E assim são as compras em família capoeirista
Do Livro: Anjo Capoeirista, de CarlosAugustoReis
“Se quiser vatapá oi… Procure fazer… Primeiro o fubá, depois o dendê”
Dorival Caymmi
Eu já havia falado com meu pai que deixaríamos Ricardo em casa, antes de irmos às compras, porque eu já tinha uma quase absoluta certeza que ele estava com ideia de carregar todo mundo pro mercado e não só eu, ele e o Vitor. Meu primo Vitor já estava no banco traseiro e meu pai já estava impaciente, aliás, meu pai é o único baiano impaciente que eu conheço… Até tio Bené é mais no ritmo baiano de ser, que o seu Sebastião… Acho que meu pai deve ter nascido de sete meses, nunca vi homem tão alvoroçado.
Eu e Ricardo entramos no carro e meu pai foi avisando que passaríamos na casa do meu irmão pra buscá-lo.
— Pai, é mesmo necessário o Quinho ir também? Eu e o senhor damos conta de comprar tudo!
— Oxe, você sabe muito bem que pra todas as festas de família, a gente faz as compras todos juntos. Sempre foi desse jeito. Tua mãe diz o que vai precisar e a gente compra. O teu irmão vai com a gente e Ricardo vai junto também.
Ricardo olhou espantado de mim para o meu pai. Ele ia falar alguma coisa, mas foi interrompido pelo sogro que foi logo dizendo:
— Você já faz parte da família, então tem que participar das nossas atividades.
— Mas pai, o Ricardo tem aula! A gente ia deixar ele em casa pra ele ir pra faculdade!
Meu pai simplesmente ignorou metade do que eu estava falando, olhou pro meu namorado e perguntou diretamente a ele:
— Olhe só, meu menino, você tem alguma prova ou trabalho pra entregar nessa aula de manhã?
— Eu… Eu não tenho… As primeiras aulas… Só depois das onze horas… E o professor não… É… Ele não costuma fazer a chamada no início da aula e… Eu já tenho média na matéria dele…
Ai caralho, eu tento evitar que o meu namorado seja arrastado pro mercado junto com a gente e ele em vez de concordar comigo, entrega o ouro pro bandido… Falou tudo que o meu pai queria ouvir. Olhei para Ricardo, que me olhou resignado. Vitinho, que já estava todo animado por meu pai tê-lo trazido, ficou mais eufórico ainda quando ouviu que Ricardo ia junto.
— Primo, já que você vai mais a gente pra comprar, depois você podia voltar e ficar jogando bola mais eu. – Vitinho falou todo animado com ele. — E amanhã você vai jogar capoeira com a gente também, não vai?
Eu só balancei a cabeça em negação. Agora eram dois, meu pai e Vitor a cobrar atenção do meu namorado. Ricardo não respondeu nada, só balançou a cabeça confirmando, o que fez meu primo ficar todo animado por ter alguém que ele achava ser da idade dele para brincar, apesar do meu ruivo ser mais velho. Ah, essa carinha de bebê do Ricardo!
Já estávamos chegando na casa do meu irmão e meu pai foi parando o carro em frente. Marco já estava esperando do lado de fora e ficou admirado ao ver Ricardo e Vitor no carro. Quando meu pai parou, eu desci e passei para o banco de trás, junto do meu namorado e do meu primo.
— Eita caralho, vai a tropa toda fazer compras? – Meu irmão perguntou, enquanto entrava no carro. — Achei que só íamos nós três!
— Eu falei com o pai que dava só pra eu e ele comprar tudo, mas como sempre, fui voto vencido. – Respondi pro Quinho, que começou a rir.
— Imaginei…
— Oxe, vocês dois parem de resmungar, parecem até duas velhas reclamonas! E desfaçam esses bicos… Arre… Vocês tão ficando iguaizinhos a mãe de vocês… Tudo reclamam…
Meu irmão olhou pra mim, piscou e mandou a letra, só pra ver a reação do meu pai:
— Ah é, então deixa eu avisar a dona Maria do Céu que o marido dela tá dizendo que ela é uma velha reclamona…
— Ó paí ó, tu nem sonhe em fazer isso, Marco Aurélio!
Eu caí na gargalhada ao ver a cara de desesperado que meu pai ficou, e dei mais corda ainda.
