𝟭𝟰 : THERE IS A LIGHT

PRELÚDIO : DIÁRIO #3

6 de Setembro de 2023.

Ninguém aparenta estar 100% desde Kansas City, o que aconteceu naquele hotel ainda paira no ar, mesmo que ninguém fale sobre ── talvez seja por que ainda é recente.

Mesmo que Ellie tente agir normalmente, eu sei o quanto a morte de Sam a afetou, o mesmo acontece com a Sally. As duas são as que mais sentiram a perda dos dois irmãos.

Eu só não queria que Sally tivesse que passar por isso. Percebi o quanto ela e Henry se deram bem, foi bom ve-la finalmente se aproximando de alguém da idade dela e parecendo tão feliz. Sei que é o tipo de coisa que não podemos controlar, todo munda passa pela dor da perda um dia, mas não consigo evitar desejar poder mudar as coisas.

Atualmente parece que só abro esse caderno para falar sobre luto e perdas. Acho que estou colecionando memórias ruins aqui, não queria que fosse assim. Mas esse mundo é estranho, viver nele é... Viver esses riscos o tempo todo.

É conhecer alguém hoje e poder perde-lo amanhã ou daqui a poucos minutos, porque não sabemos quando o perigo pode surgir, quando o pior pode acontecer. Confesso que odeio isso.

10 de Setembro de 2023.

Ellie voltou a fazer piadas e por mais que eu deteste a maioria delas, tenho que confessar que estou feliz por isso. Ela arrancou uma risada de Sally, então... Eu não tenho o que reclamar.

Fato aleatório ── Eu vi uma borboleta verde hoje. Dizem que a cor verde atrai esperança. Espero que seja verdade.

12 de Setembro de 2023.

Quase duas semanas de caminhada.

Estamos mais perto do Wyoming, mas também estamos ficando sem suprimentos. O inverno está chegando e precisamos nos preparar para isso, ainda é uma longa caminhada até onde o Tommy deve estar.

Compartilhei um plano com Joel - uma ideia de fazermos uma busca em uma cidade próxima antes de continuarmos. Não vamos passar por ela, mas é ao lado do caminho e pode ser útil.

Ele acha que podemos fazer isso amanhã, que primeiro precisamos encontrar um lugar seguro para ficar. Talvez não seja bom levar as meninas conosco também. Um grupo de quatro pessoas pode ser o suficiente para chamar a atenção.

Se formos apenas nós dois, ainda vai ser perigoso, mas não teremos preocupações adicionais - o que vai nos favorecer. Lidamos com o perigo mais facilmente quando estamos sozinhos.

13 de Setembro de 2023.

Fato aleatório e totalmente desnecessário ── é meu aniversário.

Não sei porque estou lembrando disso agora, eu não comemoro a anos e odeio lembrar que estou ficando mais velha a cada ano. Mas ei, ainda é algo pra se falar, certo? Não é qualquer um que consegue durar até os 41 anos hoje em dia.

Ellie me deu uma piada de presente de aniversário.

"Tudo na vida passa, até a uva passa."

Confesso que gostei dessa. Não foi tão ruim quanto as outras.

☆ ☆ ☆

CAPÍTULO QUATORZE :
HÁ UMA LUZ.
that never goes out



"Somos produtos de nosso
passado, mas não precisamos
ser prisioneiros dele."
── Rick Warren






OUTONO⠀─ ⠀SETEMBRO 13, 15:40
⠀⠀⠀Cidade de Oregon, Missouri

RILEY ABRE A PORTA da loja de conveniência e entra para fugir da chuva. Ela retira os fios de cabelo molhados da frente do rosto, suspirando ao olhar ao redor do lugar revirado e abandonado pelo tempo. Não há luz, porém o dia ainda está claro. Consegue enxergar tudo o que está ao seu redor, mesmo com o tempo nublado, sem qualquer resquício de sol no céu.

As chuvas de outono não são sempre intensas, aquela estação costuma trazer um diminuição na umidade do ar e a seca, apenas a brisa suave. Porém mudanças climáticas são esperadas para que ocorram nos momentos em que menos esperamos. Por conta da chuva, Joel achou que seria uma boa ideia parar por um tempo em uma casa segura.

Conforme a neblina subia nas estradas, era complicado de saber o que os aguardaria a frente. As ruas estavam desertas, mas havia cidades abandonados com possíveis saqueadores a espreita. Eles acordaram de sair para rondar a área e conseguir mais suprimentos, Ellie e Sally ficando para trás na casa vazia alguns poucos quilômetros antes da cidade.

Tanto Riley quanto Joel haviam prometido retornar o quanto antes. Eles apenas precisavam limpar o caminho de qualquer possível problema e reabastecer suas mochilas antes de continuar. Desde Kansas City, munição e mantimentos estavam começando a se tornar escassos e eles não poderiam dar continuidade a jornada desta maneira, precisavam conseguir o suficiente antes que o inverno chegasse.

Para que conseguissem fazer isso mais rápido, Joel e Riley se separaram. Ele ficou na farmácia do outro lado da rua e ela com uma loja de conveniência de beira de estrada. A possibilidade de encontrar algo útil é baixa mas, as vezes, eles podem ter sorte ── e sorte é a única coisa que Riley deseja ter nesse momento.

Olhando a sua volta, não há nada de interessante. As prateleiras estão caídas, há musgo e plantas crescendo por rachaduras no chão e buracos nas paredes. Está completamente vazio de mantimentos, ou qualquer utensílio que tenha sido deixado para trás por alguma alma desafortunada.

Algo cai no chão nos fundos do estabelecimento, deixando Riley em alerta. Em suas mãos, ela segura o revolver e a lanterna, decidindo caminhar para os fundos onde há os freezes e o antigo compartimento para estoque de mantimentos. Seus passos são silenciosos, tenta ser o mais leve o possível para não alertar a possível ameaça.

Ao chegar até a porta aberta, Riley mantém a arma apontada para frente, erguida assim como a lanterna acessa e vira-se em direção ao som de um arquejo, encontrando finalmente o que tem sido o motivo de suas preocupações. Abaixo do portão automático para a entrada de encomendas, está um infectado. Metade de seu corpo foi amassado pela porta de metal, que o partiu ao meio. O Corredor ainda se mexe, balbucios sofregos em meio ao choro.

Riley sente-se mais aliviada, por isso abaixa a arma e a guarda novamente. Decidindo economizar balas, ela puxa uma faca do coldre em suas costas, escondidos abaixo do casaco que veste. Segura a mesma faca que pertenceu ao garoto Brian, aquele que mataram quando chegaram em Kansas City. Joel lhe entregou o objeto alguns dias atrás, vendo que Riley havia deixado a sua própria para trás quando deixaram a cidade no Missouri.

O infectado se agita quando ela chega até ele, Riley não hesita ao cravar a faca na cabeça dele ── antes que o mesmo tenha a chance de chamar muita atenção para si. Um pouco de sangue espirra em seu rosto pela brutalidade, mas não é algo com que Riley se preocupa. Apenas limpa a lâmina na calça e a guarda novamente. Puxa o corpo para longe da porta, ao notar que aquela pessoa, em seu descontrole para fugir até um possível lugar seguro, jogou uma mochila para dentro da sala enquanto passava pela porta.

A mochila é verde, mas está mais escura pela sujeira. Pelo o que aparenta, não faz mais de 4 anos que esteja ali. Puxa o objeto para perto agachada e abre o zíper para conferir o que tem dentro. Há algumas roupas, uma lanterna e uma pistola vazia. Riley também encontra uma foto de um garoto de cabelos loiros ao lado de uma mulher sorridente.

O menino não deve ter mais de 13 anos na época e a mulher por volta dos 40. Ela também é loira como ele, tem algumas linhas de expressão em sua face, uma covinha em sua bochecha. Os dois então juntos em um parque, ele segura um balão e ela tem um braço em volta dos ombros dele, mantendo o garoto perto.

A fotografia está gasta, manchada nas bordas e amarelada, apagando qualquer outro detalhe que tenha em volta deles. Virando o papel, ela lê o que está escrito atrás.

"Mamãe e Jaime. Verão de 2001. Os melhores dias da minha vida. - Alex. "

Seu olhar recai no infectado no chão, imagina que seu nome um dia foi Alex e que aquela foto era de sua mãe e irmão. Em sua mente, perguntou-se o que poderia ter acontecido com eles, mas já tinha uma ideia.

