𝟮𝟰 : NO MAN'S LAND

SPECIAL GUEST :
Cara Gee as Dyani
Kiowa Gordon as Kai
Martin Sensmeier as Mika
Gaspard Ulliel as Gaspard

☆ ☆ ☆

CAPÍTULO VINTE E QUATRO :
TERRA DE NINGUÉM
i'm under the gun again



"Algumas mulheres temem
o fogo. Algumas mulheres
simplesmente se tornam isso."
── RH Sin






INVERNO⠀─ ⠀DEZEMBRO 08, 8:15
⠀⠀⠀Algum lugar no Wyoming
⠀⠀⠀⠀
PARA AQUELES QUE NÃO tem nada, a esperança é como uma dádiva. Surge de maneira inusitada e pode estar na forma de qualquer coisa. Algumas vezes, é como encontrar um caminho por si mesmo, outras vezes é na forma de um homem que o dita. Alguns se cegam com a esperança exarcebada, outros a utilizando como uma âncora para sair de um buraco escuro o qual foram jogados a muito tempo.

A esperança motiva e por isso ela é tão perigosa. As pessoas costumam subestimar o quanto a lábia, palavras bonitas carregadas de expectação, podem causar estragos. Quando tudo se perdeu a muito tempo, por exemplo, a esperança é o gatilho que qualquer um precisa para continuar a lutar e viver. Em um mundo devastado pelo caos de uma infecção incomum, quando toda a população está a frente do "fim dos tempos", ela é o gatilho para despertar os instintos de sobrevivência.

Fazer de tudo para sobreviver, arriscar tudo o que tem pelo o que acredita, pela promessa de um futuro melhor, isso provém de uma pequena semente de esperança. Isso motivou algumas pessoas a continuarem. A lutarem. A buscarem por algo e por qualquer lugar para que pudessem se estabelecer.

Em uma pequena igreja, abandonada e esquecida no meio da floresta, uma mulher acendeu uma vela. Ela não era religiosa, muito menos católica, nunca fora pertencente aquela religião, porém o frio do inverno se instaurou rapidamente quando dezembro chegou. As camadas de neve fina agora se tornavam mais densas. Conforme o tempo passava, mais roupas eram necessárias para que pudessem fugir daquele tempo tenebroso.

Seus olhos castanhos opacos encaram a moldura de Jesus Cristo, em um retrato antigo e chamuscado, quase apagado pela passagem contínua de tempo, enquanto apaga o fósforo. Ao fundo, ela escuta pequenos murmúrios, provindos das pessoas sentadas nos bancos. Conversas paralelas entre os poucos que buscavam abrigo dentro daquele lugar. Não sabe o que espera ao observar aquela imagem, gostaria de saber o que pedir, mas não sentia vontade. O vazio que sentia ao observar aquela moldura persistia, porém seus olhos não se desviaram.

Foi apenas quando a porta da velha igreja se abriu, trazendo consigo o vento frio do inverno, que ela finalmente se virou. Parado sobre o batente, recebendo vários olhares sobre si, havia um homem que ela conhecia bem. Ele estava ofegante e olhava diretamente para a mulher.

── Encontramos Jericós. ── Ele anuncia, arfando por conta da corrida que fizera para chegar até ali. ── Gaspard abateu dois deles na trilha. Um fugiu.

── Me leve até lá, Kai. ── Responde ela. Antes de partir, pega a escopeta ao pé do altar e atravessa o pequeno corredor até o homem na porta.

Os olhares a seguem, as pessoas encolhidas nos bancos murmuram entre si. Estão curiosas, mas não o suficiente para deixarem o abrigo.

── Tem uma outra coisa que você precisa saber. ── A porta se fecha quando o homem de rosto magro e pele bronzeada murmura, não querendo chamar a atenção dos outros. ── Havia mas uma pessoa com eles.

── São quatro deles, então? ── Inexpressiva, questiona.

── Não exatamente... ── Responde Kai. A testa da mulher franze, confusa. ── Tem uma mulher com eles, mas não acho que faça parte do Novo Mundo.

── Como assim?

Ele suspira, sem saber como explicar.

── Me acompanhe. Você vai entender melhor quando ver. ── Diz, liderando o caminho. Sem outra opção, ela o segue pela neve, ajeitando a aba do chapéu preto de aba reta que tem sobre sua cabeça.

Ela o segue sempre alguns passos atrás, mas nunca muito distante. Kai é mais alto e isso lhe dá pernas mais longas. Mesmo sobre a neve, ele é mais rápido.

A trilha em questão, não ficava tão longe se fosse pela mata, cortando caminho. Os dois atravessaram por ela, dispensando a estrada e encontram outros dois conhecidos parados na trilha, perto de um cavalo morto e um velho trenó de madeira.

Eles são avistados antes mesmo de estarem muito perto. Os dois homens parados perto dos dois corpos mortos na trilha olham na direção daqueles que se aproximam. O mais baixo já caminha até eles para os encontrarem no meio.

── Vocês chegaram. Ótimo. Mika já estava querendo sair para ir atrás do outro Jericó que fugiu. ── Um homem de cabelos castanhos claros, pela clara e barba por fazer fala. Gaspard tem sotaque francês e é quase sempre muito expressivo. ── Disse para ele que não era uma boa ideia.

Mika bufa, irritado e de braços cruzados.

── Ele não deve ter ido longe, estava ferido.

── Porque você errou aquele tiro. ── Provoca, rindo. A carranca de Mika se aprofunda.

── Cala a boca, Gaspard.

── Deixe-o. Aquele que fugiu não é importante. Com sorte, já foi comido por lobos. ── Disse a mulher. ── Kai disse que havia uma mulher. Onde ela está?

Os dois se entreolham em uma conversa silenciosa.

── No trenó. ── Responde Gaspard. Ela passa por eles, caminhando na direção do objeto. ── Mas, escuta. ── Parando, a mulher o encara. ── Ela não deve durar muito. Acho que está morrendo.

── Também deve ser uma deles. Vai ser um desperdício salvar. ── Completa Mika.

── Eu vou decidir sobre isso. ── Ela responde, dando as costas a eles e continuando em direção ao trenó parado na trilha, ainda preso ao cavalo que permanece vivo.

Olhando a distancia, o que há sobre o trenó parece apenas um amontoado de panos. A maioria são peles de animais utilizadas como cobertores. Porém, quando se aproxima, consegue ver com clareza que há alguém firmemente preso ao objeto. Com cautela, a mulher se aproxima, esperando por uma possível emboscada que nunca vem.

Espreitando pela abertura deixada nos panos, há um rosto feminino, pálido e trêmulo. Seus olhos estão fechados e, mesmo com todas aquelas camadas, ela ainda treme e soa sem parar. Agachando-se, a mulher retira a luva direita com os dentes e a deixa repousar sobre a coxa, enquanto leva a mão até o rosto dela, sentindo como a mesma está febril. Em seguida, desce dois dedos até o pescoço para sentir a pulsação. O pulso fraco continua, mesmo depois de alguns minutos passados.

Ela pondera suas opções, encarando aquela que está no leito com certa inquietação. Abrindo um pouco os panos, ela tenta encontrar algo em torno do pescoço, algo que indique se ela estava se transformando ou se realmente fazia parte dos Jericós ── alguns tendiam a usar colares com orelhas humanas em torno do pescoço, outros com dentes de infectados.

Com nada a vista, ela abre mais os panos para acabar encontrando bandagens em torno dos estômago. Retirando uma faca do coldre em sua cintura, corta cada uma para encontrar o ferimento no abdome da mulher. Para o seu alívio, não é um mordida, apenas um ferimento circular feito por uma bala ou algo capaz de atravessar a pele. Cobrindo-a novamente, fica de pé e encara os três homens.

── Levem-na para a igreja. ── Ela dita as ordens, afastando-se do objeto e indo até eles.

── Está falando sério, Ani? Vai mesmo mantê-la com a gente? ── Mika protesta, enquanto Kai e Gaspard vão até o trenó sem reclamar, passando pela líder. ── Ela pode ser perigosa. Pode ser uma deles. Pior do que isso, pode estar infectada.

── Ela não parece ser uma deles e não achei nenhuma mordida. Apenas um ferimento que infeccionou. ── A mulher, Ani, responde com firmeza. ── E os Jericós não iriam tão longe por alguém que não importasse tanto. Eles já abandonaram pessoas dos grupos deles por menos. Tinham algum motivo para estarem arrastando ela no meio da neve até o acampamento.

Mika quer protestar, mas tudo que consegue soltar é um murmúrio indignado, colocando as mãos na cintura enquanto balança a cabeça.

── Vamos, Mika. Não fique tão azedo. ── Gaspard comenta, bem humorado, enquanto ajuda Kai a empurrar o trenó pela neve. ── É apenas uma mulher ferida. O que de ruim ela poderia fazer?

INVERNO⠀─ ⠀DEZEMBRO 10, 21:00
⠀⠀⠀⠀Estado do Wyoming
⠀⠀⠀⠀
As estrelas no céu deveriam trazer algum conforto para a mente cansada de Sally, porém ela olhava para elas em busca de uma resposta que nunca receberia, encoberta pelo silêncio da noite e o sussurro familiar dos ventos do Oeste. Ela suspira lentamente, apertando o rádio nas mãos enluvadas, tendo desistido a pouco de tentar usá-lo.