— Deixa que eu ligo, Quinho… Tenho que pegar a lista de compras com a “Mainha reclamona”…
— Nem com a porra vocês vão fazer isso… Vambora pro mercado ligeiro, viu, seus dois fuleiros…
Meu pai saiu com o carro, enquanto eu, meu irmão e Vitinho ríamos como três malucos, Ricardo ficou quieto, se controlando para não rir. Eu parei de rir e estranhei o meu pai pegar a Linha Amarela pra ir ao mercado. Meu irmão se antecipou a mim e foi logo perguntando:
— Pai, pra que pegar a Linha Amarela, se a gente tá indo no mercado?
— Rá-te-pá porra, que eu não vou comprar peixe e camarão em supermercado, rapaz. Tamo indo pra Niterói, comprar no mercado São Pedro, lá tem peixe fresco!
— Mas e as outras coisas, pai? Vamos comprar na feira? – Perguntei, porque a lista de compras que minha mãe tinha deixado não tinha só peixe e camarão.
— Depois a gente vai no CADEG pra comprar o restante das coisas.
Pronto, já vi que não vou chegar no trabalho na hora do almoço nem que eu vá de helicóptero. E Ricardo foi dar mole pro meu pai, também duvido que consiga ir a aula. Vitor tava feliz da vida, achou que ia só ao mercado, e agora já está fazendo um verdadeiro passeio. Olhei pro meu irmão, que deu de ombros, como se dissesse “Tu sabia que isso ia acontecer… Vacilou, mermão!” e riu.
Não pegamos trânsito na Linha Amarela e em menos de quinze minutos já estávamos na Linha Vermelha, quase chegando na ponte Rio-Niterói. Na ponte, como estávamos no contrafluxo, também fomos rapidamente. Só levamos um tempinho ao passar pelo pedágio. Meu primo estava todo animado e acabou animando meu namorado e meu irmão. Quinho ria do jeito que Vitor falava com Ricardo, como se meu ruivo tivesse a idade dele, e ele respondia tão naturalmente, sem a timidez que sempre demonstrava com pessoas que ele não conhecia bem.
Chegamos em Niterói e paramos o carro em um estacionamento bem próximo ao Mercado São Pedro. Fomos em direção às peixarias do Mercado e meu pai já foi arrastando Vitor e Ricardo junto com ele. Eu e meu irmão fomos atrás do trio, até porque se deixássemos por conta do meu pai, ele ia comprar peixe pra um batalhão e não só pra um almoço. Era melhor controlar o coroa…
— Ricardo já acostumou com o nosso pai, antes ele ficava vermelho com qualquer demonstração de carinho, agora olha lá, se o painho desse a mão pros dois, ele ia pegar e sair que nem pai e filho, sem medo nenhum. O Vitinho sempre foi agarrado com o painho desde que conheceu ele, então ia pegar a mão de painho de qualquer maneira, já o teu namorado, tá se rendendo cada vez mais aos carinhos do “pai Sebastião”. – Quinho comentou. — Agora tão os três, painho levando os dois como se fosse pai deles.
— Eu já esperava isso. Desde o meu namoro com o Lipe que o pai trata todos os meus namorados como se fossem da família mesmo, mas com o Ricardo, foi desde o primeiro dia. E não foi só o pai, mainha também tá mimando ele como filho…
— Vamos lá, eles entraram naquela peixaria… Não é bom deixar painho comprar as coisas sozinho, porque você sabe que ele exagera!
Entramos atrás dos três na peixaria e vimos que meu pai já estava escolhendo o peixe, numa conversa animada com o peixeiro.
— E aí, já escolheu o peixe que vai levar? – Quinho quis saber.
— Vou levar robalo, acho que uns cinco quilo é o bastante.
— Cinco quilos, pai? É muito! Não é moqueca que vai ser feita… É vatapá! Ainda tem o camarão! – Falei, lembrando da lista que minha mãe mandara.
— É, painho… Marcinho tá certo. Melhor levar só dois quilos do peixe.
— Oxe, mas vem meio mundo de gente…
— Pai! – Eu e Quinho falamos ao mesmo tempo.
— Tá bom, vocês vão ficar de casquinhagem mesmo… Então meu bom, pese esse robalo aqui! E vou querer mais cinco quilos de camarão cinza e um quilo de camarão VG.