Riley guarda a imagem novamente, deixando-a onde encontrou dentro da mochila. Abrindo o bolso da frente, encontra um volume da revista em quadrinho Savage Starlight ── volume 12, um que Ellie não tem.

── Ela vai gostar disso. ── Murmura para si mesma ao guardar a HQ dentro de sua própria mochila.

Suas mãos vasculham por mais um tempo, encontrando alguns remédios fora da validade e embalagem de comida vazia. Não há nada mais que possa lhe interessar e Riley não consegue evitar sentir-se um pouco frustrada.

Sua próxima ideia é tentar procurar nos carros estacionados pela rua. Algumas pessoas costumavam guardar alguns objetos de interesse no porta-luvas. Uma vez deu sorte de encontrar um kit de primeiro socorros.

Tem apenas a chance de fechar o zíper, quando escuta uma movimentação se aproximando. Passos pesados deixam a Adams em alerta e quando alguém entra pela porta, Riley já retirou a arma das costas e apontou para o inimigo.

── Joel? ── Arqueja a mulher, surpresa. Abaixa a arma devagar, acalmando-se agora que percebe que não está lidando com algum intruso. ── O que está fazendo aqui?

Joel está com suas feições que transbordam preocupação e estoicismo. Ele leva o dedo aos lábios, enquanto Riley fica de pé e o encara confusa.

── Fique quieta. ── Aproxima-se dela e ordena em um sussurro, onde apenas os dois podem escutar. ── Eles estão por perto.

── Quem está por perto? ── Riley o questiona. Sua testa está franzida e os atos de Joel apenas a confundem mais. Ela escuta vozes do lado de fora, abafadas. Miller a segura pelo braço e a puxa consigo em direção a um armário dos utensílios de limpeza.

Riley não resiste quando ele a força a entrar, fazendo o mesmo logo em seguida e fechando a porta. O armário é apertado, porém vazio, deixando os dois muito próximos um do outro. O ombro de Riley está contra o peito vestido de Joel, enquanto eles ficam um de frente para o outro.

Há apenas uma fresta naquele armário apertado, onde eles podem observar o lado de fora, escutando atentamente o momento em que a porta de entrada da loja é aberta e os passos ficam mais altos. As vozes ficam cada vez mais próximas, deixando Riley mais preocupado.

── O que ta acontecendo? ── Sussurrando, Adams o questiona. Joel leva o dedo indicador aos lábios novamente.

── Shh. ── Ele pede para que ela fique calada, algo que apenas a irrita mais.

── "Shh", você. ── Riley responde, mantendo seu tom de voz baixo enquanto discute com Joel. ── Quem são eles, porra? Saqueadores? Rebeldes? ── Riley tinha certeza que não eram infectados, eles não abririam as portas e conversariam entre si se fossem.

Ele balança a cabeça negativamente.

── Pior. ── O homem responde, em um murmuro.

Há apenas uma resposta que poderia ser tão alarmante quanto qualquer outra possibilidade que Riley tenha apresentado a Joel e, quando nota uma sombra do lado de fora, que logo em seguida transforma-se em um corpo passando pela frente do armário onde estão escondidos, Adams tem a resposta que não gostaria de obter: Jericós.

Fica claro pela vestimenta que usam e pela forma como se portam. Calças jeans surradas, blusas rasgadas e manchadas de sangue e as cicatrizes nos braços descobertos. Cortam a si mesmos com facas, raspam a propria cabeça e marcam-se como uma forma de expressar a adoração aos infectados.

Eles também andam com partes da carcaças de alguns como adornos, principalmente aquelas que realçam o fungo como a cabeça de um Estalador, onde seus rostos completamente distorcidos e marcados por fungos desenvolvidos de seus cérebros infectados. Não é algo bonito de se ver, é asqueroso e muitos deles deixam-se ser infectados pelo cordycerps como se estivessem recebendo uma benção.

Um calafrio percorre a espinha de Riley, que não é por medo, mas algo que ela não consegue definir. Talvez ódio, rancor, nojo. Tudo que os envolve a deixa com um gosto ruim na boca, uma raiva que sobe pelo seu corpo e a deixa vidrada. Cresce uma necessidade de fazer algo, qualquer coisa, contra eles. Porém ela se mantém onde está, esperando o momento certo para sair.

── Ninguém aqui? ── Um deles questiona, seguindo o primeiro que entrou para dentro daquela sala. A voz deles é sempre áspera, agravadas pelo uso continuo de tentar reproduzir os infectados.

── Apenas um Corredor. Morto. ── Responde o outro, caminhando até o cadáver no fundo da sala.

── Pegue ele. ── Ordena o homem que o acompanha. ── Vamos leva-lo pra fazenda.

── Espera... O sangue não está seco. ── Ele constata ao pisar no líquido viscoso que escorre em pequenas quantidades do infectado morto. ── Alguém esteve aqui agora a pouco. ── Riley nota como isso os deixa alarmados. ── Não foi um dos nossos.

── Forasteiros, talvez. ── O outro homem que se aproximou, que era menor que o primeiro e tinha o cabelo estilizado com um moicano baixo, ficou lado a lado com o parceiro, observando o corpo moribundo. ── Vermes imundos. Sempre blasfemando.

── Temos que relatar aos outros. Avisar que devem ter renegados na cidade. ── Sugere o mais alto. ── Finalmente teremos diversão por aqui. ── Eles riem juntos, uma risada áspera.

Joel olha para Riley e sinaliza para os dois saírem devagar. Ele pega a própria faca que carrega consigo e ela entende aonde ele quer chegar, retirando a sua também.

Os dois Jericós ainda estão discutindo entre si quando a porta do armário se abre devagar, fazendo o mínimo de barulho o possível. Joel está a frente dela e caminha até o primeiro ── que está a esquerda. Os dois avançam até os inimigos, que estão muito aéreos para observar o que chega até eles por trás.

Ao mesmo tempo, Riley envolve o braço em volta do pescoço do homem e enfia a faca na junção entre pescoço e ombro, dando a ele apenas um breve tempo para se desesperar e engasgar a sentir a dor. Sua mão firme o contém, até que ele pare de se debater e fique mole em seus braços.

Eles deixam os corpos sobre o chão lentamente, para que não faça um barulho alto, caso alguém esteja por perto.

── Odeio esses filhas da puta. ── Com asco em seu tom de voz, Riley encara o corpo ao seus pés enojada. ── Não acredito que viemos parar logo em uma cidade que eles residem.

── Mais cedo ou mais tarde isso ia acontecer. ── Joel murmura.

── Quando os avistou?

── Um deles entrou na mesma farmácia que eu. ── Explica ele. ── Arrastando um corpo de um Estalador com ele. Burrice.

── Nenhum deles é muito inteligente. ── Riley retruca, limpando sua faca antes de guarda-la novamente.── Não viu mais nenhum?

── Só esses dois que estavam vindo pra cá. Vim te avisar, antes que acabasse sendo pega de surpresa. ── Joel responde, guardando sua vaca. ── Acho que esse é um sinal de que devemos voltar. ── Ele se afasta.

── Joel, espera. ── Riley o faz parar. ── Você não ouviu o que eles disseram? Deve ter mais deles por perto, em uma fazenda não muito longe daqui. Eu vi uma placa assim que entramos.

── Sim, eu ouvi. E é justamente por isso que estamos indo embora, antes que mais deles apareceram.

── Não, me escuta. ── Adams se aproxima dele, os dois ficando frente a frente próximo a saída. ── Esses caras tem vários suprimentos com eles, caixas com armas, remédios, munição... Tudo roubado de outras pessoas. Eles mantém tudo nos acampamentos que residem, dentro de cidades fantasmas como essa.

── E qual o seu plano? Ir até essa tal fazendo e roubar deles? Acha que vai ser fácil assim? ── Ele arqueja. ── Deve ter vários deles e somos só dois, Adams.

── Eles são burros, Joel. Nenhum deles tem qualquer tipo de treinamento com armas ou algum conhecimento de estratégia. São apenas um bando de idiotas egocêntricos despreparados e alucinados com drogas pesadas. ── Afirma ela. ── Conseguimos lidar com eles sozinhos.

