20. havia entrado em um universo paralelo da sua vida

Eu não vou me prender a você, não mais
Não vou mais sentir dor, não mais
Eu quero virar minhas costas tão friamente como você
Mas não acho que seja certo
Não consigo deixar este lugar, mesmo não tendo nada a dizer

(Cry for love - Baekhyun)

Haviam poucas coisas no mundo que lhe traziam prazer, que fazia-o se sentir um pouco mais vivo, com as energias recarregadas. Subir em um palco, mostrar ao mundo para que nasceu, era uma delas. Visitar seus pais no Canadá, comer a comida da sua mãe e ouvir seu pai tagarelar sobre o último jogo de baseball mesmo que ele não entendesse nada do esporte. Quando vivia esses momentos, sentia o peito mais leve, o sorriso era sincero e ele tinha a certeza dos motivos que o mantinham em pé.

E entre suas atividades favoritas estava as visitas que fazia no Queens, um hospital focado no tratamento de câncer.

Não importava o quão lotada estivesse sua agenda, Yoongi sempre arrumava ao menos dois dias do mês para ir até a instituição. O hospital tinha muitos patrocinadores, mas a grande maioria só pisava os pés ali para posar ao lado de crianças e fingir personagens solidários. Não passavam mais que uma hora ao lado deles, fingiam compromissos e nunca mais apareciam. Mas, Yoongi fazia diferente. Ele não deixava de ir, amava brincar com as crianças e mimava todas com inúmeros brinquedos.

O músico suspirou, enquanto caminhava ao lado de Elijah pelo extenso corredor que o levaria até a ala pediátrica. Sentia falta daquelas crianças, passou muito tempo sem visitá-las por conta da turnê e não via a hora de compensar todo o tempo perdido. Quinze dias se passaram desde o fim de semana que se reencontrou com Taehyung, e sentia-se mais leve, seu peito não pesava tanto. E devia isso aos seus novos amigos, havia se aproximado mais de cada um e a presença barulhenta deles em sua casa outrora sempre silenciosa estava lhe fazendo bem.

Yoongi sorriu de lado ao se recordar dos meninos, em como se tornaram parte da sua vida tão rapidamente que ele nem notou, nem mesmo conseguiu impedir. Havia Namjoon, com sua calmaria e amor pela natureza. Jungkook, um garotinho preso em um metro e oitenta de altura, com um coração enorme e riso escandaloso. Jimin, o motivo de Jun agir como um menino birrento e seus sorrisos mais sinceros. Os últimos dois citados eram uma bagunça, hora estavam brigando feio, hora estavam grudados feito carne e unha. Jin dizia que ainda iriam aparecer casados a qualquer momento e ninguém — nem mesmo eles próprios — entenderiam nada. E claro, havia Jin, seu melhor e mais próximo amigo. Jin Reed era aquele que ouvia todas as suas lamúrias, bebia um uísque caro ao seu lado e dividia um pote de sorvete com lágrimas.

Yoongi percebeu que ele tinha razão na primeira vez que se viram, o músico realmente precisava de um amigo. E só percebeu isso ali, encarando as paredes brancas do Queens. Pois se não fossem por aqueles garotos, provavelmente ainda estaria se remoendo em sua cama e afogando seus sentimentos em uísques em bares. Era grato pela existência de cada um, que com suas personalidades únicas, faziam Yoongi se sentir menos pior, fazia-o crer que um coração partido não era o fim do mundo. Não quando você não está remendando-o sozinho.

— Puta merda. — ouviu Elijah exclamar, o que o fez voltar a realidade em que estavam inseridos. Parou de caminhar e olhou para trás, percebendo que seu assessor havia estagnado no meio do caminho e franziu o cenho.

— O que foi?

Elijah não respondeu de imediato, engoliu em seco e caminhou até Yoongi a passos apressados. O músico mediu-o com os olhos confusos e curiosos.

— Podemos voltar amanhã, ou se preferir... — ele olhou para frente, e só então Yoongi percebeu que já haviam chegado na ala pediátrica. Na verdade, estavam parados na entrada, as portas duplas abertas revelavam o interior da sala com várias camas e paredes coloridas. — ... posso dar um jeito de tirar ele daqui.

Foi aí que Yoongi o viu.

