𝟭𝟬 : HORROR IN KANSAS
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CAPÍTULO DEZ :
HORROR EM KANSAS
❝ traumas, they surround me ❞
aviso: descrição de ataque de
pânico / episódio de TSPT.
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"Eu me senti muito parado e vazio,
como deve ser o olho de um tornado,
movendo-se vagamente no meio
do alvoroço ao redor."
── Sylvia Plath
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VERÃO⠀─ ⠀SETEMBRO 01, 18:15
⠀⠀⠀Kansas City, Missouri
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NOSSAS MENTES PODEM SER nossas maiores prisões. Uma cela que nos aprisiona e sufoca, obrigando-nos a reviver o passado várias e várias vezes. Trazendo uma dor consigo que se torna pesada demais para carregar sozinho. É duro lidar, é duro lutar contra.
Perante a sua própria prisão mental, Riley revive acontecimentos em sua mente que lhe deixam nauseada. Flashes de uma memória do passado chegam sem que ela consiga bloquear. Enquanto tenta manter o carro estável e não em zigue-zague, ela se lembra de uma noite dolorosa de setembro. Os gritos desesperados que se misturam, as aeronaves que passam zunindo no céu e os bombardeios que começam. Tudo ao seu redor era confuso e estava desesperada para chegar a um lugar seguro.
Naquele momento, não era muito diferente de 20 anos atrás. Quando o carro atravessa a lavanderia e seu corpo sacode, as recordações vem novamente. Era como estar vivendo tudo mais uma vez. O veículo que os acerta, seu próprio carro sai da pista e capota, Sally grita e seu pai está sangrando ainda mais ao seu lado, cuspindo sangue ao acabar mais ferido.
Riley não consegue respirar e piora quando ela escuta os disparos. O medo, que antes parecia imaginário, apenas um reflexo da forma como passado e presente se misturam, se torna mais real quando as balas chegam a lateral do carro. Ela não consegue pensar direito, não sabe o que fazer ou como sair da sensação maçante de angústia. Riley engasga, sua visão está turva e seus pulmões queimam pelo esforço.
Algo acontece, tem uma movimentação, mas nada está claro até que Joel a puxe para fora do carro pela porta do seu lado. Eles caem próximo ao veículo, ofegantes e desesperados. Riley rasteja até que esteja encostada contra a caminhonete, o mundo ao seu redor é abafado pelo torpor que toma conta de seu corpo. Visão embaçada e sentindo um aperto no peito, era como se tudo indicasse que estava morrendo.
Joel está falando com Ellie, dizendo palavras que a Adams deveria ser capaz de compreender, porém não consegue. Também não vê Sally a vista. Quando ele se vira para ela, parece frenético. Coloca as mãos sobre os ombros dela tentando firma-la.
── Adams, você está me escutando? ── Chega a voz dele até os ouvidos dela, abafadas como se Joel estivesse distante, assim como os tiros.
── Eu... ── Ela gagueja as palavras tentando buscar por ar. Era como se tivesse desaprendido a respirar, oxigênio não entrava em seus pulmões, que queimavam a cada esforço. ── Preciso de um minuto...
Ela se esforça para respirar adequadamente.
── Adams, nós não temos um minuto. ── Joel exclama. Ele se encolhe quando vem mais um disparo alto na direção deles. ── Eu preciso de você comigo. Agora.
As palavras de Joel são firmes, Riley percebe pela forma como ele a encara nos olhos e não consegue desviar o olhar da intensidade. Os olhos dela estão arregalados, as lágrimas não caem porém Riley sente como estão úmidos, luta para ver o rosto dele claramente e treme sobre as mãos dele.
Percebe que ele não entende o que está acontecendo. Olhos arregalados, olhar preocupado, Joel não sabe o que fazer por que tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Riley não sabia como explicar para ele que estava tendo um ataque de pânico por conta de um gatilho inesperado. Nem ela esperava que um simples acidente de carro fosse capaz de deixa-la em tal estado, porém não conseguia controlar seu próprio corpo.
Joel parece frustrado quando abre a porta do carro e retira sua arma. Ele checa a munição antes de olhar para algum lugar na parede. Depois suas palavras são ditas para Ellie.
── Está vendo o buraco? ── Ele pergunta, no que ela assente afirmativamente. — Você consegue passar? ── Ellie confirma mais uma vez. ── Quando eu mandar, você rasteja até lá, passa para o outro lado e não sai até eu mandar, ok?
── Mas e ela? E a Sally? ── Ellie questiona.
Sally. A menção ao nome de sua irmã desperta algo em Riley. Ela deve estar em perigo, deve precisar de ajuda. Riley precisa fazer alguma coisa.
── Eu cuido delas, você precisa ir. Eles não vão te acertar. ── Joel exclama. ── Olha pra mim! ── Quando ela o faz, ele continua. ── Não vão te acertar. Fica abaixada, se protege, em silêncio.
Ellie assente mais uma vez e faz o que ele manda. Joel a protege, atirando contra os inimigos enquanto a garota rasteja no chão até chegar ao buraco na parede. Riley apenas escuta os disparos, mas não tem ideia do que acontece. Sua visão está embaçada, sua peito ainda dói. Ela sabe que precisa colocar a cabeça no lugar, sua irmã deve estar em perigo, Joel e Ellie precisam dela.
Mas não consegue fazer sua mente obedecer, não consegue sair daquela prisão onde seu coração bate rápido demais e ela simplesmente não consegue acompanhar. É muito. Muito para lida. Seu corpo está sobrecarregado, sua cabeça parece que vai explodir. Riley quer fugir, mas não tem forças para ficar de pé. Tudo que lhe resta é tentar lutar contra si mesma. Ela respira e inspira como sabe que tem que fazer, como Sally a ensinou vários anos atrás.
Retira o revolver que carrega em seu coldre na cintura e checa as balas com as mãos tremulas. 6 devem ser o suficiente para ao menos tentar fazer algo que seja útil.
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É abrupto e inesperado quando a porta do lado de Sally se abre e ela é puxada para fora a força. Em um minuto ela estava mandando Ellie sair do carro, assim como Joel, e no outro seu mundo é virado de cabeça para baixo. Ela luta contra seu agressor, debatendo-se em seu aperto. Ao redor, disparos continuam acontecendo, porém são direcionados a Joel que se esconde atrás da caminhonete com Ellie.
Sally acerta o homem com o cotovelo algumas vezes. Ele não tem arma, ela percebe. Exerce apenas de força bruta para tentar imobiliza-la, talvez utiliza-la como refém. Adams o empurra até que as costas dele estejam contra a parede, se chocando fortemente contra a única parte que ainda tem seu vidro intacto.
O braço dele está em volta do pescoço dela, tentando força-la a para de se mexer. Sally não planeja deixar de lutar, porém sabe que ele é mais forte e mais alto que ela. Fazendo seu agressor grunhir de dor, ela morde o antebraço dele com força. Seus dentes chegam a deixar uma marca vermelha que escorre sangue. Livre, ela cai no chão e se vira de costas para encarar aquele que a segurava.
