𝟭𝟯 : ALL CONSEQUENCES

☆ ☆ ☆

CAPÍTULO TREZE :
TODAS AS CONSEQUÊNCIAS
bigger than the whole sky



"Somos feitos de todos
aqueles que nos construíram e
nos quebraram."
── Atticus






VERÃO⠀─ ⠀SETEMBRO 03, 9:28
⠀⠀⠀⠀Kansas City, Missouri

A MANHÃ CHEGA trazendo consigo um calor confortável e bem-vindo, os últimos resquícios do verão que estão se esvaindo em setembro. Luz do sol entra através das persianas desgastadas na janela, iluminando parcialmente alguns pontos daquele quarto de hotel surrado.

Sally mexe-se em seu colchão, torcendo o nariz quando sente seu rosto esquentando. A luz lhe incomoda, faz com que comece a despertar aos poucos até que encare o teto pardo e manchado com gotículas de água. Ela respira fundo, passando a mão pelo rosto e tentando fugir da névoa do sono que ainda a envolve.

Seu olhar borrado se direciona para a janela, vendo árvores próximas e um passarinho que passa voando por dentre dela. O vento balança seus galhos ── fracamente movimentando as folhas verdes e soltando algumas que voaram para longe. O tempo ameno fez Sally retirar o casaco que usou para se cobrir e deixa-lo de lado.

Observando o quarto, ela nota que Joel não está mais perto de Riley contra a parede. O casaco dele serve de travesseiro para a cabeça de sua irmã, que está dormindo pacificamente, coberta pelo seu próprio casaco ── o qual Sally havia deixado com ela ontem a noite antes de encontrar Henry do lado de fora. Em seguida, seu olhar varre o quarto em busca dos outros.

Joel dorme de frente para a porta e Henry está perto da parede oposta em frente a entrada do banheiro. Todo mundo ainda está dormindo e, por mais que seja bem cedo e aparente ser um bom momento para levantar e começar a caminhada, Sally decidi que eles precisam de mais alguns minutos de sono. Ela se vira no colchão, o único que há naquela sala e que os três cederam para ela, e dá as costas para o sol.

Fazendo sua mochila de travesseiro, a puxa para mais perto, deixando-a confortável e fecha os olhos, buscando dormir novamente. Um sorriso tranquilo surge em seus lábios, enquanto se deixa ser envolvida pela quietude.

Apenas para ter sua paz quebrada ao escutar gritos provindos do outro cômodo.

A porta do quarto em que Ellie e Sam dormiram é aberta abruptamente pela garota. O mais novo a persegue, descontrolado. Todos no quarto acordam alarmados pelo ocorrido, pela forma como Ellie cai praticamente ao pés do colchão de Sally com Sam em cima dela. Joel e Henry estão de pé, observando a cena que se desenrola.

Sam está tentando ataca-la, tenta morde-la a todo custo enquanto a deixa desesperada, gritando e lutando contra ele. Não há duvidas que o menino está infectado, porém não há tempo de lamentar por isso naquele momento.

── Ellie! ── Sally avança. Agarra o garoto pelos ombros, enquanto o mesmo se debate em suas mãos, grunhindo descontroladamente e a fazendo cair sentada com ele em seus braços, ainda tentando chegar até a garota. ── Riley, socorro!

Riley procura sua arma, mas percebe que não a deixou por perto como costuma fazer. Sua mochila está contra a parede oposta, perto da cômoda. Joel tenta pegar sua própria arma do chão, porém Henry é mais rápido.

── Não! ── Henry exclama, parando Joel quando ele tenta chegar até Sally e Ellie, atirando no chão perto dos pés do homem. Ele nota a movimentação de Riley, percebendo que ela quer chegar até a mochila e também aponta o revólver para a mulher. ──  Não faz isso!

── Joel! ── Ellie chama pelo homem, em meio as suas tentativas de se afastar de Sam, arrastando-se pelos cotovelos para longe enquanto as mãos pequenas do garoto tentam segurar sua perna. ── Joel!

