𝟭𝟭 : WAYFARING STRANGERS
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CAPÍTULO ONZE :
ESTRANHOS VIAJANTES
❝ my way is rough and steep ❞
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"E a gentileza que vem,
não da ausência de violência, mas
apesar da abundância dela."
── Richard Siken
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OUTONO⠀─ ⠀SETEMBRO 2013, 07:15
⠀⠀⠀Boston, Massachusetts
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AS COISAS COMEÇARAM a ficar estranhas 2 semanas após a morte de Ben. Depois do choque, a negação e todos os estágios do luto que poderia lidar, mais consequências caíam sobre as costas de Riley a deixando acordada de madrugada. Ela tentou ignorar, agir como se não estivesse lá, porém ficava cada vez mais difícil tentar evitar o que a atormentava.
Além de as pessoas na zona de quarentena não a deixarem esquecer do que havia ocorrido, mantendo seus olhares pesarosos e lamentações extenuantes, haviam os sintomas. O cansaço, o enjôo matinal, as tonturas. Riley não era burra, ela sabia o que isso significava ── apenas não queria aceitar. Ela não queria ter que encarar.
Apenas quando Sally começou a suspeitar, agir como uma mãe coruja pairando em cima dela, é que Riley finalmente decidiu ir atrás de uma confirmação. No dia em questão, sua irmã estava trabalhando na limpeza do esgoto, deixando o caminho livre para que ela pudesse ir até o hospital sozinha. A doutora Sylvia Braun, a única que Adams tinha o mínimo de confiança, parecia ser a pessoa certa para se conversar sobre isso.
Não havia muitas pessoas na área médica pela manhã, pois a maioria dos moradores gostavam de tentar pegar os trabalhos da manhã. Alguns também tendiam a evitar o hospital a todo custo. O medo que tinham daquele lugar era alto, tanto pela insalubridade quanto pela possibilidade de entrar e não retornar mais. Médicos especializados também eram poucos, muitos forma formados na escola da FEDRA durante esse 20 anos e outros eram soldados que acabavam escalados para ajudar.
Poucos eram complacentes ou amigáveis, a opressão da FEDRA se estendia até os recantos mordidos daquele lugar, onde, as vezes nem mesmo na morte, alguns pobres bastardos não tinham paz.
O máximo que poderia evitar a ala médica, Riley evitava. Ela conseguia remédios e qualquer suprimento com Bill e Frank ou Winston. Tentava ao máximo ser cuidadosa nos trabalhos e, mesmo não sendo a melhor quando o quesito era cuidar da própria saúde, não ficava doente com frequência. Sally, por outro lado, passava mais tempo naquele lugar do que qualquer um outro.
O local onde o posto médico se encontra não é realmente um hospital, mas sim um antigo prédio de 6 andares abandonado e que serve para o seu propósito. Riley sobre os lances de escada do prédio até o terceiro andar, local onde saber que Sylvia reside. Aproveita o corredor vazio para ir diretamente até a porta do consultório dela.
Ela bate na porta branca duas vezes e espera até a doutora responder, permitindo a sua entrada. Riley respira profundamente e leva sua mão a maçaneta, tomando coragem para abrir a porta e encarar a mulher que se encontra sozinha dentro daquele cômodo.
── Riley, bom te ver. ── Cumprimenta a doutora Braun, de pé atrás de sua mesa e juntando alguns papéis. Seu tom de voz deixava claro a surpresa. ── Se estiver procurando pela Sally, ela só vai estar aqui pela tarde.
── Oi, Sylvia. Não, eu não to aqui pela Sally. ── Riley responde, aproximando-se da mesa da mulher. Incomodada, ela leva as mãos errantes para os bolsos de trás da calça jeans. ── Eu... Tenho que falar com você. Quero te pedir uma coisa.
O olhar de Sylvia se ergue das folhas para Riley e ela deixa os papéis de lado. A testa dela franze, a mulher aparenta estar confusa, porém a analisa. Adams sente-se um pouco desconfortável por ter os olhos observadores da doutora sobre si.
Ela sabe que não aparenta estar bem. Desde a morte de Ben, ela não come ou dorme direito. Tem olheiras profundas nos olhos e perdeu peso consideravelmente em duas semanas. Estava sendo um tanto negligente consigo mesma e não precisava ser nenhum médico para notar isso.
── E o que seria? ── Ela questiona.
── Antes, você precisa me prometer que não vai falar sobre isso para ninguém. ── Fala Riley, séria. ── Ninguém mesmo.
── Com ninguém você quer dizer sua irmã, certo? ── Braun cruza os braços e arqueia uma sobrancelha levemente.
── Ela e qualquer outra pessoa nessa ZQ. ── Responde a Adams. ── Preciso que você mantenha isso entre a gente porque não tenho certeza. Então, se você puder manter seu sigilo médico... Eu agradeceria.
── Prometo manter entre a gente, Riley. Mas também vai depender do que for. ── Sylvia cruza os braços. ── Pela forma que você fala, parece que vai me pedir algo horrível e eu não- ── Riley não a permite terminar.
── Não é... Algo horrível. É só... Porra...── Ela suspira, cansada. Riley passa a mão pelo rosto e toma coragem. Ergue seu olhar para a doutora mais uma vez e fala. ── Preciso de um teste de gravidez.
Ela vê o exato momento em que o olhar preocupado de Sylvia passa a ser surpreso e conhecedor. A boca dela forma um "O" e é como se tudo fizesse sentido para ela agora.
── Isso é-
── Pra mim? sim. ── Riley assente.
── Você está-
── Talvez. É uma possibilidade. ── Confirma mais uma vez. ── Uma possibilidade muito alta, mas eu... Quero ter certeza. Os últimos dias foram muito complicados, posso só estar enganada.
Sylvia assente em compreensão.
── Entendo. ── Ela diz. ── Para ser sincera, eu não sei se vou ter um teste aqui. Nem tudo que eu peço chega, sempre depende da FEDRA lembrar do que eles "julgam ser importante." E isso não é prioridade pra eles. ── Sylvia sai de trás da mesa e vai até uma estante no canto da sala. ── Eles ainda precisam fingir que se importam, é claro. Então... Você pode ter sorte.
── Pensei que você controlasse os suprimentos que recebe.
── Algumas vezes, sim. Mas também divido esse escritório com outros médicos e a FEDRA. ── Ela responde, torcendo o nariz. ── Querendo ou não, eles podem entrar aqui quando bem querem. Não há um verdadeiro controle. Consigo manter comigo algumas coisas importantes pra não haver desperdícios ou a venda "ilicita", mas não é muito.
Ela vasculha pelos armários, demorando alguns minutos até finalmente encontrar. Sylvia quase soa vitoriosa ao encontrar a caixa com o teste.
── Última caixa. Aqui está. ── Vira-se para Riley e estende a caixa.
── Obrigada. ── Ela agradece, segurando o objeto com as mais um pouco trêmulas e observando a embalagem.O rótulo está gasto e a embalagem amassada, porém o conteúdo de dentro permanece intacto e é isso que realmente importa.
── Você sabe... ── Sylvia começa a dizer, atraindo o olhar de Riley para si. ── Pode fazer o teste aqui também. Prometo manter entre a gente o resultado e pode ser mais preciso que o teste de gravidez. ── Sugere amigavelmente.
── Eu agradeço, mas... Quero fazer isso sozinha. ── Riley responde, a doutora assente compreensiva. ── Se der negativo e eu ainda não estiver convencida, volto aqui para uma segunda tentativa.
── Certo, como quiser. ── Disse Sylvia, caminhando até a frente de sua mesa e sentando-se na beirada. Riley virou-se para sair, porém foi impedida pela doutora que a chamou. ── Mas, antes de você ir... Você me permite fazer uma pergunta?
── Claro. ── Riley assente, olhando para a mulher a sua frente.
── Se estiver mesmo grávida... ── Sylvia diz. ── o que planeja fazer?
A pergunta não a pega desprevenida, mas a deixa mais trêmula. Riley já havia pensado sobre isso, porém não tinha uma resposta. Quando suas suspeitas começaram, ela apenas fez de tudo para ignorar e depois focou em dar um jeito de descobrir se realmente estava grávida ou apenas lidando com as consequências de um má alimentação e noites de insônia.
