PROLOGUE ⋆ 20 YEARS AGO

PRELÚDIO : DIÁRIO #1

Eu não lembro qual foi a primeira vez na minha vida que eu escrevi em um diário, mas sei que era bem nova. Voltar a fazer isso agora, depois de tanto tempo, ainda me deixa desconfortável, mas é algo que eu preciso fazer.

Eu não quero esquecer porque sei que um dia isso vai acontecer.

O tempo passa e algumas memórias se perdem. Escrever parece a forma certa de manter essas memórias, já que eu perdi qualquer tipo de tecnologia avançada depois que tudo isso começou. Nada de câmeras, celulares, computadores. Tudo se perdeu naquele dia.

Tudo mesmo.

Até uma parte minha.

A melhor ideia que tenho para manter aquelas memórias vivas, é eterniza-las nessas páginas gastas. Contar exatamente cada momento que eu ainda me lembro, cada pequeno detalhe que ainda persiste. Até mesmo as partes ruins que me visitam quando estou dormindo, invadem meu sono e transformam meus sonhos em pesadelos.

Se eu colocar pra fora dessa forma, talvez consiga me sentir diferente em relação a tudo. Talvez algum dia eu consiga me perdoar...

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PRÓLOGO : 20 ANOS ATRÁS
dream a little, dream of me ❞

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⠀─ ⠀ SETEMBRO 26, 23:30
⠀ ⠀New Haven, Connecticut
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A MÚSICA QUE TOCAVA NO RÁDIO era "Dream A Little Dream Of Me" da Ella Fitzgerald, um clássico, que também era a música favorita de sua mãe e que a fazia recordar de casa. Trazia para ela uma sensação de conforto.

A melodia suave combinava com aquele anoitecer chuvoso e trazia a mente da jovem as noites passadas em sua antiga casa, noites em que Laurie Adams passou na cozinha lavando a louça do jantar, aquela letra que conhecia saindo de seu lábios enquanto se preparava para o turno noturno no hospital. Um belo sorriso em seu rosto.

Riley tinha em sua memória a lembrança de se esgueirar pelo corredor, mesmo depois de seu toque de recolher, para poder observa-la sendo tão ela mesma ao escutar sua canção favorita tocando no rádio. Outra vezes, fazia questão de ficar e ajudar a guardar a louça, depois que Sally havia ido para a cama e a decepção da falta de retorno de John ainda pairava no ar, mas estava prestes a se dissipar conforme elas trabalhavam juntas e cantavam aquela música.

A casa estava tão silenciosa que poderiam ouvir os grilos do lado de fora, então o rádio começava a tocar os primeiros acordes e o mundo de Riley começava a se resumir unicamente aquele momento. Era apenas as duas e a mesma música de sempre tocando no velho aparelho que ficava na cozinha.

Como uma promessa silenciosa de que sempre estariam juntas, sua mãe cantava olhando diretamente em seus olhos, suas orbes brilhavam em devoção pura, encantada pela mulher e suas feições doces, enquanto recitava a letra com nada mais que amor em seu coração. Riley adorava noites como aquela e sempre desejava poder retornar para elas.

Mas isso nunca mais poderia ser possível.

Abrindo os olhos, sem nem perceber que os havia fechado, Riley se forçou de volta a realidade, notando que já estavam em mais da metade do caminho. Desde que seu pai a pegou na estação de New Haven, a viagem de carro entre eles foi silenciosa, tão quieta que a garota poderia notar a pequena camada de tensão no ar a sufocando a cada momento que passava.

Riley trocou poucas palavras com o homem assim que se encontraram, ele parecia tão sem jeito e fora do personagem enquanto a recebia após 3 anos longe um do outro e fora de qualquer contato. Vestindo sua roupa causal, ele aparentava estar mais tranquilo e leve do que da última vez que eles se viram. Havia engordado um pouco, o que significava que estava finalmente se alimentando direito, e não apenas de cerveja barata e nuggets de frango, tinha deixado a barba crescer e aparentava sempre estar feliz.

Quando John sorriu para ela, por mais que estivesse um pouco diferente, mostrou que suas feições continuavam as mesmas, as três linhas aos lados de seus olhos que se enrugavam quando seu sorriso se alargava e suas bochechas subiam.

Todos que os viam juntos diziam que ela tinha o sorriso dele. Quando era mais nova, gostava dessa comparação. Atualmente, a deixava irritada. Porém Riley não poderia discordar dessa verdade. Eles eram parecidos em tantos aspectos que ninguém poderiam negar que eram pai e filha.

── Esse lago parece que nunca muda. ── Quebrando o silêncio, John falou com um pequeno sorriso nos lábios enquanto abaixava um pouco a música no rádio. O veículo contornava o lago de Fort Hale, que ficava atrás da casa da família Adams. ── Sabia que foi aqui que eu pedi a sua mãe em casamento?

── Sim, eu sei. Você já contou essa história umas milhares de vezes. ── Riley murmurou, sem olhar para ele e demonstrando o seu desinteresse por aquela conversa que se iniciava, virou o rosto para a sua janela e fingiu admirar a paisagem local. ── Você sempre conta quando passamos por aqui.