── Riley! ── Ao escutar o chamado de sua irmã, tudo o que Riley mais deseja fazer é chegar até ela e Henry nota isso. ── Não, Sam! ── Grita para o garoto em seus braços, tentando conte-lo a todo custo.

Quando ele muda a direção e decide tentar atacar Sally, buscando chegar a todo custo chegar até o pescoço ou qualquer parte do corpo dela para poder morder, Riley chega a dar um passo a frente, porém é impedida pelo irmão do menino.

Henry nota o olhar desesperado em Riley, percebe como a preocupação inunda as feições dela ao ver Sally lutando contra Sam, gritando para ele parar e tentando com todas as suas forças controlar o menino. Adams nota o conflito na face do mais velho, percebe como ele aponta a arma para ela e Joel perdido, como se tentasse encontrar a resposta para o que deveria fazer.

Porém Henry já tinha uma resposta. Ele sabia o que tinha que fazer desde o inicio, apenas não queria aceitar. E faz isso com apenas um único tiro, rápido e fácil. Tudo acontece tão rapidamente, em um único momento, que apenas sabem que foi real por conta do som do disparo que reverbera nas paredes sujas daquele quarto de hotel barato.

Um único tiro na cabeça de Sam é o que Henry precisa para matá-lo. Os rosnados param e o garoto fica mole sobre o corpo de Sally, caindo sobre ela. As mãos dela tremem quando o afasta, deixando Sam cair ao seu lado. Sangue vermelho escuro e viscoso forma uma poça no carpete verde, respinga contra as paredes tom de pastel e a Adams observa o cadáver do menino com olhos arregalados.

Os outros também observam, sem saber como reagir ao o que acabou de acontecer. Lágrimas escorrem do rosto de Ellie e Riley está de pé contra a parede, sentindo seu coração martelando fortemente contra suas costelas.

── Ellie, Sally... ── Joel chama por elas, fazendo as duas o encararem. ── Tudo bem com vocês? ── Ele dá dois passos a frente e para quando Henry lhe aponta a arma novamente. ── Calma, calma. Me dá a arma, Henry.

Joel pede, agindo cautelosamente.

── O que que eu fiz? ── Trêmulo, Burrell pergunta.

Sally se escora no batente da porta para se levantar, sentindo como suas pernas estão fracas agora. Aquela sensação deturpa seus sentidos e a deixa zonza. Quando Henry aponta a arma na direção dela, Sally não faz muito mais do que engolir o seco e encara-lo.

── Henry, não. ── Riley tenta intervir e ele vira a arma para ela. ── Não faz isso. Se acalma, por favor. ── Ela tenta se aproximar com cautela, mesmo sentindo o nervosismo que sobe por sua espinha. ── Por favor, solta essa arma.

── O que... O que que eu fiz? ── A voz dele falha ao fazer aquela pergunta. ── O q-que foi que eu fiz?

── Henry... ── Sally murmura, mas não consegue terminar. Não há nada que ela possa dizer para ele agora, nada vai mudar o que aconteceu ou como ele se sente e o olhar que Henry lhe dá a despedaça em milhares de pedaços. Os olhos letárgicos e cheio de lágrimas não derramadas, suor descendo por sua têmpora enquanto seu corpo treme.

Henry encara o cadáver do irmão no chão e o sangue que ainda escorre.

── Sam... ── Ele murmura. ── Não...

── Me dá a arma, Henry. ── Joel pede mais uma vez e a arma volta a estar apontada para ele. ── Me dá a arma.

O olhar dele está sobre Sally novamente e aparece que o tempo para. Quando ele leva o cano da arma até sua cabeça, tudo o que ela faz é fechar os olhos fortemente pois sabe o que vai acontecer. Joel grita o nome de Henry e um disparo soa.