Jogou aquela pergunta impertinente para o fundo de sua mente, esquecendo-se momentaneamente disso. Agora, enquanto encarava Sylvia, aquela sensação ruim retornava e Riley sentia-se em um beco sem saída.
── Eu não sei. ── Ela responde, sincera. Umedece os lábios e olha para o teto por um momento. ── Não sei o que fazer. ── Trêmula, Riley suspira e encara Sylvia mais uma vez. Seus olhos se enchem de lágrimas não derramadas. ── Eu não quero ser mãe. Não quero colocar uma criança em um mundo como esse. Mas...
── Mas você também não quer tirar. ── Completa a doutora e Riley balança a cabeça afirmativamente. ── Sempre há a possibilidade de coloca-lo em um orfanato.
── Não vou ter um filho para coloca-lo em um orfanato da FEDRA pra que ele viva uma vida medíocre, Sylvia. Isso é pior do que criá-lo sozinha. ── Retorquiu a Adams. ── Mas também não posso criar uma criança quando sei que não vou ser uma boa mãe. Eu não sirvo pra isso. Então eu não sei o que fazer, eu não sei pra onde correr agora, porque a única pessoa pra onde eu poderia correr não está mais aqui.
── O filho é do Ben? ── Riley assente, mesmo não tendo certeza se Sylvia estava afirmando ou perguntando. Na ZQ era normal ver Ben e Riley sempre juntos, era notório a proximidade dos dois. Mesmo que não tivessem nada sério antes, as pessoas especulavam e murmuravam sobre. A maior parte do tempo, Riley os ignorava. ── Você quer ter esse bebê?
Riley arfa com a pergunta, Sylvia é séria quando a questiona. A doutora é sempre direta ao ponto, sabia que não havia rodeios com ela. Mesmo assim, ouvir aquelas palavras tão claramente, ainda faz com que Riley sinta-se tonta. Ela quer?
Quando mais nova, ela já havia pensado nisso. Casar, ter filhos, construir uma família era um sonho de garota. Teve muitos sonhos quando era mais nova. Entrar para a universidade, ter um bom emprego, viver uma boa vida. As coisas começaram a ser postas de lado quando sua mãe adoeceu, depois tudo se perdeu completamente quando o surto começou. Nada aconteceu do jeito que Riley planejou.
E mais uma vez isso estava acontecendo.
── Eu... estaria mentindo pra você se dissesse que não quero. ── Ela arfa, piscando algumas vezes para conter as lágrimas. ── Mas, as vezes, acho que vou ser egoísta colocando uma criança no mundo para fazê-la sofrer vivendo em um lugar como esse.
Sylvia assente, compreensiva.
Riley suspira e passa mão pelo rosto, limpando as lágrimas que nem percebeu ter derramado. Sylvia a ofereceu uma caixa de lenços, o qual ela aceitou e agradeceu. Guardou a caixa do teste no bolso e limpou o nariz com o papel.
── Eu não vou te convencer a manter o bebê. Nem te dizer que a maternidade é a melhor coisa que pode acontecer com você, porque não é. ── Disse Sylvia. ── Eu te garanto que passei alguns dos piores momentos da minha vida durante a gravidez e durante a criação da minha filha no meio de uma pandemia mas, no meu caso, isso serviu pra abrir meus olhos sobre muitas coisas. Principalmente sobre escolhas ruins que fiz no passado.
Descartando os lenços que utilizou em um um lixo no canto da sala, Riley retorna seu olhar para a mulher e a escuta atentamente.
── Fui egoísta muitas vezes e tenho certeza que você me odiaria se tivesse me conhecido antes. Eu me odiava. ── Ela solta um riso fraco ao apontar para si mesma. ── Mas me arrependi de muito depois que a tive. Percebi que a forma que eu lutava por um mundo melhor não era certa. Claro que me arrepender não mudaria o que eu fiz, mas... Me fez buscar por mudanças verdadeiras e uma forma de fazer as passes com o passado.
── E você acha que está melhor agora?
── Eu me odeio menos, o que já é meio caminho andado. ── Sylvia sorriu. ── Estar sozinha em um mundo como esse, cuidando de uma criança, me fez mais forte. Passar por experiências como essa fortalecem a gente. Eu sei que você me entende porque fez isso durante os últimos anos protegendo a sua irmã.
── Eu não odeio crianças, só... Nunca pareceu algo alcançável pra mim depois de tudo. ── Ela cruza os braços na frente do peito. ── Esse não era o mundo que eu queria que a Sally crescesse, também não é o que eu quero criar outra vida. ── Comenta a Adams. ── E eu não acho que vou ser uma boa mãe.
── Se o teste der positivo, saiba que existem procedimentos que podemos fazer caso não queira ter esse bebê, mas não vou mentir pra você, são arriscados principalmente pelos poucos recursos que temos na ZQ. ── Dissera a doutora, soando sincera. ── O que eu posso te dizer, como amiga e não como médica é, tenho certeza que você seria uma ótima mãe. Isso só pela forma como você pensa mais no bem dessa criança do que no seu próprio.
As palavras de Sylvia pesam porque Riley sabe que ela está certa, mesmo assim pensa em refutá-la. Ela quer listar todos os pontos que a fazem pensar que não seria uma boa mãe, mas nada sai. Seu olhar recai sobre o relógio na parede e nota que passou tempo demais no consultório.
── Nós continuamos sobrevivendo, Riley. ── Continua a doutora, antes que ela saía. ── Continuamos fazendo isso por aqueles que amamos, porque não podemos parar. Não importa o que decida, vai ser a escolha certa para vocês dois.
Ela continua pensando na conversa que tiveram depois que se despedem e Riley deixa o prédio do hospital para retornar para casa ── mantendo o teste de gravidez de baixo da blusa que veste. A conversa com a doutora a acalmou um pouco, mas ainda sente aquele peso em seus ombros que talvez só vá embora quando obter sua resposta.
A pergunta de Sylvia volta a sua mente, a assombra durante toda sua caminhada até sua casa. Não sentia-se segura sendo mãe, mas a possibilidade de não ter aquela criança também a assustava ── porque pensar naquele bebê era pensar em Ben e Ben sempre lhe trouxera conforto. Era a forma que tinha de manter uma parte dele perto.
Riley tem a confirmação que precisa quando vê as duas linhas no teste, enquanto está sentada no chão de seu banheiro. O frio na barriga não passa, porém a deixa um pouco entorpecida. Está mais preocupada com o que vai fazer daqui para frente.
O medo não foi embora, ela não sentia-se segura, mas estava disposta a dar uma chance para aquela nova vida que crescia dentro dela.
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VERÃO⠀─ ⠀SETEMBRO 02, 05:50
⠀⠀⠀Kansas City, Missouri
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── Olhem pra mim. ── Diz o garoto mais velho presente na sala, aquele que aponta uma arma para Sally e Ellie. ── Olhem pra mim. ── Insisti ele, fazendo Riley e Joel obedecer. ── Vocês não tem o que pensar no que dizer.
── Bom, porque eu não estava afim de conversar mesmo. ── Riley disse, ríspida. Seu olhar está semicerrado, tanto pela raiva quanto pelo álcool que ainda permanece em seu sistema.
── Nós não queremos machucar vocês. ── Continua o rapaz. ── A gente quer ajudar.
Os dois permanecem encarando-o por um momento.
── Tá bom. ── Resmunga Joel, em um tom áspero.
── Tá bom.. É... ── O garoto soa incerto, passa seu peso de um pé ao outro. Riley nota como ele aparenta estar sem saber como prosseguir. ── Eu não sei qual é o próximo passo em uma situação dessas, mas se eu abaixar a arma... A gente não machucou vocês. ── O olhar dele passa por Riley e Joel e ela entende que a preocupação do rapaz é em relação a eles. ── Então não machuquem a gente. Tá?
── Tá bem. ── Responde o Miller, com o mesmo tom de antes. Algo que não agrada o garoto.
── Ai, eu não gostei do seu tom, irmão. ── Diz ele, nervoso.
── Ele fala sempre assim, ele tem esse tom de babaca. ── Ellie intervem. ── Joel, fala que tá tudo bem.
── Tá tudo bem. ── Repete Joel. Agindo da mesma forma.
── Riley. ── Ellie olha para ela com um olhar suplicante, quase como se implora-se para que a Adams fizesse alguma coisa. ── Faz alguma coisa, caralho.
