𝟮𝟯 : TO KILL A MONSTER
ATENÇÃO : POSSÍVEL GATILHO
O capítulo retrata a questão do abuso sexual e da pedofilia, principalmente em relação ao o que a Sally passou no passado. Eu não descrevi o que aconteceu, mas transmiti os pensamentos dela, como ela se sentia em relação a isso e como tudo o que aconteceu a afetou.
Como autora, eu recomendo que, caso você sinta algum desconforto lendo, pare a leitura ou pule essas partes. Mas saibam que estou me esforçando para tratar o tema com muita responsabilidade.
Tentei ser o mais clara o possível com minhas palavras, tratei o tema com cuidado e fiz o possível para não cometer erros, porém, se tiver ocorrido, seja algo que parece errado ou alguma coisa que não deveria ter sido escrita, me avisem. Meu intuito não é passar uma visão romantizada ou pejorativa disso, mas sim passar a realidade através do olhar de uma personagem minha.
⠀⠀⠀
⠀⠀⠀
☆ ☆ ☆
CAPÍTULO VINTE E TRÊS :
PARA MATAR UM MONSTRO
❝ pull me out of the train wreck ❞
⠀
⠀
⠀
⠀
⠀
"Tem muita coisa feia nesse
mundo, filho. Eu gostaria de poder
mantê-los todos longe de você.
Isso nunca é possível."
── Atticus
⠀
⠀
⠀
⠀
⠀
⠀
⠀
INVERNO⠀─ ⠀DEZEMBRO 07, 11:00
⠀⠀⠀⠀Ghost Town, Colorado
⠀⠀⠀⠀
JOEL ESTAVA SONHANDO com ela novamente.
E assim como das outras vezes, nunca conseguia salvá-la. Riley estava ali, a poucos passos, mas ele nunca era rápido o suficiente, a perdia antes mesmo de poder ajuda-la. Sempre a deixava ir.
Sua mente voltava para isso várias e várias vezes. Alucinando entre a realidade e as ilusões criadas por um sonho febril, tentando lutar contra aqueles pesadelos que lhe atormentavam. Joel percebeu que o seu medo de perde-la, perder alguém que amava novamente, o atormentava e nublava seus julgamentos, assim o deixando impotente.
Ele escutava Ellie e Sally conversando durante os poucos dias passados naquela casa segura. As vozes delas sempre ficavam distantes, envoltas pela névoa do tormento causado pelo ferimento. Uma parte dele não desejava acordar. Encarar a realidade de que o pior havia acontecido era pior do que viver naquele ciclo mórbido da perda.
Porém, em determinado ponto, tudo se tornou silencioso. Ele não escutava mais a voz de nenhuma das duas e os sonhos pararam. Joel estava suando, tornando consciente de tudo ao seu redor, enquanto seus olhos letárgicos se abriam para encarar o teto branco que estava descascando acima de sua cabeça. Ele respirou profundamente várias vezes, perguntando-se o que havia acontecido.
A próxima coisa que Joel está escutando, além de seu próprio batimento cardíaco, são os passos pesados na parte de cima da casa. Pesados demais para pertencer a qualquer uma das garotas. Não, elas não estão na casa. Joel recorda-se da voz de Sally, da forma desesperadora como ela falou com ele. É uma lembrança borrada, mas é algo o qual Miller se agarra.
Algo dentro dele está gritando, implorando para ele se levantar. Sair do ciclo da perda, agir com vigor contra aquela corrente de tormento. Joel precisava se desfazer da fraqueza que se apossou de seu corpo naqueles últimos dias. Era difícil quando ele sentia todo o seu corpo pesado. Ele não sentia mais dor, mas ainda estava submerso nos efeitos da infecção.
Mesmo assim se recusa a perder os sentidos mais uma vez. Os dedos de Joel se fecham fortemente sobre o cabo da faca deitada em seu peito e ele arfa não uma, mas várias vezes, enquanto escuta o som do móvel sobre a porta sendo arrastado e os passos descendo as escadas. Ele sabia o que tinha que fazer. Sabia que tinha que encontrá-las.