Riley já havia escutado muitas histórias sobre o lago antes e o conhecia bem por ter passado boa parte de sua infância ali.

As lembranças da tarde que passou com John a anos atrás também voltaram em sua mente, a deixando com um sensação estranha. Ela tinha 10 anos quando o acompanhou para pescar pela primeira vez e ele lhe ensinou tudo que sabia. Havia sido divertido, mesmo que não tivessem conseguido pegar muitos peixes.

Ele lhe contou a clássica história de como pediu sua mãe em casamento naquele lago, como os dois caíram na água quando ele se empolgou porque ela disse sim. Riley se lembrava de como os olhos de seu pai brilhavam quando contava exatamente cada detalhe que podia lembrar daquele dia e ali as semelhanças entre eles sempre retornavam, esses pequenos detalhes que o faziam tão parecidos entre si.

── Eu não me canso dessa história. ── Com os olhos na estrada e tentando conter o sorriso, John comentou. Ela podia notar a animação no tom de voz dele. ── Sempre me faz feliz.

Riley não o respondeu, se contendo para não soltar um comentário desnecessário. Ela preferiu retornar ao silêncio denso de antes, do que continuar com aquela tentativa falha de naturalidade. Simplesmente não conseguia fingir estar confortável com tudo que estava acontecendo.

O rádio agora já não tocava mais uma música, mas tinha um locutor dando uma notícia sobre as internações nos hospitais que estavam aumentando. Aqueles eram tempos estranhos. As notícias falavam cada vez mais sobre um surto de alguma doença que estava aumentando, pequenos ataques de fúria involuntários ocorrendo.

Era dificil de se explicar o que estava acontecendo, ainda mais quando não era algo julgado importante. As pessoas continuavam vivendo suas vidas, jogando tudo para de baixo do tapete, continuavam seguindo em frente, mesmo que algo estivesse prestes a transbordar para a superfície a qualquer momento.

Quando a casa do Adams surgiu a sua vista e Riley só conseguiu enxerga-la por conta das luzes acessas. A chuva ainda inibia um pouco de sua visão e a localização da residência não era das melhores, algo se deixava claro pela baixa iluminação da rua, porém ela ainda pode notar como o lugar estava diferente. A casa havia passado por algumas reformas, janelas novas, uma nova pintura. O azul escuro agora era substituído por um verde oliva que a deixava com uma vontade de vomitar ao observar de longe.

John estacionou o carro em frente a residência e Riley foi rápida em retirar o sinto de segurança. Aquela viagem de carro não havia sido longa, eles não moravam longe da rodoviária, porém ela sentiu como se tivesse durado uma eternidade. Nem mesmo a viagem de ônibus foi tão maçante e havia durado 3 horas por conta de uma parada para abastecer e depois outra para uma troca de pneu.

── Finalmente, estamos em casa. ── Disse John, amigavelmente e um pouco animado. Riley segurou a vontade de revirar os olhos, parecia que qualquer palavra dele a irritava, quase a levando ao limite. ── Lar doce lar, certo?

── Eu não chamaria assim, mas é... É bom finalmente estar... ── Riley ponderou sobre suas palavras, não parecia certo chamar aquele lugar de casa. ── Aqui.

── Sally vai ficar muito feliz em te ver, ela estava muito empolgada quando eu contei que você concordou em vir para casa nas férias. ── Disse ele, retirando a chave da ignição. Riley sorriu suavemente ao pensar na irmã. ── E a Piper estava muito ansiosa para te conhecer, conversamos muito sobre você. Quando eu sai, ela havia ido ver nossa vizinha que não estava se sentindo muito bem, mas já deve estar em casa.

A menção do nome da nova esposa de John fez Riley estremecer em puro descontentamento e o sorriso sumir de seu rosto.

Desde que se mudou para Boston para cursar a universidade, ela esteve a par de poucas coisas sobre a vida de John. Piper, sua nova esposa, era alguém que Riley conhecia muito bem, afinal de contas ela trabalhou com sua mãe no Hospital Central de New Haven, as duas eram enfermeiras e amigas. Piper frequentou a casa deles várias vezes antes. Ela era uma figura recorrente na vida deles, mas Riley não esperava que a mulher se tornasse sua nova madrasta.

O casamento dos dois já fazia 1 ano, mas Riley só descobriu 3 meses depois da pequena cerimônia. Isso porque ela evitou saber qualquer informação sobre John. Quando ligava para casa, sempre falava com Sally e não estava disposta a se inteirar sobre a vida do pai. Riley chegou a receber um convite do casamento, mas ignorou a carta quando viu que estava com o nome dele no papel e apenas a jogou no lixo, como sempre fazia quando recebia algo que vinha do homem.

Riley só descobriu sobre o casamento quando Sally deixou escapar a informação durante um telefonema. Depois disso, a raiva dela por John aumentou mais, junto de seu desprezo por Piper. Ainda não conseguia acreditar em como os dois foram capazes de agir de forma tão baixa.

── Incrível. ── Disse ela. ── Estou emocionada em finalmente poder conhecer sua mais nova esposa. Gratificante, eu diria. ── O tom de deboche não passou despercebido por John, que soltou um suspiro cansado.