Riley ergue o olhar de menina para o rapaz com a arma.
── Se continuar apontando essas armas pra elas, vou fazer você engolir isso e não vai ser pela boca. ── Disse ela.
── Ai cacete. ── Pragueja Ellie.
── Por que você achou que seria uma boa ideia pedir pra ela ajudar?! ── Sally questiona, encarando a garota. Elas estão começam uma mini discussão entre si.
── Foda-se. ── Xinga o rapaz desconhecido. ── Ok. Olhem só. Eu vou confiar em vocês. Não porque você me ameaçou... ── Comenta olhando para a Adams. ── Mas porque eu preciso fazer isso.
Ele olha para a menino que aponta uma arma para Joel, chama a atenção dele e fala com ele com linguagens de sinais. Nota-se que o mais novo tem uma pintura em seus olhos, formando uma mascara laranja feita com tinta. Riley não entende o que eles conversam, porém vê que é o suficiente para a criança assentir e ir para o lado, saindo da direção direta acima de Joel e ainda assim mantendo o revólver na direção do homem.
── Posso sentar? ── Miller pergunta, ainda desconfiado e transbordando irritação. Ele permite e Riley acompanha Joel quando se senta.
── Quem são vocês? ── A mulher questiona.
── O meu nome é Henry. ── Responde o mais velho. ── E esse é o meu irmão, Sam. ── Ele pondera por um momento antes de continuar. ── Eu sou o cara mais procurado de Kansas City. ── Joel deixa de olhar para o mais novo para encarar Henry, Riley fica consideravelmente alarmada pela informação. ── Se bem que agora... ── Ele diz enquanto abaixa as armas que segura. ── Acho que vocês dois estão quase me alcançando.
Joel e Riley entreolham-se em uma conversa silenciosa.
Tentando prolongar a tranquilidade e cedendo a Henry o momento necessário para se explicar, eles logo se encontram sentados em circulo na sala. Sally coloca a lamparina para iluminar no meio da sala, deixando aquele cômodo escuro mais claro para que eles possam ver cada um adequadamente.
Riley, Joel, Ellie e Sally ficam mais próximos uns dos outros, encarando Henry e Sam que estão a sua frente enquanto eles comem a comida que os demais cederam. A comida que mantém guardada não é muita, mas acaba sendo o suficiente para todos. Garrafas de água são compartilhadas no silêncio daquela sala. O único som que escutam é da mastigação constante dos irmãos e dos outros que, as vezes, comem um pouco.
── Onde conseguiram isso? ── Henry pergunta ao mastigar a carne seca.
── Com o Bill. ── Sally responde por eles. Tentando soar amigável, porém um pouco na defensiva. ── Ele morreu. ── Ela parte um pedaço da comida e leva a boca, enquanto Joel e Riley a encaram.
O olhar de Henry também fica sobre Sally por um tempo, ponderando sobre as palavras dela e a deixando um tanto desconfortável. Até que ele desvie quando ela limpa a garganta e pega a garrafa para beber um pouco de água.
Eles ficam um tempo em silêncio mais uma vez, Joel passa sua parte da comida para Sam que pega de bom grado. Ele cutuca o irmão mais velho e fala com ele por sinais.
── Ele agradeceu. ── Explica Henry, falando com Joel. ── Vocês não devem ter muito então... Valeu mesmo.
── Quantos anos ele tem? ── Ellie pergunta antes que o silêncio perdure mais uma vez. Henry fala com ele por sinais mais uma vez, referindo-se a pergunta de Ellie. Sam responde a sua maneira.
── Oito. ── O mais velho diz em voz alta.
── Legal. ── Comenta a garota, sorrindo. ── Eu sou a Ellie. ── Diz ela para eles. Henry explica o nome dela para Sam. ── E essa é a Sally. ── Aponta para a mulher ao seu lado, Henry repete os atos de antes e Sally acena para Sam amigavelmente.
Olhando para Joel, Ellie bate no joelho dele e lança um olhar para Riley, que apenas ergue a sobrancelha para ela, desinteressada.
── Eu me chamo Riley. ── Ela diz. Em seguida, encara Ellie. ── Feliz?
── Olha, eu sou o Joel. Vocês comeram, a gente não se matou, todo mundo saiu ganhando. Podemos ir?
── Eu aposto que vocês subiram aqui para ver melhor a cidade e planejar uma saída. ── Henry comenta, após limpar as mãos uma na outra ao acabar de comer. ── Quando amanhecer... Eu mostro.
Henry cumpre com o que promete e, assim que o sol nasce no horizonte, eles sobem as escadas para um andar mais alto. É uma antiga sala de reuniões vazia, que tem uma vista ampla da cidade através de suas vidraças.
Joel e Riley ficam ao lado dele, observando a cidade de longe. Sally está atrás deles, sentada na borda da longa mesa de madeira que fica no centro da sala, prestando atenção na conversa. Ellie e Sam estão sentados na parte oposta da mesa, longe o suficiente para não escutarem o eles conversam e absortos demais na conversa que tem entre si.
── Bem-vindos a Kansas City. ── Anuncia Henry, enquanto os olhos de Riley percorrem a cidade.
── Não tem FEDRA? ── Ela questiona.
── A 10 dias, não mais. ── Responde ele.
── Sempre soube que a FEDRA daqui eram-
── Monstros, selvagens. ── Completa Henry, assentindo. Ele olha para Riley enquanto fala. ── É tudo verdade. ── Desvia o olhar, porém os dois dos adultos permanecem sobre ele. ── Estupraram, torturaram e mataram por 20 anos. Sabe o que acontece quando você faz isso com as pessoas? Assim que elas podem, fazem o mesmo com você.
── Mas vocês não é da FEDRA. ── Joel comenta, mantendo seus braços cruzados.
── Não. Sou pior. ── Henry demora para continuar a falar. ── Eu sou um apoiador.
Apoiador, alguém que trocou informações com a FEDRA por melhores condições de vida. Uma forma mais "culta" de se referir a traidores.
── Vocês é a porra de um informante? ── Riley exclama, irritada.
── Não trabalhamos com informantes. ── O homem ao lado dela responde, balanço a cabeça de um lado ao outro.
── Ah, trabalham sim. Hoje trabalham. ── Afirma o rapaz, sorrindo ladino. ── Porque eu moro aqui e vocês não. Foi assim que eu segui vocês, eu conheço a cidade e é assim que eu vou ajudar vocês a sair.
── Por que essa ajuda? ── Sally questiona.
── Eu vi o que eles fizeram. ── Henry responde olhando para ela, porém aponta para Riley e Joel. ── Mataram aqueles caras na loja. Eu sei pra onde ir, mas não sei como chegar lá vivo. Não sozinho e com o Sam.
── Parece bem competente e está armado. ── Disse Joel.
── Nenhum e nem outro. Eu nunca matei ninguém. E apontar duas armas sem munição para vocês foi meu maior ato de violência. ── Ele fica em silêncio por um curto momento, seu olhar nunca permanece no de Joel por muito tempo. ── Então é o seguinte... Eu mostro o caminho, vocês abrem o caminho.
Eles pensam sobre o Henry sugere, ficando em silêncio por um tempo. Risadas infantis enchem a sala, atraindo o olhar dos quatro adultos para as crianças. Ellie mostra algo para Sam na revista que faz o menino gargalhar, ela o acompanha, rindo da mesma forma. Sally sorri observando a cena e, por mais um breve momento, as feições de Riley suavizam.
── Tem muito tempo que eu não escuto isso. ── Comenta Henry, referindo-se a risada do irmão. Joel desvia o olhar para as vidraças mais uma vez, sua mente parece distante.
── Pode nos dar um momento? ── Ele pede a Henry. O rapaz o encara. ── Precisamos conversar sobre antes de aceitar sua proposta. ── Joel aponta para ele mesmo e Riley.
Assentindo, Henry afasta-se o suficiente para dar espaço aos dois e Sally faz o mesmo, indo para o fundo da sala ficar com Sam e Ellie. Joel suspira audivelmente, quando torna-se apenas os dois naquele lugar.
── Então, o que você acha? ── Ele pergunta, asperamente. Seu tom de voz é grave, porém baixo. O suficiente para apenas Riley escutar.
── Está mesmo perguntando a mim? ── De braços cruzado, Riley retruca.