Ele não deve ter mais de 35 anos, porém seu olhar jovem é escondido debaixo de várias camadas de sujeira e cansaço. O homem é ruivo e tem olhos castanhos selvagens, emana brutalidade e parece ainda mais furioso depois do que ela fez. Quando ele está perto de ataca-la, um único disparo o acerta na testa. É o suficiente para o sangue espirrar contra as vidraças e o corpo dele tombar.
── O Barry caiu! — Alguém grita do lado de fora. ── Filho da puta!
Sally olha para trás e ela vê de relance Joel e Riley. Eles atiram contra os homens algumas vezes, porém somem rapidamente ao se esconder mais uma vez.
── Sally, você está bem? ── Riley pergunta, exclamando de trás do carro. Sally rasteja até um canto, escondendo atrás dos escombros da entrada.
── Sim! ── Ela o responde. Sally treme cada vez que escuta os disparos. Eles estão próximos, cada vez mais recorrentes. Fazem-na levar as mãos aos ouvidos algumas vezes. ── Só preciso sair daqui.
── Não! ── Riley exclama de trás da caminhonete. ── Fica aonde está, você vai acabar levando um tiro se sair daí.
Sally sai brevemente do seu esconderijo para ver quantas pessoas estão do lado de fora. Ela consegue contar pelos menos três antes que tenha que se abaixar novamente.
Abaixada novamente, ela pensa no que fazer para chegar até eles. Além da passagem pela frente do veículo, Sally também pode passar por dentro dele para chegar até Joel. Também seria arriscado, porém mais rápido.
── Joel, me dá cobertura? ── Sally pergunta para ele.
── Sim. ── Ele responde ao recarregar a arma. Quando aparece novamente sobre o capô, Joel está concentrado nos inimigos que restam. ── Vai!
Sally está abaixada quando corre até a porta pelo qual foi puxada para fora. Os disparos continuam, porém o foco está me Joel na maior parte do momento. Quando ela consegue entrar, fecha a porta e se deita no banco quando uma bala passa zunindo por cima de sua cabeça. Sally está respirando rapidamente, sentindo seu coração batendo descompensadamente, quando levanta a cabeça devagar para poder continuar.
Pela janela da caminhonete, ela vê quando Joel derruba mais um deles com um tiro diretamente em seu peito. O homem cai para trás, deixando seu corpo estirado no chão. Os tiros cessam durante este momento. Os dois homens que restam parecem chocados pela morte do companheiro.
── Seu merda! ── Um deles grita. A mesma voz de antes, que agora checa o corpo do amigo.
Sally aproveita esse momento para sair do carro. Joga-se para fora do veículo, deitada de costas no chão da lavanderia e apoiando-se pelos cotovelos. Seu olhos encontram Joel primeiro, depois Riley que está com as costas apoiadas contra o veículo e tentando colocar um pente novo no revolver que carrega.
Os dentes dela estão cerrados, pois suas mãos ainda tremem e fazer um ato simples parece trazer muita dificuldade pra ela. Quando consegue, Riley olha para sua irmã.
── Eu disse pra você continuar lá. ── Ela exclama, irritada.
── Foi mal mas isso seria uma ideia terrível. ── Retruca Sally.
Joel as deixa sozinha, indo para trás de uma máquina de lavar para poder continuar lidando com aqueles homens. Quando Riley assume o lugar em que Joel estava antes e começa a disparar contra os homens, Sally nota como ela aparenta estar frustrada.
── Riley... Você tá...
── Eu to bem, não se preocupa comigo. ── Ela murmura. Sua voz está firme, mas há aquele traço de angústia. ── Tá vendo o buraco na parede? A Ellie tá lá dentro, sozinha. Vai ficar com ela. Eu cubro você.
Sally abre os lábios para reclamar, mas o olhar que Riley lhe lança a faz se encolher.
── Vai. Eu e Joel nos viramos. ── Ela responde e Sally assente.
Ela parte assim que Riley está disparando contra os homens. Rasteja no chão até chegar na parede e apenas se levanta quando está perto o suficiente. A passagem é pequena e estreita, porém Sally é magra o suficiente para se contorcer pela passagem.
Quando entra, ela assusta Ellie que arregala os olhos e fica na defensiva, pensando que é um inimigo.
── Sou só eu, pode relaxar. ── Ela diz, ofegante. Sally olha ao redor da sala, um local pequeno e com uma mesa barrando a porta.
── Eles estão bem? ── Ellie a questiona.
── Estão. ── Sally responde, levando a mão ao ombro dela e apertando. ── Não precisa se preocupar com eles. Estamos bem enquanto estivermos aqui.
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Riley sentia que estava a mil por hora. Desde que começará, não havia acertado um tiro sequer. A maioria pegando de raspão ou acertando uma parede próxima e isso só a deixa mais nervosa. As palavras de seu pai não vem a sua cabeça como da outra vez, não se lembra do que fazer para ter precisão.
── Merda do caralho. ── Ela pragueja quando sua munição acaba mais uma vez. Desvia de uma bala que passa bem próximo de sua cabeça indo para o esconderijo mais uma vez. Riley não tem mais pentes para o revólver.
Fechou os olhos por apenas um momento, o suficiente para respirar profundamente e tentar não pensar nos sons característicos ao redor. Quando ela abriu os olhos mais uma vez, respira fundo e abre a porta do carro para pegar o rifle que deixou perto de sua mochila na parte de trás do carro.
Pescando o objeto com a mão, inclinada sobre os dois bancos da parte de trás, Riley sai quando consegue segura-lo. Percebe que do lugar onde está não vai conseguir uma boa mira, então passa pela caminhonete até a vidraça quebrada da lavanderia, escondendo-se no lugar onde Sally estava antes. Há apenas um homem atrás de um SUV preto, o único a vista e que usa uma metralhadora.
Por um tempo, é apenas ele e Riley, os dois tentando acertar um ao outro. Choque inunda as feições da mulher quando lembra-se que haviam sobrado dois e que o segundo não estava a visa, o que a fez procurar freneticamente por ele. Virando-se a tempo de escutar um disparo que acertar o teto, ela vê o instante em que Joel o acertou com o cano de sua arma antes que o rapaz possa disparar e erguendo a mesma para cima no processo.
── Joel! ── Ela grita, mas não pode sair de onde está quando uma bala acerta bruscamente a o pedaço da vidraça que utiliza como esconderijo, lembrando-a do porque estar ali.
Seu dedo no gatilho foi rápido, dois disparos, um acerta no ombro do homem, sem lhe dar chance de se defender contra ela, e outro na garganta ── espirrando sangue para todos os lados quando ele cai gradativamente, manchando o chão e vazando por de baixo do carro.