Prendeu a respiração sem nem perceber. Até quando o destino iria cruzar seus caminhos? Até quando Taehyung atormentaria seus dias com aqueles olhos intensos e sorriso brilhante? Ele estava logo ali, com um garotinho nos braços e sorria tão genuinamente que a mente de Yoongi lhe traiu, levando-o de volta aos dias em Paris. Onde os sorrisos de Taehyung eram doces, sinceros, onde não havia o que temer. Yoongi não conteve o suspiro, ele estava tão lindo dentro daquela camisa cor de rosa, e sorrindo largamente para o garotinho nos seus braços.

Nem parecia o mesmo homem cruel que encontrou num bar.

O músico mediu-o com o olhar mais um pouco, refletindo sobre a fala de Elijah. Não queria ter que fugir dele novamente, mesmo que não soubesse como se portar diante daquele sorriso retangular, mesmo que não conseguisse controlar as batidas desenfreadas do seu coração, ele não queria fugir. Sabia que fugir não ajudaria, Namjoon havia dito algo assim outro dia.

"Se continuar fugindo, só retardará o sofrimento, mas não curará a ferida."

Estava na hora de arrancar o bandaid, aquela era uma oportunidade de virar a página. Não podia ficar preso naquele capítulo para sempre, não podia continuar seus dias se perguntando por que Taehyung fez o que fez, por que não podiam ser o clichê perfeito. Seu coração ainda doía ao encarar o rapaz na outra sala, mas ele não sentiu vontade de sair correndo como da última vez no apartamento dele.

— Não há necessidade. — Yoongi suspirou. — Veja, ele veio aqui pelo mesmo motivo que eu. — apontou discretamente para o rapaz que conversava alegremente com o menino em seus braços. — É pelas crianças. Não se preocupe comigo, Eli. Eu vou ficar bem.

Queria mesmo acreditar naquilo, queria superar de uma vez por todas aquele homem, e convencer seu coração de que estava tudo bem, que ele ficaria bem. Elijah abriu a boca para dizer algo, mas uma voz doce e infantil cortou-o antes que tivesse a oportunidade de proferir o que quer que fosse:

— Tio Guinho! — era Anthony, o garoto de sorriso banguela nos braços de Taehyung. Logo, um coro de gritinhos animados ecoou pelo local, todos também sentiram saudade dele. Yoongi sorriu docemente, ele amava aquelas crianças.

Dar atenção a todos os pequenos que grudaram em si foi uma tarefa difícil, mas Yoongi se orgulhou quando conseguiu abraçar e responder a cada pergunta inocente a respeito das suas viagens. Aos poucos as crianças foram dispersando-se pelo quarto, voltando para suas atividades anteriores. Haviam alguns pais presentes, poucos, mas todos sorriram para Yoongi como se estivessem vendo um herói. Não gostava daquilo, ele estava fazendo o básico, coisas que qualquer ser humano deveria fazer. Yoongi não era um herói, ele estava apenas fazendo o certo.

O músico caminhou até o homem com a criança nos braços, evitando encará-lo e focando no pequeno sorridente que já estendia os braços na sua direção. Sentiu um olhar queimando sua pele, mas não ousaria encará-lo. Seus joelhos poderiam traí-lo e levá-lo ao chão, reverenciando aquele homem como se fosse, de fato, um deus.

— Oi, garotinho. — ele ainda sorria quando tomou Anthony nos braços. — Sentiu saudades?

— Não. — o pequeno respondeu rápido, surpreendendo Yoongi. — Eu te vi na TV!

Yoongi gargalhou alto, por um momento esquecendo-se que Taehyung estava ao seu lado.

— Puxa, mas eu não te vi. Então eu senti muita saudade.

— Mesmo? — Anthony questionou, com aquela inocência e ingenuidade que qualquer criança possuía. Yoongi encarou o rostinho pálido e os olhinhos azuis brilhantes e sentiu seu coração doer. Era injusto que seres tão puros passassem pelo que todas aquelas crianças passavam.

— Mesmo. — garantiu sorrindo, e seu sorriso aumentou ainda mais quando viu o menino sorrir como se tivesse tirado a sorte grande.

— Ah! — Anthony exclamou, como se recordasse de algo muito importante. — Tio Tê disse quer um autógrafo seu, tio.