── Precisamos estar de acordo, não é isso? ── Joel olha para ela. ── Nós dois estamos a frente aqui. Tenho saber o que você pensa também.
Suspirando profundamente, Riley concorda com ele.
── Sinceramente, eu mentiria se dissesse que a ideia não me agrada. Por mais que ainda estou irritada por ter sido surpreendida de madrugada, ── Comenta, colocando as mãos nos bolsos de trás da calças jeans. ── acho que ele pode realmente ajudar a gente a sair daqui.
── E os riscos? Já temos que cuidar de duas pessoas. Vamos ter que garantir a segurança de quatro mais a nossa?
── Joel, seria arriscado de qualquer forma. ── A Adams responde. ── A diferença é que não sabemos nada de Kansas City além do básico. Se ele nos guiar por um bom caminho, já vai ser menos um problema. Ou você que ficar rodando por esse lugar até bater de frente com mais gente maluca? Porque, sinceramente, eu não estou afim.
Joel não responde, mas cruza os braços e olha para frente. Ela sabe que ele vê a situação da mesma forma que ela, porém só está relutante e preocupado.
── Ele é só um garoto tentando proteger o irmão, Joel. ── Riley disse. ── Eu sei bem o que é isso. Eu sei o que é estar desse lado da história. ── Ela se inclina para o lado, chamando a atenção dele. ── Vamos dar uma chance e ver no que dá, mas eles não são nossa prioridade aqui.
Após ponderar sobre que Riley disse, Joel assente.
── Ok. ── Ele fala. ── Você está certa. ── Riley sorri timidamente.
── Viu? Você não morreu por dizer que estou certa pelo menos uma vez ── Ela provoca.
── Cale-se. ── Joel murmura, meio irritado. Em seguida ele chama Henry, que volta a aproximar-se deles. ── Como a gente vai sair?
Henry pega uma folha e um lápis. Desenha sobre ela um retângulo que deve servir para ilustrar Kansas City. Sally, Joel, Ellie e Riley estão em volta enquanto ele faz isso, prestando atenção no que o rapaz tem para dizer.
── As estradas, o centro... ── Ele circular a área no centro do retângulo para frisar sua fala. ── a gente. ── Aponta para um lugar em branco dentro da marcação. ── Essa área aqui toda é da Kathleen.
── Quem é Kathleen? ── Pergunta Sally. ── É ela quem está no comando?
── Ela é a líder da resistência. ── Henry responde. ── Podem reparar que a gente está cercado de estradas. ── Ele pontua apontando com o lápis para cada uma das quatro estradas que colocou no desenho. Seus números estão em cada lado do retângulo. ── Tem gente posicionada cercando essa área inteira. Se a gente chegar perto, pegam a gente. Sem dúvida. Então, como a gente atravessa?
A pergunta que é para eles, é respondida por Sam. Henry chama a atenção do irmão, que está sentado a alguns centímetros de distância deles, desenhando. Comunicando-se com ele através da linguagem de sinais, Henry faz Sam escrever algo no quadro que usa para comunicar-se com as outras pessoas. Quando termina de por a palavra, mostra o que está escrito para o grupo.
Túneis.
── Sério? ── Riley questiona, no que Henry assente.
── Tem metro em Kansas City? ── Joel pergunta, com o cenho franzido.
── Não, mas tem túneis de manutenção. Vários prédios foram construídos pela mesma construtora e todos tem túneis de acesso. Inclusive um banco que fica aqui. ── Ele aponta para um local que fica na mesma linha da rodovia 65. ── A gente entra nos túneis, passa por baixo e sai do outro lado.
Henry mostra cada passo no papel, tentando convence-los de seu plano.
── Norte da zona oeste, residencial. ── Ele continua. ── Tem um declive do outro lado das casas. A gente desce, atravessa o rio pela ponte e tamo' livre. ── Henry sorri.
── Beleza. É o um ótimo plano. ── Joel disse. ── Precisam de mim e da Riley pra quê?
Henry parece inquieto, pensando no que dizer a seguir. Riley percebe que tem algo que ele está inseguro em dizer.
── Não reparou em nada estranho nessa cidade? ── Diz o rapaz, intercalando o olhar entre os quatro. ── Nenhum de vocês reparou? Além das paradas estranhas que vocês já viram.
── Os infectados. ── Riley comenta. Henry assente. ── Onde estão?
── Eles não estão na superfície. ── Responde ele.
── Estão... De baixo da terra? ── Ellie questiona, confusa.
── A FEDRA prendeu todos lá embaixo a 15 anos e nunca mais deixou subirem. ── Explica o rapaz. ── A única coisa boa que esses fascistas fizeram.
── E você quer que a gente entre no túnel? ── Irritado, Joel o questiona.
── Todo mundo pensa que tá cheio de infectados. Inclusive a Kathleen. Ou seja, a gente não vai esbarrar com o pessoal dela.
── Mas corre o risco de esbarrar com infectados. ── Sally retruca. ── Sabe, não estou vendo tanta vantagem assim. ── Ela ri fracamente, com olhos vidrados de medo contido. ── Qual é o caminho que a gente não se fode?
── O caminho que estou mostrando pra vocês é o melhor caminho. ── Disse ele, convicto. ── Querem saber um segredo? Tá vazio. Não tem infectados lá.
── Como você tem tanta certeza? ── Pergunta a Adams mais velha. Braços cruzados e olhos semicerrados para Henry. ── Você já desceu?
Ele suspira.
── Não.
── Porra. ── Riley ri, irônica. ── Cara, você não tá ajudando.
── Olha, um cara da FEDRA com quem eu trabalhei, falou que estava limpo. Completamente. ── Garantiu ele. ── Eles limparam. Tudo.
── Quando? ── Ellie pergunta.
── Já faz uns... 3 anos.
Com a resposta dele, Joel debocha e balança a cabeça de um lado ao outro. Riley passa as mãos pelo rosto, frustrada. Ela estava começando a se arrepender de dar ouvidos ao Henry.
── Tá, pode até ser que tenha um ou dois, mas vocês dois dão conta. ── Os olhos de Adams e Miller dispararam na direção dele.
── Claro, todo o trabalho difícil fica nas nossas costas. ── Resmunga a mulher. ── Eu não to vendo vantagens nesse plano, já que vai ser o meu pescoço que vai ficar em jogo.
── E se tiver mais? ── Joel questiona. ── E se não for só um ou dois, mas sim vários deles?
── Ou um daqueles cegos que parecem morcego. ── Adiciona Ellie.
── Estalador. ── Riley a corrige.
── Espera ai, vocês já viram um estalador? ── Henry pergunta, olhando de Riley para Joel.
── Três.
── E ainda estão vivos? ── A pergunta dele é retórica. ── Viram só? São as pessoas certas. Se a coisa ficar feia lá embaixo, a gente vira e volta por onde a gente entrou.
── Então, esse é o seu ótimo plano? ── Questiona Miller, ainda irritado. Sua voz está um tom mais alto.
── Não esse é o meu plano arriscado pra caralho. ── Henry responde. ── Mas, pelo o que estou vendo, é a única chance.
Joel e ele se encaram por um tempo, uma série de conflitos passando pela mente do homem mais velho. Riley não gosta de concordar, mas sabe que Henry está certo. A desagrada ter que lidar com possíveis infectados, porém sabe que pode ter muitos mais homens de Kathleen a espera, bem mais preparados para para-los do que eles estão no momento. Eles tem poucas armas e poucas munições agora.
Se Henry estiver realmente certo, eles saem sem chamar a atenção daqueles que estão na cidade. Na pior das hipóteses, eles lutam por suas vidas e fogem. Ela já lidou com infectados antes, sabe o que fazer e tem certeza que Joel também. Riley não poderia ser metódica agora, mas sabia que na hora seria. Faria o que fosse preciso para manter sua irmã em segurança, ela eraa sua prioridade.
O olhar de Joel sobre si chama sua atenção. Sua sobrancelhas se erguem quando eles se encaram. A feição pensativa de Riley se desfaz para esperar o que ele tem a dizer.
── O que acha? ── Pergunta ele. ── Ainda concorda com isso? ── Ele se refere a ajuda de Henry, ao o que haviam conversado antes.