— Caralho, pai… Mainha vai cortar seu saco se a gente chegar com cinco quilos de camarão para ela limpar! Eu que não vou encarar mainha com isso… – Quinho falou e eu concordei com ele. Ricardo e Vitor não falavam nada, só ficavam olhando pra nós três.
Virei pro peixeiro e pedi só dois quilos de camarão cinza, mas meu pai insistiu em levar mais um quilo de camarão VG. O cara estava se divertindo vendo a luta, minha e do meu irmão, em controlar as loucuras do meu pai, apesar de não ter vendido os onze quilos de peixe, que ele teria vendido, caso não chegássemos a tempo.
— Bom, o peixe já foi! – Falei, conferindo a lista de compras que mainha tinha me passado, depois de termos pago o peixe.
— Vamos ali em cima, que tem uma sardinha frita que é pra comer rezando! – Meu pai comentou, puxando Vitor e Ricardo com ele.
Olhei pro meu irmão, que me olhou, riu e comentou:
— Pois é… Tamo fudido e mal pago… Bora logo atrás deles, pelo menos a gente come uma sardinha frita e toma uma cerveja, porque eu não vou dirigir de volta pro Rio e muito menos você. Seu Sebastião inventou de vir comprar peixe em Nikity, então ele vai ver a gente bebendo uma cerva gelada e vai ter que ficar de bico seco porque vai dirigir na volta!
— É a vingança dos irmãos Sampaio da Silva! – Falei rindo, enquanto cumprimentava meu irmão com um soquinho.
Fomos atrás deles, que já estavam no restaurante e meu pai já tinha pedido duas porções de sardinha pra todos nós. Me sentei ao lado do meu ruivo, dei um beijo em sua bochecha e fiz carinho em sua mão.
— Meu primo, você tem certeza que seu namorado é quase da sua idade? – Vitor me perguntou.
Eu ri e foi Ricardo que respondeu a ele.
— Eu só pareço mais novo, mas eu tenho dezenove anos.
— Poxa, eu achei que você tivesse só uns quinze, aí não era tão mais velho que eu… Eu faço treze em dezembro… Tem certeza que vai querer jogar bola comigo?
O garçom chegou com as porções e perguntou o que iríamos beber. Quinho pediu uma cerveja para ele e pra mim e antes que nosso pai falasse alguma coisa, pediu três refrigerantes para eles. A cara que nosso pai fez, levou nós quatro às gargalhadas, deixando o garçom sem entender nada.
— Ó paí ó… – Painho começou a falar, quando Quinho o interrompeu:
— Ó paí ó nada! O senhor é o motorista da vez… Ninguém mandou atravessar a “poça” só pra vir comprar peixe… Gelada só em casa… Vai ficar na Coca-Cola…
Eu tava quase me mijando de tanto rir.
— Oxe, então se não tem jeito… Me traga um Guaraná… Pelo menos a cor é mais parecida com cerveja!
O garçom voltou rapidamente com as nossas bebidas e começamos a comer, porque ainda faltava muita coisa pra comprar. Enquanto comíamos a sardinha, eu e Quinho conferíamos a lista que mainha tinha mandado.
— Mainha separou os ingredientes da lista por prato e não colocou as quantidades, porque ela me disse que o painho sabia quanto de cada coisa teria que ser comprado. – Falei com meu irmão.
— Bom, o peixe e o camarão vão ser usados no vatapá, né? – Falou, enquanto comia uma sardinha. — Me mostra logo essa lista.
— Beleza… Tá aqui. – E mostrei a lista que minha mãe tinha me mandado.
Vatapá:
- azeite de dendê
- coco (ou leite de coco)
- camarão seco
- camarão fresco
- garoupa, robalo, namorado ou dourado
- amendoim torrado / castanha de caju
- cebola/alho
- pão amanhecido
- pimenta/gengibre
- coentro e cheiro verde
Caruru:
- quiabo
- amendoim torrado / castanha de caju
- camarão seco
- tomate / pimentão / cebola
- gengibre / pimenta
- cebolinha e coentro
- limão
- azeite de dendê
- sal/alho
Acarajé:
- feijão fradinho
- cebola
— Caralho, tem muita coisa repetida. E mainha não colocou a quantidade de nada. – Meu irmão comentou.
— Ela sabe que o pai tem noção da quantidade de cada ingrediente e tem a confiança que a gente vai controlar os exageros dele. Sempre foi assim, desde que a gente começou a vir nas compras com ele. E nem tem tanta coisa assim, a maioria é tempero. Tipo alho, pimenta, sal…
— Então, conforme a gente for comprando, tu vai ticando o que já foi, pra facilitar.