── Eu não gosto dessa ideia. ── Joel balança a cabeça de um lado ao outro e Riley suspira. ── Eles ainda são problemas, mesmo assim.

── Olha, esses malucos matam pessoas inocentes o tempo todo. Quando não aceitam se juntar ao grupo deles matam, estupram e roubam. ── Disse ela, tentando convencê-lo. ── Não são boas pessoas e quanto mais deles tirarmos do nosso caminho, melhor vai ser pra gente. Vamos estar fazendo um favor pra qualquer outro idiota sem conhecimento que cruzar essa cidade.

Joel ainda não parece totalmente convencido, tenta argumentar, porém ela o impede de falar.

── Além do mais, nós dois precisamos de munição. Comida até podemos dar um jeito caçando, mas munição não. Eles tem aos montes, Joel. Eu sei disso. ── Riley garante. ── Só confia em mim dessa vez e você vai ver como isso vai ser fácil.

Riley pode ver na face dele como Joel está hesitante. Sabe o que tem que fazer, sabe que ela está certa. A alternativa mais viável que tem é essa, principalmente agora que estão tendo que racionalizar possível, utilizando as armas o mínimo o possível. Joel sabia que um dia acabariam e precisavam para o restante do caminho.

Eles suspira. Frustração emanando de seu corpo ao ter que concordar com aquele plano. Seu olhar pousa em Riley e ele decide ceder, antes que fiquem mais tempo naquele impasse.

── Vamos fazer isso. ── Ela se anima, porém Joel a para. ── Mas... ── Miller pontua. ── se eu ver que não temos chance, vamos embora e você não insiste mais nisso. Entendido?

Riley evita revirar os olhos para não irrita-lo. Joel concordou com seu plano e isso é o suficiente, agora ela precisa fazer o risco valer a pena.

── Tá bom. ── Riley assente, concordando com ele enquanto puxa sua arma. ── Mas eu já te adianto sobre uma coisa, contra esses idiotas, tenho certeza que temos chance.

Riley estava certa, afinal.

A fazenda estava sendo protegida por mais 4 homens dos Jericos e nenhum deles aparentava estar preocupado com qualquer possível ameaça. Eles estavam espalhados pelos arredores da fazenda, ── que era bem pequena e isolada ── fumando e fingindo estar de vigia.

Eles não se afastam tanto da residência por conta da chuva, que agora caía fracamente e lhes dava uma visão mais clara. Joel e Riley se esconderam atrás de uma moita, observando o vasto campo e o celeiro da fazenda antiga onde eles se escondiam ── a casa a muito tempo destruída quando o surto começou, não era um lugar viável para se estabelecer.

Dois homens estavam de guarda do lado de fora e outros dois permaneceram dentro do celeiro. Um estava encostado ao lado esquerdo da porta de entrada e o outro caminhava para a direita, indo em direção aos fundos do celeiro. Eles tinham armas consigo, porém a seguramente de maneira desleixada, dando mais importância para o cigarro que fumavam.

── Eu cuido daquele cara. ── Ela sussurra, apontando para o homem do lado direito. ── Você cuida do outro na porta. ── Joel assente, sério.

Eles se separam, seguindo caminhos diferentes pela moita. Riley segue o homem até que ele esteja fora da vista do companheiro - que o Miller distraiu jogando uma pedra em um lugar distante para chamar a atenção dele, sendo o suficiente para fazer o homem sair do lugar onde estava para ir conferir o que havia sido aquele barulho.

Enquanto isso, Riley segue escondida, seguindo o homem que desejava derrubar. Ele ainda está vigiando e olhando unicamente para frente quando ela sai de seu esconderijo e o pega por trás. Cobre a boca dele com a mão e, antes que ele tenha tempo de processar o que aconteceu, ela cortou o pescoço dele com a faca. O deita silenciosamente no chão e o arrasta até o mato para esconder o corpo.

Riley tem seu olhar aguçado olhando para os dois lados, observando tudo ao seu redor para ter certeza de que está segura. Aproximando-se vagarosamente da janela do celeiro, ela olha para o interior através do vidro embaçado. Lá dentro encontra dois outros Jericós, sentados no centro do lugar onde haviam montado um acampamento. Há uma fogueira acessa, um tronco de arvore de tamanho médio foi colocado de um lado, o qual um deles está sentado, e o outro está sobre um caixote de madeira virado de frente para o amigo.

Eles está rindo enquanto fumam, uma fumaça clara os envolve e os dois aparentar estar totalmente alheios ao o que acontece no mundo exterior. Suas características não são diferentes dos outros Jericos com o qual já haviam lidado antes. Várias cicatrizes, roupas básicas surradas, um ainda vestia um moletom de yale e tinha uma grande marca em seu rosto. A cicatriz cortava sua face desde sua testa até o canto de sua bochecha esquerda. Riley não conseguia observar o rosto do outro homem pois ele estava de costas para ela.

Vendo um movimento ao seu lado, ela olha para Joel que se aproxima. Sem palavras, ele apenas movimenta a cabeça, como se a questionasse o que ela estava fazendo. Riley deu espaço para que ele observasse pela pequena janela também.

── Só mais dois deles. ── Ela sussurra. ── Vamos entrar e pega-los. Mata apenas um, eu preciso do outro. ── Riley o orienta, começando a se afastar.

── Por que? ── Joel questiona, antes de segui-la.

── Porque preciso fazer algumas perguntas. ── Responde a mulher. ── Vai ser um interrogatório rápido. ── Os dois seguem para a porta da frente. ── Mas não indolor.

Em frente as portas de entrada do celeiro, Riley e Joel param. Cada um está de um lado, mas é a mão do homem que abre vagarosamente uma das portas vermelhas. Os dois haviam trocado suas facas por suas pistolas agora, buscando pelo mais prático e rápido.

Eles estão olhando um para o outro, enquanto a madeira começa criar uma abertura para a passagem. O olhar de Riley não se desvia de Joel nesse momento e ele também faz o mesmo, contando a respiração deles para que não vacilem e nem chamem a atenção antes da hora. Quando a porta está aberta o suficiente, Miller é quem vai na frente.

As risadas agora são mais altas conforme eles se aproximam. Os objetos guardados no celeiro, como o maquinário do plantio, ajuda a esconder a presença deles inicialmente. Os dois homens também continuam dispersos, presos na névoa induzida pela droga. Eles apenas tem a oportunidade de notar a presença de Riley e Joel quando os dois já estão próximos.

Um olhar de espanto e uma fala engasgada é tudo que um deles consegue dar, antes que o som de um disparo ecoe por todo o celeiro e uma bala perfure sua testa, fazendo com que o homem tombe para trás, caindo sem vida. Uma fina camada de fumaça sai da arma de Joel.

── Mas que porra?! ── O outro, o homem com a cicatriz, grita. Seguindo seus instintos em meio ao desespero, ele tenta chegar até a espingarda deixada no chão. Riley atira antes que a mão dele possa se aproximar. Um tiro de aviso que não o acerta.

── Não, não. Nada disso. ── Canta a mulher. ── Fica paradinho onde você está.

O homem está ofegando enquanto intercala o olhar entre os dois, retraído pelo susto do tiro de aviso.

── Quem são vocês? O que querem?

── Não é você quem faz as perguntas aqui. ── Riley aproxima-se dele, até que sua sombra o envolva. Joel não diz nada, mas paira perto dela. Seu olhar estoico em sua face, fazendo o homem tremer. ── Sou eu quem faço. E, se você quiser viver, vai me responder o que eu quero saber direitinho.

── Vai se foder! Eu sei que você vai me matar de qualquer maneira, caralho. ── Ele exclama.

── É, você me pegou. Eu não planejo te deixar viver, mas posso fazer isso da maneira rápida ou posso fazer isso da maneira lenta. ── Ela responde. Coloca o cano da arma sobre a testa dele, fazendo com que o homem engula o seco. ── Da maneira rápida, é um único tiro na sua cabeça, como foi com o seu amigo. Da maneira lenta, ── Riley retira a faca da cintura. ── eu enfio isso aqui em lugares no seu corpo onde você nem sabe que sente dor. Onde você vai agonizar por horas até finalmente algum deus ter piedade de você e deixar você morrer, engasgando no próprio sangue, implorando por misericórdia e, assim como vocês gostam de fazer, exposto em algum canto daqui para que todos que passarem vejam o que acontece com pessoas como você. Covardes imundos, que acham ter alguma chance nesse mundo de merda só porque fazem parte de uma seita fudida que não respeita a porra da opinião do outros!