── É isso ou arriscar outro caminho. ── Ela responde. ── Nas duas direções, a gente corre risco de morrer. Podemos tentar aquela que passa pelo menos um pouco de segurança. ── Adams dá de ombros. ── Mas você quem sabe, Joel. O que você decidir, eu topo.
Eles ficam em silêncio, Joel ainda pensando sobre aceitar ou não a ideia de Henry. Algumas batidas na mesa chamam a atenção, fazendo com que todos olhem para Sam. Ele pergunta algo a Henry através de sinais.
── Estão falando ── O mais velho começa a dizer enquanto se comunica por sinais com o irmão. ── que vão ajudar a gente a fugir.
Sam assente, dando um pequeno sorriso. Em seguida ele retorna sua atenção ao desenho que faz na tela.
── Não é? ── Henry pergunta para eles. Todos encaram Joel, esperando por uma resposta.
Riley já sabe o que ele vai decidir.
Chegar até o banco mostrasse uma tarefa fácil, assim como descer até os túneis de manutenção. O local é úmido, apresenta um cheiro característico de uma zona abafada. Sem luz, eles utilizam lanternas para se guiarem no meio daquela escuridão.
Horas antes de seguirem o plano de Henry, Riley e Joel contaram os suprimentos que ainda tinham. Além do revólver de Ellie, tinham a magnum de Joel e o rifle de Riley. O arco com as flechas agora estava com Sally, que também mantinha algumas facas de arremesso guardadas. As munições eram poucas, por isso precisariam economizar ao máximo.
Joel assume a frente, Henry vai logo atrás dele. Sam e Ellie ficam no meio, enquanto as duas irmãs ficam para trás em determinado momento, deixando Riley livre para conversar com Sally a sós. Seus passos são mais lentos, aumentando a distância entre o grupo gradativamente. Riley só fala quando sente que tem o suficiente de privacidade. Sally demora a se dar conta do que ela está fazendo.
── Não sabemos o que nos espera mais a frente. ── Riley manteve o tom de voz baixo para que os outros não a escutassem. Para a sua sorte, estavam muito focados no caminho. ── Por isso, estou firmando uma nova regra entre a gente: nada de correr riscos desnecessários.
── O que quer dizer com isso, Riley? ── O cenho de Sally estava franzido ao fazer a pergunta. Ela encara a irmã enquanto caminha pela passagem.
── Quero dizer que ── Olha brevemente para frente para ter certeza de que ninguém está prestando atenção, depois retorna a focar na mais nova. ── se a situação apertar, não se coloque em perigo por ninguém. Salve a sua vida primeiro.
── Nem mesmo pela Ellie? ── Questiona Sally. ── Temos que protege-la, não temos?
── Ela é imune, você não. ── Responde Riley, asperamente. ── E ela tem o Joel para protege-la. Você é a minha responsabilidade. No fim, sempre temos uma a outra. Mas não dá pra ficar bancando a heroína. Se necessário, você faz o que é importante pela sua própria vida, não pela dos outros. Entendeu?
── Quer que eu seja egoísta, é isso?
── Não. Quero que você seja esperta. ── Retruca a Adams. ── Apenas faz o que estou te pedindo, ok? ── Ajeitando a alça da arma em volta de seu corpo, ela apressa seus passos antes de encerrar a conversa. ── Não se arrisca por nada.
Sally suspira, cedendo. Ela não está interessada em entrar em uma discussão com a irmã naquele momento, não achando apropriado.
── Tá bom, como quiser. ── Ela murmura, mesmo a contragosto. Riley assente, parecendo satisfeita com a resposta de Sally. ── Mudando de assunto, podemos falar sobre o que aconteceu mais cedo?
── O que?
── Você não ter escutado quando Henry e Sam entraram. ── Responde Sally. ── Seja verdadeira comigo. Vocês bebeu antes de dormir?
Riley suspira, desviando o olhar para a frente.
── Sally, eu- ── A mais nova a interrompe antes que ela possa continuar.
── Fala a verdade, Riley. Sim ou não? ── Indaga a Adams. Riley percebe que não vai ter para onde fugir, mentir não parece ser uma opção viável quando ela já praticamente se entregou.
── Sim. ── Ela murmura. Sally respira, exasperada. Nota-se o quanto está frustrada. ── Olha, eu não fui a única que não escutou eles entrando. Você também não ouviu, então por que está com raiva de mim?
── Eu escutei eles entrando, só não tive tempo de reagir. Eu e Ellie fomos as primeiras a escutar, tanto que ficamos sobre a mira de duas armas. ── Retruca a Adams mais nova. ── O meu problema não é você não ter escuta, foi o porque que não escutou. Riley, você precisa parar.
── Eu não bebo o tempo todo. É apenas quando se torna necessário.
── Não tenta agir como se a bebida fosse um remédio agora. Isso não é saudável e vai acabar te matando. ── Responde ela. ── E se o Joel descobrir, vamos ter um problema.
── Eu não me importo com o que ele pensa.
── Céus, a questão não é essa e você sabe disso. ── Sally se controla para não para não aumentar o tom de voz e as duas se encaram. ── Só... Eu me importo com você e, assim como você não quer me ver em perigo por causa das outras pessoas, eu não quero que ver você em perigo por causa da bebida. Então, por favor, durante essa viagem, tenta parar ok?
Riley gostaria de dizer para ela que não era tão simples assim, porém o olhar Sally a lança não lhe dá coragem para retrucar. A preocupação que banha suas feições é clara, faz Riley recordar de sua mãe e a deixa desconfortável. Ela se sente envergonhada ── principalmente por estar recebendo sermão de sua irmão mais nova ── porém sabe que Sally está certa.
Poderia estar sobre controle agora, mas teriam mais riscos pela frente. Riley sabia que de alguns goles poderia acabar virando uma garrafa inteira durante a madrugada, tudo isso para conseguir dormir mais do que 3 horas por noite. E então, ao invés de Joel não escutar dois irmãos aproximando-se sorrateiramente, poderiam ser saqueadores ou infectados. Sabia que nenhum desses dois estaria indo até eles para pedir ajuda.
── Ok. Você está certa. ── Ela concorda, desviando sua atenção para o caminho. ── Eu vou parar.
Joel abre uma porta que leva a uma nova área do túnel de manutenção. Um longo corredor com fileiras de tanques de água do lado direito e painéis de energia no lado esquerdo, onde a uma escada que leva para uma parte elevada. Goteiras caem do teto quebrado, deixando pequenas poças no chão sujo de cimento.
Eles param na entrada, o grupo se amontoando enquanto observam ao redor. Riley está ao lado de Joel agora, ainda mantendo o rifle nas mãos. Não há nada de perigoso a vista, nada para se alarmar. Porém ela ainda prefere estar prevenida.
── Tá vendo? Tudo vazio. ── Transbordando satisfação e presunção em seu tom de voz, Henry exclama. ── O plano deu certo.
── Shh. ── Joel pede para que ele fique quieto, quando lhe lança um olhar zangado. ── O plano deu certo? ── A pergunta retórica é feita em um tom baixo. ── A gente está aqui há dois segundos, não tem nenhuma garantia.
── Seu pai é meio pessimista, ein? ── Olhando para Ellie, ele comenta.
── Ele não é meu pai.
── Eu não sou o pai dela. ── Os dois falam ao mesmo tempo.
── Sério? Pensei que vocês quatro fossem uma família. ── Comenta Henry, um pouco confuso. Eles negam. ── Vocês dois não são casados ou algo do tipo? ── Ele aponta para Riley e Joel.
── Ainda estou lúcida. ── Riley responde, soltando uma risada de escárnio. Enquanto Sally tenta conter o riso mordendo o lábio inferior.
── Ela não é minha esposa. ── Joel pontua, por fim. ── Agora aponta essa lanterna para frente e se prepara para correr.
Eles retomam o passo, Joel mantendo-se centímetros a frente. Riley nota que a conversa não o agradou muito, porém ela limita-se apenas a segui-lo. Agora ela fica mais perto dele, alguns passos atrás.
Por um longo tempo, eles permanecem caminhando, adentrando em vários corredores pelo túnel, esperando encontrar um caminho que os leve para uma saída. Isso se mostra possível quando chegam em frente a uma porta amarela. Desenhado redor dela, nas paredes, estão vários desenhos coloridos.