Tudo o que ela recebeu nos últimos 30 minutos foi o completo e duradouro silêncio junto do som contínuo da estática. Toda vez que apertava aquele botão, Sally esperava escutar a voz de Riley do outro lado da linha. Qualquer murmúrio da voz dela, qualquer garantia de que sua irmã ainda estivesse viva.

Após deixarem Salt Lake, eles conseguiram se estabelecer em um lugar durante a noite para que pudesse se recuperar do que havia acontecido no resort. Joel explicou que havia encontrado alguns dos homens de David e que um deles falou sobre os Jericos por perto e que eles haviam levado uma mulher com eles da Universidade do Colorado.

Simon também descobriu que havia sido vendido pelo próprio tio, mas não expressou nenhuma reação clara quanto a isso. Se ele sentiu algo por conta dessa revelação, não deixou transparecer. Talvez, Kline até esperasse por isso. Apenas não queria acreditar na época.

Na manhã seguinte, eles seguiram para o acampamento. O rapaz guiou o caminho e eles chegaram até o local rapidamente. Não estava completamente protegido, havia apenas dois deles guardando o lugar e Joel lidou com eles sem muito esforço. Após matar um, deixou o outro vivo para retirar informações e eles descobriram algo desagradável, mas que lhes deu certa esperança.

Até onde sabiam, Riley ainda estava viva. Ela chegou no acampamento deles ferida e desacordada, fizeram o que podiam para mantê-la viva pois tinha o intuito de levá-la até Matthias no que eles chamavam de cidadela. Outros dois homens haviam partido na noite passada com ela, achando que haviam demorado o suficiente esperando a mulher se recuperar.

Eles também não tinham tantos suprimentos naquele acampamento, a melhor ideia que tiveram era levá-la para Jericó com o intuito de uma melhor recuperação e para que pudessem conseguir as informações que queriam dela. As informações em questão eram sobre a suposta garota imune que os vaga-lumes haviam encontrado e onde eles estariam a escondendo.

Aquilo por si só os chocou mais ainda. Sally não esperava que os Jericos soubessem sobre Ellie, isso significava que alguém dos Vaga-lumes estava passando informações para fora. E, levando em conta que Marlene havia confidenciado a informação para pessoas bem próximas a ela, a traição estava vindo de alguém que a mulher confiava.

Joel finalizou o interrogatório matando o homem e partindo dali para dar continuidade à busca por Riley. Ele deixou que Simon os acompanhasse ── depois de ameaça-lo, jurando mata-lo caso Simon sequer pensasse em os trair ── e eles roubaram mais dois cavalos daquele acampamento para que pudessem seguir em frente, retornando para os arredores do Wyoming, em direção ao rio da morte. Seria uma viagem longa, levando em conta que chegaram no Colorado em 6 dias.

Isso também atrasaria a missão que tinham de levar Ellie até os vaga-lumes, mas ninguém estava realmente pensando nisso naquele momento. Estavam os três de acordo sobre não continuar até que encontrassem Riley e, se fosse necessário demorar meses, nenhum deles se importava. Principalmente Joel que estava disposto a mover céu e inferno para encontra-la.

Eles não a deixariam para trás.

Sally olha por cima do ombro quando escuta passos se aproximando, botas pesadas deixando rastros sobre a neve e triturando o cascalho coberto pela fina camada. Ela vê Joel de relance, escuta de longe o crepitar da fogueira, pode ver Simon sentado, atiçando o fogo. Ellie havia ido dormir fazia alguns minutos. Desde Salt Lake, ela estava quieta e distante.

── Você deveria ir dormir. Vamos levantar bem cedo amanhã.── Joel sugere, ficando ao lado dela. Sally está sentada sobre uma rocha, pernas dobradas próximo ao peito, braços descansando sobre os joelhos.

── Vou ficar com a primeira vigia. ── Ela responde, encarando o que há à sua frente. Uma vastidão de neve e árvores salpicadas pelos flocos caídos durante o dia.

── Eu fico com as vigias. Vá descansar. ── Joel soava irrevogável e Sally não estava com disposição para discutir com ele, mas também não estava com vontade de dormir naquele momento.

── Não estou com sono agora, Joel. ── Sally solta um suspiro cansado. ── Estou bem aqui.

Miller decide não insistir. Cruzando os braços, ele se recosta na rocha e permanece ao lado dela em silêncio, observando a paisagem a frente. Pouco tempo passa até que ele decida dizer alguma coisa novamente.

── Ainda nada? ── Joel indaga, olhando para o walkie talkie na mão de Sally.

── Ainda nada. ── Ela confirma, encarando o objeto em suas mãos. ── Estática e o completo silêncio é tudo que eu escuto sempre que tento.

── Vamos encontrá-la. Não se preocupe com isso. ── Responde ele, tentando confortá-la. Adams pensa que Joel deve estar tentando confortar a si mesmo também. ── É apenas questão de tempo.

── Eu nunca... Passei tanto tempo longe da Riley. Mesmo em Boston, quando o Robert me sequestrou, nunca foi tanto tempo assim. ── Comenta a mulher. ── A única vez que ela sumiu por quase 1 semana inteira, meses depois de perder o Ben e... ── Sally não completa a frase, pensando que Joel talvez não soubesse sobre o aborto. Ela o encara, mas logo desvia o olhar. ── Enfim, eu surtei quando ela voltou. Eu tinha 20 e poucos anos e pensei que nunca fosse ver a Riley novamente. Pensei que fosse ficar sozinha na ZQ e a fiz prometer que nunca me abandonaria, porque eu tinha muito medo de perder ela também. Tinha medo que ela fosse embora como nosso pai foi, que se cansasse de mim.

── Ela nunca se cansaria de você. Ela te ama demais. ── Sally dá um sorriso mínimo para ele, brincando com o rádio em suas mãos. ── Sei que está com medo agora, dá mesma forma que esteve naquela época. Mas eu garanto a você, ela está bem e vai voltar para a gente. Nós vamos encontra-la.

── Mas e se não? ── Com lágrimas nos olhos, ela o questiona. ── E se a gente nunca mais encontrar a Riley? Se estivermos fazendo tudo isso atoa, Joel?

── Nós vamos encontrá-la. ── Joel repete, resoluto. ── Eles precisam dela viva. Riley não vai servir de nada para eles morta. Nem valeria a pena arrasta-la nessa neve toda até o outro lado do Wyoming, em uma viagem de dias, apenas para levarem um cadáver. E eu sei que ela não vai parar de lutar para voltar para você. Foi o mesmo em Boston, no dia do surto e vai ser o mesmo agora. Entendeu?

Sally assente, soltando um suspiro trêmulo. Ela limpa o rosto e funga um pouco, recompondo-se antes que acabasse se debulhando em lágrimas. Encontra sentido nas palavras dele, percebe que não deve perder a esperança.

── Obrigada, Joel. ── Agradece entre fungadas e o encara. ── Você é um ótimo cunhado. ── Ela arranca uma risada fraca dele, que desaparece tão rápido quanto apareceu. Joel leva a mão ao ombro dela e aperta, sem manter contato visual. ── Estou feliz pela minha irmã ter alguém como você na vida dela, de verdade.

Joel lhe dá um sorriso tímido, sem saber o que responder. Ele está envergonhado, ela percebe.

Cruza os braço novamente e seu olhar recai sobre o relógio quebrado em seu pulso. Miller o observa por um momento. Sally já havia visto ele olhando para o objeto em alguns momentos, mas nunca perguntou sobre o porquê do homem carregá-lo consigo, afinal de contas, não funcionava mais. Não tinha nenhum utilidade.

Mesmo assim, Adams não o questionava sobre pois sabia que deveria significar algo para ele. Os dois permaneceram em silêncio por mais um tempo, apenas observando as estrelas juntos conforme os minutos passavam.

── Acha que ela deve estar olhando para as estrelas agora? Igual a gente? ── Indagou Sally. ── Riley nunca falava sobre isso, mas ela gosta de admirar o céu, principalmente a noite. Acha que ela está pensando na gente agora?

Miller também olha para cima, admirando as estrelas que brilham intensamente.

── Talvez. Acho que sim. ── Ele responde. ── Seja lá qual for o lugar onde ela estiver, só espero que esteja... Bem.

Sally assentiu, esperando o mesmo.

── Sobre o garoto, ── Miller continuo, depois de um curto momento silêncio. Ele inclina levemente sua cabeça para trás quando olha para Sally, acenando na direção de Simon. ── acha que ele é realmente confiável?

── Bom, acho que sim. ── Ela o responde, dando de ombros. ── Simon não parece ser uma pessoa ruim, Joel.

── Sim, mas ele pode ter mais familiares como... Aquele David. ── Sally reconheceu o desgosto na fala de Joel.

Ela havia contado tudo o que aconteceu para ele, privando Ellie desse trabalho. Quando compartilhou aquelas informações, Sally viu a forma como Miller parecia irritado, bravo por não ter tido a chance de matar David com suas próprias mãos.