O homem grita de dor quando Riley crava a faca na coxa dele. Joel o observa se contorcer no caixote, sem conseguir fugir da mulher enquanto ela mantém a arma em sua cabeça.

── Herege, filha da puta! ── Ele grita.

── Estou te dando a chance de escolher como vai morrer. Considere-se privilegiado, seus outros amigos não tiveram essa chance. ── Disse a Adams, ignorando os lamurios dele. ── Vai colaborar ou eu vou ter que ser mais convincente?

Ela gira a faca na coxa dele, acertando um nervo e fazendo o homem ranger os dentes.

── Tá bom, porra. Tá bom. ── Ele assente sem parar. ── Eu falo o que você quiser caralho! Porra! ── Comprimindo os olhos pela dor intensa, ele cede.

── Bom. ── Riley afasta-se um pouco, mantendo a faca onde está e sua arma apontada para ele. ── Eu vou perguntar só uma vez, quantos mais de vocês tem pela cidade? Além daqueles 3 que estavam fazendo ronda e dos 4 que encontramos aqui.

── Era só a gente. O posto avançado foi limitado a 7 pessoas. ── Ele responde, segurando a coxa. ── Mas devem chegar mais pessoas depois...

── Depois quando?

── Mais tarde.

── Mais tarde quando, porra?! ── Riley indaga, voltando a pressionar o cano da arma contra a testa dele.

── Eu não sei! ── Ele exclama. ── Eu não sei, caralho. Eles não me disseram. Só recebemos a mensagem pelo rádio dizendo que iriam mandar mais quatro pessoas pra cá.

── Por que? ── Joel questiona. ── Por que mais gente? Já não tinham o suficiente?

── Tem muitos pontos na cidade pra vigiar, por mais que seja pequena. ── Explica. ── Eles querem ficar de olho em todas as entradas e também nos infectados. Precisamos levar alguns para a cúpula.

── O que é isso?

── É onde eles mantém os infectados presos. ── Riley responde. ── Eles chamam de Cúpula.

── E o que eles fazem com os infectados lá?

── Alimentam com pessoas de vez enquanto, criam como se fossem bichinhos de estimação. É adorável. ── Ironiza a mulher. Ela suspira. ── A ordem é vir direto pra cá?

── Sim. Sem paradas. ── Ele assente e engole o seco. ── Mas devem demorar por conta da chuva, não devem chegar hoje. A previsão era amanhã pela manhã.

── Espero que não esteja mentindo. ── Ele pressiona o cano da arma mais fortemente e gira a faca na perna dele, fazendo o homem grunhir. ── Eu posso fazer isso por horas, fico aqui dias te torturando se precisar...

── Eu não to mentindo merda, eu juro! ── Exclama o rapaz. ── Por favor, me deixa ir... Eu não conto pra ninguém. Só me deixa ir... ── Ele choraminga. ── Eu não tenho mais nada haver com isso cara, eu tava querendo sair... Por favor, não me mata.

── Ei, não começa a implorar. Eu ainda não acabei. ── Riley diz, notando o misto de emoções que o homem passa, sem entender se é o efeito da droga ou suas ações de covardia normais. ── Onde fica a base de vocês? Onde exatamente é Jericó?

── Pra que você quer saber disso? ── Joel a questiona, intervindo.

── Porque temos que nos precaver. Encontramos um acampamento pelo caminho e se da próxima vez a gente acabar dando de cara com a "cidade prometida" deles? ── Ela retruca, olhando para Joel. ── Temos que saber o que nos aguarda na direção em que estamos seguindo.

Joel pondera sobre as palavras dela e nota que o raciocínio dela faz sentindo, mas não está inteiramente convencido de que seja apenas por isso.

── Responde. ── Ela força. ── Onde exatamente fica Jerico? ── Riley pressiona o homem.

── Eu não sei, eu não sei! ── Ele exclama. ── É em algum lugar ao oeste, mas eu não sei aonde! Nunca fui pra lá. Quando me recrutaram, me mandaram direto pra cá! Eu nunca fui pra Jericó, eu juro!

── Eu sei, acredito em você. ── Adams responde, atirando uma única vez na cabeça do homem e o matando.

Retirando a faca, ela suspira e limpa o sangue na calça jeans, antes de guarda-la. Nota o olhar de Joel e acaba o encarando de volta. Suas sobrancelhas se erguem.

── O que foi? ── Riley o questiona.

── Nada. ── Miller dá de ombros, desviando o olhar. ── Acha que tudo o que ele disse era verdade?

── Ele não parecia estar mentindo pra mim. Infelizmente, demos a má sorte de pegar o mais desinformado deles. ── Resmunga, guardando sua arma. ── Recrutado a pouco tempo. Menos importante que a maioria. Totalmente descartável e, ouso dizer, que os outros também são.

── Esses caras tem reputações que não o precedem. ── Joel comenta, enquanto olha ao redor e para os dois corpos no chão.

── Nem todos são incompetentes assim. ── Riley responde. ── Eles tem pessoas mais preparadas consigo, mas não são muitos. A maioria que se junta ao Novo Mundo são civis, alguns que realmente acreditam na causa do Padre Matthias, outros que foram obrigados. Eles não tem tanto conhecimento, principalmente quando vivem a maior parte do tempo dentro da cidade de "Jericó" que aquele lunático criou.

Riley abre os armários em busca dos objetos que podem ser úteis para ele, mas não para de explicar a Joel sobre aquele povo.

── O Padre Matthias os manda aleatoriamente para cidades fantasmas para que eles montem guarda nelas. Como não conseguem dominar as ZQ, eles se mantêm tentando fazer emboscadas em lugares como esse. ── Ela diz. ── Mas ele nunca manda os seus melhores. Não, esses ele mantêm em trabalhos mais importantes. Os que conhecemos aqui são apenas... Dispensáveis. Não vão fazer falta e não agregam em nada pra causa. Não são o verdadeiro problema. São apenas enganados pelo Matthias, que jura a eles que essa foi uma decisão divina.

Ela retira algumas latas de comida, mas não há nada mais que possam utilizar. Riley volta a andar pelo cômodo, procurando uma caixa onde eles poderiam ter guardado munições e armas. Joel está do lado oposto, vasculhando o restante do cômodo como ela.

── É claro que esses caras ainda sabem fazer um estrago. ── Adams continua. ── Se você deixar, eles vão te matar sem hesitar. Por isso, precisamos ser mais inteligentes que eles, o que não é tão difícil assim.

── Você andou pesquisando. ── Ele comenta. ── Como sabe isso tudo sobre os Jericos? ── Joel a questiona, fazendo Riley suspirar.

── Eu passei por uma fase meio complicada depois que o Ben morreu, depois que... ── Ela para por um momento e Joel percebe a forma como Riley hesita. Engolindo o seco e decidindo disfarçar, a mulher continua. ── Eu entrei na fase do luto onde a única coisa que sentia era raiva e eu precisava descontar em algo.

── E você descontou neles. ── Ele concluiu, ela assente afirmativamente. Joel para e apenas a observa ainda se movimentar pelo celeiro. ── Não sei dizer se isso é bom ou ruim.

── Eu... Tinha conversado com a Marlene um tempo antes. Ainda tínhamos um trato, então precisávamos nos encontrar em algum momento, por mais que eu tentasse evitar isso a todo custo. ── Riley abaixa-se, abrindo algumas gavetas. ── Ela me contou o que aconteceu. Me disse que o pessoal dela sofreu uma emboscada enquanto retornavam para a ZQ de Boston. E, você sabe como esses lunáticos são, ou voce se junta a eles ou morre. Aconteceu uma briga, os Vaga-lumes perderam e foram mortos. Depois, como eles sempre fazem, expuseram os corpos para todo mundo ver, como uma forma de aviso.

Riley pega uma faca da gaveta, alguns panos que podem servir para algo futuramente. Ela tenta se manter entretida no que faz, mesmo quando as memórias de Ben morto retornam a sua mente. A forma cruel como ele e os outros foram deixados.