── Riley, eu sei que não é fácil para você, mas filha, eu te peço, não seja rude com ela. ── John esfregou a nuca, parecendo um pouco sem jeito ao pedir aquilo. ── Piper é uma boa pessoa, uma boa esposa, apenas dê uma chance e você vai perceber isso. Vai perceber o quanto ela nos faz feliz e só quer o melhor para a nossa família.

Riley olhou para ele incrédula e soltou uma risada fraca, ainda sem acreditar no que havia escutado. Sua cabeça balançou de um lado ao outro e seus olhos se desviaram dele para o painel do carro. Umedeceu os lábios, antes de falar novamente.

── Fico realmente tocada com a forma como você se importa com ela, queria que tivesse feito o mesmo pela minha mãe. ── Riley respondeu, abrindo a porta do carro e saindo na chuva, deixando John sozinho dentro do veículo.

Para o desgosto dela, ele não tardou a sair do carro também. Riley abriu a porta de trás e puxou sua mochila. Ainda tinha uma mala para pegar, porém estava no porta malas e ela não estava interessada em permanecer mais tempo ali perto dele.

── Se veio me dar sermão, recomendo que não desperdice suas energias. ── Ela comentou, jogando a mochila por cima do ombro. ── Não estou interessada nisso agora, só quero sair dessa chuva o quanto antes.

── Espere, por que toda está atitude agora, Riley? Isso é realmente necessário?

── Você ainda pergunta? Acha mesmo que não é? ── Riley o questionou, incrédula. ── Não acha suficiente o fato de que você está fingindo que nada aconteceu, como se não tivesse abandonado a minha mãe enquanto ela estava morrendo? E agora vem com essa de me mandar ser legal com a sua esposa troféu Piper?

── Ei, tenha mais respeito. ── John apontou o dedo para ela, como um sinal de alerta. ── Já entendi que está com raiva de mim, mas não há necessidade de ofender a Piper.

Com raiva, ela o encarou por cima do carro.

── Ah, se sentiu mal porque a chamei de esposa troféu? ── Perguntou em tom de deboche ── E o que ela seria então? Afinal você que nem esperou o corpo da minha mãe esfriar pra dormir com a melhor amiga dela e ainda por cima se casar com ela. ── Riley riu ── Eu não sei o que se passa na sua cabeça, pai mas eu não sou hipócrita!

── Eu não estou sendo hipócrita, só estou tentando acertar as coisas entre a gente. ── Retrucou. ── E você também deveria. Ao invés de estar agindo dessa forma, absurdamente desrespeitosa comigo.

── Ah, claro. E agir como se nada tivesse acontecido é sempre a solução. Na verdade, essa é sempre a sua solução para tudo, não é? Fugir ou fingir que nada aconteceu, acha que sempre funciona. ── Debochou, cruzando os braços na frente do corpo. ── Se você espera que eu vá brincar de família feliz com vocês, está muito enganado. Eu não estou aqui pra isso.

── Então para que voltou? Apenas pra reviver uma briga de anos atrás? Planeja resolver tudo guardando mágoas para sempre? ── Ela se recusou a responde-lo, decidindo dar a volta pelo veículo e passar por John pisando duro. ── Riley, eu estou falando com você! Não vire as costas para mim, ainda sou seu pai!

Riley parou de andar, sua paciência indo ao limite naquele momento. Ela apertou os punhos ao lado do corpo, antes de se virar para ele mais uma vez. Os dois ficando frente a frente.

── Eu vim pela minha irmã. ── Riley respondeu, calmamente. ── Não por você, não pela Piper e com certeza não por essa cidade de merda.

── Entendo que tem seus motivos para estar com raiva de mim, mas guardar mágoas não é o caminho. É por isso que eu quero compensar pelo tempo perdido, quero fazer as coisas de forma diferente agora, por você e pela Sally. ── Ele explicou. ── E pela Piper também, porque vocês merecem o melhor.

── E a minha mãe não merecia?! ── Riley o questionou. A chuva começou a aumentar, o som quase se sobressaindo e se tornando maior que a voz dela. ── Ela não merecia o melhor? Não merecia que você fosse melhor?! Agora que estragou tudo e está arrependido, pensa dessa forma?

── O que mais você quer que eu faça? ── John retrucou de volta, também se exaltando. ── Eu não posso mudar o passado, Riley! Mas posso ser melhor agora por vocês e não cometer os mesmos erros. Eu só quero que possamos ser uma família novamente.

── Deveria ter pensado na nossa família antes, mas você só pensa em si mesmo, toda a droga do tempo!

── Isso não é verdade. ── Negou. ── Eu tentei, tentei várias vezes, mas-

── Mas você não tava aqui quando a gente mais precisava. Quando a mamãe ficou doente, você fugiu. Nos piores momentos dela, você foi embora. Mas eu fiquei. ── Riley apontou para si mesma. ── Eu fiquei quando o cabelo dela começou a cair, fiquei quando ela precisava de ajuda pra levantar da cama pra vomitar de madrugada, eu fiquei em cada maldita sessão de quimioterapia. Eu estava aqui, mas o marido dela não estava. ── John desviou o olhar. ── Também fiquei quando a Sally começou a fazer perguntas demais, quando ela precisava de ajuda nos trabalhos de casa ou quando teve resfriados. Fui eu que tive que explicar pra ela que a mamãe não ia mais voltar e abraça-la durante as madrugadas porque ela estava tendo pesadelos. Fui eu, não você!