— Já é! A gente podia ver se achava o camarão seco logo por aqui, aí já matava essa parte de peixe de uma vez.
Enquanto eu e Quinho verificávamos a lista de compras, meu pai ficou só observando a conversa do meu primo Vitor com o Ricardo. Os dois pareciam que tinham a mesma idade, porque o Vitinho, apesar de só ter doze anos era um garoto bem desenvolvido e Ricardo, apesar de mais velho, aparentava ser bem mais novo do que era.
Acabamos os petiscos e depois de pagarmos a conta, saímos e fomos em busca do camarão seco. Por sorte, o garçom do “Sardinha” (esse não era o nome do restaurante, foi só o modo de explicar) disse que nós acharíamos sim camarão seco em uma das lojas do Mercado de São Pedro. Ele nos indicou a peixaria onde tinha e fomos lá para comprar e poder voltar pro Rio para finalizar as compras. Dessa vez, eu e meu irmão nos antecipamos ao nosso pai e entramos na peixaria já pedindo somente dois quilos do camarão seco. Porque se fôssemos deixar por conta do seu Sebastião, era certo dele pedir no mínimo uns cinco quilos do produto.
Meu pai veio atrás de nós, junto com Ricardo e Vitor. Em certos momentos era engraçado de ver, porque meu namorado é todo tímido e meu pai, junto com o Vitinho, são bem despachados e conversavam com todo mundo que eles encontravam pela frente. Pro meu primo estava sendo uma grande brincadeira, pois ele ficaria junto com minha mãe na pensão enquanto ela trabalhava, mas como painho resolveu trazê-lo junto, ele estava se divertindo horrores.
— Já riscou o que a gente já comprou? – Meu irmão perguntou.
— Já, acho que daqui do mercado de peixe já foi tudo. Pena que eu não sei onde tem uma feira livre aqui em Niterói. Senão a gente já matava a lista toda e não precisaria passar ainda no CADEG.
— Pois é, vamos ter que ir lá de qualquer maneira.
Nosso pai nos interrompeu, vindo perguntar o que estávamos falando. Quinho respondeu que já podíamos voltar pro Rio, pois os peixes já estavam comprados.
— Bora ver o resto das porras, já que vocês não vão me deixar beber uma cervejinha… – E saiu andando acompanhado do Vitor.
— Fazer o quê, né… – Olhei pro meu irmão e falei rindo. Abracei Ricardo por trás e falei em seu ouvido, deixado meu ruivo arrepiado. — Bora anjo, pelo visto essas compras ainda vão render!
— Vamos lá, senão o pai deixa a gente pra trás… Ele ficou mordido porque a gente não deixou ele beber uma gelada… – Marco concluiu.
Fomos andando atrás do meu pai e do meu primo. Eu abraçado com Ricardo e Quinho ao nosso lado, zoando o nosso pai. Chegamos no estacionamento e enquanto meu pai guardava o que tínhamos comprado nos dois coolers que ele tinha trazido na mala, eu aproveitava pra namorar um pouquinho com Ricardo, já que seu Sebastião tinha dado uma trégua e libertado meu ruivo dos abraços paternos…
— Aff, vocês não quetam o facho… Parece até meus painhos que não se largam um instante! – Vitinho falou, quando eu dei uma série de selinhos no meu ruivo.
— Ih, olha só… O moleque tá com ciúmes… – Meu irmão falou, dando uma gargalhada, dando um abraço no garoto, deixando nosso primo totalmente envergonhado. — Vem cá, priminho… Quando a gente chegar em casa, vamos treinar um pouquinho de capoeira, só pra ver se você vai poder jogar com a gente amanhã!
— Pronto, apois venha, que eu sou baiano! Tenho dendê no sangue! – Ele falou todo saidinho depois da provocação do meu irmão.
