29. um homem apaixonado, julgado por amar
[AVISO: esse capítulo contém cenas descritivas de homofobia, como termos pejorativos, violência, assim como mostra descrições de uma crise de ansiedade. Tais elementos podem causar gatilho, continuar a leitura é uma responsabilidade sua.]
Você ainda permanecerá o mesmo, ainda que o tempo passe?
Como na primeira vez em que nos encontramos
Se estivermos juntos, até o deserto poderia virar oceano
Assim como nós éramos antes
(Letter - Jimin)
♡
Os dias seguintes passaram voando como um jatinho cortando os céus. Os dias se tornaram semanas e as semanas estavam quase se tornando um mês. Quase um mês de finais de semana regado a risos e álcool, quase um mês de noites intensas e promessas veladas com sorvete de chocolate e vinho barato. Quase um mês chamando Taehyung de seu, e Yoongi sentia como se tivesse o conhecido ontem. O tempo é estranho, ora parece passar lentamente como uma espécie de tortura pessoal, ora passa rapidamente, como borrões.
Ele encarou o rapaz dormindo ao seu lado e suspirou. Estava aproveitando bem aquele tempo? Estava sabendo valorizar cada sorriso, cada toque, cada piada sem graça num dia ruim? Eles estavam fazendo do jeito certo? Não sabia, era difícil ter a certeza de tudo no mundo. Talvez as brigas por besteiras fossem um reflexo disso, de que ainda não sabiam muito sobre essa coisa de relacionamento. No entanto, estavam tentando. Eles resolviam todos os conflitos com uma conversa madura, e lembravam-se constantemente do motivo de estarem juntos.
O celular do músico começou a vibrar sobre a mesinha ao lado da cama e ele buscou-o com rapidez ao notar o nome de Elijah no visor. Não era comum ligações dele aos domingos, por isso franziu o cenho ao abandonar o aconchego da cama de Taehyung para atender o telefonema. Algo tinha acontecido, ou aconteceria. As ligações de Elijah em finais de semana nunca eram sinônimos de coisas boas.
A sala estava vazia, Namjoon provavelmente não acordara ainda ou estava na cozinha preparando algum chá de alguma erva de origem duvidosa porque tinha certeza que era saudável. Yoongi fechou a porta do quarto com suavidade para não acordar o rapaz dorminhoco e atendeu a chamada.
— O que aconteceu? — questionou preocupado, tentando ligar os pontos na sua cabeça de uma possível tragédia e o que havia acontecido para tal feito.
— Seu namorado aconteceu, Yoongi. — seu assessor exclamou, cansado, e Yoongi franziu ainda mais o cenho. — A Inglaterra descobriu que o ex da princesa tem um namorado e todos foram à loucura. Só se falam disso em todo canto, eu achei que ia querer saber.
Yoongi suspirou pesadamente, passando a mão pelo rosto de maneira nervosa. Merda, mil vezes merda. O pai de Taehyung não sabia sobre a sexualidade do filho, e isso o fez temer pelo pior. Oliver Kim não era alguém muito afetuoso, pelo que o londrino contara.
— Mas como, Elijah? — o músico caminhou pela sala, parando próximo à janela. Foi então que uma luz se acendeu na sua cabeça, enquanto encarava os carros passando na avenida. Estava tão preocupado com Taehyung que acabou se esquecendo que sua cabeça também estava a prêmio. — Espera, se eles sabem sobre nós, também sabem sobre mim?
— Alguém tirou uma foto de vocês no jardim do Central Park, e vocês estavam bem... íntimos. E não, seu rosto não apareceu por um milagre cósmico e o sol refletiu bem na sua cara. Você é um fodido sortudo, sabia?
— Isso não me tranquiliza, Eli. — Yoongi penteou o cabelo para trás em um ato claro de nervosismo, ainda analisando a cidade calma pela janela do apartamento dos meninos. — Taehyung... não sei como ele vai reagir. Ninguém gosta de ser arrancado do armário à força, Elijah.
— É, isso é uma merda mesmo. — Yoongi ouviu um suspiro do outro lado da linha. — Sabe, aproveitando o gancho sobre sexualidade, você já pensou sobre você?
— Sobre mim?
— É, seu tapado. Você não sabe porque eu limpo sua barra todas as vezes, mas a imprensa está de olho em você. Já subornei dois paparazzis diferentes que ficaram extremamente curiosos sobre o que você tanto faz no Uptown.