E, quando Riley coloca-se de pé para ajudar Joel, os olhos dela se arregalaram quando escuta um único disparo. Seu corpo vira-se na direção do som, arma em mãos e engatilhada, pronta para lutar até que seus olhos encontram as costas de Ellie.
Riley aproxima-se dela para ver o que aconteceu para encontrar um revólver em sua mão e ainda a mantendo apontada na direção do garoto, que agora grunhiu de dor ao cair no chão ao lado de Joel que tossia várias vezes, agora que estava liberto do aperto do rapaz.
Sally passa pela passagem na parede, tendo a mesma reação de surpresa que Riley. O olhar das duas irmãs se encontram por um momento, o suficiente para a mais nova sentir-se culpada por entender o que aconteceu.
── Não! Calma! ── Gritou ele, ao notar a garota ainda com a arma apontada em sua direção. ── Já acabou. Não estamos mais brigando. Eu vou pra casa, eu falo que vocês são tranquilos. ── Ele implorou e depois começou a chorar. ── Eu não sei o que fazer! Eu não sinto minhas pernas.
Riley abaixa sua arma, ficando mais próxima de Ellie que ainda está em choque pelo o que fez. Deslizando a mão sobre o braço da menina e fazendo com que ela abaixasse a arma aos poucos. Seus dedos envolveram o objeto e, com delicadeza, Adams retirou a pistola das mãos dela.
── Minha mãe está aqui perto. Me levem lá. ── Chorou o rapaz. Ele olhou para Joel, Sally ajudando o homem mais velho a ficar em pé. ── A gente troca com vocês. Vamos ser amigos. Eu não sabia. ── Com uma mão errante e ensanguentada, ele estica o braço na direção de Ellie. ── Eu sou o Bryan. Como vocês se chamam?
O garoto divaga coisas sem sentido buscando encontrar um meio de remediar a situação. O pânico em sua voz era gritante, desesperado para que não encontrasse a morte tão cedo. Riley apostaria que ele deveria ter no máximo 25 anos ou menos.
── Volta lá pra trás. ── Riley diz para Ellie, olhando para a menina que tentava se esconder do olhar que Joel lhe lançava. Em seguida, ela se direciona a Sally. ── Fica com ela. ── Disse com firmeza. ── Dessa vez é pra não deixar ela sair.
Sally assente, ainda aparentando culpa. Ela deixa o lado de Joel e vai até Ellie, segurando o braço da menina devagar e a puxando consigo. Inicialmente, Ellie hesita, porém logo está dando as costas para aquela cena e seguindo Sally até o buraco na parede. Tudo o que ela escuta é alguém sacando uma arma e imagina que seja Joel.
── Não perai! ── Grita Bryan, desesperado quando os únicos que ficam são Joel e Riley. A magnum que o homem segura deixa claro o que está por vir. ── Toma isso, pode ficar. ── Ele entrega uma faca que retira de sua cintura e deixa a mesma no chão. ── É uma faca boa.
Miller pega o objeto do chão, mas isso não o suficiente para fazer qualquer um dos dois mudar de ideia.
── Por favor, me desculpem. Vamos conversar, podemos resolver tudo de outra maneira ── Ele implora. ── Por favor, me deixem ir.
── Infelizmente, não tem outra maneira, garoto. ── Riley responde. O olhar dela encontra o de Joel e os dois tem uma conversa sem palavras, é o necessário para ele ter certeza do que precisa fazer e que ela não vai tentar impedi-lo.
Quando Joel o esfaqueia no peito, Bryan morre gritando por sua mãe e seu pai, implorando pela sua vida. Riley se obriga a desviar o olhar e dar as costas para o cadáver, passando a mão pelo rosto e limpando o suor que se acumulou em sua face. Ela umedece os lábios secos e respira fundo.
Guarda a arma de Ellie em seu coldre vazio e pousa a mão sobre a caminhonete, respirando fundo e deixando a adrenalina passar.
── Você está bem? ── Joel pergunta, ficando próximo a ela. As rugas de expressão em sua testa afundam mais, preocupação reverbera em seu olhar, mesmo em meio as mistas emoções que tivera que lidar no último momento. ── Se machucou?
── Só o meu ego que está meio ferido. Tirando isso... Acho que estou legal. ── Ela direciona seu olhar para ele, afastando qualquer possível traço em seu rosto que entregasse o contrário. ── E você? Não está ferido, está?
── Não. Eu to bem. ── Responde o homem, guardando a alma atrás de suas costas novamente.
Ela suspira. Tantas emoções passam pelo corpo dela agora: raiva, vergonha, angústia, exaustão, constrangimento.
── Joel, sobre o que aconteceu antes-
── Não. Não vamos falar sobre isso agora. ── Ele a interrompe. ── Deixa isso pra depois. Precisamos sair daqui primeiro, os disparos devem ter chamado a atenção.
Riley assente, concordando com ele. O olhar sempre estoico de Joel se dirige ao buraco na parede.
── Sally, Ellie. ── Ele chama pelas duas. ── Precisamos entrar ai, mas não conseguimos passar. Tem outra entrada?
── Tem uma porta. ── Sally responde. Sua voz está um pouco abafada pelas paredes que separam as salas. ── Mas está com algumas coisas na frente. ── Riley escuta os passos dela se afastando. ── Ellie, me ajuda puxar.
As duas vão até a mesa que bloqueia a passagem e tem alguns objetos em cima, como uma cadeira preta que costumava ficar na frente de um computador. Enquanto Ellie e Sally arrastam a mesa, fazendo com que as pernas de aço arranhem o chão, Joel e Riley empurram a porta, tentando ajuda-las no processo.
Quando a passagem está finalmente livre, os dois quase caem, havendo um desequilíbrio momentâneo quando a madeira encontra a parede. Riley se endireita primeiro, enquanto Joel fecha a porta. Eles puxam a mesa de volta apressadamente, buscando bloquear aquele caminho mais uma vez. Assim que podem finalmente ter um momento para respirar, o olhar atento da Adams mais velha passa por Sally e Ellie, procurando qualquer possível ferimento nas duas.
── Vocês estão bem? ── Ela as questiona, ainda incerta sobre se aproximar ou não.
── Sim. ── Sally responde, as duas assentem. ── Está melhor?
── Estou. ── Afirma Riley, mesmo que não tivesse certeza sobre. Desvia do assunto entregando a mochila de Sally e ajeitando a sua própria sobre o ombro, só teve tempo de puxar as duas bagagens antes do Miller começar a apressa-la. ── Mas vou ficar 100 quando sairmos daqui.
Ellie se encolhe pela forma que Joel lhe observa, percebe que ele ainda está irritado pela garota estar com uma arma escondida em sua mochila. Porém, ao mesmo tempo, Riley imagina que ele devia estar grato por isso. Se não fosse por Ellie, Joel talvez estivesse morto agora e, quando a Adams se lembra que foi porque não conseguiu acertar um tiro, ela se sente pior.