── Não acho que ele tem mais ninguém, David deveria ser a única família dele. ── Adams observa Simon por um momento. ── Mas eu vou perguntar depois, apenas para ter certeza de que ele não tem mais ninguém para quem voltar.

A resposta de Joel foi um murmúrio em concordância, deixando que aquela conversa fosse encerrada e os dois compartilhassem mais um tempo na companhia um do outro.

Depois de alguns minutos, Sally acabou bocejando e aquela foi a desculpa que Joel precisava para manda-la ir dormir novamente.

Dessa vez, ela não o contestou.

Sally se despediu dele com um pequeno aceno e seguiu para o acampamento improvisado que haviam feito dentro de uma caverna. Simon ainda estava acordado e a encarou assim que notou que ela estava se aproximando. Ele manteve o cabelo solto, utilizava uma touca sobre a cabeça e ainda segurava um graveto para atiçar as chamas. Simon indireitou a postura assim que Sally foi para o seu saco de dormir.

Ela se sentou sobre ele e puxou o caderno de desenhos de dentro da mochila. Passou pelos desenhos antigos que manteve sem dar uma olhada muito longa neles e foi diretamente para uma página em branco. Ellie estava de costas para ele, supostamente dormindo. Tudo o que poderia ver eram seus ombros subindo e descendo conforme ela respirava continuamente.

── Então, algum novidade... ── Simon puxou assunto, fazendo com que os olhos da Adams se erguem-se para ele. ── da sua irmã?

── Nada. ── Ela respondeu, engolindo o seco. ── Mas vamos dar um jeito de acha-la. Eu sei que vamos.

Sally suspirou, seus dedos passando pelas folhas em branco, brincando com as bordas.

── Você não acha que talvez seja melhor tentar deixar isso para lá. Sabe, é só minha opinião, mas a possibilidade dela estar mor-

── Simon. ── Sally o impediu de continuar, olhando diretamente para ele com olhos inexpressivos. ── Ela está viva. Eu sei disso. Então, por favor, guarde sua opinião para você.

Foi a vez de Kline engolir o seco, assentindo. A seriedade nas palavras dela o pegaram desprevenido. Sally também se surpreendeu pela forma como soou mais como Riley do que como si mesma, mas não se arrependeu de ser dura com ele.

Os dois caíram em um silêncio estranho. Simon deixa o pedaço de graveto de lado e apenas se mantém observando o fogo. Sally tenta se concentrar no desenho, porém a inspiração não vem. Ela acaba desistindo e também encara as chamas, antes de erguer o olhar para o rapaz que tem metade do seu rosto iluminado pela luz alaranjada do fogo.

── Eu não me lembro de ter perguntado antes, mas você tem alguma família... Além do seu... tio? ── Questiona Sally. Simon direciona seu olhar para ela por um breve momen, mas depois desvia novamente.

── Eu só tinha ele. ── Disse o Kline, sério. Sally não consegue decifrar o olhar dele. ── Antes de Salt Lake, minha mãe estava com a gente. Ela era irmã dele. Meu pai tinha abandonado a gente a muito tempo, eu tinha 1 ano quando ele foi embora e ela se junto com o meu tio porque não podia pagar o aluguel sozinha.

── Se me permiti perguntar... O que aconteceu com ela?

── Ela morreu. ── Ele respondeu. ── Durante a época que estávamos na zona de quarentena. Infectados invadiram e... Ela ficou pra trás pra me salvar. ── Explicou o rapaz. ── Tínhamos que fugir por uma pequena passagem no muro e ela me deixou passar primeiro. David ia ajuda-la, mas não conseguiu puxa-la a tempo. Ela foi mordida antes de conseguir passar.

Compreensiva, Sally assentiu. Ela observa o fogo, assim como ele.

── Desde aquela época, eu só seguia meu tio para todo lugar. Ele era a única família que eu tinha e... Eu não queria ficar sozinho. Tinha medo porque... Estávamos sem um lugar para ficar, éramos praticamente nômades. ── Continua Simon. ── Ficar sozinho não era uma possibilidade pra mim.

── Acho que ninguém quer ficar sozinho hoje em dia. Não só por ser uma vida solitária, mas também ficar a mercê dor infectados. ── Disse Sally. ── Todo mundo teme a morte, mas eu acho que não existe nada pior do que a solidão.

── Pelo menos quando a gente morre, a gente sabe que acabou. É o fim da linha. Mas o que acontece depois que você é o único que resta? ── Completa Kline. ── Eu nunca quis saber como era. Tinha muito medo de ser aquele que sobreviveu e eu achava que o David estava lá pra me proteger, que ele poderia ser o meu herói.

Simon solta uma risada amarga, cheia de remorso enquanto pega o graveto e começa a parti-lo em pequenos pedaços para jogar nas chamas.

── No início ele não era... Ele não era daquela forma. ── Disse ele. ── Ele era um bom líder, se importava com a gente... Se importava comigo.

── Ou era isso que ele te fazia pensar.

── Pode ser. ── Simon dá de ombros. ── De qualquer forma, eu acreditava nele. Acreditava que ele poderia manter a gente seguro. Em troca disso, eu era leal. Achava que devia fazer tudo o que ele mandava porque ele era meu tio, conhecida o mundo melhor do que eu, era um líder. Pra mim era muito difícil não pensar desse forma, pensar por mim mesmo.

Ele suspira profundamente. Sally nota o quanto Simon parece cansado.

── Eu não sei quando as coisas começaram a mudar, mas... Um dia, quando eu tentei dar uma opinião sobre algo, ele me repreendeu. Quando estávamos sozinho, David me bateu no rosto. ── Ele umedece os lábios, mantendo seus olhos caídos. ── Sempre que eu tentava contesta-lo sobre algo ou quando cometia algum pequeno erro, ele me machucava de alguma forma. Dizia que eu tinha que obedecer porque era a ovelha dele, eu devia a ele.

── Simon, ele chegou a... ── Sally engoliu o seco. ── ele chegou a fazer algo mais com você?

── Algumas vezes ele foi sugestivo, mas nunca fez mais do que... Alguns toques brutos. ── Responde o rapaz. Ela Respira profundamente mais uma vez, ergue o olhar para o céu. ── Eu era mais alto e mais forte do que ele, mas sempre me sentia pequeno na frente do meu tio. Algo na minha cabeça me fazia pensar que eu merecia, porque estava sendo impertinente ou porque eu devia ter devoção a ele porque ele me salvou.

── Ele manipulou você, fez sua cabeça para achar que você era o problema. ── Sally comenta, olhando para ele de maneira solene quando Simon volta a encara-la nos olhos. ── Se aproveitou do fato de que você era uma criança e que só tinha ele no mundo. Esse homem era... Cruel.

Sally pensava no quanto a mente de Simon deveria ter ficado conturbada com tantos conflitos e questionamentos. Uma parte dele deveria saber que era errado, que ele não merecia passar por tanta opressão, mas não sabia o que fazer sem David. Ele aceitava porque não tinha escolha, porque tinha medo da solidão mas do que tinha de um homem que abusava dela diariamente.

Aquele pensamento por si só deixava Sally enojada e com mais raiva ainda de David. Ela sabia que famílias não eram perfeitas, ela mesma teve uma família quebrada por um tempo, mas não conseguia aceitar que, as pessoas que deveriam te acolher e te abraçar, eram as primeiras a te machucar das piores formas possíveis.

── Muitas vezes eu desejei que ele morresse. ── Simon compartilha com ela. ── Outras vezes... Sonhei com o dia que ia acordar e ver a minha mãe esperando na porta do meu quarto, dizendo que iria me levar embora.

Sally sentiu mal por ele.

── Eu... Sinto muito, Simon.

── Você... Não precisa. Está tudo bem agora. ── Simon lança o último pedaço do graveto nas chamas. ── Eu deveria perdir desculpas para você, deixei você e a Ellie lidarem com ele sozinhas. Eu deveria ter ficado para ajudar.

── Você não deveria. Eu sei como é ter um monstro no seu passado que você deseja evitar ao máximo. ── Disse ela. ── Você se imagina na frente dele milhares de vezes e... Sempre congela. Sempre tem medo do que ele pode fazer. Se tivesse ido me ajudar, talvez tivesse sido pior para você do que foi para nós duas.

Ele assentiu, concordando com ela. Simon era como uma criança perdida, um gigante de bom coração. Uma parte dele ainda era bondosa demais, ainda ficava receosa por David, ainda se sentia culpada por odia-lo. Ele precisava de tempo para se curar, não criar mais traumas para carregar.

── Quero que você saiba que... Não está mais sozinho agora. ── Ela diz para ele no silêncio daquela noite fria, fazendo com os grandes olhos claros dele a encarem. ── Pode ficar com a gente por quanto tempo quiser. Você é muito bem-vindo com a gente. ── Um pequeno sorriso cresce nos lábios dos dois. ── E o Joel também parece estar começando a gostar de você.

── É, agora ele me ameaça só quatro vezes por dia e não oito. ── A fala dele arranca uma risada fraca dela. ── Obrigada... Por confiar em mim, mesmo quando te deixei na mão.