Yoongi suspirou alto, refletindo sobre como seu domingo havia virado de ponta cabeça de uma hora para outra e ainda eram sete horas da manhã. Ele só queria descansar, mas tinha um escândalo envolvendo o nome do namorado e pessoas se intrometendo na sua vida amorosa.
— O que você quer dizer, Elijah? — exclamou cansado. — Você não adora dizer que esse é o seu trabalho? Me manter longe de problemas.
— Sim, esse é o meu trabalho e eu não estou reclamando disso. — Elijah pareceu ofendido, Yoongi ponderou se deveria se desculpar por soar meio rude, mas resolveu ficar apenas em silêncio. — Só que... corre o risco de você ser descoberto algum dia, já pensou nessa possibilidade? Eu não sou mágico, tampouco o Super Homem, existe o risco, Yoongi. Então, eu quero te perguntar, você quer se esconder para sempre? Não tô tentando te tirar do armário, só estou te pedindo para pensar a respeito. Você tem levado esse seu romance a sério demais, cara, você compôs a porra de uma musica para ele. Então... pense um pouco, Yoongi. O que você quer fazer?
— Eli, você está... se preocupando comigo?
— Estou apenas fazendo meu trabalho. — e desligou.
Yoongi ficou um tempo encarando a tela escura do seu celular e refletindo nas palavras do seu assessor. O que ele queria fazer? Se esconder para sempre? Fingir ser algo que não era para atrair um público? Até quando? E por quê? Taehyung o fazia se sentir bem, sentia que poderia conquistar o mundo ao lado daquele homem. Então, ele seria capaz de ser corajoso e mostrar todas as suas cores ao mundo? Não, talvez esse fosse um passo longo demais...
Ainda sim... Tinha a música. A música que vinha trabalhando durante todo esse tempo e que já estava praticamente pronta. Era sobre seu amor, sobre Taehyung, para Taehyung. Jurou a si mesmo que jamais seria capaz de mostrar aquela faixa a alguém além do londrino, mas... as palavras de Elijah martelavam na sua mente como um eco de um grito em uma montanha. O que ele queria?
Yoongi queria mostrar aos seus fãs o que era o amor.
[...]
Taehyung saiu do quarto com os olhos inchados e cabelo desgrenhado. Encontrou Yoongi parado perto da janela, vestindo uma camiseta sua e encarando a rua abaixo de si com um olhar distante. Sorriu, jamais se cansaria de admirá-lo todos os dias como se aquela fosse a primeira vez que o via. Yoongi Min era bonito demais para não ser reverenciado como um rei.
— Que bonitinho, um gay babão. — uma terceira voz sobressaiu-se, assustando os dois rapazes na sala. Jin soltou um risinho, parado na porta da cozinha com uma xícara fumegante em mãos. — Bom dia, gays.
— Você não tem casa? — Taehyung perguntou, ao se aproximar do namorado e enlaçar sua cintura com os braços.
— Não, e pelo visto o Yoon também não. — Jin soltou um risinho antes de sorver o conteúdo da xícara em sua mão.
— Jin, por que você não vai a merda?
A campainha tocou, mas ele não ousou se mover. Estava muito confortável em inspirar o aroma cítrico da pele de Yoongi, mesmo que o fato dele estar estranhamente silencioso naquela manhã fosse um tanto preocupante. Yoongi não era de falar muito de manhã, mas nunca ficava quieto diante das provocações de Jin Reed. O som irritante da campainha soou novamente, duas vezes seguidas, fazendo os rapazes franzir o cenho.
— E por que vocês não atendem essa porta? — Namjoon surgiu da cozinha, já caminhando em direção a porta de entrada a passos pesados. — Já vai! Que pessoa chata, meu Deus.
— Será que é o Jimin? — Taehyung perguntou curioso, desvencilhando-se lentamente de Yoongi e tentando ver quem apareceria na porta quando Namjoon a abrisse.
— Sei não, parece muito desesperado para ser ele. — Jin respondeu, ao mesmo tempo que a campainha soou repetidas vezes em um tique irritante.
— Amor, eu preciso te contar uma coisa... — Yoongi finalmente abriu a boca, chamando a atenção de Taehyung para si. Sua voz tinha um tom receoso, quase temeroso. O londrino franziu o cenho.
No entanto, Namjoon exclamou um palavrão quase que em um grito e isso surpreendeu a todos, pois o rapaz nunca xingava. Jin desencostou-se da porta em uma postura alarmada e Yoongi arregalou os olhos quando uma voz imponente soou pela casa como um trovão:
— Onde está esse inútil?