O momento de silêncio que se seguiu foi tortuoso e Riley não sabia mais distinguir quais eram suas lágrimas e quais eram a gotas de chuva. John não conseguia olhar para a filha e não encontrava as palavras certas para responde-la, pois sabia que era verdade. Tudo o que ela despejou para ele era verdade.

Quando a situação se apertou para eles, utilizou a desculpa do trabalho no exército para partir por meses, algo que logo se estendeu para anos e apenas algumas ligações nas datas importantes. Ele enviava dinheiro sempre que podia, mas não retornava para casa nem nos feriados. As responsabilidades caíram sobre as costas de Riley por ser a filha mais velha.

Ele apenas retornou quando Laurie faleceu e Riley sabia que era porque as meninas ficariam sozinhas, já que toda a sua família morava em outro estado. John pegou uma despensa e retornou para casa, arrumando um emprego local e arcando com suas responsabilidades de pai.

── E agora, depois de tudo isso, você quer que eu simplesmente esqueça e siga em frente? ── Riley o questionou, dando continuidade após respirar fundo. ── Você quer que eu adore a sua nova esposa Piper, que trate ela como a minha nova mãe e anule o fato de que você abandonou a minha mãe quando ela mais precisava de você?

── Piper não está aqui para substituir sua mãe, não é isso que eu quero, Riley. Eu quero reparar as coisas entre a gente. O que aconteceu a anos atrás... Eu não posso desfazer. ── Olhando para ela, John respondeu. ── Mas me arrependo muito do que aconteceu com a sua mãe. Eu amava a Laurie mais que tudo nesse mundo. ── Riley revirou os olhos, desviando a atenção dele. ── É verdade, eu a amava. Mas eu estraguei tudo porque fui um idiota e não dei valor a minha própria família. Se eu pudesse fazer tudo diferente, faria. Teria ficado ao lado dela e cumprido com o que prometi nos votos de casamento. Eu teria sido um marido melhor.

── Agora é muito fácil dizer que sente muito. ── Os dois agora estavam frente a frente e Riley ainda sentia um pouco de raiva borbulhando em seu ser, porém a tristeza era um sentimento maior.

── Você tá certa, mas ainda tenho você e a Sally e eu quero consertar as coisas entre a gente. ── Ele explicou. ── Eu não estou pedindo pra você fazer isso por mim, Riley. Estou pedindo para fazer isso pela Sally. ── Respondeu John. ── Você já não acha que a sua irmã sofreu o bastante? Ela merece ter uma família novamente. Uma família que fique ao lado dela e não fuja quando ela mais precisa

── Se você realmente se importasse com ela, não teria feito tudo que fez. ── Rebateu Riley. Despejou aquelas palavras como se fossem veneno, não estava disposta a dar o braço a torcer. ── Teria ficado ao invés de abandonar a gente.

── Você também foi embora, Riley. Você também fugiu. ── Exclamou John, se sentindo farto daquela discussão, ele sentia como se estivesse andando em círculos. ── Não somos tão diferentes assim, sabe disso.

── Eu fui embora por sua causa! ── Disse ela, apontando o dedo para ele. ── Foi diferente!

── Você foi para me afetar, mas não pensou na sua irmã. Foi sem se despedir, partiu sem avisar ninguém. ── Mesmo percebendo que acertou um nervo, ele não recuou. ── Entendo você sentir raiva de mim por tudo que fiz, mas a Sally não merecia isso. Poderia ter se despedido dela, ao menos ter avisado que ia estudar em outro estado, mas você não fez!

── Não joga a culpa nas minhas costas, droga! Você não tem esse direito! ── Riley gritou de volta, com lágrimas raivosas caindo pelas suas bochechas. ── Você que colocou todos os fardos pra cima de mim e depois voltou como se nada tivesse acontecido. Eu estava cansada e furiosa e confusa! Eu só queria ir embora.

John respirou fundo. Riley apertou as mãos em punhos ao lado do corpo, sentindo seu corpo tremer. Ela se sentia mau por ter deixado Sally para trás, mas não havia pensado direito quando tudo aconteceu.

Quando as cartas da Universidade chegaram, Riley não pensou duas vezes antes de escolher aquela que ficava em outro estado. Ela não avisou ao pai que estava indo e muito menos a irmã, apenas juntou suas coisas e partiu quando nenhum dos dois estava em casa. Utilizou o dinheiro que sua mãe havia deixado e o que havia conseguido juntar ao passar dos anos para conseguir ir para Massachusetts e apenas ligou para eles mais tarde para informar qua não voltaria mais para casa.

Foi cruel e ela se odiava pelo o que fez, repetindo os atos do pai, seguindo os mesmos passos que ele e sendo uma covarde como ele. A fez se questionar durante muitas noites, se aquilo não estaria em sua linhagem, destinada a ser como John. Uma grande decepção.