O grito de espanto de Ellie e Riley podem ser ouvidos, porém Sally se recusa a abrir os olhos novamente. Ela não chora ou reagi, apenas se mantém de pé com os olhos fechados, sentindo a forma como seu coração bate descompensadamente. Afunda as unhas na palma da mão e arfa.

Se recusa a acreditar no que aconteceu. Ela se recusa a ver aquela cena. Talvez assim não fosse real e tudo não se passasse de um sonho ── o que Sally mais desejava é que tudo aquilo se passasse apenas de um sonho. Um sonho muito, muito ruim. Um sonho do qual ela apenas desajava acordar.

Naquela mesma manhã, antes de partirem, eles enterram os irmãos. Riley e Joel fazem a maior parte do trabalho, vendo como Sally e Ellie estão abaladas demais para isso. Nenhum deles cobra a ajuda delas, apenas cavam um buraco na terra atrás do hotel de beira de estrada e enterram os corpos que estão enrolados em cobertores velhos que eles encontraram em outro quarto.

Os dois colocam a última pá de terra e afofam o solo, deixando o mais reto o possível. Os buracos no tamanhos dos corpos é nítido sobre a grama verde daquele campo aberto. Não há lápides, porém ainda fica claro que existem dois corpos ali ── um sendo menor do que o outro.

Riley apoia seu peso sobre a pá que mantém em pé, segurando com um braço e observando o que os dois acabaram de fazer ── observando o túmulo de dois irmãos que não mereciam o fim que tiveram. Toda vez que lembrava que Sam tinha apenas 8 anos seu coração se apertava. A palavras de Kathleen ressoando em sua mente como um eco assombroso e infeliz.

"Crianças morrem o tempo todo."

Riley estava odiando aquela frase, que apenas serviu para faze-la sonhar com uma lembrança dolorosa do passado durante a noite. Engolindo o seco, ela balança a cabeça de um lado ao outro levemente, tentando afastar a memória antes que a envolvesse em uma névoa de depreciação maior do que aquela que já sentia.

O movimento não passou despercebido por Joel, que apenas deixa passar pois Ellie se aproxima deles segurando os pertences de Joel e a o quadro de Sam. Deixa a mochila e o casaco do homem aos pés dele e se aproxima do local onde o menino está enterrado. Agacha-se e encara a terra por um momento, antes de deixar o quadro acima dela. "Sinto muito" é o que está escrito naquela folha.

Em seguida, ela se levanta e vira-se para os dois adultos, que observaram cada movimento dela desde que havia chegado perto deles.

── Pra onde é o oeste? ── Ellie pergunta a eles. Joel indica a direção com a cabeça e ela não diz mais nada ao sair.

Riley a observa se afastar, depois olha para Joel. O homem estava pensativo ao seu lado, distante. Nenhum dos dois conversou sobre o que aconteceu, eles apenas se puseram a trabalhar, procurando as pás, enrolando os corpos. Tudo foi feito com apenas alguns poucas trocas de palavras simples, nada muito além do usual.

Ela sentiu a necessidade de dizer algo milhares de vezes, porém nunca o fez. As palavras não surgiam e nada parecia certo ── o silêncio entre eles já dizia o suficiente. Riley também não conseguia tirar o que aconteceu de sua cabeça. A poça de sangue que se formou quando Henry atirou em Sam ainda estava gravada em sua mente, lembrando-a de algo que lhe assombrou em seu sono aquela noite.

Depois de tantas noites sem pensar em um dos piores acontecimentos da sua vida, Riley relembrou o que aconteceu a 10 anos atrás em Boston, quase como se fosse um mau presságio para algo de ruim que estava acontecendo.

Olhando para frente agora, Adams quer apenas afastar aquela sensação ruim. Seguir em frente parece o correto a se fazer, então respira fundo e dá alguns passos atrás, puxando a pá consigo. Busca apenas deixar aquele lugar para trás ── Kansas City e tudo de ruim que aquele lugar lhe trouxe.

