Capítulo 1 - 📄Proposta📄
Semanas Depois...
O sol já estava baixo no horizonte, lançando sombras longas sobre a praça central de Brisa Nova. O calor do dia cedia lentamente, mas a tensão no ar permanecia densa. As bandeiras tremulavam com força, estampadas com o rosto de Renato Medeiros, o prefeito que tentava a reeleição. O povo se aglomerava em frente ao grande palco montado para o comício, aplaudindo e gritando slogans ensaiados.
No centro daquele palco, Renato levantava os braços, como um maestro regendo sua orquestra. Sua voz reverberava pelos alto-falantes, numa uma mistura de autoridade e cansaço.
- Brisa Nova é uma cidade de trabalhadores, de famílias que acreditam no futuro! - Sua voz parecia mais rouca do que de costume, sinal do desgaste de meses de campanha. - Juntos, nós construímos esse lugar! E, juntos, vamos continuar a fazê-lo crescer!
Cada palavra era calculada, como um pedreiro colocando tijolos em uma construção delicada. Ele precisava que tudo fosse perfeito. Mas havia algo por trás da fachada confiante, algo que só quem olhasse atentamente perceberia: o desespero crescente de quem via suas chances escorrerem pelas mãos.
Sua esposa, Marta, estava na primeira fila, batendo palmas com um sorriso discreto. Seus olhos revelavam o cansaço de anos ao lado de Renato, anos em que ela apoiou cada decisão, mas carregava suas próprias frustrações caladas.
Ao lado dela, Elisa aplaudia o pai com uma energia calculada, mas seu olhar vagueava pela praça, como se buscasse uma distração. Ela parecia estar em outro lugar, presa entre os compromissos familiares e seus próprios desejos. Miguel, o namorado de Elisa, estava ao lado dela, entusiasmado. Ele vibrava a cada frase do discurso, não que quisesse fazer parte daquele mundo político que detestava, más para que o futuro sogro se orgulhase dele.
Mas não muito longe dali, na escuridão da multidão, Artur Vasconcelos observava. Era um homem alto, de ombros largos, sua camisa azul escuro estava perfeitamente alinhada, a postura de quem está acostumado a controlar ambientes e pessoas. Seus cabelos negros e curtos estavam impecavelmente arrumados, e seu rosto carregava uma expressão de confiança cínica, como se soubesse mais do que os outros ao redor.
Seus olhos se moviam entre o palco e Elisa, sempre voltando para ela. O sorriso que aparecia em seus lábios era afiado, quase predatório, e, ao perceber que ela olhava de volta, ele não desviou o olhar. Pelo contrário, sustentou o contato por mais alguns segundos, como se quisesse que ela sentisse o desconforto daquele encontro.
Elisa notou o homem. Algo em sua presença fez seu coração acelerar. O sorriso que ela mantinha até então, relaxado e despreocupado, vacilou por um instante. Era um sorriso de confiança, o que ele queria transmitir. Ela piscou, surpresa, desviando os olhos para Miguel, que a puxou para um beijo leve, tentando afastar qualquer sombra de desconforto.
Quando ela se virou de volta para procurar o estranho, ele já não estava mais lá. A praça estava começando a esvaziar, e a sensação de inquietação que aquele breve encontro lhe causara ainda estava com ela.
Enquanto o público dispersava, Renato desceu do palco, limpando o suor da testa com um lenço branco. Seu semblante estava cansado, apesar dos aplausos. Marta se aproximou primeiro, envolvendo-o num abraço rápido.
- Foi um ótimo discurso, querido! - disse ela com suavidade, mas sem muita emoção.
Elisa o abraçou de forma mais distante, ainda com o pensamento no estranho que vira.
- Parabéns, papai. O senhor pareceu confiante.
Miguel, sempre efusivo, se adiantou, apertando com força a mão de Renato.
- O senhor está ganhando o povo, prefeito! Cada palavra foi perfeita!
Renato forçou um sorriso, agradecendo, mas sua expressão revelava o fardo que carregava.
Foi então que seu assessor apareceu correndo, um homem baixo, magro e agitado, com a camisa já amarrotada pela correria do dia.
- Prefeito, precisamos ir. Há uma reunião de emergência. Agora.
Renato suspirou profundamente, passando a mão pelos cabelos grisalhos.
- Mais uma?! Preciso de um tempo, Jonas. Este dia já foi longo demais.
- Não podemos esperar. Recebemos uma nova pesquisa, e as notícias não são boas! - o assessor lançou um olhar nervoso para os demais, como se quisesse evitar dizer mais na frente da família.
Renato franziu o cenho, e pela primeira vez no dia sua postura realmente vacilou. Havia algo naqueles dados que ele já temia. Com um último olhar para Marta e os outros, ele assentiu.