Em volta da porta há o desenho de um castelo como se arremetesse a entrada do mesmo. Pelas paredes na laterais, há um extenso campo, girassóis e arco-iris. As pinturas fascinam Ellie e Sam, que observam cada detalhe com grandes olhos curiosos, carregados de um brilho infantil.
Eles ficam parados por um tempo. As lanternas passam por cada desenho e seus olhos os seguem, sem dar qualquer passo a frente. Sam pergunta a Henry se pode ir, interessado em descobrir o há do outro lado da porta. Quando Joel e Riley notam o menino quase passando por eles, os dois o impedem.
── Não. ── Eles sussurram, negando com a cabeça. O garoto da passos para trás, Henry o segura e os adultos o encaram.
Parte de Joel a iniciativa de ser o primeiro a entrar e verificar a segurança do lugar. A porta está fechada a muito tempo e é pesada, ele tem que fazer um grande esforço para conseguir empurra-la. Riley ajuda, utilizando o ombro contra o espaço vago ao lado de Miller, até que eles tenham passagem o suficiente para adentrar naquele cômodo.
A sala é um bunker com várias pinturas infantis nas paredes. Há também várias estantes com brinquedos e livros ── e mais espalhados pelo chão ──, mesas e cadeiras feitas para crianças e uma parede no fundo da sala onde está desenhado linhas pretas que formam metade de um quadrado, faltando apenas a parte de baixo, e a palavra "gol" escrita dentro das marcações.
A luz do sol adentra de buracos no teto onde estão os ventiladores que não funcionam, a sombra deles é projetada no chão. Ar fresco entra, o que não deixa a sala abafada e também não há goteiras, porém uma fina camada de poeira cobre a maioria das coisas.
── Já ouvi falar de lugares assim. ── Comenta Joel em um determinado momento em que todos estão juntos na sala. ── Gente que veio para debaixo da terra depois do dia D.
── Construiram bases, supostos refúgios seguros. ── Riley completa, observando um quadro branco na parede que tem "regras da casa" escrito nele e uma lista de 5 coisas que eles deveriam fazer, como manter as portas sempre fechadas e pedir uma senha sempre que alguém quiser entrar.
── O que aconteceu com eles? ── Pergunta Ellie.
── Vai ver não seguiram essas regras e acabaram infectados. ── Responde Joel, inclinando a cabeça para o quadro levemente.
── Qualquer coisa pode ter acontecido. ── Adams caminha pela sala, passando a lanterna pelas pinturas na parede. Todos tem traços infantis, são simples e já estão gastos pelo tempo. Passam a sensação de estar no jardim de infância novamente. ── A única coisa que tenho certeza é que já não estão aqui a muito tempo.
Ellie e Sam juntam-se em uma mesa azul perto de vários brinquedos. O garoto senta e ela deixa sua lanterna e arma sobre a superfície plana. Mexendo em alguns brinquedos, Ellie faz o garoto sorrir. Riley observa a cena enquanto passa, porém não diz nada.
Sally para em uma estante de livros, observando as lombadas para ler os títulos. A maioria dos exemplares são para crianças, histórias antigas para colorir, outras com contos infantis. Ela demora para encontrar algo que realmente a agrade, porém um livro em particular chama sua atenção. Ela retira o caderno de desenho e folheia as páginas, notando que está todo em branco. Momentos atrás, lembra-se de ver Ellie e Sam utilizando o quadro do menino para desenhar.
Caminha até os dois com o caderno em mãos. Sally agacha-se na altura deles ao invés de puxar uma cadeira e deixa o objeto sobre a mesa, deslizando o mesmo até parar em frente as duas crianças.
── Para vocês dois. ── Ela se comunica com ele através de sinais, porém também fala para que Ellie também entenda. Sam sorri ao pegar o caderno.
── Você sabe libras? ── Ellie a questiona.
── Um pouco. Aprendi com uma pessoa na ZQ. ── Sally responde. ── Ela passava muito tempo no hospital e eu gostava de ajudar por lá. Acabamos virando amigas e ela me ensinou alguns sinais.
Sam ergue o olhar para ela e agradece fazendo os movimentos com as mãos. Ela faz um carrinho no cabeça do menino, sorrindo suavemente de volta e ficando de pé. Antes que Sally se afaste, ele escreve algo em seu quadro e mostra para ela.
"Gostei da sua pulseira" está escrito no papel.
Ela olha para o próprio pulso e encontra uma feita a mão com fitas vermelhas, verdes e amarela. Está presa a tanto tempo, que Sally nem ao menos se recorda dela a menos que olhe para a própria mão. Sorrindo pra ele, ela pega o quadro e escreve de volta.
"Obrigada. Foi eu mesma que fiz."
Ela mostra o que está escrito para ele, depois a apaga e escreve mais uma vez.
"Posso fazer uma pra você quando sairmos daqui."
Os olhos de Sam brilham e ele assente. Sally sorri.
── E pra você também, Ellie. ── Sally completa, incluindo a menina na conversa.
── Sério? ── A Adams assente. ── Valeu.
Riley está perto, ao lado deles enquanto vasculha algumas gavetas. Sally a puxa pelo pulso, fazendo sua irmã a encarar assustada. Ela mostra pra Sam que Riley também tem uma em seu pulso direito, feita com o mesmo material e com as mesmas cores.
"Pulseiras da amizade", ela escreve no quadro quando deixa a mais velha ir e para de chacoalhar o pulso dela para apresentar o objeto.
── Tinhamos um colar antes, mas Riley "perdeu" o dela. ── Sally comenta, fazendo aspas com a mão antes de devolver o quadro para Sam.
── Ei, eu não menti. Realmente perdi o colar durante um trabalho. ── Riley retruca. ── Acha mesmo que eu perderia de propósito?
── Você disse o mesmo daquele sapato de macarrão que eu te dei no seu aniversário. E, advinha só, eu encontrei ele sendo mastigado pelo cachorro do nosso vizinho, Spark, três dias depois!
── Isso foi diferente, o sapato era horrível. ── Confessa a Adams mais velha.
Sally começa a reclamar, porém Riley não lhe dá atenção, apenas revira os olhos e faz uma careta que diverte Ellie e Sam. Quando sua irmã cansa, parte para uma outra área do bunker, ficando fora de vista.
Seu pé acaba pisando em algo que a quase faz escorregar. Riley olha para baixo para encontrar uma revista em quadrinhos. Ela pega a edição de Savage Starlight ── uma HQ que ela não reconhece ── e folheia as páginas. Enquanto faz isso, acaba notando o olhar de Sam nela. O garoto parou de desenhar e olha fixamente para o que ela tem nas mãos.
Riley percebe que ele deve gostar da dita HQ e a oferece para ele. O menino fica mais empolgado, aceitando o "presente" e folheando as páginas com atenção redobrada. Ellie, que antes estava mexendo no armário, vira-se quando escuta o barulho das páginas e também fica surpresa.
── Caralho. Onde você achou isso?! ── Ela exclama empolgada, vendo as ilustrações.
── Eu pisei sem querer. ── Riley respondeu, notando que Sam não a responderia, pois não a escutava. ── Vocês parecem gostar bastante disso.
── É a melhor revista em quadrinho que existe. ── Ellie disse. ── Eu tenho algumas comigo, mas faltam vários volumes.
Riley os observa conversando pelo quadro de Sam, vendo quando eles dizem um para o outro quais os volumes que tem. Ela faz uma nota mental de tentar encontrar mais dessas revistas pelo bunker, apenas para o caso.
Enquanto isso Henry sorri ao ver seu irmão e Ellie empolgados por uma revista em quadrinhos. Os dois reproduzem a fala da revista, falando juntos o que é uma frase de efeito da HQ.
── "Ir aos limites do universo e voltar, resistir e sobreviver." ── Ela diz em volta alta, enquanto espelha os movimentos que Sam faz em libras. ── Isso ai porra! ── Exclama, empolgada. Os dois rirem, batendo suas mãos uma na outra.
── Silêncio, não saímos ainda. ── Joel intervém quando eles ficam altos demais.
── Ah, qual é. Vamos descansar aqui um pouquinho, pelo menos tem coisa pra fazer aqui.
── Não ia fazer mal esperar escurecer um pouco. ── Henry mantém as mãos nos bolsos quando sugere. ── É mais seguro no escuro quando a gente for sair do outro lado.