── Vou chamar a Sally para que possamos continuar. ── Ela informa Joel, que ainda não se moveu de seu lugar em frente ao túmulo de Henry. ── Encontro vocês lá na frente. Não vamos demorar.

Riley deixa o objeto em suas mãos sobre o tronco de uma árvore próxima. Tendo deixado seu casaco aos pés dela, Adams o pega e o veste enquanto caminha até o estacionamento do outro lado da rua.

Sally está sentada sobre o capô de um sedan vermelho surrado e enferrujado. Seus pés joelhos estão puxados até o peito enquanto ela os abraça, olhando para nenhum lugar em particular. Mente enevoada, Riley sabe que ela está distante. Antes de começar a ajudar Joel, ela a fez trocar de roupa. O sangue de Sam manchou a maior parte da blusa que Sally vestia, assim como suas calças.

Agora a mais nova estava com uma muda de roupa nova. Camisa branca de mangas, uma blusa de flanela vermelha e caramelo por cima, calças jeans mais escura e seu tênis all star. Sally prendeu o cabelo em um rabo de cavalo alto, porém seus fios eram curtos, deixando alguns mechas rebeldes de fora sendo bagunçadas pelo vento daquela manhã.

Quando Riley se aproxima, ela não se mexe. Permanece da mesma forma que está ── encarando o nada e pensando nos acontecimentos recentes. As mochilas das duas estão sobre o capô do carro, apoiadas perto do vidro junto do arco.

── Vamos volta para a estrada. ── Ela anuncia. ── Joel e Ellie já estão prontos, só estão esperando pela gente.

── Tá. ── É tudo o que Sally diz, ao puxar sua mochila e colocar apenas uma alça sobre o ombro, porém ainda não desce de seu lugar.

── Como você está? ── Suavemente, Riley pergunta. Sally vira a cabeça e a encara, olhando para a irmã pela primeira vez desde o que aconteceu naquele quarto de hotel.

── Como eu deveria estar? ── Ela retruca, murmurando em uma voz rouca. Riley notou que ela não chorou em nenhum momento sequer, algo que acabaria acontecendo mais cedo ou mais tarde. Sally volta a encarar algum ponto distinto no horizonte. ── Que outra sensação eu deveria sentir além de tristeza? Além de me sentir um lixo? ── Ela comprime os lábios por um momento. ── Eu deveria ter tentado fazer alguma coisa...

── Sally, não tinha nada que você pudesse fazer. ── Riley responde.

── Eu não fiz nada, Riley! ── Ela a encara quando exclama. ── Eu fiquei lá parada, enquanto ele apontava a arma pra própria cabeça depois de atirar no próprio irmão pra salvar a mim e a Ellie. ── Os olhos dela brilham com lágrimas não derramadas. ── Eu não reagi, não impedi. Eu só travei e deixei ele se matar na minha frente.

── Nada disso foi sua culpa, nada que você fizesse iria mudar isso. ── Sally nega com a cabeça enquanto sua irmã tenta convence-la. Riley leva uma mão ao ombro dela. ── Eu sei o quão essa sensação é ruim, eu já estive desse lado antes. Mas nada que você dizer a si mesma sobre o que poderia ter sido feito vai ser verdade.

Riley entra na frente dela, tentando chamar a atenção dela, impedindo que mantenha seu olhar longe e que foque nela, que entenda o que ela tem a dizer.

── Sally, olha pra mim. ── Riley pede. ── Olha pra mim, Sal. ── Ela segura o rosto da irmã e faz com que a encare. ── Não foi sua culpa. Não foi.

A mais nova morde o lábio inferior tentando conter o choro, porém é em vão. Riley a puxa para perto, deixando a cabeça de Sally descansar perto do seu peito enquanto ela chora. Todas as lágrimas que não derramou antes, Sally derrama naquele momento. Seus gritos são abafados na roupa de Riley, que a acolhe a abraçando fortemente e passando a mão em suas costas.