── Eu ainda tenho comida aqui e tem a sua lanterna. Toma ── Disse Ellie, ao abrir sua mochila para puxar o objeto e entregar ao Joel. Ele pega sem dizer mais nada. ── E agora?
── Vamos subir. ── O homem responde, passando pelas três para ir até a porta nos fundos.
── Para ver melhor? ── Ellie o questiona, enquanto o seguem.
── Com sorte a gente encontra uma rota de fuga. ── Joel abre a porta pintada de vermelho e acende a lanterna que a jovem lhe entregou para iluminar o ambiente. Ele olha para trás. ── Fiquem perto. ── Diz em um sussurro audível.
A porta dos fundos leva para uma saída em um beco. As ruas desertas da cidade do Kansas ficam movimentadas apenas quando dois carros passam pela rua lateral aquelas que eles estão. Joel, Riley, Ellie e Sally se escondem atrás de um veículo abandonado na rua, esperando até que eles passem para poder continuar.
Aqueles carros estacionam em frente a lavanderia destruída e chamam pelo nome de Brian e dos outros rapazes mortos. Joel sinaliza sem palavras dizendo que vai na frente. Ele atravessa a rua agachado e chega até a porta que leva a um outro prédio. Elas apenas vão até o homem após ele sondar o local. Sally e Ellie vão primeiro, deixando Riley por último. Ela fecha a porta atrás de si assim que entra.
Eles andam pela cidade por algumas poucas horas. A movimentação que encontram vem quando estão escondidos em uma loja em uma rua com várias casas. Carros da FEDRA passam na direção da residências o tempo todo, porém não ninguém que está sobre os veículos veste o uniforme. Se Riley pudesse julgar, apontaria que eles são civis.
── Eles não são da FEDRA, não são Vaga-lumes. ── Quando Ellie comenta, Joel ergue um pedaço do jornal que cobre as vidraças para poder observar do lado de fora. ── Quem são eles?
── Pessoas. ── Ele murmura.
Dentro daquele pequeno bar, eles estão protegidos por um tempo. Riley também está observando o lado de fora por uma das vidraças e Sally está atrás dela, enquanto Ellie fica com Joel no lado oposto.
── Parece que estão procurando nos apartamentos primeiro. ── Riley diz. Olhando através da brecha que tem, seus olhos seguem os homens de capacete e proteção improvisada chutando a porta de um complexo de apartamentos até abrir. ── Devem começar a procurar nas lojas logo.
── Não podemos ficar aqui. ── Fala Sally. Afasta-se de Riley. ── Mas também não conhecemos nada por essa área, alguma ideia do que vamos fazer agora?
Joel coloca-se de pé devagar, mancando um pouco. Ele vai até uma cadeira e senta-se, Sally suspira pela falta de resposta dele.
── Tem um prédio bem alto a umas 4 quadras daqui. ── Comenta Ellie, observando através de uma brecha entre os jornais colados.
── É, eu vi. ── Joel responde.
── Quer ir pra lá? ── Riley o questiona.
── Parece ser uma possibilidade. ── Diz ele, cansado. ── Assim que não virmos mais carros, podemos tentar. Mas qualquer outra opção no momento, também é valida.
── Acho que isso é tudo que temos agora. ── Sally responde, dando de ombros. ── É melhor do que ficar aqui e esperar alguns deles começar a arrombar a porta.
── O que pode acontecer a qualquer momento. ── Ellie cantalora, afastando-se das janelas para olhar para Sally.
── Por favor, sem pessimismo agora.
Riley suspira, encostando-se contra a parede. Deixa deslizar-se até estar sentada no chão a alguns centímetros de Joel. Ele a observa em silêncio.
── Então... acho que vamos passar um tempo aqui. ── Ela comenta. Eleva seu olhar para as prateleiras vazias atrás do balcão de atendimento. ── É uma pena não ter mais bebidas aqui.
Sally bufa, largando sua mochila no chão ao seu lado, antes de se sentar com as costas contra as vidraças.
── Já temos muitos problemas, Riley. Pare de pensar em bebida. ── A repreende a mais nova. Tudo o que Riley faz é soltar uma risada sarcástica e inclinar a cabeça para trás contra a parede.
── As vezes eu me pergunto se a Riley é realmente a mais velha. ── Ellie comenta, divertida. Ela se senta a alguns centimetros de Sally.
── Alguém precisa ser a responsável de vez enquanto. ── Sally responde. ── Ou o tempo todo.
Riley bufa, mas não retruca. Seu olhos estão fechados agora e ela respira fundo algumas vezes. Desde o incidente na lavanderia, ela tem se sentindo melhor. A preocupação de conseguir encontrar um lugar seguro se sobressai ao estresse que se sente.
── Eu... Não ouvi o garoto chegando. ── Joel diz, após um momento silencioso entre eles. Adams abre os olhos e percebe que ele está falando com Ellie. ── Não era pra você ter...
── Joel, ela salvou sua vida. ── Sally se intromete.
── Eu sei, mas... ── Ele suspira. Riley percebe o quanto ele parece cansado, mesmo que consiga apenas ver a lateral do rosto dele de onde está sentada. ── Enfim. ── Joel não termina a frase.
── Mas que bom que eu fui, não é? ── Ela diz, manejando a cabeça levemente.
── Você é uma criança, não era pra você ter que... ── Riley começa a falar. ── Não era sua responsabilidade. ── Era minha. Ela gostaria de dizer, mas não completa.
── Atirar é... Eu sei como é. ── Joel disse, tentando não deixar a tensão tomar conta. ── A primeira vez que você machuca alguém desse jeito. Se você... Eu... ── Ele trava, sem saber como concluir o que quer dizer. Seu olhar está sobre Ellie, porém a menina não o encara de volta. O olhar dela está distante. ── Eu não sou bom nisso.
── É, não é mesmo. ── Ela responde.
── Enfim, foi culpa minha. Não era pra ser você. ── Ellie eleva o olhar para ele, quando Joel profere aquelas palavras. ── Me desculpa.
Ellie não faz muito além de limpar o rosto com as mangas da jaqueta e se encolher, evitando responde-lo.
── Essa não foi minha primeira vez. ── Comenta ela, depois de um tempo. Joel a encara, compreendendo o que Ellie quer dizer. Vira-se para Riley.
── Me dá a arma que estava com ela. ── Miller pede, estendendo a mão na direção da Adams. Riley retira o objeto da parte de trás de suas calças, alcançado-o em suas costas. ── Obrigada. ── Ele agradece quando ela entrega.
Joel retira o pente e a bala que está no gatilho. Se aproxima de Ellie com o objeto totalmente vazio e fica agachado na frente dela. Sally e Riley o observam com curiosidade.
── Segura pra eu ver. ── Ele entrega a pistola na mão de Ellie e a menina segura a arma com apenas uma mão. ── Tira o dedo do gatilho. ── Ela faz como Joel pede. ── Quem foi que te ensinou?
── A escola da FEDRA.