── Nós dois erramos com ela. ── Disse o homem, sua fala sendo tenra e calma. Ele buscava apaziguar a situação. ── E eu errei com vocês três, o que me deixa em uma situação pior. Então eu quero reparar as coisas. E preciso fazer isso com você do meu lado porque eu realmente sinto muito por ter te deixado sozinha, por não ter sido o pai que você e a Sally mereciam. ── Confessou, com sinceridade. ── Podemos recomeçar, Riley. Pode me desculpar? Por favor?

Riley o encarou, percebendo todo o remorso que ele sentia naquele momento. Percebendo o quão mau ele parecia.

── Isso é a única coisa que eu te peço. ── John concluiu com os olhos cheios de lágrimas não derramadas e esperou pela resposta dela em silêncio.

Na mente de Riley, a memória de sua mãe sozinha naquele quarto de hospital, girando o anel de casamento em seu dedo retornou tão vívida quanto no dia. Ela não merecia nada do que havia acontecido e foi a isso que ela se agarrou.

── Não. Eu nunca vou te perdoar. ── Ela respondeu, balançando a cabeça levemente de um lado ao outro. Deu as costas para o pai, buscando ir embora dali e encerrar aquela conversa de uma vez. ── Busque o perdão de outra pessoa, o meu você nunca vai conseguir. Seja melhor pra sua nova família porque pra mim você nunca conseguiu ser.

Riley subiu as escadas e parou em frente a porta de casa, seus passos parando a centímetros da entrada. Ela olhou para John por cima do ombro, ainda parado no mesmo lugar em que a discussão havia ocorrido. Seu olhar estava cabisbaixo, desapontado.

── Deveria ter sido você, não ela. ── Disse Riley, olhando para ele uma última vez, antes de olhar para a porta branca novamente. Ela engoliu o seco, aquelas palavras deixando um amargor após serem faladas em voz alta. ── Ouviu? Era você quem deveria ter morrido, não a minha mãe.

Abrindo a porta de casa, Riley entrou e foi recebida pelo calor e o conforto de um lugar que não reconhecia. As paredes foram pintadas, os móveis foram trocados e mudados de lugar. Nada era como 2 anos atrás e ela só conseguia sentir aquela sensação de que, em algum momento da sua mente, reconhecia aquele lugar.

Era familiar, porém não como sua memória recordava. E isso foi o suficiente para deixa-la mais zangada. Riley sabia que não tinha o direito de se sentir brava, afinal de contas não morava mais ali.

Porém não era fácil afastar a forma como se sentia traída e esquecida novamente, como se, depois de anos afastado, John pudesse chegar e mudar tudo para confortar sua nova esposa e seguir com sua vida como se nada tivesse acontecido. Até mesmo as fotos de sua mãe na parede foram substituídas pelas fotos do casamento deles.

Nada ali tinha o toque de Laurie, nem mesmo o cheiro de comida que pairava no ar era como o dela. Distante do lar que aquela residência um dia foi para ela. Agora Riley desejava poder brigar, gritar e por para fora todo o seu descontentamento como uma garota mimada, pois se sentia quebrada, mas ela sabia que agir de tal maneira seria algo infrutífero.

E para sua surpresa, ela não teve muito tempo para apreciar sua vista, antes que escutasse um grito cortar o silêncio que pairava na casa. Os olhos de Riley se arregalaram e ela entrou em alerta assim que reconhecey a voz de Sally.

── Sally?! ── Ela chamou, deixando a mochila cair no chão da sala ao ouvir um grito assustado e um som alto de algo pesado caindo no chão. O som de passos pesados sobre a madeira vibrando atrás de só, enquanto John a seguia. ── Sally!

Ao subir os lances de escada para o segundo andar, Riley ouviu Sally gritar por socorro e chamar pelo pai. John entrou imediatamente na casa, também tendo escutado os gritos desesperados de sua filha mais nova e chamando por ela assim que entrou no local.

No momento em que chegou na porta do quarto de Sally, Riley a abriu abruptamente, fazendo com que a mesma batesse contra a parede graças a força que impôs. Os olhos dela foram diretamente para a movimentação no quarto da irmã, observando enquanto o corpo esguio de Piper batia furiosamente contra a porta do armário de Sally.

Inicialmente, Riley não entendeu o que estava acontecendo e porque de sua nova madrasta estar lutando bravamente para chegar até sua irmã. A mulher soltava sons semelhantes a rosnados e agia como se estivesse fora de si, focada unicamente no objetivo de alcançar Sally. Riley olhou para o taco de beisebol de Sally perto da porta e o pegou, antes de entrar totalmente no quarto e ficar em frente a cama.

── Ei, sua maluca! Deixa a minha irmã em paz, porra. ── Ela exclamou, chamando a atenção de Piper e erguendo o taco em posição de ataque. ── Vou te acertar com isso, se você não parar de-

As palavras morreram na boca da Adams no momento em que Piper se virou para ela.

Os olhos ejetados, sua boca soltando espuma e suas mãos cheias de sangue, como se ela tivesse ficado horas arrastando os dedos em um terreno cheio de cacos de vidros. Riley também podia notar a forma como suas veias tinham um tom bege e estavam saltando ao lado do pescoço e em alguns lugares de seu rosto.

Piper tinha características indígenas, a pele morena, os cabelos negros lisos e levemente ondulados que iam até um pouco depois de seu ombro. Porém agora sua pele estava pálida, quase mórbida, ela se assemelhava a um cadáver, principalmente com sua pupilas totalmente brancas e olhos avermelhados.