Riley apoia seu queixo acima da cabeça da irmã, fechando seus olhos momentaneamente ao sentir como ela treme em seus braços. Riley sente-se fraca agora, sente-se mal pela forma como Sally está agora. Toda a sua vida sempre se resumiu a protege-la, a tentar a todo custo mante-la longe de tudo que era ruim desse mundo e isso não mudou mesmo quando ficaram mais velhas.

Agora, Adams sentia que havia fracassado com ela mais uma vez. Nada as preparou para o que estava por vir mas, deus sabia, se pudesse Riley faria de tudo para ter a chance de trocar de lugar com ela agora e carregar toda a dor que Sally estava sentindo.

aviso: descrição de um aborto
espontâneo; prossiga com cautela.


OUTONO⠀─ ⠀DEZEMBRO 2013, 22:56
⠀⠀⠀⠀⠀Boston, Massachusetts

Ela respira uma, duas, três vezes. Tudo dói quando faz isso e a dor não passa. O cheiro característico ao redor fica mais forte, fazendo Riley ofegar quando olha para baixo e avista aquilo que faz seu coração errar uma batida.

Sangue. Está em toda parte.

Agrupando ao seu redor, manchando suas mãos frias que deixaram marcas na parede e em sua camisa de dormir branca, roubada do armário de Ben na última vez que foi até o apartamento dele para pegar algumas coisas. Manchando seu short de dormir azul bebê que não a cobre o suficiente.

Riley não conseguia ouvir direito, tudo ao seu redor parecia um borrão. Outro suspiro agudo deixou seus lábios entreabertos e suas pernas cederam. Ela deslizou mais baixo contra a parede, ouvindo seus pés descalços fazendo sons rangentes contra o chão de ladrilhos de cor verde do banheiro, e então escorregou em seu próprio sangue até cair completamente.

A dor que brotava ao longo de sua coluna vertebral não se comparava à dor incômoda de seu útero com cãibras tão violentas que cada uma forçava um grito trêmulo de dentro da garganta da mulher, que soluçava a cada onda nauseante.

Ela ficou imóvel, como uma bola no chão, se afogando na miséria que de repente tomou conta de seu ser. Seus olhos estavam embaçados com lágrimas, mas os ruídos de choro cessaram. Riley estava apenas olhando para nada em particular., apenas ouvindo o som do próprio sangue fluindo e da água da pia jorrando, depois que tentará debilmente liga-lá para lavar o rosto.

O som do seu batimento cardíaco estava acelerado. Ela sentiu tanto frio, mas sua pele estava tão sensível que poderia sentir o suor escorrendo por suas têmporas, bochechas e, finalmente, sua mandíbula, apenas para pingar com suas lágrimas.

A mulher podia ouvir tudo, mas a batida incessante da porta que só poderia ser resultado da preocupação de sua irmã parecia tão fraca e distante. Ela se trancou no banheiro para não preocupa-la, pensando que era um problema menor, pensando que o sangue que escorria pela parte interna da coxa e aquela cãibra insuportável que veio era algo comum da gravidez, mas assim que Riley sentiu sua cabeça leve e mais sangue acumulado entre as pernas, sabia o que estava acontecendo.

── Riley, abre a porta! ── Implora Sally do outro lado da porta. Ela está batendo na madeira com o punho fechado, sua outra mão força contra a fechadura, fazendo o possível para tentar abrir e poder socorre-la. ── Por favor, Riley!

A voz quebrada dela, conseguiu ser o suficiente para fazer com que um fluxo contínuo de lágrimas rolassem pelas bochechas da mais velha. Seu olhar pousa sobre a porta fechada ao seu lado e Riley tentou chamá-lo. Nenhum músculo do seu corpo obedecia. O nome dela só saiu de seus lábios em um sussurro fraco que era inaudível por causa de suas chamadas e batidas incessantes.

Uma pergunta ocorreu na cabeça dela naquele momento doloroso: Por quê?