INVERNO⠀─ ⠀DEZEMBRO 07, 11:00
⠀⠀⠀⠀Silver Lake, Colorado
⠀⠀⠀⠀
Sally acordou com o rosto de Ellie acima de sua cabeça. A garota, olhando com certa preocupação e aflição em suas feições juvenis, relaxou quando notou que ela abriu os olhos. Soltando uma expiração cansada e dolorida, Sally levou a mão à cabeça ao sentir-se um pouco tonta. Sua cabeça dói, assim como suas costas. Ellie a ajuda a sentar, dizendo algumas palavras reconfortantes no processo e dando espaço para a Adams realmente acordar.
Quando tem a chance de realmente olhar ao redor, Sally percebe que elas estão em uma cela em um lugar que parece ser a cozinha, mas não estão completamente sozinhas. Há um homem do lado de fora, a quem ela julga ser o cozinheiro. Ele tem cabelos grandes e está de costas para elas, cortando algo. O som do cutelo cortando é tudo que elas escutam.
Enquanto isso, sentado de frente para a porta da cela delas, está David. Sally abaixa a mão que levou a cabeça, lançando um olhar furioso para o homem ── algo que não parece afetá-lo. Sua feições ainda parecem tranqui-las, enquanto um sorriso satisfeito adorna seus lábios, juntando-se ao seu olhar de corça
Sally levanta rapidamente e avança contra as grades da cela, segurando-as ao encarar David nos olhos. A raiva borbulha em seu interior, uma necessidade crescente de conseguir abrir aquela porta e avançar contra aquele homem fervilhando, porém tudo o que ela pode fazer é sacudir a porta com brutalidade.
── Solta a gente. ── Ela diz, entredentes.
── Esse é meu objetivo. ── Ele responde, sem se mover de seu lugar ou mudar a expressão em seu rosto. ── Estão com fome?
── Por que estamos presas? ── Ellie questiona.
── Porque eu tenho medo de vocês. Vocês são bem perigosas, já deixaram isso muito claro.
── Então deveria ter deixado a gente em paz.
── As coisas não são assim tão fáceis, você sabe disso. ── David a encara mais uma vez. ── Os outros querem que eu mate vocês, por conta de tudo o que aconteceu. ── O cutelo bate contra a madeira mais uma vez, fazendo os olhos de Sally se ergueram para o homem por conta do som alto, porém ele cobre a visão do que está sendo cortado sobre a mesa. ── Você ouviu que os outros querem te matar?
Sally olha para David, mas percebe que ele estava se direcionando a Ellie, seu olhar grudado na menina, que estava pondo-se de pé aos poucos.
── Ouvi. ── Murmura a garota, levantando-se. Sally vai até ela e a ajuda a ficar de pé, vendo que a mesma também não está totalmente bem.
── Mas eu não deixei.
── Foda-se? ── Sally arqueja, quando sobe Ellie pelo antebraço. ── Você quer o que? Que sejamos gratas a você? Vá se foder, seu idiota. Você prendeu a gente.
David a encara por um tempo, seus olhos piscando para ela algumas vezes, contemplando aquelas palavras raivosas que foram direcionadas a ele. Em seguida, sua atenção se direciona a Ellie.
── Por que não começa me falando seu nome? ── David escolhe ignora-la, demonstrando que seu interesse está sobre a garota mais nova.
── Vai a merda. ── Ellie responde. Ela cambaleia um pouco, porém a mão de Sally em seu braço a mantém firme.
── Oh, olha só. ── David se coloca de pé e anda até elas enquanto falam, Sally coloca Ellie atrás de si e as duas andam para trás. O que as impede de continuar são os limites da cela. ── Vocês não vão sobreviver sozinhas. Ninguém consegue. Mas eu posso ajudar vocês, é só me deixarem proteger vocês.
── Não estamos sozinhas e não precisamos de você e de sua falsa compaixão. ── Exclama a Adams, enfurecida.
── Ah, é. Aquele homem. O assassino. O que ele é de você? Pai? Marido? Amigo? ── Indaga o loiro, esperando uma resposta que nunca vem. ── Como ele está? ── Elas permanecem em silêncio, Sally desvia o olhar. ── Da para ver que vocês se importam com ele.