Seus cabelos estavam bagunçados e seu vestido florido rasgado nas beiradas. Na lateral de seu antebraço havia uma marca peculiar, que Riley poderia distinguir, mesmo com todo o sangue ao redor: uma marca de mordida.

A jovem não tinha reação. Seus olhos arregalados olhavam para a mulher incrédulos, buscando compreender o que havia acontecido para deixa-la em tal estado. Sua voz ficou presa em sua garganta e ela só conseguiu fazer algo quando sua madrasta soltou um grunhido alto e correu em sua direção.

Tendo uma reação espontânea, Riley utilizou o taco contra Piper. Ela bateu o objeto contra a cabeça dela uma vez, o que a fez cambalear um pouco para o lado. Porém ela retornou, agora mais furiosa e Riley o utilizou para impedi-la de chegar perto.

Com o taco na horizontal e o segurando com as duas mãos, Riley fez com que Piper não pudesse se aproximar, enquanto ela se debatia e tentava abocanha-la repetidamente. Só conseguiu se livrar da mulher quando as mãos fortes de John puxaram Piper pelos ombros e a jogaram para trás. Seu foco mudou da jovem para ele e, em questão de segundos, estava com os lábios em volta da junção entre o ombro e o pescoço do homem, que gritou em desespero.

John consegui arranca-la de cima de si e joga-la contra a escrivaninha de Sally, jogando todos os objetos no chão e em seguida aterrissando perto da cômoda contra a parede. Aproveitando o momento, Sally saiu de dentro do armário gritando pelo pai e pela irmão. Ela correu diretamente para os braços de Riley, abraçando a cintura da mesma e escondendo seu rosto.

── Me dê o taco, Riley. ── Pediu John, estendendo a mão na direção dela, sem desviar o olhar da esposa, que balbuciou para ele. Riley passou o objeto, enquanto permanecia petrificada no mesmo lugar, sem conseguir se mover. ── Piper... Por favor, não me obrigue a ter que fazer isso

Ao escutar o tom de voz quebrado do pai, Riley percebeu o quão mal ele estava por ter que fazer isso. John não desejava ter que chegar a tanto mas, se fosse necessário, faria de tudo para manter suas filhas seguras.

No primeiro rosnado alto dela, Piper foi diretamente para cima dele, sua fúria agora revigorada, seus olhos mais opacos. Ela parecia um monstro, descontrolado e imponente. Sua violência era constante e ela não parecia reconhecer qualquer um presente naquela sala. As meninas gritaram, se encolhendo, Riley desviou o rosto e fechou os olhos fortemente, sem conseguir observar a cena adiante.

John hesitou ao ataca-la, tentou apenas conte-la e esse foi seu erro. A boca dela foi de encontro a cintura dele e a mulher o mordeu novamente, o fazendo grunhir de dor enquanto a puxava de cima do seu corpo. Quando pode ver com mais clareza, John ergueu o taco e a acertou na cabeça fazendo com que ela caísse no chão mais uma vez.

Uma vez. Duas vezes. Três vezes.

Sangue estava espirrando nos móveis e no carpete, o cheiro se tornando mais forte e deixando Riley enjoada. Mesmo assim, ela não conseguia sair do lugar, o medo a deixando tremendo, apenas tendo forças para manter Sally perto, não disposta a solta-la por nada. O som se repetia várias vezes, o taco amassando o crânio, o desfazendo em uma poça viscosa até que não sobrasse mais nada.

Era horrível. Era repetitivo e torturante, deixava Riley enjoada. Sally não conseguiu parar de choramingar, ainda com medo e assustada pelo o que estava acontecendo, porém a mais velha não conseguia consola-la. Apenas abriu os olhos, quando aquele barulho cessou por um tempo. Porém sua visão parecia turva e desfocada, seus ouvidos estavam zumbindo.

Riley olhava para o cadáver no chão e sentia um mau estar. Queria muito desviar, deixar de observar aquela cena que lhe dava calafrios, porém não conseguiu fazer isso por conta própria. Seu pai ficou na frente do corpo, bloqueando o mesmo assim que se virou para elas, percebendo finalmente que as meninas ainda estavam ali.

── Riley, tire sua irmã daqui! ── John gritou, sua respiração ofegante, sangue escorrendo de seu ferimento mas também manchando sua camiseta branca e a flanela que utilizava, seu rosto e mãos. O sangue de Piper estava por toda a parte. ── Jesus Cristo, vocês não deveriam estar aqui.

Riley não conseguia reconhecer o próprio pai naquele momento. Assustada, ela buscava palavras para poder dar uma resposta a ele.

── Pai... Seu pescoço, ele-

── Agora, Riley! ── Ordenou o Adams, com a voz firme. ── Leve a Sally lá para baixo agora. ── A jovem engoliu o seco, porém concordou.

Ela fez o possível para não olhar para o corpo de sua madrasta no chão enquanto saía do quarto, levando Sally consigo e obstruindo a visão e a audição da garota enquanto a guiava para fora daquele cômodo.