A sensação de culpa se apoderou de seu ser e ela teve que forçar os olhos fechados, vendo os pontos pretos em sua visão, a forma como tudo estava se tornando de mais, sendo engolida por o que estava acontecendo. Cada esforço fazia com que uma contração dolorosa devastasse seu corpo, lhe fazendo tremer no chão frio do banheiro de seu apartamento.

Fazia apenas 2 meses desde a descoberta de Riley sobre a gravidez. Os dias que se seguiram não foram os melhores, lutando contra seu próprio vício e demônios, tentando a todo custo não causar algum problema a sua saúde pela criança, Riley escalou por dentre muitos conflitos internos para continuar. Contar para Sally foi a parte mais fácil comparado a tudo que lidará. Sua irmã mais nova estava sempre do seu lado e agiu com tamanha empolgação.

Sally estava ao lado de Riley, garantindo que faria de tudo para ajuda-la com o bebê e, nesse tempo que passou, ela realmente o fez. Sempre que tinha um tempo, a mais nova estava lá para a ajuda-la, pegando mais trabalhos do que o normal na ZQ para conseguir comida o suficiente para as duas e garantir uma boa alimentação para a criança em formação.

Mas, mesmo que Sally estivesse sempre se preocupando e se esforçando ao máximo para ajudar Riley, isso não a fez se sentir melhor. Não fez o estresse, as noites mal dormidas e a falta de apetite passar. Riley aguentou por tanto tempo até quebrar, pensou estar fazendo o correto fingindo que estava bem, quando na verdade apenas acabou causando o pior. A dor que sentia era incompreensível, porém uma parte dela pensava que merecia isso.

Naquele dia, por algum motivo desconhecido até então, todo o seu corpo parecia um peso morto. Riley também tinha suores frios, como aqueles que tem durante uma febre forte. Estava tonta e sentiu que perdeu o apetite mais uma vez, decidindo passar o dia em casa dormindo.

Sally notou que algo estava errado, mas ignorou e disse que poderia ser apenas mais um sintoma de gravidez ou pelos trabalhos que ela ainda pegava aceitava na ZQ. Pensando que, se deixasse Riley descansar, tudo ficaria bem. A mais velha também pensou que precisava disso. Descansaria um pouco e logo estaria melhor.

Apenas mais tarde naquele dia, quando Sally voltou para casa e não tinha nada para fazer depois de preparar o jantar, achou que deveria subir ao lado da irmã e lhe fazer companhia até que fosse uma boa hora para acorda-la para comer. Antes que tivesse a chance, a Adams mais nova acabou dormindo também e só acordou quando percebeu que Riley não estava mais ao seu lado.

Quando abriu os olhos ao ouvir a porta do banheiro batendo fortemente contra o batente, tudo o que encontrou foi o lado da cama em que Riley estivera antes bagunçado e grandes manchas de sangue que a assustaram, fazendo com que levantasse rapidamente para tentar a chegar ela.

Agora, arrastando-se pelo chão com o que restará de suas forças, Riley tentou chegar até a banheira, saindo da frente da porta. Os chamados de Sally pararam, porém a mais jovem ainda tentava forçar a maçaneta da porta. Desesperada, tentava com todas as suas forças arrombar a fechadura, chocando seu ombro contra a madeira, chacoalhando a estrutura pelo esforço.

Riley chegou até o lado da banheira, costas contra a lateral fria de cerâmica e tentou se mover para ligar a água, mas seu corpo não obedeceu. Sentiu que sua respiração estava ficando mais superficial e os cantos de seus olhos viram manchas pretas mais uma vez. Ela tentou piscá-los e engolir para umedecer a garganta seca, mas não funcionou.

Era como se Riley estivesse paralisada e não soubesse se era por causa do seu coração partido ou pelo fato de estar sangrando sem parar.

Seus olhos piscam para a porta do banheiro quando ela ouviu um estrondo alto, seguido por um gemido alto. Chegou uma segunda vez. E na terceira vez, a porta do banheiro estava fora das dobradiças e lá estava Sally, parada na entrada, os olhos arregalados enquanto tentava absorver tudo.