── Tudo bem. ── Ela sorri fracamente. ── Você vai ter tempo para me recompensar por isso, pode ter certeza. Ainda temos uma longa viagem pela frente.

Os lábios de Simon se curvam para cima, em um sinal de um pequeno sorriu, assentindo. Ele volta a olhar para as estrelas mais uma vez, quando um silêncio confortável recaí sobre os dois.

Sally o observa por um momento, antes de olhar para onde Ellie está deitada e depois para Joel a distância, ainda parado no mesmo lugar. Seus olhos descem para o caderno ainda aberto em seu colo e logo ela se vê tendo a inspiração que tanto precisava.


INVERNO⠀─ ⠀DEZEMBRO 12, 9:00
⠀⠀⠀⠀Horse Creek, Wyoming
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Por um longo tempo, Riley não teve pesadelos. Apenas lembranças. Em meio ao sonhos febrils, sua memória a fez revisitar pequenos momentos do passado. Ela sentiu tudo novamente, todo o desespero, toda a angústia, toda a saudade, todo o amor. Era estranho, inconsistente. Algumas vezes, ela não desejava acordar. Outras, sentia uma grande necessidade de abrir os olhos.

Então, tudo começou a passar e Riley teve apenas um sono sem sonhos. Ela não sentia mais dor ou se recordava das memórias de antes. Era apenas um constante e contínuo vazio que, com o tempo, foi preenchido com algumas vozes distantes.

Quando seus olhos finalmente se abriram por conta própria, Riley encarou um teto de madeira escuro e gasto. Completamente antigo e nada familiar, fazendo-a se questionar onde estava. Soltando um suspiro trêmulo, fechou suas palpebras momentaneamente. Seus sentidos se aguçaram, deixando com que escutasse o som leve de passos, madeira rangendo, alguns murmúrios abafados.

Sentiu que estava coberta. Um pesado cobertor cobria seu corpo e ela o sentiu com as pontas dos dedos nuas. O tecido apresentava pelagem, era macio ao toque. Nada como saco de dormir que utilizou nos últimos meses. A cama, em contrapartida, era desconfortável. Agora que estava mais consciente de tudo ao seu redor, não sentia-se bem onde estava deitada.

O colchão era fino, quase podia sentir o estrado da cama cavando em suas costelas. Mas, imaginava que o principal problema não era esse. Riley apenas não estava mais acostumada com camas. A última vez que realmente se sentiu bem em uma foi no Wyoming com... Joel.

Seus olhos abriram novamente e Riley soltou uma respiração mais profunda ao se lembrar do homem. Sally e Ellie também vieram a sua memória, assim como o que aconteceu na Universidade. Após isso, tudo era um borrão entre dor, agonia e lembranças nebulosas, afogando sua mente em uma espiral de desespero que a algum tempo havia se quebrado.

Riley tentou se sentar e a primeira coisa que sentiu foi a dor na lateral do estômago. Ela parou no meio do caminho, fazendo uma careta e retirando o cobertor que a cobria para chegar o estrago feito. Havia bandagens em torno de sua cintura, estavam limpas, o que significava que era novas. Passou a ponta dos dedos por elas, perguntando se havia sido aqueles homens que haviam as feito ── ela os repudiava, odiava a ideia de ter qualquer um deles lhe tocando, mesmo que para ajuda-la.

Respirando fundo algumas vezes, Riley sentou-se devagar, sendo cautelosa. Colocou os pés para fora da cama e deixou as cobertas de lado. Ela ainda vestia sua roupa de antes: calças jeans e blusa de manga preta, porém estava sem o casaco e apenas vestia as meias nos pés. Ao lado da cama ela encontrou suas botas e as colocou rapidamente, mas sem fazer muito barulho.

Ela olha ao seu redor, procurando por sua mochila e suas armas ou qualquer coisa que possa utilizar para se defender. O quarto está praticamente vazio. Há uma mesa e uma cadeira de madeira no canto direito da sala, uma velha imagem da última ceia na parede oposta e uma pequena mesinha com uma única gaveta ao lado da cama. Sobre ela há uma pequena bacia com água e um pano úmido.

A cabana onde está rústica, minúscula. Riley não entende como veio parar ali, apenas que precisa sair. Abre a gaveta e a vasculha, não precisa fazer tanto esforço quanto espera. Encontra uma faca enferrujada e um papel amarelado. Adams pega os dois e desdobra a folha para ver o que está escrito. É um pedaço de jornal rasgado que fala sobre a guerra em Jacarta e datado de 20 anos atrás, mas deixa claro a localização em uma parte da folha. Wyoming. Ela estava de volta ao Wyoming.

Contendo sua frustração, Riley amassa o papel e o guarda novamente na gaveta, ficando apenas com a faca velha em suas mãos que tem o cabo feito de madeira.

── Não é de grande utilidade, mas vai ter que servir. ── Ela murmura, analisando o objeto e virando-o contra a luz. Passa apenas o dedo indicador sobre os dentes da faca, sem pretenção de cortar a pele, apenas sentir se ainda estava afiada o suficiente.

Riley se levanta e caminha até a porta, tentando ignorar a forma como suas costelas doíam a cada passo que dava. Tentou respirar profundamente algumas vezes, fazendo isso mais vagarosamente e se mantendo atenta a tudo ao seu redor. Escutando passos e vozes abafadas antes de conseguir alcançar a maçaneta. Ela vai para o lado oposto da porta, encostando suas costas contra as paredes de madeira desgastadas da cabana, aguardando até que alguém entre.

A porta se abre devagar e um homem um pouco mais alto entra. Ao notar que a cama está vazia, ele nem ao menos tem a chance de processar o choque inicial, pois ela avança e coloca contra a parede, levando a faca ao pescoço do homem. As costas dele encontram a parede e um olhar surpreso inunda suas feições.

Ele tenta levar a mão ao coldre em sua cintura, porém Riley nota e não permite.

── Nem pense nisso. ── Ela pressiona a faca com mais força, perto de cortar a pele. A pessoa a sua frente permanece imóvel, olhando diretamente para ela.

Ele tem traços indígenas e sua pele é mais morena. Sua mandíbula é marcada, quadrada. Cabelos pretos e aparados nas laterais, aparentando ter uma barba por fazer em seu rosto.

Riley retira a pistola que ele carrega no coldre sem desviar o olhar dele, parecendo tão voraz aos olhos do homem que não transmite qualquer reação de medo em relação a ela.

── Mika, eu ouvi um barulho. ── Passos são escutados, seguidos do claro sotaque francês. ── O que acon-

A fala do segundo homem é interrompida assim que ele chega ao quarto e Riley vira os dois, colocando o Mika a sua frente e levando a arma a cabeça dele, enquanto mantêm a faca em volta do pescoço. Por instinto, o francês pega sua própria arma e aponta para ela.

Adams leva o dedo ao gatilho.

── Se não abaixar essa arma, vou estourar os miolos dele. ── Riley anuncia, enquanto os três dançam perante o impasse que se construiu.

O segundo homem parece não saber o que fazer. Seu rosto é mais fino, sua pele é mais clara e seus cabelos são de um tom quase loiro com fios mais longos que os de Mika, porém que não chegam até o ombro. Olhos azuis intensos, ele segurava a arma com certa indecisão.

── Você não escutou, porra?! ── Adams exclama. ── Abaixa a porcaria da arma!

Os olhos dele vai e vem entre os dois por um momento.

── Mademoiselle, que tal nós conversarmos, sim? ── Ele ergue as mãos em rendição, segurando a própria arma pelo polegar.

── Coloca a arma no chão e chuta pra mim. ── Ela o ignora. ── Se tentar qualquer gracinha, vai dizer au revoir pro seu amigo logo logo.

Obedecendo, ele coloca a arma no chão e a chuta para perto de Riley, resmungando algumas coisas em francês que a mulher não compreende.

── Apenas uma mulher ferida, né Gaspard? ── Mika indaga, semicerrando os olhos para o francês. Gaspard acaba rindo da pergunta, vendo algum humor na situação.

── Desculpa, amigo. Não pensei que ela fosse ser tão voraz. ── Ele responde. ── Mas não fique com o humor tão azedo. Essa não é a primeira mulher que aponta uma arma para você. A diferença é que essa não está mirando nas suas bolas.

── Vai se foder. ── Cerrando os dentes, Mika o xinga.

Gaspard solta uma risada baixa, adornado por um sorrisinho mau contido.

A porta ainda está aberta quando duas pessoas surgem, dessa vez sendo uma mulher sendo seguida por homem. Ele é um pouco mais novo que ela e mais baixo também. Os dois encaram a cena com certa surpresa ao entrarem no cômodo e Riley está se xingando pela cena estar aumentando.

Tanto por uma fuga silenciosa.

O jovem atrás da mulher de longos cabelos pretos ousa levar a mão até arma em seu quadril, atraindo a atenção de Riley que fica ainda mais na defensiva. Ela aperta mais um cano da arma contra a cabeça de Mika e dá alguns passos para trás.

── Não. ── A de cabelos escuros diz, olhando para o jovem rapaz ao seu lado. ── Não faz isso. Sem armas.