Riley chegou ao corredor e soltou a irmã apenas quando elas estavam longe do quarto e perto das escadas, segurando a menina pelos ombros e a forçando a olha-la nos olhos.

── Desce e vai pedir ajuda.

── O que? Não, eu não-

── Sally, me escuta. Você precisa ligar pra polícia. ── Disse a mais velha. ── Precisa pedir ajuda, a gente não sabe o que aconteceu aqui, mas com certeza a Piper não estava bem.

── Eu não quero ficar sozinha. ── Choramingou Sally, o rosto avermelhado pelas lágrimas derramadas, os olhos inchados.

── Eu sei, mas eu preciso ajudar o pai agora. ── Riley respondeu. ── Tudo o que você tem que fazer é descer e ir até a cozinha ligar para a polícia ou para emergência, qualquer um que puder nos ajudar nesse momento. O número está no caderno na mesinha embaixo do telefone fiz preso na parede, você consegue fazer isso. ── Disse ela, levando as mãos ao rosto de Sally e enxugando suas lágrimas com os polegares. ── Você é forte, entendeu?

Sally assentiu, fungando um pouco.

── Agora, faz o que eu te pedi. ── Se afastando um pouco, Riley prosseguiu. ── E quando terminar, continua lá embaixo. Não sobe, ok?

── Tá bom.

── Ótimo, boa garota. ── Riley deu uns tapinhas na cabeça de Sally e a despachou escada abaixo. A mais nova desceu as escadas rapidamente e seguiu em direção a cozinha. ── Te encontro daqui a pouco.

Retornando para o quarto, Riley foi cautelosa ao entrar no cômodo novamente. Soltando um suspiro trêmulo, ela sentiu vontade de vomitar ao ver a forma como Piper estava. Sendo um corpo sem cabeça que jazia no chão em uma poça de seu próprio sangue, parte do que restou de seu cérebro escorrendo no chão. O odor do sangue estava mais forte do que antes, fazia seu estômago revirar, a ansiedade borbulhando em seu âmago também não lhe ajudava a manter a calma.

John estava parado, ainda de pé e olhando diretamente para ela. Sua respiração ofegante agora já havia se estabilizado, porém o tavo de beisebol permanecia em sua mão, totalmente manchado pelo sangue da esposa dele, tal qual as roupas que o homem vestia. Riley se aproximou dele devagar, fazendo o possível para não olhar para o cadáver.

── Pai, nós precisamos - Droga, você precisa sair daqui. ── Disse a jovem, engolindo o seco e fazendo o possível para não chorar. Riley levou a mão até o ombro de John, ficando o mais longe o possível da mordida. ── Vem, vamos descer para que eu possa cuidar desses ferimentos.

No estante em que John se virou na direção dela, Riley percebeu o quão mau ele parecia. Seu olhar estava desfocado. Por mais que ele estivesse a encarando, ela percebia que estava distante, afetado pelo o que havia acabado de fazer, trêmulo e perto de desmoronar. Ele estava se culpando, Riley imaginava. Também estaria se estivesse no lugar dele.

Riley pensou em dizer algo, qualquer palavra reconfortante, qualquer coisa que pudesse tira-lo daquele tupor porém, no momento em que abriu os lábios para falar, fora interrompida pelo som de uma explosão que os assustou. Os dois olharam em direção a janela do quarto, onde viram os prédios no centro da cidade pegando fogo e uma segunda explosão acontecendo. Do lado de fora, podiam ouvir gritos vindo de algum lugar na vizinhança. O início de um caos que estava sendo instaurado.

── Mas o que... O que tá acontecendo hoje? ── Riley murmurou, a pergunta pairando no ar entre eles. Ela não obteve uma resposta para sua pergunta.

── Onde está a Sally? ── John a questionou, deixando o caos do lado de fora em segundo plano. Riley poderia notar a preocupação no olhar dele.

── A mandei para a cozinha, pedi que buscasse ajuda. ── Ela respondeu. ── Nós temos que-

John não deixou que ela terminasse, apenas saiu do quarto e desceu as escadas para o primeiro andar. Riley o seguiu, chamando pelo pai porém ele não parou. Apenas fez isso quando chegou na sala de jantar, encontrando Sally segurando o telefone fixo preso na parede e olhando aflita para eles. Rastros de lágrimas secas em seu rosto.

── E-Eu tentei ligar, tentei ligar pra polícia, mas ninguém me atendeu. ── Sally se explicou com a voz trêmula. Seus olhos passando do pai para a irmã freneticamente. ── Então eu liguei para o tio Robbie, ele disse que temos que sair de casa e ir para o oeste. Tem vários ônibus tirando as pessoas da cidade por lá.

── Tudo bem, querida. Você fez um ótimo trabalho ── Disse John, colocando o telefone de volta no gancho. Ele havia tirado a flanela que vestia por cima da camiseta e agora a utilizava sobre a mordida em seu pescoço, pressionando com a mão esquerda para parar o sangramento. ── Vamos sair daqui agora, antes que as coisas piorem.

Como uma deixa, um baque forte contra a janela da cozinha fez com que todos os três se assustassem. Olhando na direção do barulho, eles viram uma pessoa no mesmo estado em que Piper, batendo várias vezes contra o vidro. Sua mão estava com sangue, manchando a superfície de um vermelho barrento e viscoso. Aquela pessoa ── que Riley reconhecer se uma de suas vizinhas ── começou a chocar a cabeça contra a janela, fazendo com que o vidro começasse a rachar.