As marcas de mãos ensanguentadas nas paredes do banheiro, as poças de carmesim no chão e Riley ao lado da banheira. Ela empalideceu ao vê-la, com olhos nebulosos e pele mais lavada do que um fantasma enquanto Riley estava sentada sobre seu próprio sangue.

── Oh, meu Deus- ── Ela correu até a irmã, instantaneamente ficando de joelhos ── Riley, olhe para mim... Olhe para mim, por favor... ── Sally implorou, segurando o rosto de Riley nas mãos. Ela estava respirando e seu batimento cardíaco estava presente, mas não foi o suficiente para acalmar Sally que estava frenética agora.

A mais nova não sabia o que fazer, suas mãos estavam tremendo e ela estava em pânico. Seus olhos se encheram de lágrimas não derramadas, tentando segurar o choro para que não piore a situação.

── Sally... ── Riley murmura o nome dela com os olhos semiabertos, sua voz saindo sofréga e em suspiros curtos.

── Eu 'to aqui. Eu 'to aqui, Riley. ── Repete a mais nova. ── Vou te levar pro hospital, vou pedir ajuda pra FEDRA e-

── Não ── A mais velha a impede de continuar, levando a mão ao pulso da irmã e segurando. Ela não tem tanta força, mesmo que esteja tentando segurar fortemente. ── N-Não faz isso...

── O que... Mas, Riley a gente precisa-

── Eles não vão ajudar. Não tem o que fazer. ── Responde a mulher. Sua mão deslizando do pulso de Sally e caindo em seu colo. ── Eu 'to abortando. ── Falar aquelas palavras em voz alta faz todo o corpo de Riley tremer. ── Eu perdi o bebê.

Quando Riley começa a chorar, Sally a puxa contra o peito dela, deixando que a cabeça da irmã descanse logo abaixo de seu pescoço. A mais velha segura o braço dela, apertando e manchando com suas mãos ensanguentadas.

── Está tudo bem. ── Sally tenta consola-la o melhor que pode, sua mão desce e sobe pelas costas dela. ── Está tudo bem, Riley. Não é culpa sua. ── Riley soluça contra o peito da irmã, ouvindo os batimentos cardíacos dela em seu ouvido. ── Nós vamos superar isso. Vai ficar tudo bem.

Por um tempo não muito longo, as duas ficam apenas assim. Sally é a única a falar palavras de conforto, tentando ao máximo afastar sua irmã de qualquer tristeza e da dor que a estava consumindo.

Quando ela nota que a Riley parou de tremer e soluçar em seus braços, parece o momento certo para ajuda-la a se afastar um pouco. A mais velha funga um pouco e geme ao sentir o desconforto que sobe pela sua pélvis.

── M-Me ajuda... ── Riley arfa, tentando estabilizar sua respiração e segurando fortemente na mão de Sally para se aterrar. Ela ainda sente-se fraca, cansada, apenas deseja fechar os olhos, porém luta contra isso. ── Me ajuda a levantar.

── O que vai fazer? ── Preocupação transborda na voz da mais nova.

── Entrar na banheira. ── Rouca, ela responde.

── Tem certeza que não quer ir para o hospital, Riley? ── Insisti Sally, aflita. ── A gente pode falar com a Sylvia.

── Sim. ── Responde a mulher, grunhindo quando sua irmã a ajuda a se levantar e a dor pelo esforço retorna. ── E-Eles não vão me ajudar. Ela não pode...

Ela não pode fazer nada, Riley quer dizer, mas não consegue quando suas pernas estão tremendo sem parar e um grito estrangulado sai de sua garganta.

Riley deseja dizer mais, porém não consegue por conta da dor. Em situações como aquela, o certo era esperar o fluxo de sangue passar, sinalizando que todo o resto da placenta e do feto haviam sido expelidos. Sally também sabia disso, mas o medo de algo de ruim acontecer com Riley era maior do que aquilo que ela sabia ser o certo a se fazer em ocasiões como aquela.

