prestes a desmoronar.

Beto se afastou, esfregando as mãos no jeans surrado, tentando dissipar a inquietação que subia pelo peito.

— Vou preparar um chá pra gente.

Ele caminhou até a cozinha, com os passos pesados sobre o assoalho rangente. Precisava fazer algo, qualquer coisa, para aliviar a dor que pairava no ar como uma tempestade prestes a desabar.

Ana ergueu o rosto, com os olhos vermelhos, mas cheios de fúria.

— Não podem querer prender o Mi, mãe. Ele não é bandido!

— Isso não vai acontecer, filha... — Hélia suspirou, passando os dedos delicados pelos cabelos da menina. — Nóós vamos ajudá-lo a provar sua inocência.

Ana cerrou os punhos. O ódio fervilhava sob sua pele.

— Se o Mi for preso, eu vou matar aquele  Feiticeiro!

O ar na sala ficou denso. Hélia arregalou os olhos e levou uma mão à boca, surpresa com a intensidade das palavras da filha.

— Filha?! Não diga isso! Assim, quem vai presa é você!

Ana desviou o olhar para o chão, mordendo o lábio, mas sua expressão não vacilou.

— Ele quer roubar a Elisa do Mi, mãe... Mas eu não vou deixar!

Hélia apertou os lábios, pensativa. Havia algo perigoso naquele tipo de amor cego. Paixões assim não apenas queimavam, mas também consumiam tudo ao redor.

— Não brinque com fogo, Ana... o bruxo
ele pode jogar uma praga em você!

Hélia  a quis assustar para que  retirasse os pensamentos ruins da cabeça.
Más Ana ergueu o queixo, desafiadora. O medo não a tocava mais.

Beto voltou com três xícaras fumegantes nas mãos, e o cheiro do chá de ervas tomou conta da sala. Mas antes que pudessem tocar as porcelanas, um som cortou o ar.

Batidas fortes na porta.

A madeira vibrou sob os golpes impiedosos. O som ecoou pelo silêncio da casa, gelando o sangue de todos. Os três se entreolharam.

— Miguel... — sussurrou Hélia, com a esperança tremendo em sua voz.

Mas então veio a voz grave do outro lado.

— Abram a porta! É a polícia!

O mundo pareceu congelar por um instante. O coração de Beto martelou no peito, com a mão apertando a xícara com tanta força que por pouco não a quebrou.

Hélia ofegou. Ana arregalou os olhos, com os dedos tremendo sobre o tecido do sofá.

O silêncio que se seguiu não durou mais que um segundo.

Lá fora, os cavalos bufavam, inquietos. O vento uivava contra a casa.

E então... as batidas recomeçaram. Mais fortes. Mais urgentes.

Beto engoliu em seco.

A madeira velha da porta rangeu quando Beto girou a maçaneta e abriu de supetão. A noite fria da fazenda entrou na casa junto com a presença imponente de três homens: o delegado Raul Monteiro e dois guardas de postura rígida.  Raul, era um homem de meia-idade com olhos frios e uma cicatriz funda no queixo, era o delegado amigo de Atur. Ele ergueu o chapéu antes de entrar, como se já fosse dono daquele espaço.

— Por que não deixam minha família em paz?! — Beto rosnou, com o peito inflando de indignação. Ele se colocou na frente da porta como um cão de guarda. — Se vieram atrás do meu filho, perderam viagem. Miguel não está aqui.

O delegado lançou um olhar que parecia atravessar Beto como lâmina. Seu tom era baixo, quase um sussurro, mas carregado de ameaça.

— Mais cedo ou mais tarde, seu filho será capturado. Disso eu tenho certeza. — Raul falou com confiança.

— Do que estão acusando ele, hein? — Beto cruzou os braços, com o maxilar travado.

Raul inclinou a cabeça levemente, com os olhos afiados como navalha.

— Miguel Medeiros recebeu ordem de prisão por tentativa de homicídio contra Artur Vasconcelos.

O nome ressoou no ar como um trovão.

Hélia, que ainda segurava a xícara de chá, levantou-se num sobressalto, derrubando o líquido quente sobre o tapete puído.

— O quê?! — Sua voz veio embargada, com o rosto se contorcendo em desespero. — O meu Miguel... tentou matar um homem?