── Isso explica muita coisa. ── Comenta Riley, rindo fracamente. Joel balança a cabeça de um lado ao outro e guia as mãos de Ellie sobre a arma.
── Polegar em cima de polegar. ── Diz, enquanto a instrui. ── Mão esquerda segura a mão direita. Entendeu? ── Ellie confirma. ── Isso ai. Olha. ── Ele tenta puxar a arma pela parte que ela não segura e mostra como o objeto não sai das mãos dela. Ellie tenta conter um sorriso orgulhoso.
Quando ele para de tentar puxar, ela sorrir amplamente enquanto admira a pistola em suas mãos, que agora estão firmes e segurando a arma adequadamente. Joel pega o objeto de volta depois de um momento, coloca o pente de volta e entrega a pistola para Ellie enquanto a segura pelo cano. Ela vai guardar no bolso do casaco, quando Joel a repreende.
── Guarda na mochila. ── Ele diz. Ellie o encara. ── Pra não acabar dando um tiro na bunda.
Ao invés de guardar, ela passa um tempo admirando o revolver. Joel se põem de pé e olha para Sally.
── Quer aprender também? ── Pergunta.
── Não, obrigada. Vou deixar essa passar. ── A Adams responde. Joel caminha até a porta para retirar as madeiras, agora que o movimento do lado de fora cessou ── Não gosto de armas de fogo, por isso não as uso.
── Por que? ── Ellie questiona parecendo um pouco surpresa. Enquanto elas conversam, Riley vai até Joel para ajuda-lo. ── Elas servem pra proteger.
── Tenho uma experiência ruim com elas. ── Explica Sally e Riley fica um pouco tensa. ── Prefiro evitar. Não me trás boas lembranças.
── O que aconteceu? ── Curiosa, a garota continua a perguntar, enquanto observa Sally ficar em pé.
── Não foi algo muito agradável... o que aconteceu. Não gosto de lembrar. ── Ela responde. Estende a mão na direção de Ellie e ajuda a garota a se levantar. ── Mas... foi no início da pandemia, na madrugada em que tudo aconteceu. Eu só tinha 11 anos e fiz uma coisa que não consigo esquecer. Machucar outra pessoa, mesmo que ela mereça... Acho que nunca fui realmente capaz de fazer isso.
Assentindo com a cabeça, Ellie acha que compreende as palavras dela. Sally lhe dá um sorriso meio triste, porém complacente. Antes de partir, dá dois tapinhas no ombro da jovem. Riley, que escutou toda a conversa, achou melhor não se intrometer, porém as lembranças daquela noite de setembro voltam mais uma vez e ela se recorda do que Sally se refere.
Mas uma vez ela se sente culpada. Mas uma vez Riley não foi capaz de se defender e outra pessoa teve que fazer isso por ela. A forma como seu passado lhe assombra é dolorosa.
O anoitecer chega rapidamente, deixando as ruas desertas mais silenciosas, porém mais perigosas. Sem saber onde o inimigo pode estar, eles são obrigados a andar com muito cuidado até o prédio a 4 quadras de onde estavam escondidos. As paradas ocorrem sempre que alguém chega a passar por perto, fosse um veículo ou pessoas fortemente armadas.
Os quatro tem a sorte de entrar no edifício sem nenhum problema, com a esperança de subirem até um dos andares superiores para identificar uma rota clara para fora da cidade pela manhã. Eles sobem desde o estacionamento de carga até o um andar onde Joel acha que é o suficiente, pensando no fato de que são 45 andares e muitos lances de escada.
Joel se cansa pouco antes de chegarem ao meio, fazendo com que eles tenham que parar para respirar. Ellie faz algumas perguntas a ele quando essa pausa acontece e isso volta a se repetir quando eles precisam parar mais uma vez pelo mesmo motivo.
── Puta merda. ── Exclama Ellie assim que eles param em um andar e entram pela porta. Joel recosta-se contra a parede e deixa-se deslizar até o estar sentado no chão. Riley apoia a mão em uma das paredes no corredor, recuperando o fôlego e Sally está ao lado dela fazendo o mesmo. ── Foram 33 andares. Muito bom.
── Nunca senti tanta falta de um elevador. ── Riley resmunga.
── Nem me fale. ── Responde Joel.
Ainda com um pouco de disposição, Ellie chuta o pé de Joel, chamando a atenção dele.
── Anda. ── Oferece sua mão para ajuda-lo a levantar.
── Me dá 1 minutinho. ── Ele pede.
── Levanta, preguiçoso.
Mesmo a contragosto, Joel aceita a mão dela e ergue-se quando Ellie o puxa para cima. O cansaço não lhe deixa ficar bravo.
── Preguiçoso. ── Ele zomba ao passar por ela. ── Eu tenho 51 anos, sua merdinha.
Elas riem enquanto seguem Joel apartamento a dentro. Riley quebra o vidro da porta com um extintor e a destrancar colocando a mão pelo buraco feito. Examinando o lugar assim que entram, eles procuram por qualquer ameaça antes de finalmente poderem relaxar.
Sally ajuda Ellie a montar camas improvisadas com os travesseiros do sofá. Como são assentos que se soltam, eles servem como um tipo de colchão durante a noite ── levando em conta que seus sacos de dormir ficaram na caminhonete de Bill e não teriam condições de levar muita bagagem enquanto fugiam.
Riley ajuda Joel a colocar vidros em frente a porta. Ela coloca os objetos cortantes dentro da pequena lata de lixo vazio e os quebra em pedaços menores com o extintor. Quando acha que é o suficiente, entrega a lixeira para Joel que despeja os cacos com cuidado na entrada.
── O que vocês estão fazendo? ── Ellie pergunta, sem entender o objetivo de tal ato. Ela está sentada na cama que fez para si mesma, enquanto Sally termina de arrumar o seu lado.
── Não quero ser surpreendido enquanto a gente dorme. ── Irritado por ser atrapalhado, ele a responde. Joel retorna ao o que está fazendo em seguida.
── Isso deve servir para alertar qualquer um que entrar durante a noite. ── Riley completa em seu lugar atrás da mesa no centro da cozinha americana.
── Ah, entendi. ── Diz Ellie. ── Tem certeza que você vai ouvir? ── Ela pergunta ao homem.
── Claro que eu vou ouvir. ── Afirma ele. ── Assim vamos todos poder dormir e ninguém vai precisar ficar de vigia.
── Acho que a gente não vai precisar se preocupar com isso. ── Sally comenta. ── Vai ser dificil alguém encontrar a gente aqui e, se chegar a acontecer, somos 4. Alguém vai ouvir.
── Bom, então boa noite. ── Cumprimenta Ellie, assim que se deita. Eles a cumprimentam de volta. Sally também decide se deitar. A sua cama e a de Riley estando na lateral, enquanto a de Ellie e e Joel estão na direção da entrada formando assim um quadrado no centro da sala.
Riley observa Sally do seu lugar atrás do balcão. Joel vai até ela assim que as meninas estão confortáveis em suas camas.