Mentir não era o forte de Sally. Ela sempre foi a pessoa que deixava transparecer demais em suas expressões e gestos e, levando em consideração a forma como David as analisava, sabia que ele não deixaria nada passar.
Sally desejava ser capaz de sair daquela cela, mesmo sabendo que não seria totalmente capaz de lidar com David. Suas mãos seguram fortemente as mangas da blusa de frio de Ellie, mantendo a garota protegida pelo seu corpo como um animal assustado.
── Eu sei que dói. Mesmo assim, ── ele continua. Agora andando ao redor da cela, David caminha para o lado e Sally anda com Ellie em direção a parede oposta, mantendo a distancia. ── vocês tem que aceitar a realidade. Essa parte de suas vidas está acabando e estou oferecendo um recomeço. Mas se vocês não confiarem em mim... Ai sim, estarão sozinhas.
David poderia ter proferido aquelas palavras para as duas, porém seu olhar se manteve atento sobre Ellie, sem não ao menos desviar por um momento sequer. Sally espera que o homem diga mais alguma coisa, porém isso não acontece. Sua única ação é caminhar para em direção a porta e sair, fechando-a com um som audível e estridente.
Sally solta uma respiração aliviada que nem ao menos percebeu que estava segurando. Seu nós dos dedos, quase brancos pela força impregnada em seu aperto, soltam as mangas do casaco de Ellie e deixam a menina livre para deslizar da parede até o chão. Adams vai para o lado dela e também se senta, agora que elas tem um momento sozinhas.
O cozinheiro não demora muito para sair em seguida, partindo pela outra porta e sumindo no corredor, após colocar tudo o que cortou dentro de um freezer no canto da sala. Tudo ao redor delas fica completamente silencioso, agora que não há mais a voz de David ou o som do cutelo partindo algum tipo de carne sobre a mesa de madeira. É apenas as duas e os sons ambientes.
── Como você está? ── Sally pergunta, deixando suas pernas esticadas sobre o chão e suas costas apoiadas na parede. Ela observa Ellie e a forma como a jovem está encolhida. Ellie abraça as próprias pernas, mantendo-as próximas aos peitos. Seu olhos parecem um tanto letárgicos e distantes, uma reação que transborda a forma como as palavras de David a afetaram. ── Como está sua cabeça?
Adams retira algumas mechas de cabelo da frente do rosto de Ellie para que possa ver melhor as marcas avermelhadas que se formaram na testa dela.
── Estou bem. ── Ellie se afasta um pouco, fazendo com que Sally pare de toca-la, e desvia o olhar. Ela foca em algum ponto na frente delas.
Sally solta um suspiro fraco e cansado, ainda analisando a menina. Passa a mão pelo rosto e também a acaba olhando para a frente, aguardando enquanto o tempo passa. Elas sentam em silêncio por mais um tempo. Principalmente porque Sally não sabe o que dizer.
── Você acha que o Joel está bem? ── A pergunta sai em um fio de voz, tão baixo que Sally quase não escuta, porém acaba compreendendo as palavras.
── Joel é forte... Ele sabe o que fazer. ── Sally murmura, tentando tranquiliza-la. ── Ele vai ficar bem.
── E a Riley? Acha que ela está... bem? ── Ellie questiona, virando a cabeça na direção de Sally, seus grandes olhos castanhos encarando a mais velha.
Aquela não era a pergunta que Ellie queria fazer e Sally sabia disso. "Acha que ela está viva?" seria a pergunta certa, porém a Adams ignora isso. Ela não quer pensar sobre.
── Eu conheço a minha irmã. Ela não vai cair sem lutar até o fim. ── Responde a mulher. ── E se tem uma coisa que eu sei sobre a Riley, é que ela não desiste tão facilmente. ── Sally a encara. ── Vamos encontra-la. ── Afirma a Adams. ── Vamos encontrar o Joel também, mas antes disso vamos sair daqui. Não importa como. Nós duas daremos um jeito.
INVERNO⠀─ ⠀DEZEMBRO 07, 12:10
⠀⠀⠀⠀Ghost Town, Colorado
⠀⠀⠀⠀
A raiva pode se tornar incontrolável. Motivada por motivos vis ou não, ela tem a capacidade de fazer um estrago, principalmente por ser algo que começa de maneira calmante até que escale para algo maior e consequentemente exploda ao redor.