Ele parece hesitante, porém obedece. As mãos do rapaz caem ao lado do corpo.

── Abaixa a arma. ── Pede a mulher.

── Sem chance. ── Riley responde.

── Nós não queremos machucar você.

── Depende ── Murmura Gaspard. A mulher o fuzila com os olhos e ele dá de ombros, cruzando os braços na frente do peito.

── Eu não sei quem são vocês, mas sei que estou saindo daqui. ── Adams afirma. ── Pode ser da maneira limpa ou não. Vai depender apenas de vocês.

── Você não sabe onde está, muito menos quem nós somos. Se matar meu amigo e tentar fugir, vai ser a maior burrice que já fez. ── Diz ela.

Riley solta uma risada de escárnio.

── Você não me conhece. Não tire conclusões precipitadas.

── Somos três, moça. Você é apenas uma. ── Responde o rapaz mais novo. ── Não tem chance. Apenas abaixa a arma e resolvemos as coisas de maneira amigável.

── Estou disposta a correr o risco. ── Riley leva o dedo ao gatilho, mas não o aperta ainda. ── Me deixem sair.

── Estamos no meio do Wyoming, no inverno. Tudo o que vai encontrar lá fora é neve e a floresta. Quer tentar a sorte? Tudo bem. Mas quer mais 5 minutos em um lugar seguro? Posso te dar isso. Abaixa essa arma e me dá a oportunidade de conversar com você. ── A mulher fala. ── Tenho algumas perguntas pra você, dependendo das suas respostas, vai sair daqui mais rápido ainda.

Riley a encara por um tempo, ponderando sobre o que ela acabou de dizer. Ela sabe que suas opções são poucas, que arriscar do lado de fora pode ser perigoso, mas também não confia naquelas pessoas ── nem ao menos sabe que eles são. Três ali, incluindo aquele que Riley segura, são indigenas. A informação por si só a faz pensar que está no lado norte do Wyoming. Tommy havia falado que muitas das comunidades indigenas se moveram para o norte depois que o surto começou, ela só não sabia em qual parte do norte estava.

Lembrar do rio da morte a fazia estremecer, levando a sua mente a um pensamento que não a agradava. Se estava mesmo na área dos Jericos, precisaria saber por onde se mover, o que fazer. Ela estava sozinha agora, totalmente por conta própria. Não gostava da ideia, mas tinha que dar uma chance aquelas pessoas ── porém sem abaixar sua guarda.

Adams respira profundamente, um tanto frustrada, porém se afasta. Ela retira a arma da lateral da cabeça de Mika e dá alguns passos para trás, soltando-o. O homem ajeita a postura e vira-se para ela devagar. O olhar que há no rosto dele é uma carranca desagradável, emanando irritação.

── Minha arma. ── Ele estende a mão para ela.

── Vai tentar tirar de mim? ── Ela o desafia. Mika cerra os dentes.

── Mika. ── A mulher o chama, fazendo com que se vire. ── Esquece isso, depois eu te entrego sua arma. Deixem nós duas sozinhas. ── Ela inclina a cabeça em direção a porta.

── Ani... ── O mais novo tenta intervir.

── Sei o que estou fazendo. Podem ir. ── Ani lhe deu a garantia. Os três não gostavam da ideia, mas a escutaram.

Gaspard pesca sua arma do chão, seguindo os dois em direção a porta. Antes de sair ele dá um sorriso galanteador para Riley e segura a ponta do chapéu em sua cabeça, fazendo uma breve saudação.

── Não se matem, meninas. ── Ele diz enquanto fecha a porta.

Riley suspira, encarando Ani brevemente. As duas permanecem aonde estão por um tempo, cada uma em um lado do quarto. A tensão é um tanto palpável. Ani tem a pose de uma líder, uma mulher que não se intimida fácil. Riley também é tão impassível quanto ela.

Passa poucos minutos até que alguém de o primeiro passo. A mulher indigena caminha até a mesa, indo até o jarro com água que fica sobre a superfície.

── Com cede? ── Ela indaga, levantando o olhar para a Adams. Riley não responde. ── Vou interpretar isso como um não. ── Ani serve a si mesma com um copo de água.

── Por que você não vai direto ao ponto? ── Riley a questiona, enquanto a mulher puxa a cadeira para se sentar. ── O que quer comigo?

── Apenas conversar.

── Nunca é apenas uma conversa. ── Responde a Adams.

── Dessa vez é. ── Afirma Ani, bebendo um gole da água. ── Qual é o seu nome?

── Eu não vou dizer para você. Nem ao menos te conheço. ── Ela diz.

── Certo, ── Ani suspira, deixando o copo sobre a mesa e juntando as mãos sobre o colo. ── precisa de apresentações? Tudo bem. Eu me chamo Dyani. Sou a líder de uma pequena comunidade indigena no norte do Wyoming, ou o que restou dela. As pessoas que você conheceu são meus companheiros de acampamento. Mika, Kai e Gaspard. Vivemos como nômades desde que perdemos nossa cidade a alguns meses atrás. Suficiente para você ou precisa de mais do que isso?

── Por que perderam sua cidade? ── Riley pergunta, um tanto curiosa.

── É uma longa história.

── Nós temos tempo. ── Caminhando até a cama, Adams leva a mão até o ferimento na lateral de seu abdome, sentindo um pontada de dor enquanto se locomove. Ela se senta com um grunhido audível.

── Sou eu quem quer fazer as perguntas aqui, esqueceu? Não você. ── Indaga Dyani, ignorando as ações de Riley. ── Já fiz o que você queria, me apresentei. Diga o seu nome agora.

── Disse que não te conhecia, não que estava concordando com essa coisa de troca de informações pessoais. ── Adams responde. ── Você se apresentou por que quis. Não confio em você o suficiente para dizer meu nome.

── Você é muito desconfiada.

── No mundo em que vivemos? Todos temos que ser. ── Afirma. ── É assim que se sobrevive.

── Não está errada. ── Dyani concorda, um lampejo de uma lembrança passando por suas feições, como se estivesse familiar com o que Riley disse. ── Mas sabe que, se eu quisesse te matar, já teria te matado.

── Então por que está se contendo? ── Adams arqueia uma sobrancelha para ela ao indagar. Dyani a encara de volta, inexpressível até que solte uma risada baixa.

Dyani inclina-se para trás, cruzando os braços na frente do peito e fala:

── Estou começando a gostar de você.

── Não fique animada, você ainda vai me odiar. ── Retruca Riley, olhando para a janela no seu lado esquerdo. Não está nevando, mas a fina camada branco cobre toda a vegetação do lado de fora.

── Então vamos fazer o seguinte, eu te pergunto algo e depois você faz o mesmo. Quantos questionamentos quisermos fazer uma para a outra, sem qualquer questão muito pessoal. Pode responder apenas o necessário. ── Sugere a mulher. ── O que acha?

── Parece um jogo de criança, mas... Vamos lá. ── Riley solta um suspiro cansado. ── Você começa.

── Tudo bem. ── Ela concorda. ── Você é uma dos jericós?

── Não. ── Riley responde, estreitando o olhar para ela. ── Você é?

── Não. ── Dyani fala. ── Então por que dois deles te trouxeram até aqui?

── Eles me sequestraram. Quão perto deles nós estamos?

── A uma boa distância, mas não tanto quanto eu queria. Por que eles te sequestraram? ── Muda de assunto.

── Eu matei alguns deles. ── Ela cruza os braços. ── Foi para eles que perdeu sua cidade?

Dyani hesita, movimentando a mandíbula por um momento. Riley percebe que a pergunta a perturba.

── Sim. ── A contragosto, ela responde, mas não entra em detalhes. ── Eles não te trariam até aqui só porque você matou alguns dos companheiros deles.

── Não acredita em mim? ── Adams arqueia uma sobrancelha.

── Tem que haver um motivo mais consistente que esse. São dias de viagens e ainda por cima no meio da neve. Você estava quase morta quando te encontramos, seria mais fácil te abandonar em qualquer lugar para morrer. ── Ela afirma. ── Se eles estavam tão dispostos a cruzar o estado com você, tem que haver algum motivo. Vou perguntar novamente... Por que te sequestraram?

── Tudo o que precisa saber é que fiz coisas que desagradaram a eles, porque odeio cada um. Mataria todos com minhas próprias mãos se pudesse e por isso me arrastaram para cá. Isso é tudo que direi a você. ── Riley responde, convicta. ── Terminou com seu joguinho ou tem mais o que dizer?

── Se for assim, estamos do mesmo lado aqui. Eu não sou sua inimiga e nem quero ser, meu único problema são com eles. ── Afirma Dyani.

── Os Jericos são os problemas de muita gente. ── Riley comenta. ── Tudo o que sabem fazer é matar e roubar, destruir tudo o que tocam. São piores do que os infectados.

── Eu sei disso agora, mas tive que aprender da pior maneira. ── Confessa a mulher, deixando Riley curiosa sobre sua fala. ── Coloca-se de pé. ── Sei reconhecer um mentiroso de longe. ── Afirma ela. ── Acostumada a lidar com trapaceiros. Preciso tirar alguma coisa disso. Mas não vejo mentira em você. ── Dyani se direciona para a porta. ── Me acompanhe.