── Como se sente agora que tudo já passou? ── Ele pergunta em um tom de voz baixo. Suas costas estão contra a mesa, apoiando-se nela, e seus braços estão cruzados na frente do corpo. Riley espelha os movimentos dele e fica da mesa forma, dando as costas para as meninas.
── Acho que to melhor. ── Ela responde. Dá de ombros. ── Eu to legal. Não vou te deixar na mão de novo, se é isso que te preocupa.
── Só preciso saber se posso contar com você, Adams. ── Disse Joel.
── Pensei que fosse você que tivesse dito que poderia se virar sozinho. ── Ela provoca de forma ácida, arqueando uma sobrancelha. Joel bufa.
── Eu não penso em mim... Eu penso nelas. ── Miller responde. ── Elas precisam ser protegidas. Precisam da gente. Conto com você pra isso, não pra cuidar de mim.
── Então não se importa de eu não ter conseguido atirar naquele garoto? ── Riley o questiona, encarando-o. ── Se importa tão pouco com a sua vida assim, Joel?
Ele não a responde mas, pelo olhar que Joel tem, Riley encontra um pouco de dúvida. Isso a faz desistir de brigar com ele. Suspira e desvia o olhar, agora cruzando os braços como Joel enquanto encara seus próprios sapatos.
── O que aconteceu lá atrás... Eu não esperava aquilo. ── Ela comenta em um murmuro. ── Quando perdi o controle do carro, parecia que eu tinha 21 anos novamente e estivesse de volta a 26 de setembro.
Joel a escuta atentamente.
── Sofremos um acidente de carro naquele dia. Meu pai estava com a gente e... ele morreu... Eu tive que abandona-lo. ── Continua Riley. ── Mesmo sabendo que não tinha como salva-lo, eu sempre me culpei pelo o que aconteceu. Me sinto mal por tudo que aconteceu. ── Ela suspira, passando a mão pelo rosto. ── Tenho muito pelo qual me arrependo, e pouco pelo qual continuar vivendo.
── Essa foi a primeira vez? ── Ele pergunta. ── Foi a primeira vez que passou por algo assim?
── Não. Quer dizer, eu já tive algumas crises antes, mas nenhuma como aquela e por conta de tal situação. ── Responde a mulher ── Desde o dia do surto, eu nunca mais dirigi um carro e nem sequer imaginava que uma acidente me faria ter uma crise. Me desculpa, Joel.
── Você... Não tem que me pedir desculpas, Riley. ── Ele responde, parecendo um pouco incerto com suas palavras da mesma forma que ficará quando conversava com Ellie no bar antes. ── Você não tinha como controlar isso.
── Mesmo assim eu... Eu decidi continuar esse trabalho com você mesmo sabendo dos riscos. Temos que ajudar um ao outro e, se você não puder contar comigo, não vou servir pra nada aqui. ── Diz ela. ── Eu não quero ser um fardo pra você.
── Você não é um fardo, Adams. ── Ele retruca, um pouco grosseiro por estar irritado. Eles olham por cima do ombro para as meninas, checando para ver se chamaram a atenção delas. Sally e Ellie estão conversando entre si, sem dar importância para os dois. Joel parece aliviado quando vira-se para ela mais uma vez. ── Apenas... coloca a sua cabeça no lugar. Todos nós passamos por momentos ruins, Riley. Eles vem e vão. Só não pode deixar que eles se tornem sua fraqueza.
Riley o encara, ponderando sobre as palavras dele por um momento.
── De que livro motivacional você tirou essa? ── Ela o questiona, decidida a tentar quebrar o clima denso entre eles. ── O cantinho do pedreiro também serve de programa motivacional?
── Sim, fiz curso pra isso, não sabia? ── Joel retruca em tom de deboche. Riley morde o lábio inferior para conter o sorriso que quer crescer em sua boca.
── Olha só, parece que alguém aprendeu a debochar de volta ao invés de só reclamar do meu humor. ── Ela comenta, provocando. ── Está progredindo, cowboy.
Quando Joel vai para a cama se deitar, retirando a jaqueta bege que veste para fazer de travesseiro. Riley o segue e vai para a sua própria cama, utilizando sua mochila para apoiar a cabeça. Durante a maior parte do tempo, ela apenas fica deitada, olhando para o teto gasto acima de sua cabeça. Suas mãos estão apoiadas em sua barriga e Riley não consegue dormir ainda. Tem medos dos sonhos que a assombraram assim que decidir fechar os olhos.
── Ellie. ── Joel a chama, quebrando o silêncio que se instaurou. A garota o responde. ── Quando a gente falou de machucar pessoas... Como assim não foi sua primeira vez?
── Eu não quero falar disso. ── Ellie responde, virando-se para deitar de costas.
── Tá bom. ── Diz o homem. Em seguida ele vira de lado, agora na direção de Ellie. ── Não precisa, mas só pra falar... Não é justo na sua idade ter que lidar com isso.
── E fica mais fácil quando você é mais velho? ── Encarando-o, ela o questiona.
── Não, não fica. ── Ele responde com sinceridade. ── Mesmo assim...
── Eu só perguntei se você iria ouvir o vidro mesmo, porque eu reparei que você não escuta bem do lado direito. ── Ellie comenta, mudando de assunto. ── É por causa do tiro que você tomou?
── Deve ser por causa dos tiros que eu dei. Então se quiser continuar ouvindo, ── Joel se esforça ao se mexer novamente, agora voltando a dar as costas para ela. ── continua com a faca.
── Riley. ── Ellie a chama.
── Hm. ── Riley resmunga, com os olhos fechados ao tentar dormir.
── Sabia que é melhor tomar suco devagar?
── O que? ── Abrindo os olhos, confusa. Ela estica o pescoço para poder olhar para Ellie.
── Pois é, fica mais suculento. ── Responde a garota, segurando o riso enquanto Riley a encara.
Todos os quatro estão tentando segurar a risada. Sally tem que levar a mão a boca para não rir, deixando claro que estava fingindo dormir. Riley passa a mão pelo rosto, mas deixa escapar um sorriso e Joel tenta esconder o rosto e os tremores de seus ombros.
── Nossa. ── Disse ele, ao apertar a jaqueta abaixo de sua cabeça com a mão. ── Isso é tão ridículo.
── Você riu, seu otário. ── Ela exclama.
── Não, eu não ri. ── Afirma Joel, tentando disfarçar.
── Você riu sim. Vocês três riram. ── Insisti Ellie. ── Pode assumir Riley, essa foi boa.
── Essa foi péssima, pirralha. ── Adams não consegue disfarçar o sorriso em sua voz. ── A pior. ── Riley tenta morder o lábio, porém solta uma risada quebrada. ── Merda.
── Caraca, estamos perdendo. ── Joel comenta.
── Vocês estão perdendo feio. ── Sally disse.