── Na época o Novo Mundo não era tão conhecido, sabiam que tinha um movimento crescendo no norte, sabiam sobre o Matthias, mas não sabiam da forma como eles agiam. Como os Vaga-lumes eram mais conhecidos e inimigos declarados da causa do padre...

── Julgaram ter sido feito pelos Vaga-lumes. ── Joel completa. ── É, eu me lembro das notícias no rádio. Eles se aproveitaram bastante daquele ocorrido para jogar a culpa nos Vaga-lumes.

── Era a forma que, o que sobrou do Governo, tinha para tentar diminuir a força dos Vaga-lumes. ── Explica a mulher, fechando sua mochila com os utensílios que encontrou. ── No início deu certo, mas depois eles descobriram a verdade. Só que ainda tem gente que acredita que os Vaga-lumes estão envolvidos.

Ela encontra uma caixa de remédio vazia na última gaveta e alguns papéis, mas os deixa de lado, levantando-se torcendo o nariz para o conteúdo. Riley suspira, mas ainda não desistiu de tentar encontrar o que realmente precisam.

No canto da sala, ela avista uma área que está conserta com uma lona. Pode ver que tem alguns caixas abaixo do forro e isso a deixa interessada.

── Durante aquela época eu estava muito frustrada e com tanto ódio, mas do que já tenho normalmente. ── Ela prossegue. Joel observa cada movimento que Riley dá e a acompanha até aquela área no canto do celeiro. ── Fui a cada acampamento de Jericos que encontrei perto de Boston e eu os matei... Cada um deles. ── Ela sobe apenas uma parte da lona para ver o que está por baixo. ── Mesmo quando me imploram, mesmo quando me disseram que eram inocentes, que foram obrigados a entrar pro grupo.

Quando Riley tem certeza do que é, ela descobre o grande baú e o deixa amostra. Joel está do lado dela, encarando a caixa que antes era laranja mas, por conta do tempo, tem sua pintura descascando e ficando preta e enferrujada em algumas partes.

── Fazer isso não trouxe o Ben de volta ou mudou o que aconteceu, mas, durante um tempo, serviu pra ocupar a minha mente. Serviu pra fazer a dor passar pelo menos um pouco. ── Ela concluiu. Joel observa o esforço que ela faz para tentar abrir o baú e sai rapidamente para buscar algo que os ajude. ── Eu os observei, reuni o máximo de informação possível e usei isso pra acabar com cada um desses desgraçados. E eu não sentia absolutamente nada enquanto eles morriam pelas minhas mãos. Nenhum pingo de remorso. Achava que eles mereciam depois do que fizeram.

As palavras dela encontram Joel de uma maneira familiar, pois compreende como Riley se sentia. Ele não achava que ela estava errada em ir atrás de vingança, não depois do que fizeram. Nada que estava relacionado ao Novo Mundo o agradava. Joel viu o que ele fez com as pessoas. Homens, mulheres, crianças... Ninguém escapou da maldade daquelas pessoas.

Influenciadas pelo Padre ou não, a falta de empatia o deixava enojado. Era em momentos como esse que ele percebia o quanto o mundo havia colapsado. Uma terra sem lei onde, talvez, nem mesmo uma cura seria o suficiente para restaurar aquilo que foi quebrado.

── Foi por causa de você que eles começaram a desaparecer de Boston? ── Joel retorna com um pé de cabra e o utiliza para arrombar a caixa.

── Quem me derá. ── Riley ri fracamente. ── Eles começaram a sair com o tempo, quando perceberam que a Marlene não ia ceder e deixar que eles dominassem a ZQ. Começaram a focar em áreas mais fáceis de dominar. Zonas de quarentena onde a FEDRA não tinha mais tanta força e afins.

── Mas destruir os acampamentos deles ajudou, não? ── Indaga Miller. Ele faz esforço e o baú se abre com um estalo alto, revelando seu conteúdo para eles. ── Querendo ou não.

── Um pouco, sim. Não foi a principal causa, mas os afetou de certa maneira. Restaram apenas alguns, os malucos que ainda tentam invadir a zona de vez enquanto, como aqueles que brigaram com os Vaga-lumes e a FEDRA no dia em que fomos atrás do Robert. ── Riley agacha-se até a caixa. ── Eles perderam a força em Boston com o tempo. A causa do Matthias dominiu bastante nos últimos anos, tanto que ele quase não aparece mais. Alguns especularam que ele estava morto, mas eu acho que não.

── Então por que ele parou de dar comunicados pelo rádio?

── Eu não sei. ── Ela dá de ombros. ── E, sinceramente, nem quero saber. Prefiro esse homem calado do que falando besteira o tempo todo. Era um saco ter que escutar o extremismo religioso dele. Usar da fé das pessoas e engana-las enquanto estão fragilizadas... É algo horrível até para o fim do mundo.

Joel deixa que Riley tome a frente, vasculhando dentro do baú. Ela encontra três armas grandes e quatro pistolas, além de munições e um arco com uma aljava cheia. Também há um único kit de primeiros socorros, ainda cheio e inutilizado. Riley o guarda dentro da mochila junto com alguns munições e a pistola. Pega o rifle pela alça e o coloca em seu ombro.

── Vou pegar o arco e as flechas também, vai ser útil pra gente. ── Ela comenta com Joel, pegando o objeto. ── Mais um arco pode nos ajudar, talvez Ellie se interesse em aprender a usar. Mais seguro do que uma arma carregada.

── Ah, eu não acho que ela vá querer. ── Ele murmura, trocando de lugar com Riley. Ela deixa que ele pegue o que precisa. ── Estava mais interessada em ter uma arma desde que começamos essa viagem.

── E ela conseguiu uma, que acabou perdendo depois, mas conseguiu. ── Adams responde, olhando a sua volta no celeiro. Joel resmunga afirmativamente, ainda focado em retirar armas e munições do baú, guardando tudo o que consegue dentro de sua mochila, que já está cheia com os mantimentos que conseguiu vasculhando outros armários.

Enquanto espera Joel terminar, Riley escuta o som da chuva aumentando. Gotas pesadas que caem contra a calha e a madeira do telhado do celeiro. Ela chega até a janela, observando o lado de fora. Uma camada densa se formou, inibindo a visão de qualquer coisa a sua frente, tornou-se impossível deixar aquele lugar até que pare de chover.

── Você escutou o que aquele cara disse. Oeste. ── Murmura Joel, ao retirar o que precisa do baú. ── Estamos indo na mesma direção que eles.

── É uma região grande, pode ser qualquer lugar. ── Ela retruca. ── Só precisamos ficar mais cuidadosos agora, tentar não chamar a atende. Com sorte, chegamos ao Tommy sem imprevistos.

Riley suspira, sabendo que dar aquela notícia a Joel não seria agradável ── e ficar naquele celeiro com corpos também não. Porém eles não tinham outra alternativa. A fazendo é afastada da cidade, estariam voltando às cegas se decidissem tentar ir embora durante a chuva.

── Terminei. ── Joel anuncia. Coloca-se de pé, após reunir tudo que necessita. ── Devemos voltar agora, já perdemos muito tempo aqui.

── Acho melhor esperarmos a chuva diminuir, Joel. ── Sugere a mulher, cautelosamente. ── Isso não vai tardar a acontecer, só... Vamos ficar aqui por um tempo. Avisamos as meninas pelo rádio que vamos demorar um pouco.

Joel emana frustração, Riley espera que ele vá reclamar mas, para sua surpresa, isso não acontece.

── Tudo bem. ── Ele suspira, massageando o pescoço. Mesmo que aparente não gostar da ideia, Joel cede. ── Apenas vamos retirar esses corpos daqui primeiro. Não quero ter que ficar olhando para esses idiotas.

── É, eu também não quero. ── Riley solta uma risadinha baixa. Ela e Joel trabalham em conjunto para colocar os cadáveres no canto, mantendo eles de baixo da grande lona cinza que cobre alguns caixotes velhos.

Os dois terminam o trabalho ofegando um pouco por conta do peso dos homens. Retornam para o centro do celeiro, onde eles haviam montando um local para descansar. Antes de se acomodarem, Riley puxa o walkie talkie da mochila para entrar em contato com Sally.

── Sally, na escuta? ── Profere as palavras após apertar o botão do aparelho. Há um chiado por um momento, uma espera que não dura muito.