── Para onde vamos? ── Riley levanta-se e a segue, Dyani abriu a porta quando ela se aproximou.

── Dar uma volta. Vou apresentar a cidade para você. ── Responde a mulher. Ela olha para o lado esquerdo da porta e retira o casaco de Riley, entregando-o. ── Vai precisar disso.

Adams assente e guarda a arma em sua cintura, pegando o casaco com as mãos e o vestindo. Tem cheiro de sangue e pólvora, mas também carrega o cheiro de café. Ficar tanto tempo perto de Joel teve seu efeito sobre ela. Isso também a faz lembrar da blusa dele que estava vestindo antes, mas que agora não estava mais sobre o seu corpo, apenas a blusa preta de mangas que vestia por baixo dela.

── Onde estão minhas coisas? ── Ela questiona, seguindo Dyani pelo pequeno corredor de madeira que apresenta algumas janelas. ── Não sei se aquele malucos trouxeram, mas eu tinha uma mochila comigo, algumas armas também e um rádio.

── Está tudo guardado em um lugar seguro. Logo iremos devolve-las a você. ── A líder para em frente a única porta de saída e a abre, passando por ela primeiro.

Riley a acompanha com o cenho franzido ao notar que está em uma igreja. Todo o lugar é feito de madeira. Há bancos, um altar e uma vidraça com o rosto de Jesus Cristo, junto de alguns outros quadros ao fundo. Um tapete vermelho havia sido estendido no meio entre os bancos, mas agora ele estava rasgado e sujo em algumas áreas.

Todas as cabeças presentes naquele lugar voltam-se para ela. Há em torno de 10 pessoas naquele lugar, envoltas em cobertores, casacos de pele, tocas e panos, tudo isso para que pudessem se esconder do frio. Riley viu uma mulher embalando um bebê, outras com duas crianças pequenas, alguns homens de rostos sujos e pele acinzentada pela fome e pelo frio. Também havia poucas pessoas de idade avançada.

Ela notou traços indigenas na maioria deles, poucos não eram. Dyani atravessou o corredor ignorando a todos e Riley apenas a acompanhou, tentando evitar os cochichos e os olhares curiosos lançados em sua direção.

── Tem quartos e camas em uma igreja agora? ── Indagou Riley, próxima a Dyani na porta de entrada e saída da igreja.

── Serviu de alojamento para algumas pessoas quando o surto começou. Alguns religiosos achavam que poderiam curar os infectados da mesma forma que curavam pessoas com "demônios."

── Eles exorcizavam as pessoas aqui? ── Riley questionou, franzindo o cenho sem conseguir conter sua surpresa.

── Sim. Nunca ouviu falar disso antes?

── Já ouvi falar de muitas loucuras nesses últimos 20 anos, nada como isso.

── Essa foi mais uma das ideias que não deu certo, como você pode ver. ── Disse Dyani, levando as mãos as maçanetas das portas duplas para abri-las. ── Foi o que ajudou esse lugar a ruir mais rápido.

Dyani abre as portas ao terminar de falar, revelando o mundo exterior para Riley. O que encontra do lado de fora não é o que ela esperava de uma cidade. Na verdade, parece que ela retornou ao tempo do faroeste. São velhas casas de madeiras queimadas para todos os lados, a maioria não tem mais os detalhes, partes de suas estruturas estão faltando.

O lugar não é habitável. A única residência que se mantém precariamente de pé é a Igreja, que também apresenta detritos causados pelo tempo, mas apresenta melhor segurança do que o restante das casas. Riley nota acampamentos à volta. O resto do pessoal de Dyani se estabeleceu em cabanas, pequenas tendas feitas com panos ou com pedaços descartáveis de madeira.

A líder do grupo notou o olhar da mulher, a forma como ela estava curiosa sobre aquele lugar ── e também surpresa.

── Antes mesmo do surto, essa não era uma cidade habitável. Era turística, mantida aqui desde 1805 mais ou menos. Havia um acordo tacito de mantê-la conservada. ── Explica Dyani, um pouco a frente de Riley. ── Concordaram em destruí-la para construir uma fazenda, quando o prefeito Collins comprou o lugar, mas não teve tempo para isso por conta do surto.

── E então tentaram fazer desse lugar um monastério?

── Algumas pessoas que perderam suas cidades tiveram que se abrigar por aqui, junto daqueles que lutaram contra os militares que tentaram exterminar todo mundo ao invés de leva-los para um lugar seguro. ── Responde a mulher. ── Eles se esconderam por aqui na época, tentando... Como você disse, exorcizar aqueles que foram mordidos.

Dyani começou a caminhar. Ela não pediu para Riley segui-la, porém a mulher sabia que deveria e andou logo atrás delas. Mas pessoas olharam para ela enquanto passava, abrindo frestas nas suas tendas para observá-las. Homens e mulheres em vigia nas casas queimadas a seguiram com o olhar.

── Onde exatamente estamos? Quero dizer, em que lugar do Wyoming. ── Adams perguntou.

── Estamos entre a estrada Horse Creek e a Iron Mountain, em uma área fantasma, uma terra de ninguém, como alguns diriam. ── Explica Ani. ── Não é o lugar mais confortável, mas... É o que temos agora.

── Sua antiga cidade fica muito longe daqui?

── Depois da Iron Mountain, é um percurso longo sem um cavalo. ── Dyani a responde.

── Hum. E onde eu posso conseguir um para ir embora? ── Indagou a Adams.

── Pensando em partir tão cedo?

── Desde que eu acordei. ── Responde a mulher. ── Tenho que encontrar algumas pessoas.

── Você tem família viva?

Riley pondera sobre o que responder, Dyani a observa por cima do ombro, esperando por uma resposta dela.

── Eu tenho. ── Disse ela. ── Minha irmã, meu parceiro e... um garotinha.

── Sua filha ou...

── Praticamente isso. ── Responde Riley, observando as árvores ao lado esquerdo do caminho, junto das melhores rotas de fuga.

Tudo o que Dyani responde é um murmúrio baixo, sinalizando que compreendeu. As duas continuam caminhando juntas pela pequena cidade, descendendo por um caminho cheio de neve que cobre a maior parte da vegetação.

Riley sente um desconforto nas costelas, que faz o possível para ignorar enquanto anda. Imagina que deveria ter quebrado durante a queda na Universidade. A dor não era insuportável, mas incomodo aparecia em alguns momentos.

── Você é de Cheyenne então. ── Comenta a Adams. A líder olha para ela com as sobrancelhas erguidas, curiosa pela forma como Riley soube se localizar rapidamente. ── Memorizei parte do mapa do Wyoming antes de vir para cá. Passei muitos meses na estrada, tive tempo para isso.

── Você estava desmaiada, como memorizou um mapa? ── Dyani a questionou.

── Foi antes disso. Antes dos Jericos me sequestraram, passei por volta de uns 3 meses na estrada para chegar aqui. Encontrei com eles no Colorado e bom... Você viu no que deu. ── Explicou a Adams, sentindo-se segura de compartilhar aquela informação com a mulher.

── Você fez uma longa viagem. O que exatamente te trouxe até esse lado do estado? ── Pergunta Dyani.

── Um trabalho. Precisava encontrar o irmão do meu... Parceiro. ── Disse ela, deixando de fora o real motivo.

── Sua família. Acha que estão procurando por você agora?

── Possivelmente.

Aquela é a única resposta que Riley dá a ela e Dyani se contenta com isso, pois sabe que a mulher não planeja compartilhar mais do que já havia compartilhado com ela.

As duas caminham até o centro da pequena e velha cidade, parando em um velho restaurante onde uma loja grande foi erguida acima para cobrir o grande buraco que faltava no teto. Lá dentro havia algumas pessoas em uma cozinha improvisada e outras sentadas as mesas que ainda estavam boas comendo e conversando.

Mais uma vez, Riley sentiu os olhares se direcionando a ela e ignorou. Ela seguiu Dyani até uma mesa no quanto esquerdo onde os amigos dela estavam sentados.

── O que ela está fazendo aqui? ── Mika questionou com um olhar nada amigável em suas feições. Seu humor se tornou azedo assim que ele encontrou Riley.

── Ela é minha convidado, Mika. Seja respeitoso.

── Poucas horas e já virou amiguinha dessa forasteira. ── Comentou o homem. ── Não sabe se ela é confiável, Dyani. Vai acabar se arrependendo, assim como dá última-

── Pare de contestar minha decisões, Mika. Eu sei exatamente o que estou fazendo. ── Interveio Dyani, rispida. ── Guarde suas reclamações para a reunião mais tarde. Por hora, feche sua boca e coma sua comida antes que esfrie. Sabe que não tem direito a repetição.

Kai e Gaspard trocam olhares, porém ficam em silêncio. Mika abaixa a cabeça, ainda irritado e direcionando o olhar para o seu prato. Agressivamente, ele se levanta.

── Perdi o apetite. ── Resmungou enquanto saia da cantina improvisada.

Dyani soltou um longo suspiro desapontado, enquanto olhava-o partir.