O silêncio retorna, porém não dura muito. Logo eles estão rindo de novo, sem conseguir conter. Sally e Ellie gargalham, enquanto Joel e Riley não fazem mais esforço para disfarçar a risada que contagia. Eles ficam assim por longos minutos, rindo todas vez que a piada vem até suas mentes.
── Eu tenho uma piada pra contar. ── Sally comenta, após um momento para recuperar o fôlego.
── Oh céus, não. Nada disso. ── Responde Riley, tentando intervir. Porém Ellie fica animada.
── Conta! Conta! ── Ela pede com os olhos brilhando de excitação.
── Vocês duas tem que ir dormir. ── Joel murmura, tentando soar mau humorado. Porém nenhuma das meninas é capaz de leva-lo a sério.
── Sally, por favor. ── Implora Ellie.
── Ok, ok. ── Concorda a Adams, rindo. Ela se apoia no cotovelo para olhar para Ellie e um sorriso dançava em seus lábios. ── O que a banana suicida disse? ── Ellie apenas olha para ela com expectativa. ── Macacos me mordam!
As duas começam a rir loucamente. Ellie joga a cabeça para trás e gargalha, levando a mão ao estômago quando passa a doer. Sally se deita contra o seu travesseiro e ri, observando Riley colocar a mão contra a boca, tentando disfarçar. Ela não consegue ver o rosto de Joel de onde está deitada, porém os ombros dele tremem sem parar.
── Essa piada foi horrível. ── Ele comenta entre risadas.
── Eu gostei. ── Disse Ellie, agora apenas sorrindo.
Tudo fica quieto após momentos e o silêncio que se segue não é constrangedor ou ruim, chega até a ser reconfortante.
Durante a maior parte da noite, Riley consegue fechar os olhos e dormir, mas parece que sua mente não para e suas mãos começam a soar, deixando seu corpo com um calor incômodo. É quando esse desconforto chega que ela decidi se render a única coisa que pode acalmar seus ânimos e bebe até a inquietação passar.
Passam horas até que ela seja acordada novamente, demora para que seus olhos turvos se abram e Riley compreender que Sally está chamando o seu nome e o de Joel.
── Riley, acorda. ── Vem a voz de Sally até seus ouvidos. ── Joel.
── Joel, Riley. ── Ellie também os chama, perturbando o sono dos dois. A Adams esfrega os olhos, até que finalmente veja com clareza a cena que se desenrola.
Seu coração erra uma batida quando percebe que Ellie e Sally estão de joelhos com as mãos atrás da cabeça. Um rapaz está parado atrás delas segurando uma arma em cada mão e apontando cada uma na direção das duas. Riley tenta se levantar, mas ele a impede fazendo um som negativo e colocando os dedos no gatilho.
Ela para exatamente da forma em que está, sem mexer mais um músculo sequer. Apenas direciona seu olhar para Joel que também está acordado agora e nota um menino, uma criança menor que Ellie, apontando um revolver para o homem. O único movimento que aquele jovenzinho faz é levar o dedo até os lábios e pedir por silêncio.
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OUTONO⠀─ ⠀SETEMBRO 2013, 6:30
⠀⠀⠀Boston, Massachusetts
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Ben havia partido na madrugada da manhã seguinte a noite que passaram juntos. Ele contou a Riley que ficaria pelo menos 1 mês fora, porém poderia voltar antes, então não lhe deu um dia exato para o seu retorno.
Nos dias que se seguiram, ela sentiu falta dele. Ficou encarregada dos trabalhos de contrabando, recebendo as chamadas pelo rádio de Frank e Winston, negociando com os guardas e fazendo seus outros trabalhos pela zona de quarentena. Não ficar parada por muito tempo a ajudou a não pensar tanto em Ben, porém ainda tinha vezes que se perguntava como ele deveria estar.
Os dois acabaram não definindo o que tinham, deixando a Adams com a esperança de que conversariam melhor sobre o status de seu relacionamento quando ele retornasse. Isso, é claro, a assustava um pouco. Ela não pensava que poderia realmente se interessar por alguém em meio ao mundo caótico em que estavam. Seu foco, durante os últimos anos, sempre foi garantir a sua própria sobrevivência e a de sua irmã. Abrir espaço para um outro alguém em sua vida era uma questão diferente.
Após 1 semana sem noticias de Benji e Margot, Riley havia encontrado um ritmo recorrente onde nada muito relevante acontecia. Ela continuava fazendo seu trabalho, as vezes ajudando algum Vaga-lume, entregando alguma mercadoria pra eles e recebendo algo em troca, seguindo o trato que tinha com Marlene.
Naquela manhã em específico, Riley tinha planos de trabalhar no descarte de corpos. Queimar os corpos dos infectados mortos era o caminho mais viável que tinham e a FEDRA fez disso um trabalho na zona de quarentena. Vários moradores se voluntariavam para esse serviço e recebiam cartões em troca.
Riley tendia a acordar cedo quando não bebia na noite anterior, tendo Sally como seu despertador diário, pois a mais nova tinha seu trabalho no hospital da ZQ. Eles tinham poucos médicos, alguns com poucas qualificações para o trabalho, tendo sido treinados pela FEDRA a pouco tempo. A doutora Sylvia Braun era uma das únicas com mais experiência, tendo em vista que sua formação era de longa data.
Sempre que podia, Sally aproveitava as oportunidades que tinha para ajuda-la ou aos outros médicos. Desde que deixará a escola da FEDRA, conseguiu qualificações para o centro médico e não para a segurança das áreas da zona. Ela gostava de ajudar e sentia-se útil cuidando das outras pessoas.
Por volta das 6 da manhã, o dia tranquilo de Riley foi inundado pelo caos. Quando saiu do seu complexo de apartamento após tomar o café da manhã e ajeitando a blusa preta que vestiu, avistou Sally sentada em frente a barraca de Pearl, como era de costume. Ela sempre aproveitava um momento da manhã para fazer companhia a mulher. Nada parecia diferente do normal, até que uma movimentação iniciou-se.
Guardas correm em direção ao pontão de entrada, algumas outras pessoas da zona os acompanham. Todos estão conversando entre si sobre algo, deixando Riley sem entender o que está acontecendo. Pearl e Sally também observam do mesmo estado, o alarde começa ao redor. Algumas pessoas vem do lado oposto para onde a FEDRA correu e falam com outro moradores apontando para tal direção. Estão agitados, algo chama a atenção na entrada da zona.
── O que tá acontecendo? ── Riley pergunta ao chegar perto de sua irmã mais nova e parar em frente a barraca de Pearl. Seu olhar ainda observa as pessoas.
── Eu não sei. ── Sally responde. Testa franzida e olhos questionadores, ela está de pé e tentando entender o que está acontecendo. ── Estava tudo normal até que as pessoas começaram a correr.
── Infectados, talvez? ── Pearl questiona.
── Não ficariam tão agitados assim por causa de infectados. ── Riley responde. ── Já teríamos ouvido tiros a essa altura. A FEDRA não hesitaria.