Porém a raiva também era capaz de motivar as pessoas e era ela que estava motivando Joel naquele momento.
A dor em sua abdominal não era nada, comparada fúria que sentia. Apenas vazia com que enxergasse vermelho. Apenas o impulsionava para ser pior, para descontar tudo o que sentia da pior maneira o possível: em outra pessoa.
Seus nós dos dedos estavam vermelhos. Manchados de tanto sangue que ele já não sabia mais qual pertencia a ele e qual pertencia ao homem que espancava fortemente várias e várias vezes. Punho fortemente fechado e movimentos repetidos. Joel apenas o acertava no rosto.
── Para, por favor! ── O homem chorou de seu lugar na poltrona, amarrado fortemente por fita isolante. Lágrimas se misturavam com ranho e sangue na sua face ferida e inchada.
Miller não se importava com os lamúrios dele, desferindo mais dois socos depois.
── Deixa ele em paz! ── Exclama o outro integrante do grupo de David, preso no fim daquele cômodo aos pés de uma escrivaninha. O homem havia acabado de acordar, após Joel ter o apagada com uma coronhada de sua arma alguns minutos atrás.
── Você é o próximo. ── Ele responde, puxando sua faca e ignorando a dor que sentiu pelo seu ferimento. Apoiava uma mão no braço da poltrona para se equilibrar.
── Por favor, ── engasga o homem que Joel estava espancado. ── eu não conheço nenhuma garota. ── Ele grita de dor e xinga quando Miller crava a faca em seu joelho.
── Caralho! ── Exclama o outro, vendo seu amigo sendo ferido e se desesperando.
── Ele não vai te ajudar. Olha para mim. ── Joel segura a cabeça do homem e a levanta, fazendo com que seu rosto ferido o encare. ── Se não eu arrebento seu joelho agora. Cadê elas?
── Elas... ── Ele engasga algumas vezes. ── Elas estão vivas.
── Onde? ── Quando o homem demora a escrever, Joel gira a faca no joelho dele, o fazendo xingar várias vezes.
── Na cidade! ── Exclama com os olhos fechados.
── Que cidade?! ── Furioso, Joel grita de volta.
── Silver Lake. ── Com certa dificuldade, o homem responde arfando várias vezes.
Joel o encara por um tempo e depois o solta com brutalidade, focando a cabeça para trás. O homem chora, enquanto Miller retira um mapa do seu bolso e o abre. Ele está agachado na frente da poltrona e desdobrando o papel.
── Não é um nome de cidade. ── arfa o prisioneiro, com a cabeça tombada para o lado. ── É um resort.
── Um resort? ── Indaga Joel e o homem assente com a cabeça algumas vezes, vagarosamente.
Em seguida, Miller coloca-se de pé ao mesmo tempo em que retira a faca do seu lugar alojado ao joelho do rapaz, fazendo com que o mesmo grite de dor mais uma vez. Ele coloca o cabo da lâmina na boca dele, fazendo o mesmo segura-la com os dentes, enquanto tem seus murmurios abafados pela arma.
Joel inclina-se sobre ele com o mapa em mãos e coloca bem próximo ao rosto do homem.
── Você vai apontar para onde a gente está. ── Ele o instrui. ── E onde é esse resort. Eu acho bom você apontar para o mesmo lugar que o seu amigo vai apontar.
Joel segura o mapa com uma mão e deixa que o homem aproxime-se com a faca e marque com o próprio sangue na ponta da lâmina um dos lugares. Ele faz isso com algumas lamúrios sofridos, arfando várias vezes e apresentando certa instabilidade. Quando cospe a faca, a deixa cair em seu colo e deslizar para o chão.
Miller se afasta um pouco dele, observando a marcação sobre a folha de papel, analisando o lugar que ele marcou e segurando o mapa com as duas mãos enquanto o faz. Ele acaba retornando a posição agachada, ainda um pouco fraco para se manter de pé por muito tempo.