── Sim, estou escutando. Vocês estão voltando? ── Sally pergunta, o outro lado da linha ficando mudo para que Riley possa responder.

── Ainda não. Está chovendo demais, vamos esperar por um tempo. ── A mais velha responde. ── Só vamos esperar a chuva ficar mais fraca e conseguirmos enxergar melhor o lado de fora. Não acho que isso vai demorar muito para acontecer. Retornaremos em breve.

── Você também disse isso quando saiu, 1 hora atrás. ── Resmunga a mais nova.

── Imprevistos acontecem.

── Pra mim você está tentando fugir porque é seu aniversário. ── Retruca a Sally. ── É tão ruim assim ficar escutando as piadas da Ellie? Ela disse que contaria uma para cada ano, até os 41. Já foi 1, faltam 40 ainda.

── Tentador, mas não quero tortura psicológica como presente de aniversário. ── Riley responde. ── Voltamos quando a chuva ficar mais fraca. ── Repete a mulher. ── Por favor, não se matem. Fiquem em segurança, tomem cuidado, tentem não chamar a atenção.

── Não tem ninguém a quilômetros, estamos literalmente no meio do nada. ── A voz de Ellie soa pelo rádio, um tanto estridente. Imagina que ela pegou o objeto das mãos de Sally sem permissão.

── Encontramos Jericos na cidade. Já lidamos com eles, mas pode acabar aparecendo mais. Sem contar que os infectados podem escutar vocês, então... Não tente bancar a sabichona. ── avisa Riley.

── Ok, ok. Vamos tomar cuidado. ── Ellie resmunga. ── Mas estou entediada aqui, preciso de algo para me entreter. Posso contar piadas para você pelo rádio? Seu aniversário ainda não acabou.

── Não. ── Ela desliga o rádio, sem dar a chance para Ellie responder e bufa uma risada fraca, enquanto guarda o aparelho. ── Dá pra acreditar nessa garota? ── Indaga, olhando para Joel.

── Esse é o único motivo pelo qual não estou irritado por ficar aqui mais um tempo. ── Comenta Joel, arrancando um sorriso de Riley.

O fogo ainda estava um pouco acesso, porém não muito. Riley sentou-se no chão, com as costas contra o tronco da árvore que os Jericos deixaram ali. Era pequeno, mas ocupava espaço.

Joel senta-se sobre o caixote de madeira, ficando de frente para a mulher. Ele a observa começar a atiçar o fogo com um graveto, mantendo as chamas acessos enquanto estão ali. Dentro daquele lugar quente, eles ficam em silêncio. O único som é o crepitar das chamas e a chuva forte do lado de fora.

Os dedos de Joel batucam sobre a arma em seu colo, pensativo e distante, tentando se acostumar com a calmaria que os rodeia. Os dois não conversavam muito desde Kansas City. Não era porque não queriam, ou porque não tinham assunto, tudo parecia apenas incerto. Eles ficaram focados demais em se afastar da cidade e chegar ao Wyoming, não dando espaço para qualquer outra normalidade.

── Eu tenho pensado sobre algo desde que deixamos Kansas City. ── Riley fala, quebrando o silêncio entre eles. Joel ergue o olhar para a mulher de cabelos castanhos claros, aguardando que ela continue a falar. ── É sobre algo que o Henry disse pra você, enquanto estávamos naquele bunker. ── Adams o encara de volta, deixando a pequena fogueira de lado. ── Ele disse "você pode não ser o pai dela, mas foi o de outro alguém" ou algo assim. Isso é... verdade?

A postura de Joel muda, fazendo Riley arrepender-se no momento em que pergunta. Ela esperou tanto para abordá-lo sobre isso e agora, quando estão em bons momentos, ela estraga tudo. Desejava poder dar um soco em si mesma agora.

── Você... Você não precisa responder, se não quiser. ── Ela intervém antes que ele possa dizer alguma coisa. ── Eu só fiquei curiosa, mas não devia ter entrado nesse assunto. Me desculpe.

Joel desvia o olhar e Riley solta o ar que nem ao menos sabia que estava segurando, sentindo-se idiota por te-lo deixado chateado.

── O nome dela era Sarah. ── Ao dizer daquelas palavras, Riley retorna seu olhar para ele. A voz baixa de Joel retumba no meio daquele celeiro, ela identifica o pesar no timbre dele. Ela reconhece isso. ── Ela tinha 11 anos quando... ── Joel suspira e passa a mão pelo rosto. ── Eu a perdi no dia do surto. Um militar... Atirou na gente.

11 anos. A idade que Sally tinha quando o surto começou. A filha dele teria a idade de sua irmã se ainda estivesse viva. Isso fez Riley pensar se Joel via Sarah em Sally quando a encarava, se pensava em como a sua filha poderia ter sido quando mais velha. Havia alguma semelhança entre elas?

── Ela era sua única filha? ── Cautelosamente, Riley pergunta.

── Sim. ── Joel assente, ainda sem encara-la. Seus olhos repousam sobre a arma em seu colo. ── Minha única filha e minha única família, além do Tommy. ── Riley assente, compreensiva, ao juntar seus joelhos para mais perto do seu corpo. ── As vezes, esqueço que tinha uma vida antes do Cordycerps acontecer. ── Ele diz. ── Então, fecho meu olhos durante a noite e... As lembranças estão de volta.

── Eu sei como é isso e eu sinto muito, Joel. ── É o que ela consegue dizer. Incerta, Riley nunca sabe o que falar em situações como aquela. ── Ela era... Só uma criança. Não merecia isso. Você não merecia passar por isso.

── Já tem... muito tempo, Riley. ── Miller murmura, encarando o chão e limpando a garganta. ── Não torna nada mais fácil, mas... É passado.

── O tempo deveria curar tudo, como costumam dizer. Mas não é o que acontece. ── Disse ela, observando o fogo. ── Nunca é o que acontece. As vezes, parece que o tempo só deixa tudo pior.

Eles caem dentro do silêncio novamente e aquilo incomoda Riley, não acha certo deixar a conversa terminar assim, com um simples resmunga afirmativo de Joel. Seu objetivo nunca foi trazer uma memória ruim a tona para ele.

Pensa que, no mínimo, deveria compartilhar uma parte de si mesma com ele também.

── Eu só queria dizer que entendo você, sei como se sente. ── Suavemente, ela fala. Joel a está encarando agora e Riley percebe que há um questionamento em suas feições. ── Não é a mesma coisa, nem de longe, mas... Anos atrás, depois que o Ben se foi, eu descobri que estava grávida. E meses depois que eu perdi ele, eu perdi o bebê.

── Eu... Não fazia ideia. ── Incerto e surpreso, Joel murmura. ── Nunca soube que você tinha ficado grávida antes.

── Durou 2 meses e eu não contei pra ninguém, além da Sally e da doutora Braun da ZQ. ── Ela responde. ── Foi melhor assim, eu acho. Ter que ficar explicando o que aconteceu para todo mundo da zona seria uma tortura. Então eu guardei para mim mesma e fiz o possível para esquecer o que aconteceu.

── Você estava certa em não ter contado para ninguém. ── Joel disse. ── Não ia te fazer bem. ── Ela assente, afirmativamente. ── Mas eu... Sinto muito. Só posso imaginar o quanto deve ter sido difícil pra você.

── Foi... Nos primeiros meses. Ter perdido o Bem foi a parte mais dolorosa, a parte em que uma faca foi enfiada no meu peito. ── Ela umedece os lábios. ── O que veio depois foi como se meu coração tivesse sido arrancado fora. Acho que uma parte minha morreu desde aquele dia. ── Adama suspira. ── O pior ano da minha vida.

Riley comprime os lábios, recordando-se de 2013. Das incontáveis vezes em que pensou desistir de tudo naquele, da forma como estava chegando ao seu limite. Nem mesmo pensar em Sally a reconfortava para continuar.

Quando pensava nisso, sentia-se mau. Imaginava que seria injusto com Sally deixa-la sozinha nesse mundo.

── Sabe, eu não pensava nisso a muito tempo. Tinha conseguido afastar essa lembrança da minha mente, a enterrado profundamente nas minhas memórias. Mas, depois de Kansas City, depois do que a Kathleen disse... ── Riley confessa. ── "Crianças morrem o tempo todo." Eu não consigo mais afastar essa lembrança. Não consigo parar de pensar nisso. Esse mundo não é justo, ele nunca foi, mas Jesus...