— O que? — Yoongi piscou os olhos repetidas vezes, sentindo-se levemente zonzo. Definitivamente não esperava por aquilo.

— Eu disse isso, Tony? — Taehyung se pronunciou pela primeira vez. Yoongi lhe lançou um rápido olhar, vendo-o tão esbasbacado quanto ele.

— Disse sim, não lembra? — o menino encarou Taehyung como se ele fosse um tapado e Yoongi quase riu disso. Quase. — Aquela vez que vimos o tio Guinho cantando pelo seu celular, você disse: "eu queria um autógrafo dele".

— Isso faz tantos meses, Tony... — Taehyung murmurou, desviando o olhar. Parecia... envergonhado? Yoongi podia jurar que estava vendo bochechas coradas. Desviou o olhar para o garotinho, estava reparando demais.

— Sua memória é mesmo muito boa, hein. — comentou brincalhão, fazendo o garoto em seus braços sorrir orgulhoso.

— Você vai dar o autógrafo, tio?

Yoongi encarou o menino sem saber o que responder. De todos os cenários inacreditáveis que sua mente poderia criar, jamais imaginou encontrar Taehyung no Queens, e ser coagido por olhinhos brilhantes a dar a ele um... autógrafo. O que estava acontecendo? Sentia que havia entrado em um universo paralelo da sua vida, e acontecimentos inimagináveis aconteciam diante dos seus olhos.

— Eu...

— Não há necessidade. — Taehyung lhe cortou, parecendo quase desesperado. — Tony, acho que não quero mais um autógrafo. Faz muito tempo...

— Por que não? Mas aquele dia você até chorou...

Yoongi encarou Taehyung na mesma hora, percebendo que de fato ele tinha o rosto corado, além de olhos esbugalhados. Eram muitas informações de uma vez. Taehyung disse querer um autógrafo? Ele... chorou? Por quê? Talvez Yoongi devesse parar de fazer tantas perguntas.

— Tudo bem, eu posso dar o autógrafo. — cedeu, apenas para afastar os pensamentos perturbadores que começaram a rondar pela sua mente como mariposas.

— Yoongi, você não precisa-

— Vou pegar um papel! — Anthony se empertigou para descer do colo de Yoongi e ele o colocou no chão, vendo ir saltitando até o outro lado do quarto à procura do que queria.

— Yoongi, você realmente não precisa fazer isso. — Taehyung sussurrou baixinho, sua voz suave como veludo acariciou os ouvidos de Yoongi. O rapaz suspirou, não tirando os olhos de Anthony que revirava caixas de lápis de cor sobre uma mesinha. Tinha medo de encarar Taehyung, não confiava em si próprio ao seu lado.

— Não estou fazendo isso por você, Taehyung. — Dizer seu nome após tanto tempo foi estranho. Passou tanto tempo amaldiçoando aquele nome, proibindo de pronunciá-lo como se ele fosse o próprio Voldemort, que sentiu como se estivesse acabado de cometer um crime. — É apenas pelo Tony. Sei que você é tudo, menos um fã.

— Isso não é verdade...

Yoongi soltou um risinho desacreditado. Então ele era um fã? Apreciava seu trabalho? Isso deveria confortá-lo? O músico suspirou, engolindo cada resposta afiada que surgiu na ponta da língua. Aquele não era o momento e nem o lugar para eles terem qualquer tipo de diálogo. Sabia que esse caminho provavelmente os levaria a lugares nem tão bons. Da última vez que conversaram, Yoongi deu um soco nele, então não seria sensato trocar mais que o necessário de palavras com Taehyung Kim.

— Eu não ligo, Taehyung. Não quero saber sobre seus sentimentos com relação ao meu trabalho ou qualquer coisa. — Yoongi finalmente tomou coragem de encarar o londrino nos olhos, encontrando um par de jóias brilhantes. Ele parecia surpreso, quase assustado. Mas o músico não se abalou, não se permitiria amolecer-se por aquele olhar novamente, não se intimidaria. Ele devia aquilo a si mesmo, ainda tinha um resquício de dignidade dentro dele. — Eu estou aqui apenas pelas crianças.

— Entendo... Eu também.

N/A: não esquece da estrelinha, pequeno astronauta! ela é importantíssima para ajudar na visibilidade da fic, sabiam disso? então dê sua forcinha, aí, please. 

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