── A gente tá ai. Eu juro. ── Explica o homem, atraindo o olhar de Joel. ── Pergunta pra ele, ele confirma. Não é mentira. ── Chorando enquanto fala, ele aponta a cabeça para trás, onde está o seu companheiro de grupo.
Encarando o segundo homem, Joel não desvia o olhar quando lança-se para frente e crava a faca no peito daquele que está preso a sua frente ── tendo deixado passar despercebido quando pegará o objeto no chão.
── Não! Não! ── grita o prisioneiro restante, enquanto vê seu amigo sendo morto. Ele se debate em seu lugar no chão, mas não consegue se soltar. ── Caralho! Não!
Joel levanta-se mais uma vez, deixando a faca presa aonde está, agora que o homem está imóvel em seu lugar preso a poltrona. Sua cabeça tombou para frente e seu cabelo grande cobre todo o seu rosto, escondendo seus olhos abertos da vista de Joel.
── Por que você fez isso?! ── Indaga o outro, enquanto Miller caminha pela sala e pega uma barra de aço em formato de tubo que está sobre o sofá. ── Ele falou o que você queria?!
Joel caminha lentamente até o homem, encarando-o durante todo o processo, deixando sua raiva transbordar naquele momento.
── Seu filho da puta! Vai se foder! ── Exclama o homem. ── Pra que fazer isso, cara?! A gente não fez nada pra você, caralho!
── Não fizeram nada pra mim? ── Questiona Joel, segurando a barra com as duas mãos. ── As duas meninas que vocês levaram... Elas estavam comigo. Minhas responsabilidades. E se elas estiverem machucadas... o que fiz com vocês é pouco, comparado ao que vou fazer com os outros.
Joel ergue a barra de aço acima da cabeça, prestes a dar o primeiro golpe.
── Espera! Eu sei onde está a outra mulher! ── Ele exclama, desesperado. Seus olhos se fecham fortemente, esperando pelo golpe que nunca vem.
── Que outra mulher? ── Joel abaixa os braços devagar, interessado pelo o que aquele homem tem a dizer.
── Tinha... Tinha uma mulher na universidade, ela também estava com vocês, não é? ── Ele abre os olhos devagar, respirando de maneira ofegante enquanto olhava para Joel como um gato assustado. ── Cabelo castanho claro até os ombros, branca, um pouco mais baixa que você, vestia um casaco preto acolchoado que ia até as coxas! ── Ele falou apressadamente.
── O que você sabe sobre ela? ── Entredentes, Joel o pressionou contra a escrivaninha, segurando-o pela roupa. ── Onde ela está?
── Eu vi... Eu vi ela sendo levada por aqueles malucos.
── Malucos? Os Jericós?
── Sim. ── Ele assente. ── A colocaram em um cavalo. Acho que ela tava morta, não se mexia.
── Pra onde eles a levaram?! ── Irritado, Miller bateu o corpo dele contra a madeira, fazendo-o arfar. ── Fala!
── Pra um acampamento! ── Exclama. ── Eles tem um acampamento perto daqui, ao norte do resort. Mas é estacionário. Eles partem depois de conseguir comida ou alguma coisa interessante pra levar pra Jericó. Nunca ficam lá por muito tempo. Eu sei porque entregamos o sobrinho do David pra eles faz algum tempo. Entregamos ele em troca de comida.
── Quem é David? ── Questiona Joel.
── O líder do nosso grupo. Foi ele quem mandou a gente caçar as garotas e matar você. ── Explicou o homem. ── Ele queria se desfazer do sobrinho, então a gente armou uma emboscada e fez parecer que era um acidente. O muleque não sabe. Precisávamos de comida e eles queriam algumas coisas que tínhamos. Entregamos o garoto junto, mas ele acabou voltando faz uns dias. ── Arfando algumas vezes, ele continua. ── Conhecemos o acampamento deles quando fomos firmar o acordo, ficava ao norte na época. Não acho que tenha mudado!
Joel ponderou sobre as palavras desesperadas do homem, que estava disposto a dar todas as informações que ele precisasse para conseguir sair vivo dali. Afastando-se do homem, Joel fica em toda a sua altura novamente.
── Eu juro. Juro que não estou mentindo. ── O homem chora. ── Isso é tudo que eu sei, cara! É serio.