- Vamos, então.
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No prédio da prefeitura, o ambiente era sombrio. As luzes amareladas lançavam um brilho cansado sobre os rostos sérios que ocupavam a sala de reuniões. Ao redor da mesa, seus principais conselheiros discutiam, mas a energia estava baixa, como se o otimismo que movia as campanhas estivesse se esgotando. Renato entrou, largando-se na cadeira de couro como se carregasse o peso do mundo nas costas.
- Ok, vamos ao ponto. Qual é a situação? - sua voz saiu grave, com uma nota de frustração mal disfarçada.
O assessor puxou alguns papéis, com a mão ligeiramente trêmula.
- As últimas pesquisas mostram que estamos perdendo terreno rapidamente. O candidato da oposição está à frente em três distritos importantes... e o financiamento da campanha está quase esgotado.
Renato sentiu uma pontada no estômago, algo que ele vinha ignorando há semanas, mas agora era inescapável.
- Estamos sem dinheiro?! - ele perguntou, tentando manter a calma, mas seus olhos traíam a preocupação. - Como diabos vamos continuar assim?!
O silêncio na sala era sufocante. Os conselheiros se entreolhavam, mas ninguém parecia ter uma solução. Renato esfregou o rosto com as duas mãos, e uma onda de exaustão física e mental o atingia.
Nesse exato momento, a porta da sala se abriu com um leve rangido, e todos os olhares se voltaram para a figura que entrou. Artur Vasconcelos cruzou o umbral da porta como se fosse o dono daquele espaço, com passos firmes e uma aura de autoridade incontestável. Agora, com o seu terno de corte preciso destacava sua figura imponente, e seu olhar varreu a sala com a confiança de quem estava prestes a ditar as regras do jogo.
- Prefeito Medeiros... - ele começou, com um sorriso fino. - Parece que o senhor está em uma encruzilhada.
Renato ergueu o olhar, confuso e incomodado com a entrada inesperada. Ele já havia ouvido falar de Artur, mas aquela era a primeira vez que o encontrava pessoalmente.
- O que você faz aqui? Não quero parecer rudi, mas como vê, estamos no meio de uma reúnião. - falou Renato, com a voz um pouco mais dura do que o necessário.
Artur sorriu mais uma vez, vagarosamente, enquanto se sentava na ponta da mesa, sem esperar permissão.
- Eu vim oferecer uma solução para o seu problema. Um acordo, se assim preferir. Algo que vai não apenas garantir sua vitória... mas torná-lo intocável.
Renato o fitou com desconfiança. Ele sabia que nada naquela vida vinha de graça, e a simples menção de um acordo com Artur Vasconcelos fazia soar alarmes em sua mente. Mas ele estava desesperado. E era aí que Artur ganhava terreno.
- O que exatamente você tem em mente? - perguntou, tentando soar indiferente, mas sabendo que estava prestes a ouvir algo que mudaria sua campanha... e sua vida.
Artur inclinou-se para frente, com o brilho misterioso nos olhos.
- Um contrato... algo que beneficiará a todos. Porém, o preço pode ser mais alto do que você imagina.
A sala mergulhou em um silêncio espesso, a promessa de poder e perigo ecoava nas palavras do CEO.
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Na escuridão da noite, Artur Vasconcelos dirigia em silêncio pela estrada sinuosa que cortava a densa floresta. O farol do carro iluminava fragmentos do caminho, revelando árvores com galhos retorcidos, como mãos deformadas que pareciam tentar agarrá-lo a cada curva. A lua, parcialmente encoberta pelas nuvens, lançava uma luz pálida, quase espectral, que tornava o ambiente ainda mais soturno. O ar estava denso, impregnado de um cheiro de terra úmida e folhas apodrecidas, misturado a algo mais... algo acre e metálico que parecia vir de lugar nenhum, mas estava em toda parte.
Artur, CEO de uma das maiores empresas do país, sempre projetara uma imagem implacável e calculista no mundo dos negócios. Porém, aquela máscara escondia algo muito mais antigo e obscuro. Ele era filho de uma bruxa, um segredo que poucos ousavam sequer sussurrar. Aquela noite, ele não estava ali para nenhuma negociação comercial ou reunião de executivos. Aquele encontro era com sua verdadeira origem.
Chegando a uma clareira, parou em frente à casa de sua mãe, uma construção antiga e deformada pelo tempo, com vigas de madeira negras e paredes cobertas por musgo. As janelas, quebradas em alguns pontos, exibiam cortinas velhas e esfiapadas que balançavam, como se algo ou alguém estivesse à espreita lá dentro. Um uivo distante atravessou o ar, e o som das folhas secas esmagadas por seus sapatos ecoava pelo chão como passos de fantasmas que o seguiam.