── Não ligue para ele, mon cherri. Mika não costuma ser amigável com pessoas desconhecidas. ── Comentou Gaspard, com seu sotaque francês característico. ── O frio também o afeta, deixa as bolas dele mais azuis do que de costume. ── O homem sorri ladino.

── Cara, qual é? ── Kai o questiona. ── Você só sabe falar de bolas?

Os dois começam uma mini discussão entre si, fazendo Dyani revirar os olhos pela infantilidade dos homens. Ela volta-se para Riley.

── Sente-se. Eu vou pegar um prato de sopa para você, deve estar com fome. ── Instruiu a mulher, enquanto os dois ainda discutiam de fundo. ── Não deixe que eles a perturbem, pode chuta-los se tentarem.

Dyani se afastou para pegar a comida e Riley se sentou no espaço vazio ao lado de esquerdo de Kai, que estava com as costas viradas para a porta. Gaspard estava na frente de Kai, no lado oposto ao deles e com um lugar vazio ao seu lado agora que Mika saiu.

A líder demorou alguns minutos para voltar, aparecendo com dois pratos de sopa quente em sua mão e colocando um na frente de Riley. Ela nem havia percebido o quão faminta estava até que viu a sopa. A sopa era fina, com um tom amarelo claro, mas o cheiro era bom. Dyani sentou-se a frente de Riley enquanto ela comia.

── Oh, alguém estava realmente com fome. ── Gaspard riu, vendo a forma como Riley estava focada na comida em questão de segundos.

── Depois do tanto de sangue que ela perdeu, era de se esperar. ── Kai murmurou. ── Não se esqueça de agradecer depois forasteira, usamos nosso últimos antibióticos para salvar sua vida.

Riley terminou de mastigar um pedaço de carne de cervo na sopa e os encarou.

── Vocês não precisavam fazer isso. ── Disse enquanto engolia.

── Se não tivéssemos feito isso, você teria morrido, mademoiselle.

── Mesmo assim, vocês nem me conheciam. Eu poderia ser uma dos Jericos, teria sido um desperdício. ── Ela comenta.

── Sabíamos que você não era. ── Kai disse. ── Se veste muito bem para ser uma deles. ── Gaspard riu fracamente, acompanhado do mais jovem.

── Sim, eles se vestem iguais aos infectados. São completamente pirados.

── Tá, mas e se eu não fosse alguém amigável? Poderia ter matado o seu amigo lá atrás. ── Ela comenta.

── Decidi te dar um voto de confiança, ── Dyani diz, fazendo com que os três se voltassem para ela. ── eu sabia que não iria me arrepender e nós sabemos nos cuidar muito bem.

── Não é atoa que ela é nossa líder. ── Kai disse, quase orgulhoso demais em sua fala. ── Mika pode ser um porre de vez enquanto, mas até ele sabe que a Ani nasceu pra isso. Ela nunca errou até agora.

── Se estamos durando tanto, é por causa dela. ── Completa Gaspard, apontando para Dyani, porém olhando para Riley.

── Se é uma líder tão boa, como conseguiu perder sua cidade para os Jericos? ── Indagou Riley, encarando a mulher.

O ar se tornou denso em questão de segundos. Gaspard e Kai se entreolharam em uma conversa silenciosa, um pouco afetados pelo questionamento rispido e direto de Riley. Dyani ainda tinha sua atenção para o seu próprio prato, comendo lentamente a sopa que havia ali.

Quando terminou de engolir, seu olhar inexplesivel recaiu sobre Riley. Poderia ver um misto de emoções divergentes passando pelo rosto da mulher enquanto ela processava aquela pergunta, ponderando na forma que responderia a Adams de maneira adequada.

── Eu não era a líder na época que perdemos Cheyenne para os Jericos. Meu pai era. ── Responde Dyani, ainda sem apresentar nenhuma reação brusca. ── Quando ele morreu, eu assumi esse cargo. Liderei o que restou do meu pessoal para longe da cidade para que eles não nos encontrassem, de forma que pudéssemos nos reagrupar e pensar em um plano.

Dyani volta-se para o prato novamente, retornando a comer a sopa em silêncio. O ar denso não se dissipa, Riley percebe que o assunto ainda os afeta mas do que ela imaginava, até mesmo Gaspard e Kai, que aparentavam bom humor, agora estavam um pouco mais... Tristes.

Uma parte de Riley sente-se mau por ter puxado aquele assunto tão bruscamente, porém ela ainda quer entender o que aconteceu ali. Eles eram uma comunidade formadas por sobreviventes não apenas do cordycerps, mas também dos Jericos. Não eram muitos, mas tinham um quantida razoável de pessoas, talvez em torno de 25 membros ── contando com crianças e idosos.

Estavam no meio do nada, buscando sobreviver por mais tempo, seguindo uma mulher que viu nela algo e que tirou do pouco que tinham para mante-la viva. Esse tipo de bondade também era algo novo para a Adams. Grupos grandes que conheceu pelo caminho, pelos longos 20 anos do fim do mundo, nunca foram amigáveis. A parte que rivaliza dentro dela, aquela que sempre espera o pior, ainda fica desconfiada, esperando que algo de ruim se revele.

── Você planeja tentar retomar a cidade? ── Questiona Riley, quebrando o silêncio que se manteve e fazendo os olhares retornarem para ela. ── É por isso que ainda fica ao redor? "A uma boa distância, mas não tanto quanto eu queria." ── Riley olhava diretamente para Dyani. ── Foi o que você me respondeu, quando perguntei o quão perto dos Jericos nós estávamos.

── Não fomos para muito longe ainda por conta da neve e porque só temos dois cavalos restantes, e um deles roubamos daqueles dois que trouxeram você até aqui. ── A mulher respondeu. ── Somos muitos, é impossível andar por muito tempo nessa neve. Não vou arriscar a vida do meu pessoal. Então se estamos por perto, não é apenas porque ainda tenho fé de recuperar nosso lar, é também porque não temos escolha.

── Então você confirma que está aqui por que quer a cidade de volta? ── Riley arqueia uma sobrancelha uma sobrancelha para ela.

Dyani fica em silêncio, mas não tem necessidade que responda o questionamento de Riley. A mulher já tinha a resposta que queria.

── Bom, tecnicamente, sim. ── Gaspard dá de ombros, intrometendo-se na conversa das duas. ── Não dá pra simplesmente superar esse tipo de coisa, entende querida? ── o francês solta uma risada sem graça. ── Foi um golpe duro que levamos.

── Corrija-me se eu estiver errada, ── Riley continua. ── só me manteve viva porque queria informações sobre os Jericos, não é? Achou que eu poderia te ajudar nisso.

── Sim, esse foi o motivo. ── Assentiu Dyani. ── Nós temos um plano para pôr em prática, pode dar certo, mas... É arriscado. Queríamos entender sua importância para eles e... Tentar usar isso ao nosso favor.

Riley assentiu, ponderando sobre as palavras dela.

── Se eu ajudar, você me dá um dos cavalos? ── Indagou a mulher. Gaspard e Mika piscam surpresos.

── E para onde você iria?

── Eu preciso ir embora daqui. ── Riley responde. ── Tenho pessoas para encontrar, preciso achar minha família.

── Eu entendo. ── Comenta Dyani. Acontece uma troca de olhares entre os três, Riley apenas os observa em silêncio. ── Têm uma mina que leva para dentro da cidade. Ela também tem dinamite e napalm abandonados lá dentro depois que o surto começou.

── Nossa plano seria entrar lá e tentar conseguir essas coisas, depois seguir para a cidade durante a noite e explodir a torre de energia deles. ── Kai completa.

── Mas? Sempre tem um mas. ── Indagou Riley.

── Mas o lugar está cheio de infectados. ── Disse Dyani. Riley quase revira os olhos, já deveria esperar por isso. ── Colocaram madeiras bloqueando a passagem, impedindo que a horda saísse de lá. Isso já faz muito tempo, mas foi na época que o surto já havia começado.

── E é por isso que ninguém daqui tem coragem de entrar lá. ── Retrucou Riley.

── Todo mundo se recusa a tentar. ── Kai fala. Riley volta-se para ele. ── Todos tem medo. Preferem congelar até a morte aqui do que entrar naquela caverna.

── Também não temos armas o suficiente, doçura. ── Respondeu Gaspard. ── Não sei se percebeu, mas não temos muitas condições de entrar em um luta com uma horda de zumbis.

── E você acha que eu tenho?

── Tudo o que eu preciso é que aquela passagem seja limpa. ── Continua Dyani. ── Se for liberada, podemos dar um jeito em relação ao resto. Nos viramos com o napalm e a dinamite e você pode levar um dos nossos cavalos e ir embora para encontrar sua família. O que acha?

Balançando a cabeça de um lado ao outro, Riley repensa suas alternativas. Ela não tem muito escolha agora e o grupo de Dyani não aparente ser perigoso. São, em sua maioria, pessoas humildes que estão lutando para sobreviver. Ainda não confiava neles o suficiente, mas encontrava verdade e certeza nas palavras daquela mulher.

Também não importava o que eles fossem fazer. Seu único trabalho era limpar uma mina com infectados, depois disso nada do que eles fizerem seria de interesse dela. Aquela luta não iria lhe pertencer, seria deles contra os Jericos.