── Tudo bem. ── Ele assentiu. ── Eu acredito em você. ── Erguendo o objeto de aço em suas mãos, Joel escuta os gritos do homem, que suplica para que ele não o mate, porém Miller ignora cada um dos seus pedidos, enquanto o acerta repetidamente com a barra.
Joel apenas para quando o corpo daquele homem fica imóvel e irreconhecível no chão de madeira daquela velha casa, formando uma poça viscosa de sangue que permeia sobre a superfície e chega próximo aos pés de Miller, que se afasta antes de pisar, pegando suas coisas e saindo daquela casa para ir atrás de Ellie e Sally.
INVERNO⠀─ ⠀DEZEMBRO 07, 12:10
⠀⠀⠀⠀Silver Lake, Colorado
⠀⠀⠀⠀
── Ellie, desce dai. ── Resmunga Sally do seu lugar no chão, enquanto Ellie utiliza um velho balde de tinta para subir e observar na janela na parede onde a Adams está encostada. ── Você vai acabar caindo e se machucando ainda mais.
── Quero ver o que tem lá fora para saber onde estamos. ── Responde a garota, segurando nas beiradas para se içar para cima. ── Você bem que podia me ajudar, você é mais alta do que eu.
── Sem chance. ── Disse Sally. ── Não estou com muita disposição para isso no momento. ── Ela faz uma careta quando leva a mão até a costela dolorida.
Demorou algum tempo, mas logo Ellie estava desperta novamente, agitada como sempre. Ela e Sally haviam conversado, formulado um plano simples entre si do que fariam quando David aparecesse novamente. Ainda estavam a mercê daquele homem e precisavam saber como agir frente a ele. Sally esperava conseguir uma brecha para escapar.
Mentir não era o seu forte, mas poderia contar uma meia verdade. Jogar o jogo dele era o caminho mais fácil para uma fuga, mesmo que fosse arriscado. E Sally continuava repassando em suas mentes as possibilidades, tudo o que poderia ou não dar errado. Sua mente ia e voltava sobre isso, enquanto roía suas próprias unhas em um claro sinal de ansiedade.
Enquanto Sally permanecia em seu lugar, roendo suas unhas até o limite, Ellie estava indo até a tranca da porta da cela, tentando encontrar uma forma de soltá-la. Seus dedos tentaram retirar os parafusos, porém eles não se moviam. A garota chegou até mesmo a se agachar no chão para tentar algo na parte de baixo.
── Ellie, chega disso. ── Suspirando pesadamente e cansada de ver as tentativas fracassadas da menina, Sally tentou intervir. ── Já disse pra você que vamos sair daqui, só não assim, porque-
Sally para de divagar quando nota que Ellie ficou de pé e deu alguns passos para trás. A mais nova tinha um olhar assustado em seu rosto, totalmente direcionado para algum ponto além da cela que as prendiam. A testa da Adams franziu.
── O que foi? ── Ela questiona, pondo-se de pé. ── O que aconteceu, Ellie?
O único movimento que Ellie faz é apontar na direção de algo, assim que Sally para ao lado dela. A mulher segue com o olhar para o que a garota havia apontado, engatando a respiração no momento em que encontra o motivo de tamanho espanto.
Enquanto Sally acaba espelhando a feição assustada e surpresa de Ellie, a porta da cozinha é aberta e David entra no local acompanhado de Simon. Os dois carregavam bandejas com comida em suas mãos e passam as duas por debaixo da cela. O mais novo evita olhar para elas, ainda com vergonha demais para encarar a Adams, porém David as observa. Nenhuma das duas consegue disfarçar o espanto o que leva o homem a encontrar o que causou isso.
Um orelha. Havia uma orelha e cartilagem humana debaixo da mesa, junto de sangue ao redor. David não pareceu surpreso, mas sim um tanto decepcionado. Algo que acabou confirmando aquilo que Sally temia ser a verdade desde que viu o que havia assustado Ellie.
── Podem acreditar, é carne de cervo. Eu juro. ── David quebra o silêncio, apontando para a comida sobre as bandejas. Ele permanece agachado, enquanto Simon está de pé atrás dele. Tendo também visto o que estava debaixo da mesa, Simon agora aparentava confusão em sua face, porém não falou nada.