── Mas e se eles entraram na ZQ? ── Retruca a mulher mais velha. Adams apenas a encara, ponderando sobre as palavras dela com sua testa franzida até que desvie o olhar para a rua mais uma vez.
Riley avista Tess vindo da respectiva direção para onde todos estão correndos. Ela caminha até a mulher e a para, deixando-a surpresa por um momento.
── Tess, o que houve? Qual é o motivo de tanto alvoroço? ── Adams pergunta, olhando diretamente para a mulher. Nota-se sinais de um conflito interno em suas feições.
── Um show de horrores do lado de fora. ── Ela decidi responder. Seu olhar passa por Sally e Riley, demorando-se pela mais velha. ── Tem corpos... Em frente a ZQ. Colocados durante a troca dos guardas na madrugada. Se eu fosse você... Não iria até lá.
Tess passa por ela deixando-a confusa com suas palavras. Sally parece preocupada quando Riley olha para ela e uma apreensão crescente começa a se formar na mais velha.
── Vou ver o que está acontecendo. ── É tudo o que Riley diz antes de dar as costas para as duas e se afastar.
── Espera, Riley! ── Sally grita e começa correr para acompanha-la. ── Eu vou com você.
A cada passo que Riley dá sua mente trás mais e mais questionamentos. O que Tess lhe disse é algo peculiar, corpos em frente a zona de quarentena não costumam aparecer com frequência ── motivo o suficiente para deixar todos alarmados.
Em frente a entrada, há um aglomerado de pessoas. Elas estão espalhadas em frente aos portões abertos, encarando o que está do lado de fora. Riley nota os homens de uniforme a frente do grupo, eles impedem que as pessoas saíam dos arredores da área segura. Ainda há uma grade de arame de aço além dos muros, que também rodeia a zona de quarentena.
A distância, ela também percebe que há algo nas árvores. Elas são poucas em frente a ZQ, principalmente agora que os guardas haviam começado a corta-las, por isso o espaço que havia entre cada uma era largo. Conforme o vento batia, os galhos balançavam e o que estava preso sobre eles também.
Quando estava mais próximo do grupo, percebeu que algumas pessoas choravam e outras estavam em choque. Seus passos não pararam, ela continuou atravessando aquele mar de pessoas. Riley não sabia o que, mas algo a estava guiando para continuar. Mesmo que não sentisse seu próprio corpo agora, mesmo que cada passo dado fosse como se estivesse afundando.
Seus olhos, tão focados naquilo que Tess nomeou de "show de horrores", não se desviaram em momento algum de seu objetivo. Estava na frente daquele grupo, observando os corpos expostos na árvore. Moradores da zona de quarentena, todos mortos. E um ela sentia que reconhecia. A respiração de Riley engatou por um momento e isso a impulsiona para continuar.
Ela precisava ter certeza.
── Parada aonde está! ── Exclama o guarda que a impede de continuar quando Riley dá um passo a frente. Ele bloqueia a passagem dela, fica na frente segurando sua arma. ── Moradores não podem deixar a zona de quarentena.
Ele tenta segurar o braço dela, porém Riley puxa bruscamente de suas mãos.
── Não encosta em mim, porra. ── Ela exclama, irritada e desesperada. O guarda não gosta da forma como ela age.
── Ei! Olha como fala com um oficial. ── Ela a repreende. ── Quem você pensa que é-
── Jones, deixa ela passar. ── Intervém um outro guarda. Os dois olham na direção do homem que está perto das escadas que levam para cima do muro, onde eles ficam em vigia.
── Mas, senhor-
── É uma ordem, Jones. ── Responde o homem, que ela sabe ser o superior. ── Deixa os civis saírem e lamentarem suas perdas. Vão ser eles mesmos quem vão arrastar e queimar os corpos mais tarde.
Jones engole o seco e assente, dando passagem para Riley e saindo do caminho.
O olhar dela demora sobre o oficial, antes de finalmente decidir continuar o que estava para fazer. Riley é a primeira a sair pelo portão e apenas para quando está perto das grades. Ela consegue ver melhor agora, consegue ver os corpos expostos nas árvores, a posição em que estão.
Cada um está preso pelo em uma árvore, com seus braços estendidos e pregados na madeira abaixo de seus corpos e que está presa ao tronco. Atrás deles, a uma reprodução da cruz para manter os braços abertos. As roupas que eles vestem são trapos, que se assemelham a sacos de batata sujos e gastos. Todos estão espancados, sangue mancha a pele e contusões cobrem seus rostos. Mesmo assim, Riley ainda pode reconhecer a maioria. Ela consegue reconhecer ele.
Ben. Ele está no meio. Olhos fechados, corpo machucado. Ele está morto. As mãos de Riley envolvem a grade, seus dedos sobre o arame de aço e no início ela não tem reação a não ser apenas segurar fortemente. Os moradores começam a se aproximar, mais e mais deles estão em frente as grades em choque e, assim como ela, chorando.
E Riley só percebe que está chorando quando começa a soluçar. Da sua garganta sai um som quebrado que ela não reconhece, o grito de dor corta o silêncio e a faz se curvar para a frente. Ela treme, seu corpo inteiro parece incerto agora e o que a mantém de pé é o que cerca a zona de quarentena. Sally está atrás dela sem saber o que fazer, tudo o que faz é colocar a mão no ombro da irmã.
A Adams mais nova sofre junto com sua irmã, também percebendo não só o corpo de Ben ali, mas também o de Margot. Aqueles que ela consegue reconhecer também faziam parte da zona de Boston. Todos haviam partido semanas atrás. Todos eram Vaga-lumes. E todos estavam mortos agora.
Enquanto escutava Riley chorar e tentava consola-la. Sally sentia sua garganta apertar, seu estômago revirava cada vez que observava aquela cena. Sem deixar dúvida sobre os culpados de tal ato hediondo, a palavra pintada com sangue sobre a roupa que vestiam era bem clara e assertiva.
Pecador, estava marcado em cada um deles.
AUTHOR'S NOTE. 𓏲࣪ ☄︎˖ ࣪
⠀I. Demorei tanto pra conseguir esse capítulo, principalmente pela cena do inicio. Era muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e várias vezes eu apaguei por achar que estava bastante confusa. Quero saber a opinião de vocês, leitores. Digam-me o que acharam, se acharam muito corrido, muito confuso. Tentei ser o mais clara o possível, mas ainda estou insegura.
⠀II. Queria dizer para vocês que publiquei a fanfic do Tommy Miller que prometi no cap. passado. Word Gone Mad já se encontra disponível no meu perfil e as atualizações talvez comecem na próxima semana.
⠀III. Caso tenham interesse, tenho um perfil no tik tok onde posto edits das minhas fics. Atualmente tem vários edits de UATW postado e hoje mesmo publiquei um da Riley e do Ben. Meu user é o mesmo daqui, devilsxcry. Me sigam lá para receber alguns spoilers ;)
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