Enquanto isso ocorria, um outro alguém estava contra a porta que levava ao quintal dos fundos, forçando contra a madeira, batendo furiosa e violentamente. Sally correu para trás de Riley e John praguejava ao jogar a estante contra a porta, barrando a passagem e impedindo que aquela pessoa entrasse.

── Hora de sair daqui, meninas. Andem ── Disse John, guiando suas filhas até a porta, segurando a mão da mais nova no processo. Riley aproveitou para pegar sua mochila que estava do lado da porta e colocar sobre o ombro. ── Inferno, isso não pode ser real.

Os três saíram para encarar o lado de fora, onde a chuva já havia diminuído, porém atraía uma cacofonia de sons desagradáveis por todos os lados. Vozes estavam gritando a distância, o alarme de algum veículo estava apitando incontrolavelmente e vários outros partiam de suas casas as pressas.

John foi rápido em chegar até o carro, destranca-lo e jogar a chave para Riley, que segurou o objeto com as duas mãos, estupefata. Seus olhos arregalados em surpresa e total descrença se direcionaram ao pai.

── Você vai ter que dirigir, Riley. ── John respondeu antes que ela perguntasse. ── Eu não posso dirigir assim. ── Se referiu ao seus ferimentos, que ainda sangravam. ── Precisa fazer isso por mim.

── Mas eu nem sei dirigir, eu nem tenho carteira. ── Negando, ela disse. Tentando se recompor e se justificar. Sentia suas mãos tremendo. ── Não posso fazer isso.

── Riley, você pode. Eu te deixei dirigir meu carro um tempo atrás e você foi bem. ── Disse John, enquanto Sally abri a porta do passageiro e entra e ele fazia o mesmo com a do carona para poder se sentar. Adams solta um suspiro cansado. ── E você já me viu fazer isso milhares de vezes, não é tão difícil.

── Quando você me levou para treinar eu tinha 15 e foi só uma vez, porque eu comecei a chorar depois que atropelei um gambá. ── Exclamou a jovem ── Nunca fiz mais nada como isso antes depois daquele dia.

── Riley, eu vou estar aqui, assim como daquela vez. Vou ter ajudar com isso, mas você precisa entrar no carro e dirigir, filha. ── John a observou através da porta que deixou aberta. ── Eu sei que você consegue fazer isso tirar a gente daqui.

Ela suspirou, olhando para ele. Riley sentia sua pele formigando, fazendo a ansiedade borbulhar em seu anterior de uma forma desconcertante. Sua boca estava seca, sabia que só não havia desmaiado ainda por pura adrenalina que ainda a deixava totalmente desperta e agitada.

Apertando a chave entre os dedos, ela assentiu, mesmo a contragosto, sabendo que aquela era a única alternativa que tinham. Ainda não estava confiante que conseguiria dirigir em meio a uma cidade totalmente colapsada, rodeada por pessoas fora de controle e outras desesperadas, porém sabia que deveria tentar. Enquanto John fechava sua porta, Riley deu a volta para poder entrar e se sentar no banco do motorista.

Respirando fundo algumas vezes, se concentrou e focou em fazer o possível para manter a calma, mesmo no momento em que suas mãos tremiam ao girar a chave na ignição, ou quando errou o acelerador e pisou no freio sem querer.

── Relaxe, não se desespere. ── John tentou acalma-la. E isso a fez recordar das noites em que ele cantava "Beautiful Boy" do John Lennon para ela antes de dormir, substituindo por "girl". Ele estava fazendo a mesma voz suave e mansa que fazia naquela época. ── Vai ficar tudo bem. Apenas foque no que está fazendo, assim como daquela vez.

John colocou a mão livre sobre a dela e ajudou a guiar o carro para fora da calçada.

Riley engoliu o seco, dispersando aqueles pensamentos conflitantes sobre o passado e fez o que ele havia dito. Ela agitou a cabeça de um lado ao outro e apertou o volante com mais força, enfim assentindo para as palavras do pai.

Sua noite havia mudado totalmente em questão de minutos e nada do que havia presenciado parecia real. Mas, por mais assustador que tudo fosse, Riley sabia que tinha que manter a calma. Não apenas por si mesma, mas também pela sua família.

Ao escutar os comandos de seu pai, não conseguia evitar a forma como seu coração batia tão descompensadamente, ainda apavorada pela forma como tudo ao seu redor era um grande conflito. Tomando a direção da rua, passando pela casa de seus vizinhos e vendo a maioria deles transformados ou gritando por ajuda, Riley apertou o volante até seus nós dos dedos ficarem branco.

O rádio havia sido ligado por John e havia apenas estática naquele momento, um ruído persistente até ser preenchido pelo silêncio, que se seguiu pela viagem. Durante todo o percurso, Riley orou aos céus para que aquele horror chegasse ao fim ou que pudesse acordar percebendo que tudo não passava de um grande pesadelo.

"No fim, tudo desmorona. Tudo morre."
── A Vida Invisível de Addie LaRue

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