── Você vai fatiar a gente em pedacinhos, não é? ── Ellie questiona, ainda letárgica por conta do choque da descoberta.
── Na verdade, eu não quero. Por favor, me fala o seu nome. ── Implorou o homem. Ellie desvia o olhar e fica em silêncio. David solta um suspiro cansado. ── Se você quiser me julgar-
── Te julgar? Você está comendo gente, seu filho da puta! ── Sally exclama, avançando contra a grade. Ela chuta a comida por debaixo da cela, a bandeja e o prato batendo contra a mesa e sujando o chão no processo. Suas duas mãos seguram as grades da porta de ferro, enquanto David e Simon deram passos para trás com o acesso de raiva dela. ── Você é um monstro.
── Sou um sobrevivente. Sobreviventes fazem o que é necessário para sobreviver. ── Ele retruca, encarando-a.
Sally balança a cabeça em negação e umedece os lábios, sem acreditar nas palavras dele. Ela dá as costas para ele, passando as mãos pelo cabelo enquanto ainda encara o lado oposto. Ellie permanece parada no mesmo lugar.
── Estou fazendo isso e poucos de nós sabem disso. ── David continua. ── Mas eu teria contado a vocês. Mais cedo ou mais tarde. Acho que mais cedo.
── Você é um animal. ── Ellie disse.
── Sou. Todos nós somos. Essa é a questão. ── Sally suspira quando ele fala e o lança um olhar desgostoso. ── Era a última opção. Você acha que eu tenho orgulho disso? O que eu poderia fazer? Deixar eles passarem fome? As pessoas que esperam proteção de mim, aquelas que me amam?
── Sempre há... Outra opção. ── Murmura a Adams, lentamente se virando para ele. ── Sempre há. Você escolheu o pior caminho, porque é isso que homens como você fazem. Acham que são salvadores, dizem que estão fazendo porque é necessário, porque é preciso. Mas é só pra suprir a porra do narcisismo de vocês!
── É isso que acha de mim?
── Eu não acho, eu tenho certeza. ── Ela responde. ── Vocês sempre precisam de algo para se escorar, alguma coisa para usar como desculpa para seus atos e atualmente é o fim de mundo. Mas, fala a verdade, você queria isso desde o isso. O fim do mundo só te deu liberdade pra ser o cuzão que você sempre quis ser. Pegar o que quer, quando bem quiser, porque agora nem a lei e nem Deus pode te julgar.
David fica em silêncio, encarando Sally profundamente. Ela acha que acertou um nervo, algo que talvez não devesse ter feito, mas serviu para afirmar sua teoria e seus piores medos. Agora ela entendia o porque de David lhe ser tão familiar. O olhar predador em seu rosto, ela já havia visto antes.
Um frio percorre sua espinha, porém ela disfarça. Manteve-se onde estava, sem desviar o olhar ou tremer. Não daria a ele o luxo de ver suas fraquezas.
── Você não acredita nisso. O amigo de vocês também não acreditaria. ── David se recompõe e dá alguns passos, parando em frente a mesa de madeira. ── Ele não tirou a vida de outro homem para salvar a de vocês?
── Ele estava só se defendendo. ── Responde Ellie, dando passos a frente.
── Ele estava defendendo você. ── Enfatiza David.
── Ele não é como você. É corajoso da sua parte tentar se comparar, levando em conta a pessoa que você é. ── Comenta Sally.
── Não me vê somo um "salvador", mas coloca esse homem em um pedestal. Controverso, eu diria.
── Eu só sei escolher bem as pessoas em quem eu confio, aprendi isso desde cedo. ── Sally responde. ── Você não é uma delas.
── São as pessoas que mais confiamos que podem nos trair sabia? ── Indaga David. ── Você confia demais nele. Mas, se por um acaso, a situação se tornasse você ou ela ── ele inclina a cabeça na direção de Ellie ── acha que ele te escolheria? Acha que ele faria de tudo para te salvar? ── Sally não o responde. ── Imagino que você já saiba a resposta, acho que é o mesmo que te impulsiona para protege-la tanto.
David direciona-se para Ellie, suas palavras sendo para ela.