Ficamos eu, Ricardo e Quinho rindo do jeito de galinho de briga que Vitor tomou. Meu pai terminou de guardar os peixes e resmungou que já estava pronto para irmos. Ele não gostou nada de ter que beber refrigerante. Vai resmungar até chegar em casa. Bom, ninguém mandou ele cruzar a ponte só pra comprar peixe…
Voltamos pro Rio e quando estávamos deixando a ponte, meu pai optou por pegar a avenida Brasil pois seria mais rápido de chegar em Benfica, onde fica o CADEG, em vez de ir pela Leopoldina e pegar muito trânsito até chegar lá. Realmente não pegamos quase nenhum trânsito naquela hora e em menos de quinze minutos tínhamos chegado lá. Pro meu primo era tudo novidade, já que era a primeira vez dele no Rio de Janeiro, mas eu fiquei admirado por Ricardo também não conhecer o lugar.
— É sério que você nunca veio aqui? – Perguntei a ele.
— Não, é a minha primeira vez. O Sérgio e o Edu sempre me falaram daqui, mas eu nunca vim.
— Oxe, eu pensei que fosse igual ao Mercado Modelo, lá de Salvador, mas é igual ao Ceasa!
— É porque isso aqui era o “Centro de Abastecimento do Estado da Guanabara”, do tempo que a cidade do Rio de Janeiro era o estado da Guanabara, antes da fusão com o estado do Rio. – Quinho explicou pro Vitinho.
— Oxe, vamos deixar a explicação histórica pra mais tarde e vamos comprar logo o que falta. – Meu pai resmungou, provavelmente ainda irritado por não termos deixado ele beber a cerveja.
— Beleza, vamos lá. – Respondi.
— Melhor a gente comprar os secos duma vez. Vê a lista aí Márcio! – Quinho pediu.
— A gente tem que pegar o feijão fradinho pro acarajé, amendoim e castanha de caju pro vatapá e pro caruru. Qual a quantidade, pai?
— Vocês não vão ficar de casquinhagem? – Ele falou quando entramos na loja que vendia castanha de caju e amendoim.
— Não é ser pão duro, pai, mas imagina a gente chegando em casa com onze quilos de peixe, a mãe ia cortar nossos sacos e fazer carne moída… Descascar cinco quilos de camarão é pra deixar qualquer um maluco… – Falei, repetindo o comentário que meu irmão tinha feito.
— Tá bom, tá bom! – E virando para o cara da venda: — Rapaz, me veja dois quilos de amendoim sem casca, um quilo de castanha de caju. E vocês tem feijão fradinho?
— Temos sim. – O vendedor respondeu.
— Então me veja, hum… – E olhou pra mim e pro Quinho. — Três quilos de feijão fradinho.
— Tica aí Márcio, amendoim, castanha e feijão fradinho. – Quinho me lembrou, fazendo sinal de positivo pro nosso pai.
— Já é! Agora os temperos, os legumes e o azeite de dendê.
Pagamos as compras e fomos pra uma outra loja comprar logo o azeite de dendê. Ricardo comentou comigo que Edu e Sérgio vinham muitas vezes num dos restaurantes portugueses que tinha por lá.
— Tá faltando pouca coisa pra comprar, quando a gente terminar, vamos num que faz o melhor bolinho de bacalhau daqui. – Comentei com meu namorado.
— Oba, aí vai ser massa! – Vitinho falou, todo animado.
— Caralho moleque, é só falar em comida que tu já fica todo aceso… Porra, o padrinho deve tá gastando todo o salário com o rango desse poço sem fundo… – Meu irmão comentou.
— Oxe, eu tô em fase de crescimento! – Vitinho respondeu, fazendo que todos nós ríssemos.
Meu pai saiu da loja com as garrafas de azeite de dendê, que foi o único item que nós não regulamos a quantidade que painho comprou, porque além de entrar na preparação do vatapá e do caruru, ele ainda seria usado para fritar o acarajé.
— O que tá faltando ainda da lista? – Ele me perguntou.
— Pera aí pai… Deixa eu ver aqui… Quiabo, tomate, cebola, pimentão, alho, gengibre, pimenta, coco, limão, coentro e cheiro verde…
— Sua mãe disse se é pra levar coco pra ela fazer o leite de coco ou se tem que comprar o leite de coco já pronto?
— Na verdade ela não disse… Ela só falou que o senhor sabia muito bem o que ela achava melhor.
Entramos em uma loja de hortifruti e fomos escolhendo os ingredientes restantes. Meu pai foi escolher o quiabo e pediu que o vendedor pesasse dois quilos e meio. Enquanto ele escolhia o quiabo, eu, Quinho, Ricardo e Vitor pegávamos o restante das coisas: um quilo de tomate, meio quilo de pimentão, dois quilos de cebola, quatro cabeças de alho, uma raiz de gengibre, uns quatro limões, o coentro e o cheiro verde. Separamos tudo e demos ao vendedor para ver quanto seria.