── O mundo que conhecemos agora é só um reflexo de todos os nossos atos. ── Joel comenta. ── Achar que uma cura resolveria tudo é... É fantasioso. Homens como esses que matamos hoje, pessoas como a Kathleen, elas não tem o que perderam de volta. Uma parte da humanidade já se foi a muito tempo.

── Nós somos o que restou, o que sobrou. ── Riley diz. ── Aqueles que continuam tentando sobreviver. E eu, sinceramente, nunca vou entender o porque.

── Desde a Sarah, eu... Continuamente me perguntava porque. Porque continuar? ── Os olhos castanhos dele estão distantes e Riley nota, naquele momento de fragilidade, o quão transparente Joel está sendo com ela. ── Eu lutei por muito tempo para sobreviver e se tem algo que aprendi foi que, não importa o que aconteça, você continua encontrando algo pelo qual lutar.

Riley sente a intensidade do olhar de Joel sobre ela quando fala, a verdade e o peso em suas palavras. Verdadeiras e cortantes, encontra-se familiarizada com o que ele diz.

Ela não consegue manter o olhar sobre Joel por muito tempo, então o desvia. Encara as chamas à sua frente mais uma vez, foca nelas para que consiga continuar a falar sem acabar quebrando.

Aquela era a primeira vez que falava sobre aquilo, depois de 10 anos do ocorrido.

── Posso confessar uma coisa para você? ── Ela murmura, no silêncio daquele celeiro.

Joel assente vagarosamente, um sinal que não passa despercebido por ela. A deixa que precisa para continuar a falar.

── O que eu vou dizer pode soar rude agora, mas eu queria poder me sentir aliviada. Poder olhar para o passado e pensar que foi melhor assim, que aquela criança não iria merecer a vida que teria... ── Negando com a cabeça, ela prossegue. ── Mas não é assim. Dói todas vez que me lembro daquilo que não tive. Felicidade. Isso faz falta hoje em dia.

── Sim, faz mesmo. ── Joel cruza os braços e inclina-se um pouco para trás. ── Ter lembranças daqueles que você amou e perdeu, é pior do que não ter lembrança nenhuma.

Riley engole o seco, os olhos de Joel queimam sobre seu corpo por um tempo. Ele está tão atento agora, sem desviar o olhar por um momento sequer. Era como se seus olhos castanhos conseguissem observar até mesmo sua alma, tudo aquilo que Riley mantinha enterrado.

E, enquanto despeja suas palavras, enquanto expunha uma parte de si mesma para Joel, Riley não sentia vontade de parar, não sentia vergonha. Nem mesmo o olhar de pena pesava sobre eles. Havia encontrado alguém que lhe olhava de igual para igual.

── Nós não passamos pelo mesmo, mas sangramos da mesma forma. ── Nas palavras dele, Riley conseguiu entender o que ele quis dizer. Eu vejo você, eu entendo a sua dor. ── Você e eu... Nós não somos tão diferentes.

Ele poderia não saber, mas aquilo significou muito para ela. Eles se entreolharam por um tempo, o crepitar das chamas como uma música de fundo, assim como o som da chuva do lado de fora ── que ainda continuava forte. Depois de um longo tempo, Riley sentiu-se bem.

Os acontecimentos de 10 anos atrás a estavam assombrando, a deixando entorpecida pela dor novamente. Sabia que precisava falar, expor o quanto doía, pelo menos assim conseguiria aliviar um pouco do que sentia. Não levou as lembranças embora, mas retirou um peso de suas costas.

Os dois deixaram o silêncio tomar conta do lugar, aproveitando o pequeno conforto que a presença um do outro lhes trazia. Joel observou as gotas de chuva escorrendo pela janela, a forma como o dia começava a escurecer aos poucos. Ele se sentiu um pouco preocupado, não desejando retornar para a casa segura tão tarde.

Estava prestes a comentar algo com Riley, quando notou uma movimentação vindo dela. A mulher puxa o violão descartado para perto de si, apoiando o objeto em seu colo enquanto resmunga para si mesma.

── Sabe tocar? ── Joel a questiona, observadores enquanto Riley o posicionando adequadamente.

── Não ── Ela responde, em um tom que deixava claro que pensava que fosse óbvio. ── Mas não tem mais nada pra fazer aqui, tenho que encontrar algo para passar o tempo. ── Seus dedos passam pelas cordas de forma desleixada, soltando um som arranhado do instrumento. Riley repete o movimento várias vezes, deixando Joel irritado.

── Não, para com isso. Nao é assim que se faz. ── Disse ele em tom de desaprovação. Riley o encara, enquanto o homem se aproxima e retira o violão de suas mãos e retorna para o seu lugar. ── Vai desafinar as cordas tocando desse jeito.

── E por acaso você sabe tocar, cowboy? ── Ela o questiona, arqueando uma sobrancelha.

── Eu sei. Um pouco. ── Joel murmura. O violão está em seu colo agora, enquanto ele afina as cordas que Riley desafinou.

── Então, toca uma música. ── Ela pede, cruzando os braços. ── Qualquer uma.

── Eu não vou cantar. ── resmunga Joel.

── Vai sim, porque é meu aniversário e você nem me deu parabéns. ── Adams cruza os braços na frente do peito. ── Isso é o mínimo que você pode fazer.

── Você disse que não comemorava.

── Agora eu comemoro. ── Ela provoca, fazendo Joel bufar e revirar os olhos. ── Vai Joel, não tenta me enrolar. Não temos mais nada pra fazer aqui mesmo.

── Tá, tudo bem. ── Miller dar-se por vencido. Ele limpa a garganta, dedilhando os primeiros acordes. Inicialmente, Riley não reconhece a música, até que ele continue tocando por mais um momento e um sorriso cresce em seus lábios.

Take me out tonight
Where there's music and there's people
Who are young and alive

( Me leve para sair esta noite
Onde haja música e pessoas
Que sejam jovens e vivas )

Joel começa a cantar a letra de "There Is a Light That Never Goes Out" dos The Smiths, a música favorita de Riley, enquanto dedilha a melodia no violão. É suave e mais lenta do que a versão original, apenas um acústico da versão da banda. Mas mantêm a atenção da mulher, que sorri genuinamente ao observa-lo.

A voz dele é grave, mais áspera, e trás um conforto que ela aprecia. É calorosa, faz com que lembre-se casa. Então, pensa que não sente saudades de casa, como se já estivesse lá.

Driving in your car
I never, never want to go home
Because I haven't got one anymore

( Dirigindo no seu carro
Eu nunca, nunca quero ir pra casa
Porque eu não tenho mais uma casa )

Ele continua cantando, trazendo algumas memórias a mente de Riley. Ela já não sorri tanto como antes, mas seu olhar é doce, calmo como nunca fora antes. Tudo o que consegue fazer é manter seus olhos sobre Joel.

Ela pensa que gosta da voz dele assim. Não quando está bravo, ou discutindo com ela. Assim, sendo apenas ele mesmo e cantando sua canção favorita como se sempre tivesse feito isso antes. Parecia certo.

Take me out tonight
Because I want to see people
And I want to see lights

( Me leve para sair esta noite
Porque eu quero ver gente
E eu quero ver luzes )

Quando Riley começa a cantar com ele, Joel ergue o olhar para ela. As vozes dos dois se misturam, ainda em um tom baixo, porém alto o suficiente para que eles consigam escutar um ao outro.

Ele também pensa que gosta de escuta-la cantando. Pensa que gostaria de escuta-la assim mais vezes, como aconteceu no carro antes de chegarem a Kansas City. Soava como conforto para Joel.

Driving in your car
Oh, please don't drop me home
Because it's not my home
It's their home
And I'm welcome no more

( Dirigindo no seu carro
Oh, por favor, não me deixe em casa
Porque não é a minha casa
É a casa deles
E eu não sou mais bem-vindo )

Riley cantarolou junto dele, deixando cada palavra fruir livremente. Sua voz era mais fina e um pouco mais rouca do que a de Joel, mas as duas combinavam bem. Eram vozes opostas, mas que se completavam. Ela gostava da forma como soavam juntas.