Ana, encolhida no sofá, apertou os próprios braços, com os olhos brilhando com a força das lágrimas.

— Não... não pode ser — murmurou.

Beto avançou um passo.

— Não é da índole do meu filho fazer uma coisa dessas!

Raul manteve a compostura, mas havia um certo prazer oculto na forma como ele saboreou as palavras seguintes:

— A raiva cega as pessoas, senhor. Seu filho estava fora de controle ontem no bosque. Todo mundo sabe o quanto ele amava aquela moça. E nós homens, sabemos o que a paixão pode fazer conosco.

— Miguel parecia bem tranquilo ontem, aqui em casa. Se existir mesmo alguma acusação, com certeza não tem fundamento! — Beto retrucou, com o sangue fervendo nas veias.

— É isso que queremos encontrar. Fundamento. — O delegado retirou um pedaço de papel do bolso e leu. — Elisa Medeiros foi mantida em cárcere privado. Seu filho foi o último a estar com ela antes de desaparecer.

O silêncio caiu sobre a casa como um manto fúnebre.

Ana pulou do sofá, com os olhos faiscando.

— Seu fajuto!

Ela lançou a primeira coisa que viu: uma almofada, que acertou o peito de um dos guardas. O homem se afastou, constrangido, mas ela já pegava outra.

— Sua filha perdeu o juízo? — Raul arqueou uma sobrancelha.

— Filha! — Beto agarrou Ana pela cintura, segurando-a enquanto ela esperneava, tentando chutar o delegado.

— Ele tá mentindo! Eles querem prender o Mi de qualquer jeito!

— Hélia, leve-a para o quarto! — Beto ordenou, e a esposa segurou Ana pelos ombros, puxando-a com firmeza.

— Já chega, filha! As coisas não se resolvem assim.

Ana saiu aos tropeços, resmungando, e o silêncio que ficou foi ainda mais pesado.

Raul suspirou, ajeitando a fivela do cinto.

— Viu só? Parece de família essa impulsividade. — O delegado falou com um meio sorriso.

Beto engoliu em seco cerrando os punhos. Abriu a boca para falar, mas desistiu. O comportamento de Ana apenas complicava mais as coisas.

— Homens, façam uma busca pela casa.

Beto se colocou na frente dele.

— O quê?!

— É protocolo, meu senhor.

Os guardas se espalharam como cães farejadores. Gavetas foram abertas sem cerimônia, roupas jogadas ao chão, portas escancaradas. Um dos guardas vasculhou o quarto de Miguel, jogando lençóis para o lado, e revirando pilhas de roupa.

Ana observava do batente da porta, mordendo os lábios com força. Ela sentia um peso no peito, uma inquietação que a sufocava.

— Depois vão voltar tudo pro lugar, como estava?!

Os dois guardas trocaram olhares e riram debochados.

— Você tem o gênio forte garota. — Comentou um deles.

— Deixem meu irmão em paz, ou vocês conhecerão Ana Fontana de Almeida! — Ana tentou os intimidar, mas os fiserão rir ainda mais.

E então veio o grito.

— Chefe! Achei algo!

O guarda ergueu um punhado de roupas dobradas.

O coração de Hélia parou.

Beto empalideceu.

O delegado pegou as roupas e as desdobrou com calma, como se estivesse abrindo uma caixa de Pandora. Depois retirou do bolso uma fotografia.

— Ora, ora... as coisas começaram a ficar interessantes. — Ele girou a foto para que todos vissem.

Era uma imagem de Elisa, na garupa do cavalo de Miguel, registrada pelas câmeras de segurança da cidade na noite anterior.

Ana sentiu o mundo girar. Sua garganta secou.

Ela reconhecia aquelas roupas.

Ela as pegara naquela manhã e as colocara no quarto de Miguel, sem pensar, apenas seguindo a voz do irmão que a pedira para guardá-las.

Mas agora, naquele momento, aquelas roupas eram uma prova.

Uma prova que condenava Miguel.

As pernas de Ana falharam. O ar ficou rarefeito.

E então, o mundo escureceu.

Ela caiu no chão, desmaiada.

— Filha! — O grito de Hélia rasgou a noite.

Os guardas se viraram ao mesmo tempo.

Raul o delegado, observava assustado.


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