— Quinho, será que dois quilos de cebola são suficientes? Porque na lista que mainha me passou, a cebola vai na preparação do vatapá, do caruru e do acarajé.
— Melhor pegar um pouco mais, se sobrar não tem problema. A mãe usa cebola em tudo, não tem risco de estragar. – Meu irmão me tranquilizou.
Enquanto eu e meu irmão pagávamos o que tínhamos comprado, meu pai foi com o Vitor e Ricardo em outra loja comprar o coco seco, porque na loja onde estávamos só tinha coco verde, e mainha precisava de coco seco para fazer o leite de coco. Pagamos as compras e ficamos esperando eles voltarem, porque já tínhamos fechado a lista de compras. Quando eles voltaram com o coco, meu pai falou para colocarmos as compras na mala do carro e irmos até o restaurante que tinha um dos melhores bolinhos de bacalhau do Rio de Janeiro, na minha opinião. Guardamos as compras no carro e fomos pro restaurante. Nosso pai já estava todo animadinho, quando meu irmão lembrou:
— Painho, não vai se esquecer: motorista do dia…
— Ave-Maria, vocês não dão trégua…
Rimos da cara de desolação que nosso pai fez e nos sentamos na mesa que o garçom nos indicara.
— Os senhores vão almoçar? – Nos perguntou o garçom.
— Oxe, ainda estamos decidindo, mas traga duas porções de bolinhos de bacalhau, pra gente ir beliscando. – Painho respondeu.
— E pra beber?
Como eu ainda iria pro trabalho, falei pro garçom que queria um refrigerante, pedido seguido por meu pai, Ricardo e Vitor. Quinho pediu uma cerveja. O garçom foi pegar nosso pedido enquanto decidíamos se iríamos almoçar ou não.
— Acho melhor a gente almoçar por aqui mesmo, já é quase meio-dia, se a gente for deixar pra almoçar em casa, vamos comer lá pelas duas da tarde. – Foi a opinião que o meu irmão deu.
— Oxe, é o melhor a fazer, principalmente porque você vai daqui pro trabalho. Eu e teu irmão pedimos folga hoje e vamos daqui pra casa pra adiantar os preparativos do almoço de amanhã. Vito vai pra casa com a gente. – Foi a vez do meu pai argumentar.
— Oxe oxe… Tô numa larica só… Num aguento esperar pra comer quando chegar em casa não… Foi uma paletada da porra que a gente deu…
Tive que rir da cara de pau do meu priminho, o moleque é uma figuraça.
— Anjo, tu vai pra aula daqui?
— Acho que não, amor… Só teria mais uma aula na parte da tarde, e já tenho média na matéria.
— Que massa, primo… Então você vai bater o baba mais eu, quando a gente voltar?
Ricardo não entendeu nada que o Vitinho falou e meu irmão teve que explicar pra ele que “bater o baba” era o mesmo que jogar bola. O garçom veio trazendo o nosso pedido e quando meu pai confirmou que iríamos almoçar, ele nos deu uma sugestão de três pratos: Bacalhau ao Zé do Pipo, Churrasco Misto ou Baião de Dois com Carne de Sol.
Acabamos escolhendo Churrasco Misto, e enquanto o garçom fazia o pedido, nós degustávamos os bolinhos de bacalhau. O nosso pedido não demorou muito e logo estávamos almoçando.
Depois que almoçamos, fomos embora. Meu pai me deixou no ponto de ônibus. Quando fui me despedir de Ricardo, meu primo perguntou se a gente não se cansava de ficar se beijando o tempo todo, fazendo meu pai e meu irmão caírem na gargalhada e Ricardo ficar vermelho de vergonha.
— Primo, é que você é muito novo, mas quando você crescer mais um pouco e gostar de uma pessoa, você também vai querer ficar beijando ela o tempo todo! – Falei, dando um beijo na bochecha do moleque, que ficou sem graça também.
Beijei novamente meu namorado e desci do carro. Eles voltaram pra casa e eu fui direto pro trabalho. Quando voltar mais tarde, vejo com Ricardo se ele vai querer voltar pra república ou se vai dormir mais uma noite comigo. E o almoço de amanhã promete…
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