── Não é uma má ideia. ── Sally comenta, dando de ombros.
── Por mim, tudo bem. ── Riley concorda. ── Acho que vai ser bom parar um pouco.
O olhar de expectativa de Ellie recai sobre Joel, esperando que ele dê a última palavra. Com todos de acordo, ele não vê motivos para se contra. Joel concorda, cedendo com um aceno de cabeça e um mexer de seu maxilar, mas chama Riley para acompanha-lo em uma ronda rápida para ter certeza de que estão totalmente seguros ali.
Por um tempo, apenas Sally, Henry, Ellie e Sam ficam naquela sala. Os mais novos estão sentados em frente a mesa, dividindo o caderno que a Adams entregou. Eles utilizam o lápis de colorir e as canetas de diversas cores para fazer seus próprios desenhos na folha branca.
Henry fica um tempo com eles, conversando brevemente e observando os desenhos de cada um, porém ele logo está vagando pela sala novamente e acaba pairando sobre Sally. Ela não o nota inicialmente, focada demais em rabiscar algo em seu próprio caderno. Sentada em frente a mesa perto da entrada, não atenção ao o que acontece em seu redor.
── Desenho bonito. ── A fala de Henry faz Sally sobressaltar, assustada. Ela olha para cima, notando o rapaz pairando ao seu lado. ── Você é muito boa nisso.
── E você é inconveniente. ── Ela fecha o caderno, escondendo o desenho que fez. ── Ninguém te ensinou a respeitar o espaço das pessoas?
── Calma ai, eu só queria saber o que você estava fazendo. Não precisa ficar irritada. ── Ele puxou uma cadeira para sentar ao lado dela. ── E tenho certeza que o Sam vai gostar. Devia mostrar pra ele.
── Não está pronta ainda. ── Ela murmura, deixando o caderno em cima da mesa.
Compreendendo o que ela diz, ele assente. Sally pensa que o assunto entre os dois se encerrou quando ele fica em silêncio e ela não planeja dizer mais nada. O único som na sala vem de Sam e Ellie que estão rindo sem parar.
── Seus traços são... Muito bons. ── Comenta Henry, tentando puxar assunto. Sally não olha para ele. ── Você fez aulas ou aprendeu sozinha?
── Aprendi sozinha. ── Responde, sem se estender.
── Legal. ── Ele assente. ── Legal. ── Repete mais uma vez. ── Você faz algo a mais, além de desenhar?
Sally solta um suspiro e o encara.
── Você não vai parar de falar né?
── Não tem mais nada pra fazer aqui. Não vai fazer mal conversar um pouco. ── Ele afirma, encolhendo os ombros. Sally pondera por um tempo. ── Mas se você não quiser, por mim tudo bem...
Ele dá de ombros. Sally revira os olhos, pensando que não vai fazer mal conversar com Henry por um tempo.
── Desenhar é o meu passatempo favorito. Eu gosto de ouvir música também, mas deixei meu walkman e meus fones para trás. ── Ela responde. ── Então a única coisa que eu tenho para passar meu tempo é esse caderno que eu peguei na casa do Bill. ── Mostrou o caderno de capa de couro vermelho para Henry.
── Eu tenho uma coisa aqui ── Ele se abaixou e pegou sua mochila, procurando algo dentro dela. Henry retirou um walkman e ofereceu para Sally. ── Toma, pode ficar.
── O que? Não, não. Não posso aceitar, isso é seu. ── Sally negou, empurrando o objeto que ainda estava na mão de Henry de volta para ele.
── Pode ficar, eu não vou usar isso. Só está ocupando espaço. ── Ele insisti, ela ainda nega. ── Estou falando sério, Sally. Fica.
Sally o encara, Henry mantém o braço erguido na direção dela. Ela pensa em recusar, porém ele é insistente. Bufando, a Adams aceita o presente.
── Só tem 1 fita dentro com várias músicas aleatórias gravas. ── Disse ele, quando ela abriu para ver a fita. Henry Burrell estava escrito na lateral dela. ── A única que eu encontrei pra escutar, então...
── Tudo bem, valeu. ── Ela agradece. ── Você só... Não precisava fazer isso.
── Só pra ajudar você a passar o tempo. ── Ele dá de ombros, como se fosse algo que não importasse. ── E eu te falei, não escuto mais, então não vai fazer falta.
── E o que você vai fazer para passar o tempo, então? ── Questiona Sally, deixando o objeto em cima de seu caderno de desenho.
── Ah, qualquer outra coisa. Conversar com você, ficar de olho no Sam. ── Ele responde. ── Se quiser posso fazer um show de mágica.
── O que? ── Ela questiona, rindo. ── Está falando sério?
── É, eu fazia mágica com cartas para entreter o Sam algumas vezes. Acabei ficando bom nisso. ── Sally ri mais com a resposta dele. ── Ei, não ri. Eu estou falando sério. Sou um bom mágico.
── Claro, eu acredito. ── Dissera ela em tom de deboche. ── E qual é o seu nome de mágico? "Henry, o Incrível"?
── Quase isso. "Henry, o Magnífico". ── Ela leva a mão aos lábios para conter a risada. ── É um bom nome, você tem que concordar.
── Eu vou só porque tenho certeza que foi o Sam que escolheu esse nome e não você. Então vou ser legal, mas só dessa vez. ── Henry revira os olhos para o que Sally diz, mas não está sério quando faz, um pequeno sorriso adorna seus lábios.
Eles entram em um silêncio confortável por um tempo. A risada das crianças enchem a sala e Sally acaba os observando, sorrindo ao ver Sam mostrando a Ellie um desenho que fez dela.
── Posso te perguntar da onde você é? ── Henry pergunta a ela, fazendo a atenção da mulher recair sobre ele mais uma vez.
── Eu nasci em New Haven. Fica em Massachusetts. Mas, quando a pandemia começou, fomos para a zona de quarentena de Boston. ── Apoia o cotovelo na mesa e seu queixo em sua mão, suas pernas estão cruzadas abaixo da mesa. ── E você? é daqui mesmo, certo? Nenhum lugar antes de Kansas City?
── Toda a minha vida foi passada aqui. ── Henry responde. ── É o único lugar que conheço desde pequeno.
── Deve estar feliz por estar indo embora então. ── Sally brinca com as folhas de seu caderno de desenho.
── Um pouco. ── Ele maneja a cabeça de um lado ao outro. ── Nos últimos dez dias, é o que mais quero fazer, mas sei que vou acabar sentindo saudades. Antes do surto, tive boas lembranças aqui. E você? Sente saudades de casa?
── As vezes. Eu sentia mais falta quando a pandemia começou. ── Sally olha para frente, observando Ellie e Sam. ── Foi muito dificil me acostumar com a zona de quarentena e esquecer o que aconteceu. Tive sorte de ainda ter a Riley comigo.
── Ela é sua irmã?
── Sim, minha irmã mais velha e a única família que me resta. ── Ela confirma.
── Sei como é isso. ── Henry assente, olhando brevemente para Sam. ── Quantos anos você tinha? Sabe, quando tudo aconteceu?
── 11 anos. ── Responde Sally. ── E você?
── A idade do Sam. Oito anos. ── Disse ele. ── Cara, não acredito que você é mais velha do que eu. ── Sally ri. ── Sério, não parece.
── Eu sei, aparento ser mais nova. Tudo mundo diz isso. ── A Adams bufa, em irritação. ── Já estou acostumada.
── Não gosto de parecer mais nova?
── As vezes, não. Acabam não me levando a sério por conta disso. ── Ela explica. ── Sem contar que a Riley também tem a mania de me tratar feito criança.
── Coisa de irmã mais velha. ── Canta Henry, sorrindo suavemente para ela.
── É, coisa de irmã mais velha e eu odeio isso. ── A mulher reclama, fazendo o rapaz sorrir. Sally não havia percebido o quão confortável estava naquela conversa, mas gosto do observar a forma que Henry sorria.
── Sabe, eu tinha certeza que vocês duas eram irmãs. ── Henry comenta. ── Antes mesmo de você me confirmar isso.
── Por que somos parecidas?
── E porque ela aparenta se preocupar demais com você. Sempre pairando, sempre protegendo. ── Diz. ── Não importa onde, os olhos dela sempre procuram você primeiro.