Quando ele empurrou a porta, o ambiente o envolveu de imediato. O interior da casa era uma mistura opressiva de odores, incenso queimado, sangue velho e algo doce, porém desagradável, como flores mortas. As paredes eram cobertas por runas antigas, escritas em uma língua esquecida, e velas espalhadas iluminavam cantos sombrios, projetando sombras dançantes. No centro da sala, uma grande mesa de madeira de carvalho estava repleta de frascos com líquidos viscosos, ervas secas pendiam do teto, e uma lareira acesa rugia, lançando faíscas no ar.
Sentada em uma cadeira de espaldar alto, cercada por livros empoeirados e objetos ritualísticos, estava Isadora Vasconcelos, a mãe de Artur. Seus longos cabelos brancos eram como serpentes que se arrastavam pelos ombros, e sua pele, marcada pelo tempo, parecia quase translúcida. Os olhos, de um verde pálido, brilhavam com um mal contido, enquanto um sorriso frio deformava seu rosto. Suas roupas eram negras, largas, com detalhes de renda desgastada, mas o poder que emanava dela era algo vivo, pulsante, que dominava o espaço.
- Iniciou o jogo, Artur? - A voz dela soou baixa, quase num sussurro, mas cada palavra carregava uma força que atravessava a sala como uma lâmina. Ela se ergueu lentamente, como uma sombra ganhando vida, seus olhos se fixaram nos de Artur com uma expectativa sombria.
Artur respirou fundo, o peso das palavras de sua mãe ressoou nele como um eco de algo antigo e inevitável. Seu coração batia rápido, não de medo, mas de antecipação.
- Sim, Mãmae, ofereci a proposta. O prefeito aceitará. Ele não tem escolha.
Isadora caminhou lentamente até ele, cada passo era um eco no chão de madeira. Ela parou diante dele, tão perto que o cheiro de ervas e morte em seus cabelos se misturou ao ar pesado.
- Lembre-se, meu filho, Elisa é virgem. E nós precisamos dela intacta para o nosso propósito. A pureza dela... é o último elemento para o ritual.
Artur assentiu e um sorriso frio e calculado tomou forma em seus lábios.
- O prefeito está nas minhas mãos. Ele fará o que for necessário para manter seu poder. Amanhã mesmo darei o cheque-mate.
Um silêncio pesado se seguiu, mas havia um subtexto cortante em suas palavras, não era apenas sobre o controle político; havia algo muito mais profundo em jogo, uma força que eles estavam prestes a liberar.
Isadora colocou uma mão ossuda no ombro de Artur. Seus olhos brilhavam com uma satisfação perversa.
- Você sempre foi o meu orgulho, Artur. O homem ideal para levar nossa linhagem adiante. E a donzela... será o sacrifício perfeito.
O fogo na lareira crepitou mais alto, quase como se respondesse à intensidade do momento, e uma risada baixa e sinistra escapou dos lábios de ambos. O som reverberou pelas paredes da casa, misturando-se ao vento que rugia lá fora, fazendo as árvores balançarem como testemunhas silenciosas de algo terrível que estava prestes a acontecer.
Naquele instante, Artur soube que não havia volta. O destino de Elisa estava selado.
Aquela troca de olhares entre eles prometia maldade e destruição, enquanto as sombras na casa pareciam ganhar vida própria, dançando em antecipação ao ritual que muito em breve estava por vir.
A sala da casa de Isadora Vasconcelos estava mergulhada num nevoeiro denso, como se o ar fosse uma substância viva, cheia de intenções ocultas. A luz fraca das velas cintilava, projetando sombras distorcidas pelas paredes, que pareciam se mover com cada sussurro que saía dos seus lábios.
Agora, Isadora, de pé no centro do aposento, trajava um manto negro que se fundia com a escuridão ao redor. Diante dela, sobre a mesa rústica de madeira, repousava uma fotografia de Elisa, a filha do prefeito.
O olhar de Isadora era intenso, fixo na imagem de Elisa. Ela segurava a fotografia com dedos longos e finos, as unhas pintadas de um preto profundo que contrastava com sua pele pálida. Ao redor da imagem, símbolos antigos estavam desenhados com sangue fresco, ainda brilhando à luz das velas. A cada palavra proferida por Isadora em uma língua esquecida, as runas no chão ao redor dela brilhavam levemente, como se o poder acumulado estivesse despertando.
O cheiro no ar era pungente, uma mistura de ervas queimadas e algo que lembrava ferro, como se o sangue estivesse impregnado no ambiente. O som suave e rítmico de um tambor, tocado magicamente por forças invisíveis, reverberava pelas paredes, criando uma atmosfera opressiva, quase sufocante.
"Elisa..."