And if a double-decker bus
Crashes into us
To die by your side
Is such a heavenly way to die

( E se um ônibus de dois andares
Colidir contra nós
Morrer ao seu lado
É um jeito tão divino de morrer )

Ela balança a cabeça suavemente, no ritmo que ele toca no instrumento. Joel desvia o olhar para algum ponto distante, como se estivesse se concentrando para lembrar-se do restante da música. Para sua sorte, Riley sabia toda aquela letra, estava decorada em sua memória, assim como as lembranças daquela noite de setembro.

Mas, dessa vez, ela não pensou no acidente. Não pensou na forma como perdeu seu pai, ou como aquela noite mudou toda a sua vida. Não, Riley apenas teve memórias boas. Lembrou-se de escutar essa música no rádio enquanto fazia o trabalho da escola em casa. Lembrou-se de seu John dançando com Laurie na cozinha, enquanto ela ria das brincadeiras dele.

Lembrou do dia em que seus pais voltaram para casa com uma pequenina Sally nos braços, de como odiava ouvia-la chorar de madrugada, então cantava partes da música para ela buscando acalma-la. Sempre funcionava.

Riley também se lembrou de cantar essa mesma música baixinho durante uma viagem de carro, de rir como nunca antes dentro de um prédio abandonado por causa de uma piada. Por causa de uma piada que ela nem ao menos havia achado graça, porém riu como se tivesse 17 anos novamente.

And if a ten ton truck
Kills the both of us
To die by your side
Well, the pleasure, the privilege is mine

( E se um caminhão de dez toneladas
Matar nós dois
Morrer ao seu lado
Bem, o prazer, o privilégio é meu )

Ela acaba rindo quando resita está parte, lembrando-se do que Joel falou sobre a música enquanto estavam no carro de Bill. Ele revira os olhos, mas está bem humorado. Ela percebe mesmo que Joel tente disfarçar com um olhar carrancudo.

Oh, there is a light that never goes out
There is a light that never goes out

( Há uma luz que nunca se apaga )

Ele pula para a última estrofe e os dois repetem essa mesma parte, pelo menos umas três vezes, como é feito no final da música. Com o tempo, a canção morre aos pouquinhos, até que tenha apenas Joel tocando os último acordes e o barulho suave dá chuva para acompanhar.

Joel parece sem jeito agora que a música acabou, sem saber o que dizer ou o que fazer. Agora que o encanto se desfaz e ele retornam a realidade de onde estão, Riley se retrai. Questionando a si mesma sobre o que havia acabado de acontecer.

Ela tossiu um pouco, disfarçando e retornando ao normal. Joel observa um

── Isso foi muito bom. ── Riley comenta, contendo o sorriso amigável que deseja crescer em seus lábios. ── Tenho que admitir, você é bem melhor com o violão do que eu.

── Verdade. Eu preferia bater minha cabeça contra a parede do que ver você tentando tocar novamente. ── Deixando o violão ao seu lado, encostado contra seu caixote, Joel a respondeu. ── Fez um estrago nos meus ouvidos.

── Agora você está ofendendo a aniversariante. ── Alega Riley em falsa ofensa. ── Meu aniversário ainda não acabou, Joel. É até o final desse dia. E não tente colocar a culpa da sua surdez em mim.

── Quanto anos está fazendo? 5?

── Já ouviu falar que não se pergunta a idade de uma mulher? ── Retruca a Adams. Joel bufa uma risada fraca, disfarçando e não deixando transparecer seu bom humor.

── Esse foi o seu presente. Cantei a sua música estranha. ── Retruca Miller. ── Não me peça mais nada, Adams.

── Voltamos para o sobrenome então? Pensei que estávamos fazendo progresso aqui.

── O que quer dizer?

── Você passou a me chamar mais de Riley do que de Adams nos últimos dias. ── Ela comenta. ── Não deve ter notado porque só me chamava de "Adams" quando ficava bravo. Estou começando a ter preferências agora, gosto mais de quando diz meu nome.

Joel pondera sobre o que ela pontua um pouco atordoado, como se não tivesse notado essa mudança. Riley também não percebe o efeito que aquelas palavras tiveram sobre ele, agindo como se fosse tudo uma grande brincadeira.

── A propósito, ainda temos tempo para outra música. ── Ela dá de ombros, sugestiva. A mudança de assunto é natural, faz as feições pensativas de Joel passarem despercebidas. ── Pode tocar uma que você goste dessa vez.

── Não, nós não temos tempo. A chuva passou. ── Pontua o homem, apontando para a janela. Riley ergue seu olhar e nota o mesmo que ele. A mulher bufa. ──

── Agora que as coisas estavam ficando interessantes. ── Ela resmunga. ── Ia te perguntar qual é a sua música favorita.

── Eu não tenho uma. ── Murmura Joel, ficando de pé e puxando sua mochila, colocando a mesma sobre o ombro.

── Que mentira! Todo mundo tem uma música favorita. ── Riley alega, seguindo o homem e fazendo o mesmo. Fala como se ele tivesse falado um absurdo. ── Ou pelo menos algum artista favorito, ou uma banda.

── Eu não tenho. ── Afirma o homem. ── Podemos ir agora?

── Você está me deixando irritada, Miller.

── Você é bipolar, vai superar isso. ── Retruca o homem, caminhando na frente enquanto ela o acompanha.

── Primeiro me faz uma serenata, depois me trata mau. Eu não acho que sou a bipolar aqui, Joel. ── Ela brinca, debochando da situação.

── Eu não fiz uma serenata pra você. Eu nem gosto de você o suficiente pra isso. ── Joel abre a porta do celeiro apenas o suficiente para que os dois possam passar. ── E não está de noite pra isso.

── Então, se estivesse de noite, você faria uma? ── Sugestiva, ela pergunta, apenas para provoca-lo.

── Estou começando a me arrepender de estar sendo legal com você. ── Resmungando, eles passam pela porta e encaram o lado de fora. O tempo está mais limpo agora, mesmo que ainda esteja nublado.

── Eu só estou brincando, você sabe. Não fique de mau humor por causa disso. ── Ela responde, rindo fracamente. ── Vamos, cowboy. ── Riley bate no ombro dele. ── Vamos voltar pra casa segura antes que fique tarde demais.

Joel bufa, o apelido ainda lhe traz um misto de emoções. No início, o irritava. Agora ele não tinha uma definição certa para o que sentia, muito menos para o que as provocações significam. Aquela viagem havia os aproximado tanto, Joel estava conhecendo um lado de Riley que ele nunca imaginou que existiria.

E, no últimos dias principalmente, desde Kansas e da horda de infectados, onde ele nunca se viu tão preocupado quanto naquele momento, ── preocupado com ela ── Joel também notou que algo havia mudado. Ele apenas não conseguia entender o que.

Estava começando a escurecer e eles tem uma longa caminhada pela frente, mas nenhum dos dois se preocupa com isso. Seguem pelo mesmo caminho que pegaram para chegar até a fazenda, caminhando lado a lado.

Em alguns minutos de caminhada, eles ainda estão em um silêncio agradável. Até que Joel o quebre.

── Pearl Jam. ── Ele murmura, enquanto os dois continuam próximos um do outro.

── O que? ── Questiona Riley, encarando-o.

── Minha banda favorita. É o Pearl Jam. ── Joel responde. ── Gosto das músicas deles.

Riley pisca algumas vezes, processando o que ele acabou de dizer, antes de abrir um largo sorriso.

── Você tem bom gosto. ── Comenta a mulher, seguindo logo atrás dele. ── Pearl Jam não é ruim. ── O pequeno sorriso de Miller não passa despercebido.

Apenas quando eles estão longe e a única coisa que podem escutar é seus próprios passos sobre a terra lamacenta e o sussurro do vento frio da noite que está perto de se iniciar, é que o rádio dentro do celeiro liga.

Suas luzes se acendem, sinalizando que está recebendo uma chamada. O chiado familiar produzido pela estática ecoa dentro daquele lugar silencioso onde ninguém pode receber a mensagem que chega.

── Irmãos, na escuta? ── Uma voz masculina soa através da estática. ── Estou ligando para avisar que conseguimos adiantar o carregamento. Chegamos na cidade em alguns minutos... ── Informa o Jericó. ── Estaremos ai em breve. Fiquem firmes e prosperem pelo Novo Mundo.

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