Os dedos de Riley batucam sobre a mesa ritmicamente, enquanto os três aguardam ansiosamente pela resposta que ela tem para dar. Eles também parecem incrédulos que Adams vá aceitar ou até mesmo conseguir tal feito, mas ela tem um plano em mente.

── Parece suicídio pra mim. ── Um sorriso ladino cresce nos lábios de Riley quando ela continua. ── Sorte de vocês que eu adoro planos suicidas.


INVERNO⠀─ ⠀DEZEMBRO 12, 12:00
⠀⠀⠀⠀Chugwater, Wyoming
⠀⠀⠀⠀
Passaram-se mais dois dias de caminhadas até que eles tivessem finalmente atravessado o "Rio da Morte" e chegado ao lado norte do Wyoming. Das planícies familiares até as árvores densas, tudo parecia o mesmo, nada era fora do comum.

Joel estava a frente do grupo com Simon ao seu lado, Ellie e Sally logo atrás deles enquanto os quatro caminhavam pela estrada. Estava silencioso, sem vento ou qualquer tipo de som provindo dos pássaros. Foi algo que não chamou a atenção dos três mais novos, mas que deixou os olhos e ouvidos experientes de Joel em alerta.

── Olha, eu sei que parece chato perguntar, mas qual vai ser o plano? ── Indagou Simon, chutando uma pedra em seu caminho para fora da estrada.

── O que? ── Questionou Sally.

── Assim, eu já entendi que estamos indo salvar sua irmã, que é namorada dele ── Simon aponta para Joel. ── e alguma coisa sua. ── Depois para Ellie, antes de voltar-se para a frente novamente. ── Mas ainda não entendi o plano em questão. Vamos simplesmente chegar nos portões de Jericó, bater na porta e-

── Pedir nossa Riley de volta. É isso ai. Ou a gente toma a força. ── Ellie completa, parecendo resoluta quanto a isso, mas não apresentando muito humor em sua fala.

── Esse não é o plano. ── Joel resmunga por cima do ombro, porém ele é ignorado quando Simon se junta a elas.

── "Nossa Riley?" ── Questiona Sally, encarando Ellie com as sobrancelhas erguidas.

── Ué, qual o problema? Foram meses na estrada aturando a chatice dela, acho que posso chamá-la assim. ── Retruca Ellie, um tanto séria.

── Deixa ela saber que você está a chamando assim, igual um cachorro. ── a Adams mais nova brinca, apresentando um sorriso em seus lábios. ── Vai ficar possessa.

── Ela vai estar muito ocupada morrendo de amores pelo Joel e matando toda a saudade para estar se preocupando com isso, não é Joel? ── Ellie indagou, tentando incluir o Miller na conversa. ── Joel?

Joel não responde, o que faz a menina franzir o cenho. Ele continua andando e chega até o final da estrada, onde há uma bifurcação que leva para dois caminhos. Bem no centro existe duas placas, cada uma apontando para duas direções. Lado esquerdo para a estrada de Diamond e direito para Hawk Springs.

Se estivesse certo em seu mapa, Joel sabia que eles estavam agora no meio de Chugwater. Eles haviam chegado longe, mas não saberiam qual caminho exato tomar a partir dali. Miller retirou todas as informações que precisava do Jericó no Colorado, ele deu todas as coordenadas que precisavam para chegar até a cidade de Cheyenne, onde o grupo do padre Matthias estava abrigado naquele momento.

O problema era que os dois caminhos levavam para a cidade. Um era mais longo e o outro mais curto e justamente o caminho da estrada de Diamond estava marcado com uma frase que deixou Joel pensativo.

── "Mor... Mortem Valey. " ── Ellie proferiu as palavras, semicerrando os olhos para conseguir ler o que estava escrito com spray sobre a placa. ── O que é "Mortem Valey"?

── É latim. ── Murmurou Joel. ── Significa "Vale da Morte."

── Meu Deus, por que tudo aqui tem que ter morte no nome? ── Sally questionou. ── Primeiro "Rio da Morte", agora " Vale da Morte". Isso está ficando absurdamente chato. Cadê a criatividade desse povo?

A mulher solta uma inspiração frustrada, enquanto cruza os braços na frente do peito, impaciente e irritada.

── Você sabe latim? ── Simon perguntou a Joel.

── Não, mas já ouvi essas palavras antes. ── Miller responde. ── O companheiro do meu irmão falou algo sobre isso, quando estávamos em Jackson um tempo atrás.

Sebastian havia compartilhado com Joel sobre a existência de um "vale da morte" no lado norte do estado. Reeves disserá que chegará a passar perto dele junto de Tommy, na época que eles deixaram Boston para trás e partiram em busca de sua sobrinha, mas que nunca entrou naquele lugar.

Ninguém sabia o que havia dentro daquela floresta, já havia vira lenda pois cada um tendia a contar uma história diferente. Talvez fosse tudo mentira, apenas uma forma de manter os forasteiros longe, talvez não existisse nada de realmente surpreendente atrás daquelas árvores largas e secas, mas também havia a possibilidade de algo realmente ruim existir.

Joel sabia que havia infectados em todos os lugares. A neve tinha o costume de atrasa-los e até congela-los, mantando-os antes que pudessem ser um problema, porém não significava que deixavam de existir. Alguns conseguiam sobreviver por bastante tempo sem comida, outros acabavam se adaptando. Era assustador, porém real.

── Você não tá cogitando essa ideia, não né? ── Ellie questiona.

── É o caminho mais rápido, Ellie.

── Está escrito "Vale da Morte"! ── Exclama a garota, ficando na frente do Joel e apontando para a placa. ── Não "vale da vida" ou dos contos de fadas. É a porra de um vale da morte!

── Nem sabemos o que pode nos esperar lá na frente. ── Simon comentou, recebendo um aceno de concordância da menina.

── Mas se demorarmos demais, pode ser pior. A gente nem sabe o que eles podem estar fazendo com a Riley agora. ── Sally acaba murmurando a última parte, porém escuta cada palavra. As mãos dele se fecham fortemente em torno da arma, seus nós dos dedos ficando branco apenas com o pensamento.

Ele precisa manter sua mente clara, não pode deixar os pensamentos intrusivos tomarem conta. Mas, céus, era muito difícil para Joel. Não pensar em como Riley poderia estar naquele momento. Não conseguia dormir com tranquilidade durante a noite, pois sempre estava pensando nela, em como a mulher estaria, o que os Jericos poderiam estar fazendo com ela.

Joel odiava se torturar dessa maneira, mas era impossível não pensar. Era pior quando ele sonhava, quando se via a perdendo também. Sempre chegava tarde demais, não estava lá quando Riley mais precisava e isso o matava por dentro, torcia uma faca em se coração e o fazia sangrar de uma maneira muito dolorosa.

Isso o deixava doente, deixava Joel nervoso. Disfarçava todo o misto de sentimentos que sentia na frente das garotas, fazia questão de se deixar levar por suas inseguranças e medo, mas ele sabia que elas poderiam ver através dele.

Seu peito doía, Joel não conseguia prestar atenção na discussão que os três tinham. Sua mente tinha um zumbido novamente e era como se ele estivesse sendo consumido por isso. Sentiu sua boca seca, teve que fechar os olhos por um momento para tentar de concentrar e não permitir que o pânico se instalasse como daquela vez.

Sabia que estava tendo um episódio como aquele próximo a cabana do casal de idosos, mas agora precisava sair dele sozinho, sem Riley. Sem a voz dela para lhe guiar, sem poder sentir a mão dela entrelaçada com a sua, puxando-o do vazio o qual havia sido arrastado. Estar sem ela parecia estar custando parte da sua sanidade também.

Joel odiava o efeito que a falta dela tinha sobre ele. Meses com uma pessoa ao seu lado estavam cobrando o seu preço, ainda mais quando ele havia entregado uma parte do seu coração a ela.

Quando abriu os olhos novamente, sua visão turva estava voltando ao normal aos poucos e Joel fez o possível para tentar respirar adequadamente. Disse a si mesmo que precisava de se concentrar, que precisava manter a calma, porém parecia quase impossível quando a realidade o atingia como um caminhão.

Sabia que, em algum momento, ficaria sem saber o que fazer. Sem saber qual decisão tomar ou para onde correr. E aquele momento havia chegado mais rápido do que Joel esperava, deixando-o genuinamente assustado.

AUTHOR'S NOTE. 𓏲࣪ ☄︎˖ ࣪

I. Finalmente temos nossa querida Riley Adams de volta, tão afrontosa como sempre. Também tivemos a apresentação de alguns personagens novos e eu juro que eles não são como o David KKKK

II. Estarei tentando voltar a atualizar a fic uma vez por semana, agora que estou de férias da faculdade. Não garanto que ocorra, pois faltam 6 capítulos para o final e eles serão bem mais trabalhosos do que os outros.

III. Não se esqueçam que os comentários de vocês são sempre importantes para mim, pois eu amo interagir com vocês. Faltam poucos capítulos para o final e estou muito ansiosa pelo o que vem pela frente!

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