Murmurou Isadora, com a voz baixa e rouca, como se estivesse a tentar chamar a alma da jovem através do véu entre o mundo dos vivos e o dos espíritos.
"Sinta minha presença e ouça o chamado do seu destino!"
Enquanto o ritual ganhava força, a fotografia de Elisa começava a se contorcer, como se o próprio papel estivesse sendo puxado de dentro para fora, e a imagem dela, sorrindo em um dia ensolarado, se distorcia sob o poder da bruxa. O sorriso na foto parecia desvanecer, dando lugar a um olhar de angústia, como se a jovem, em algum lugar, estivesse sentindo a influência maligna e estava.
Nesse exato momento, a quilômetros dali, Elisa se encontrava numa das praças da cidade na companhia de Miguel.
O ar da noite era fresco, mas algo parecia fora do lugar.
Ela franziu o cenho, sentindo uma pressão estranha em sua cabeça, como se o ambiente ao seu redor estivesse se comprimindo.
Quando tentou dar um passo, tudo ao seu redor girou por um instante.
- Elisa?! - A voz de Miguel era um misto de preocupação e urgência. Ele estava ao seu lado em um segundo, a segurando pelo braço antes que ela caísse. - Você está bem?!
Ela piscou, tentando afastar a tontura, e colocou uma mão na cabeça, como se pudesse afastar aquela sensação.
- Eu... estou, eu acho. Só fiquei um pouco tonta de repente. Deve ser o cansaço.
Miguel franziu a testa, seus olhos escuros examinava o rosto dela com intensidade. Ele sempre teve uma intuição aguçada, especialmente quando se tratava de Elisa. Havia algo mais ali, ele sabia.
- Sente-se aqui...
Ele a guiou até o banco de madeira da praça, com suas mãos firmes e protetoras em suas costas, mas o nervosismo em sua voz denunciava o medo de que algo estivesse errado.
Elisa se sentou lentamente, com os olhos vagos enquanto respirava fundo. O ar noturno, que deveria ser revigorante, agora parecia denso, quase sufocante. Havia uma presença, algo que ela não conseguia explicar, mas sentia, como uma mão invisível que a tocava sem permissão. Ela olhou para Miguel, que se agachou ao seu lado, notando a preocupação evidente em seu rosto.
- Está melhor agora? - Ele perguntou, com a voz baixa, quase num sussurro.
Ela assentiu, mas por dentro, seu coração batia rápido. Havia algo que ela não conseguia nomear, algo que a perturbava desde aquele breve momento de tontura. Como se, em algum lugar distante, alguém estivesse olhando diretamente para ela.
De volta à casa de Isadora a bruxa, o ritual atingia seu ápice. O tambor soava mais alto, mais rápido, e a fotografia de Elisa agora estava completamente distorcida, como se a imagem estivesse sendo consumida por uma força invisível. Isadora fechou os olhos, sentindo o poder se espalhar por seu corpo, cada célula vibrava com a energia que fluía pelo ambiente.
- Ela já sente, o vínculo foi feito... - murmurou Isadora, abrindo os olhos com um brilho maligno. Ela sabia que a jovem Elisa começava a ser enredada na teia que havia tecido. Agora, era apenas uma questão de tempo.
Artur apareceu na porta, observando o final do ritual com uma expressão séria. Seus olhos brilharam de satisfação ao ver o êxito da mãe. Ele sabia que o prefeito faria qualquer coisa para salvar sua filha quando chegasse o momento, mas quando ele finalmente ceder... o destino de Elisa estaria selado.
Isadora deu um passo à frente, sorrindo sinistramente, e acariciou a foto com dedos gentis, mas ameaçadores. "Ela é perfeita. Pureza, beleza, inocência... e um coração fraco. Ela é exatamente o que precisamos para nosso propósito."
Artur riu, num som baixo e ameaçador.
- O prefeito já está em nossas mãos. Agora, só precisamos esperar pelo momento certo.
O fogo na lareira explodiu em uma dança de chamas altas e selvagens, como se reagisse à maldade presente na sala. O ar, antes denso, agora vibrava com uma eletricidade sombria. A risada dos dois ecoou pelo cômodo, cruel e cheia de antecipação, enquanto as sombras ao redor pareciam se agitar, ansiosas pelo que estava por vir.
Naquele instante na cidade, sentada ainda no banco da praça, Elisa apertou os braços ao redor de si, sentindo um arrepio subir por sua espinha. Algo estava errado, terrivelmente errado, e mesmo sem entender o que, ela sabia que aquele era apenas o começo de algo muito maior, algo que poderia destruí-la.
Distante dali, na floresta, o vento soprava levando consigo o som de risadas distantes e promessas de trevas que logo tomariam forma.
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