Taehyung sentiu as pernas amolecerem ao reconhecer aquele sotaque, o tom rude e grave inconfundível. Ele sempre o chamava assim quando o garoto tinha alguma crise causada por dias chuvosos, gritava o quanto Taehyung era inútil por não conseguir controlar seus medos, por ainda chamar pela mãe como um bebê chorão.
Ele só tinha onze anos... Nenhuma criança traumatizada dessa idade deveria ouvir palavras tão duras.
Oliver Kim apareceu em seu campo de visão e Taehyung deu um passo para trás por reflexo. A figura intimidadora tinha o rosto vermelho, e os olhos azuis faiscavam de uma fúria que jamais viu. O rapaz começou a repassar em sua mente tudo que havia feito até ali, procurando uma razão para que seu pai o encarasse com tanto ódio daquela forma, mas não encontrou nada. Encarou Yoongi, ele estava pálido e com olhos surpresos. Oliver poderia ter descoberto sobre ele? Mas como?
Namjoon surgiu atrás do homem, reclamando sobre ele não ter modos e entrar em sua casa como um caminhão desgovernado. Taehyung não o encarou, fincou seus olhos no pai como se quisesse pedir perdão, pedir abrigo, seu olhar pedia muitas coisas.
— Pai...
Oliver não o ouviu, como todas as outras vezes. Caminhou até ele a passos rápidos, com uma expressão nada amigável. Taehyung já sabia o que viria a seguir, aquilo sempre acontecia desde que sua mãe se foi. Fechou os olhos, esperando pela dor, pelo castigo que sabia que não merecia, mas não recuou. O tapa veio forte, Taehyung sentiu até mesmo sua cabeça girar por alguns segundos. As lágrimas borraram sua visão e seu estômago revirou, sentiu vontade de vomitar. Escutou expressões surpresas, mas não foi capaz de erguer a cabeça para encarar qualquer um. Sentia-se envergonhado.
— Não me chame assim! Você me envergonhou tanto que me recuso a chamá-lo de filho! — a voz dura e ríspida de Oliver Kim soou pelo silêncio do apartamento. Taehyung não o encarou, sentindo o rosto arder e as lágrimas descerem pelas suas bochechas em caminhos dolorosos. — Já não bastava ter terminado com a princesa daquela forma tão patética, agora resolveu virar um viadinho? O meu nome agora é sempre citado para falar dessa sua imundice! Tem ideia do que você fez? Tem ideia do que causou na empresa? Todos me olham quando eu passo e adivinha? Eles riem, Taehyung! Eles riem porque isso tudo é um absurdo!
Taehyung finalmente encarou o responsável por tanto ódio, sentindo não somente sua bochecha doer, mas também seu coração. Era mesmo tão absurdo amar? Era mesmo tão vergonhoso ter um filho corajoso o suficiente para escolher amar livremente? Por que o amor incomodava tanto?
— Foda-se. — o rapaz murmurou, em um súbito ato de coragem. Oliver deu um passo na sua direção, olhos arregalados em fúria, mas Taehyung não se intimidou.
— O que disse?
— Foda-se a sua empresa de merda, foda-se seu império, foda-se a porra da Inglaterra! — ele gritou, assustando todos os presentes na sala. — Eu tô pouco me fodendo para você ou para o que o mundo pensa sobre mim!
— Ora seu... — Oliver ameaçou dar mais um passo na direção dele, já erguendo a mão novamente, mas Yoongi atravessou na sua frente com um olhar mortal.
— Se tocar nele de novo, eu vou chamar a polícia.
O homem soltou um risinho amargo, deixando o clima do ambiente ainda pior.
— Ah, você vai chamar a polícia? — desdenhou e riu novamente, seco, sem humor. Taehyung sentiu novamente um embrulho no estômago. — E quem é você? O outro viadinho que anda com esse imprestável?
— Homofobia é crime, sabia?
— Vocês me dão nojo.
— Oh, é recíproco.
Taehyung observava seu namorado e seu pai se encarando como se quisessem se matar e sentiu algo dentro de si morrer. Sempre temeu não ser aceito por ele por gostar dos dois gêneros, mas ter a confirmação disso diante dos seus olhos era demais para ele. Os olhos carregados de ódio voaram na sua direção e ele engoliu em seco.
