Capítulo 10 - 📃O Mal A Encontrou Primeiro📃
A gruta era uma catedral de penumbras, iluminada apenas pela luz trêmula das tochas que ardiam presas nas paredes úmidas e irregulares. As chamas dançavam com o ritmo do tambor invisível, lançando sombras grotescas que pareciam ganhar vida própria. O ar carregava um cheiro de musgo e terra molhada, misturado ao odor acre de ervas queimadas. Goteiras constantes escorriam das estalactites, ecoando como uma melodia inquietante, enquanto as pedras sob os pés pareciam pulsar, vivas, como se o lugar fosse uma entidade que respirava o ritual.
No centro do espaço cavernoso, Elisa estava deitada no chão frio, envolta em um manto cinzento que parecia não pertencer a ela. Sua pele, normalmente vibrante, estava pálida, e seus cabelos desarrumados contrastavam com a calma opressora do ambiente. Em volta dela, Isadora Mortanis girava em movimentos fluidos, quase sobrenaturais, enquanto murmurava palavras antigas, incompreensíveis, que reverberavam pela gruta com um peso que parecia ultrapassar o mero som. Seu cajado, marcado pelo tempo e entalhado com símbolos arcanos, traçava círculos no ar, como se desenhasse portais invisíveis.
Isadora estava em seu elemento. Os olhos negros brilhavam com uma intensidade cruel, e o sorriso nos lábios finos era um misto de triunfo e algo mais profundo: prazer. A cada batida dos tamborins, ela parecia absorver energia do ambiente, tornando-se ainda mais imponente, quase etérea. O vestido negro, feito de um tecido que parecia tanto sólido quanto etéreo, ondulava ao redor de seu corpo magro como fumaça.
Elisa abriu os olhos devagar, piscando contra a luz oscilante. O som dos instrumentos misturava-se à sua própria respiração acelerada, criando uma confusão em sua mente atordoada. Ela tentou se mover, mas o peso do medo e da estranheza a mantinha presa ao chão.
"Estou sonhando?", pensou, mas o frio da pedra sob seu corpo e o cheiro pungente que invadia suas narinas diziam o contrário. Quando finalmente viu a figura que girava diante dela, a realidade a golpeou com força. Seus olhos arregalaram-se em terror.
Com um esforço trêmulo, ela se ergueu, arrastando-se para trás até que a parede áspera da gruta deteve seu movimento. As pedras rasparam contra suas costas, mas a dor física era insignificante diante do pavor que consumia seu peito.
- Onde estou? O que você quer de mim?! - a pergunta saiu em um sussurro, a voz embargada pelo medo.
Isadora parou, ainda segurando o cajado no alto, e lançou um olhar divertido para a jovem, como um predador que acabava de encurralar sua presa.
- Ah, minha querida... - começou a bruxa, com a voz rouca e arrastada, carregada de ironia. - Seu ex-namorado te fez muito mal, sabia? Ele tentou... forçá-la... depois que você decidiu abandoná-lo.
Elisa franziu o cenho, levando a mão à cabeça. Um latejar começou a pulsar atrás de seus olhos.
- Não... eu não sei do que está falando. Por que estou aqui? - Sua voz agora era uma mistura de confusão e dor. - Eu... eu não lembro de nada.
Os olhos de Isadora brilharam com um interesse renovado. Ela se inclinou ligeiramente, como se pudesse ver através da jovem.
- Você não se lembra?! - a bruxa murmurou, mais para si mesma do que para Elisa. Então, um sorriso perigoso curvou seus lábios. - Isso é... fascinante.
Elisa gemeu, apertando as têmporas. As lembranças estavam lá, como sombras escondidas atrás de uma cortina espessa, fora de alcance.
- Miguel é o responsável por você estar assim... - Isadora pronunciou as palavras com uma teatralidade calculada, observando cada reação da jovem.
- Miguel? - Elisa repetiu, como se o nome fosse uma língua estrangeira. - Eu não sei quem é. Eu quero ir para casa. Que lugar é esse?!
Ela olhou ao redor com os olhos marejados, absorvendo as paredes irregulares, as sombras dançantes, e os símbolos que pareciam arder nas pedras. Um arrepio percorreu sua espinha, e ela apertou os joelhos contra o peito.
Isadora inclinou a cabeça, com seu olhar frio como gelo.
- Você vai. Seu salvador já está a caminho. Ele será o herói que você tanto deseja.
A gargalhada que escapou dos lábios da bruxa ecoou pela caverna, e Elisa encolheu-se instintivamente. Antes que pudesse responder, Isadora avançou com um movimento fluido e pressionou o cajado contra sua testa.
A madeira parecia viva, pulsando com uma energia que queimava e gelava ao mesmo tempo. Elisa gemeu de dor, enquanto um vendaval inexplicável irrompia ao redor das duas, levantando poeira e fazendo as tochas tremeluzirem violentamente.
- Agora, volte a dormir! - a bruxa ordenou, com sua voz reverberando com uma força sobrenatural.
Elisa tentou resistir, mas o cansaço e a dor eram esmagadores. Seus olhos pesaram, sua mente foi invadida por uma escuridão que engolia seus pensamentos, e, por fim, ela desabou, inconsciente, como uma marionete cujas cordas haviam sido cortadas.
Isadora recuou e o sorriso satisfeito voltou aos seus lábios.
- Que o espetáculo comece... - murmurou, voltando a girar ao som dos tamborins, enquanto os símbolos nas paredes brilhavam com uma luz doentia, como se o próprio espaço estivesse esperando pelo desfecho daquele ritual.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top