A Adams mais nova faz a maior parte do trabalho. Liga a água morna que começa a encher a superfície, ajuda Riley a tirar suas roupas e a ficar encostado na banheira sem acabar escorregando.

Em determinado momento, Riley sentia toda a dor calada. Ela não apenas rangia os dentes, como também fechava os olhos com força quando uma contração forte demais subia pelo seu ventre. Passou a mão pelo rosto, afastando alguns fios que estavam grudados.

O sangue deixou a água com uma pigmentação avermelhada. Riley não conseguia manter seus olhos na água ou na mancha no chão do banheiro, então se contentou em manter seus olhos fechados e respirar fundo algumas vezes.

Sally limpou o banheiro, trocou os lençóis, limpou o chão, a fez beber um pouco de água que pegou na cozinha, tudo enquanto sua irmã mais velha descansava na banheira, se afogando em seus próprios pensamentos. Também colocou água para ferver no fogão, decidindo fazer o chá e talvez preparar algo para ela comer para ajuda-la a ficar mais forte.

── Riley... Quer que eu faça mais alguma coisa? ── Em um murmúrio sereno, Sally pergunta. Parada em frente a banheira, ela sabia que não poderia fazer muito mais. Tudo o que elas poderiam fazer era esperar todo o sangue fluir até parar. ── Tem mais alguma coisa que eu posso fazer por você?

── Pode me deixar sozinha um pouco, por favor. ── Ela pede, sua garganta seca. Riley não abre os olhos para encara-la, mas imagina que a reação de Sally deve ser no mínimo aflita.

A jovem pensa em retrucar, em tentar dizer que não poderia fazer isso, não é certo que ela fique sozinha, porém acaba desistindo de insistir.

── Tudo bem. ── Murmura Sally. ── Vou terminar de fazer o chá. Volto daqui a pouco. ── Ela não obtém uma resposta da irmã, que se mantém calada. ── Me chama se... Precisar de alguma coisa.

Escuta os passos de Sally, a porta abrindo e fechando e em seguida o silêncio que se segue. Tudo o que escuta é o som de seu coração batendo agora e a leve movimentação da água morna ao seu redor. A dor não a incomodava fisicamente tanto quanto mentalmente, sabia que o que sentia logo passaria, porém a cicatriz que ficaria a atormentaria por vários dias.

Ela afundou mais na banheira, a dor surda agora ficando cada vez mais distante conforme todos os restos da placenta saíam sobre a água e o sangue cessava. Suas mãos seguraram na borda e, por mais fraca que se sentisse, Riley manteve-se assim, com a cabeça apoiada contra a borda de cerâmica. Um olhar distante para a porta fechada, focado e deturpado, agora borrado pelas lágrimas que obstruem sua visão.

Fechou os olhos mais uma vez, tentando não pensar em tudo que aconteceu. Tentou não relembrar de cada mísero segundo passado no chão daquele banheiro, passando pela pior dor da sua vida ou em como se sentia vazia. Riley tentou não pensar na forma como seu coração estava partido em milhares de pedaços agora.


AUTHOR'S NOTE. 𓏲࣪ ☄︎˖ ࣪

I. Eu juro que escrever esse capítulo acabou comigo de todas as formas possíveis, foi tristeza do início ao fim, quase não consegui escrever.

II. Essa segunda focando no flashback tem uma forte conexão com o cap, retratando um dos acontecimentos mais traumáticos pra Riley e que ela reviveu graças a fala da Kathleen. Por mais que seja a descrição do flashback, também funciona como uma descrição do que ela sonhou antes.

III. Há a possibilidade de não haver atualização na próxima semana, pois estarei estudando para as provas da faculdade. De qualquer forma, avisarei no meu mural, caso a atualização realmente não saía ou acabe atrasando.

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