— A partir de hoje você não é mais meu filho. Dê adeus a todas as suas regalias, meu dinheiro você não terá mais.
O homem se virou para ir embora, lançando um último olhar de desprezo na direção de Yoongi, mas o riso de Taehyung lhe fez parar na metade do caminho e encarar o filho como se ele fosse louco.
— Nunca toquei no seu dinheiro. — exclamou, com amargura. — Minha vida em Nova York é bancada pelo que minha mãe deixou para mim, e nisso você não pode tocar.
Taehyung viu seu pai travar a mandíbula em fúria, assim como assistiu ele deixar o apartamento a passos rápidos e bater a porta com força. Sua visão embaçou novamente, sua boca amargou e sentiu o mundo ao seu redor girar. Yoongi lhe tocou, falou alguma coisa, mas ele não conseguiu compreender nada. Seu rosto era um borrão, sua voz um zumbido distante. O ar se tornou arenoso, seu estômago revirou e ele colocou a mão na boca sentindo que vomitaria a qualquer momento.
Seu pai o odiava, e ele nunca fez nada para merecer tanto. Seu pai, aquele que deveria lhe amar incondicionalmente, aquele que lhe deu a vida, o desprezava como se ele fosse um rato de esgoto. Taehyung desvencilhou-se de Yoongi, sentindo-se sufocado, enjoado e frustrado. Correu até o banheiro, o rosto molhado e a bile subindo pela garganta. Ele era só uma criança quando a mãe partiu, era só um garoto assustado quando conheceu Yoongi e agora era só um homem apaixonado, julgado por amar, condenado por escolher o amor. Taehyung se ajoelhou aos pés do vaso sanitário, depositando ali tudo o que sentia naquele momento. Toda a dor, toda a frustração, toda amargura, todo o nojo do mundo odioso que vivia.
Por que o amor incomodava tanto?
[...]
Ele assistiu Taehyung vomitar e chorar com o coração partido, levou-o para cama, lhe abraçou com força tentando transmitir todo o amor que sentia. Namjoon trouxe um chá de camomila, Jin o abraçou e disse algumas palavras de conforto antes de deixá-los sozinhos no silêncio daquele quarto. Yoongi encarou o namorado escondido atrás da xícara intocada do chá e suspirou. Seu amor estava na sua frente, com olhos quebrados e a expressão desolada. Queria ter o poder de curar suas feridas, de dividir sua dor como faziam com um pote de sorvete. Yoongi quis dizer muitas coisas naquele momento, mas ele apenas buscou a mão que descansava suavemente no colchão e entrelaçou os dedos nos seus.
— Eu te amo. — o músico sussurrou, como um segredo íntimo. Taehyung encarou-o por trás da franja desgrenhada, e mesmo com toda a tempestade presente em seu olhar, ele sorriu.
— Eu também, Guinho... Eu também... — uma lagrima escorreu pelo rosto dele e Yoongi rapidamente a colheu com as pontas dos dedos. Taehyung lhe ofereceu um sorriso triste.
— Sabe, tô pensando em lançar Love.
— Que? Lançar tipo... mostrar ao mundo? — Taehyung arregalou os olhos, abaixando a xícara para o colo. Yoongi assentiu.
— Elijah me disse algumas coisas que me fizeram refletir sobre o que eu quero para o futuro. — o músico suspirou. — E eu quero você, Tae. Assim como não quero ter que me esconder mais.
— Você é corajoso.
— Apaixonado, você quis dizer. — Yoongi sorriu, Taehyung soltou um risinho e o mundo pareceu menos pior. — Você me faz ser assim.
— E você é a minha serotonina.
Yoongi sorriu antes de beijá-lo. O mundo ainda continuava o mesmo, pessoas intolerantes ainda andavam por aí, destilando seu ódio pelo diferente e ignorando todas as cores do amor. Ainda sim, Yoongi e Taehyung continuavam os mesmos. Eles ainda se amavam e se admiravam fortemente, e não era um tapa de um homofóbico, ou uma possível rejeição de fãs que os faria mudar aquele sentimento. Há um tempo atrás, Yoongi acreditou que Taehyung fosse volúvel, por mudar de opinião a todo momento, não entendendo os conflitos pelos quais o rapaz passava. No entanto, naquela manhã, encarando a constelação presente nas íris castanhas dele, teve a certeza de uma coisa:
Seu amor era tudo, menos volúvel. Pois nada iria mudar o que sentiam.
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