── Você percebeu isso em algumas horas com a gente? ── Sorrindo e tentando esconder a forma como as maçãs de seu rosto ficaram vermelhas, seu dedos brincam com o fio do fone do walkman que Henry lhe deu.
── Pois é, eu sou bem observador.
── Mas dizer que a Riley e o Joel são casados, isso sim foi o pior. ── Ela ri fracamente. ── Um erro feio.
── Por que? Eles se odeiam ou algo assim? ── Com o cenho franzido, ele questiona.
── Não é que... Os dois são complicados. Não diria que são amigos, nem parceiros. São só... dois conhecidos que foram obrigados a trabalhar juntos.
── Sabe, partindo da visão de um mero telespectador, eles não aparentam isso.
── Você acha? ── Ela arqueia uma sobrancelha, curiosa.
── Eu posso estar errado, mas... É só a minha perspectiva. ── Ele a encara e Sally fica pensativa. ── Se alguém não é importante e não significa nada pra você, a opinião dela não importa. E você não olharia para ela como se ela importasse.
── O que? Você quer dizer que os dois se gostam ou algo assim? ── Sally acha a possibilidade absurda, a risada que solta é baixa e debochada. Henry dá de ombros.
── Isso é você quem me diz. ── Responde ele. ── É você quem está com eles a mais tempo.
O sulco na testa de Sally se aprofunda, ao passo em que Henry levanta-se quando Sam o chama para mostrar algo. Ela pensa no que ele acabou de dizer, assimilando toda a conversa que tiveram e não obtém uma conclusão. Em sua mente, Sally mantém um lembrete para ficar mais atenta aos detalhes que tem deixado passar de agora em diante.
Quando Riley e Joel retornam, Ellie e Sam agora se divertem jogando bola. Ele fica como goleiro, enquanto a garota chuta a bola para o gol, as vezes invertendo as posições. Na primeira vez, a bola passa pelo garoto e acerta o gol desenhado na parede. Ellie vibra quando isso acontece, comemorando animadamente. A distância, Henry, Sally, Riley e Joel estão sentados frente a uma mesa maior perto da entrada daquele cômodo. Eles observam os dois se divertindo em silêncio.
Henry sorri ao ver o irmão se divertindo. Sally tem um olhar suave para as crianças, intercalando sua atenção entre eles e o caderno em suas mãos, aproveitando o momento para desenhar nas folhas brancas novamente.
── Me desculpa por... Ter te ameaçado lá atrás. ── Riley diz a Henry, após limpar a garganta. Ver Ellie e Sam juntos a fez sentir-se mal pela forma como agiu com o rapaz antes. ── Eu fui rude demais. Tenho o costume de agir assim com frequência.
── Não tem que se desculpar, não estava errada. ── Responde Henry. ── Foi até compreensível pela forma como abordamos vocês.
── Bom que sabe que foi idiota ter feito aquilo. ── Sally cantarola. ── Ainda por cima com armas vazias.
── Idiota, sério? ── Ele indaga, fazendo Sally erguer uma sobrancelha tentando agir prepotente, mas o sorrisinho que cresce no canto de sua boca a entrega. ── Você não estava falando isso quando ficou se tremendo de medo.
── Foi você quem ficou se cagando de medo da Riley e do Joel. ── Ela provocou de volta, rindo. ── Pior tentativa de intimidar uma pessoa que eu já vi em toda a minha vida.
── Pega leve, aquela foi a primeira vez que eu tentei algo do tipo. ── Henry retruca, sorrindo pra ela e Sally revira os olhos, brincando. Ela retoma sua atenção para o caderno sem dar uma resposta a ele. Riley observa a cena com a testa franzida.
── Eu perdi alguma coisa? ── Ela pergunta a Joel, que apenas bufa uma risada fraca em resposta.
── Se você era apoiador para cuidar dele ── Braços cruzados na frente do peito, Joel fala olhando para Henry, mudando de assunto. ── Eu não devia ter falado nada. Eu não sei como é a sua situação. Eu não estou falando que deveriam só deixar pra lá, mas levando tudo em conta parece até crueldade. ── Seu olhar recai sobre Ellie e Sam mais uma vez. ── Mandar um exército atrás de vocês por isso...
── Eu não fui 100% sincero com vocês mais cedo. ── Após um suspiro, Henry fala. Atrai atenção dos três ali presentes. ── Sobre eu nunca ter matado alguém. Teve um cara, um cara importante. Não sentia medo, não era egoísta. Sempre perdoava os outros. Já conheceram alguém assim?
Riley inclina-se para trás na cadeira, cotovelos apoiados no encosto de braços e as mãos cruzadas descansando sobre sua barriga. A pergunta de Henry a faz pensar em Ben, porém ela não o responde. Joel também não.
── O tipo de pessoa que você segue pra qualquer lugar. ── Ele continua. ── E eu queria mesmo. Eu queria seguir. ── Assente com a cabeça e umedece os lábios ── Só que ai o Sam... Ficou doente. Leucemia. ── Henry desvia o olhar para Sam, sem conseguir continuar encarando Riley e Joel. ── Enfim, é... Havia um remédio que funcionava. E opa, que surpresa. Não tem muito sobrando e era tudo da FEDRA. Se eu quisesse, tinha que dar uma coisa importante. Eu dei uma coisa importante. O cara importante. O líder da resistência de Kansas City. Irmão da Kathleen.
Sally suspira, um tanto surpresa. A revelação de Henry a pega desprevenida, mas faz mais sentindo do que eles estarem sendo perseguidos apenas por serem apoiadores. Ela olha para Sam, para o menino que fez Henry arriscar tudo. Apenas uma criança. Ela conseguia entender Henry e imaginava que Riley também conseguia.
Riley entende Henry, ela não o julga. Imaginava que, na mesma situação que ele, teria feito o mesmo por Sally. Por mais egoísta que pudesse ser, ela não estava disposta a perder a única família que tinha.
── E ai? Ainda acha que devia pegar leve comigo? ── Indaga o rapaz para Joel. ── Ou eu sou o vilão? ── Joel aparenta não saber o que responder. ── Não sei porque está enrolando. A resposta é fácil. Eu sou o vilão porque fiz uma coisa ruim. ── O homem desvia o olhar por apenas um momento. ── Mas você entende. Pode não ser pai dela, mas foi pai de alguém.
O peso da fala de Henry fica na mente de Riley por um longo tempo. Ela nunca havia parado para pensar na vida de Joel antes da pandemia. Se ele tinha uma família ── além de Tommy, que ela já conhecia. Se foi casado, teve filhos, um cachorro. Riley parou de pensar no antes com o tempo, mesmo que sua mente ainda lhe puxasse para o seu próprio passado, ela não questionava sobre o dos outros. Mas, havia uma coisa que notara em Joel Miller: ele com certeza havia passado por uma perda dolorosa antes de tudo.
O homem que ela conhecia agora deveria ser diferente daquele de 20 anos atrás. O tempo e a dor da perda o mudaram muito. Riley havia conhecido várias pessoas assim. Poucas permaneciam as mesmas hoje em dia ── como Tess um dia havia lhe dito. Sally e Ben foram as únicas pessoas que ela conheceu que se mantiveram os mesmos durante anos. Mesmo após a dor, mesmo após os traumas. Isso os fortaleceu de maneira diferente, os fez mais bondosos, mais amáveis. Ela não entendia como, mas isso aconteceu.
Do outro lado da moeda, estavam as pessoas como ela, aquelas haviam se fechado para o mundo. Aquelas que receberem o pior do mundo e retrebuiram com o mesmo. Carregados de fúria, ódio, rancor e mágoas. Era através disso que ficaram mais fortes. Mais dispostos a fazer de tudo por aqueles que amavam, por aqueles que lhe restaram.
Ela olha para Joel quando o silêncio recai entre eles. O analisa de uma forma que nunca fez antes, pois nunca se deu ao trabalho de se questionar sobre isso outras vezes. Uma parte de Riley, aquela pequena parte que ainda não foi totalmente despedaçada e consumida pela ódio, a parte da antiga Riley que ainda está viva dentro dela, questionasse sobre o Joel que ela não conheceu.
Pensa nele como alguém a parte daquele que conhece, desejando ter tido a oportunidade de conhece-lo em circunstâncias diferentes, em um mundo diferente. Talvez em um onde o caos não tivesse consumido tudo o que conheciam. Talvez.
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