── Sabe o que eu vejo olhando para você? Eu. ── Ele responde a pergunta retórica. ── Você me lembra de mim mesmo. Você é uma líder nata. ── Ellie desvia o olhar, ficando parcialmente de costas para ele. ── É esperta, leal,... violenta.
── Você não sabe nada sobre mim. ── Responde a garota.
── Eu sei, sim. ── Afirma David. ── Se eu soltasse você dai agora e devolvesse sua faca, você me mataria em 1 segundo. Você tem coração violento. Eu sei como é. ── ele caminha devagar até a porta da cela. ── Eu sempre tive coração violento e eu sofri com isso por muito tempo, mas quando o mundo acabou eu vi a verdade.
── Claro. Com Deus. ── Desdenha a mais nova.
── Não. Com o cordycerps. ── Retruca o homem.
── Então você não é tão diferente assim dos Jericós. ── Ellie comenta.
── Temos algumas... semelhanças em pensamentos, mas não somos iguais. ── Ele afirma ── O que o cordycerps faz? Ele é do mal? Não. Ele é fértil, ele se multiplica e se alimenta e protege os próprios filhos. E ele luta pelo futuro com violência se necessário. É amor.
── Você é maluco. ── Murmura Sally, afetada pelas palavras dele.
── Por que você está me falando essas coisas? ── Questiona a garota.
── Porque você aguenta ouvir. Você não é como ela. ── David aponta para Sally. ── Ou como ele. ── Aponta para Simon que está encolhido na parede próximo a porta, em silêncio desde que aquela conversa havia começado. O mais novo desvia o olhar para longe, parecendo triste e assustado. ── Nem como os outros. Os outros não conseguem. Eles precisam de Deus, precisam do céu, precisam... eles precisam de um pai. Você não. Você está além disso. Eu sou um pastor cercado por ovelhas e tudo o que eu quero é alguém igual. Uma amiga.
── Tio David... ── Simon tenta falar.
── Cala a boca, Simon. ── o homem o impede. ── Permaneça calado. Você não me é de nenhuma serventia mais.
Sally sente seu sangue gelar, enquanto observa David com olhos arregalados. A Adams queria vomitar. Queria ser capaz de sair dali, de fugir daquele lugar com Ellie, de ir para bem longe de David e de toda a sua maldade. Sally queria ser capaz de fazer alguma coisa.
Ellie está ao lado dela com as costas contra as grades da cela, mas permanece em silêncio por um tempo desde que David havia proferido aquelas palavras. Simon não havia apresentado nenhuma reação, o olhar do rapaz ainda estava distante, mostrando que aquilo não lhe surpreendia, porém o fazia mal.
── E o meu amigo? ── Ellie o questiona.
── Com eu falei, leal. ── David comenta. ── Posso mandar os outros pararem de procurar ele. ── Ele se aproxima mais, ficando totalmente próximo a porta e Ellie caminha até ele devagar.
── Sério? Vão deixar ele em paz?
── Ellie. ── Sally tenta intervir, aproximando-se de Ellie, porém sem saber o que dizer. O desespero e a impotência se unem em sua mente.
── Vão. ── David responde. ── Se ele deixar a gente em paz, eles deixam ele em paz. Eles fazem tudo que eu mando. Eles me seguem. Eles vãos seguir nós dois. Deus sabe que eu preciso de ajuda, eu... ── Ele respira fundo. ── Olha onde chegou. ── David coloca sua mão sobre a grade, a deixando pousar sobre ela. ── Imagine o que podemos fazer juntos, o mundo que podemos criar. Fortes como somos, seria o lugar perfeito. Vamos crescer, expandir, fazer tudo o que a nossa gente precisar. ── A mão de Ellie se aproxima devagar, ficando ao lado da dele. ── Imagina a vida que podemos dar a eles.
O curto momento de silêncio vem quando a mão de David levanta-se lentamente e depois recai sobre a de Ellie, indo para uma carícia leve.
── Imagina a vida que podemos construir. ── Ele fala.
Flashes de uma memória distante enchem a mente de Sally deixando-a nublada, trazendo um tremor para o seu corpo, enquanto seus olhos sobem daquela cena até o rosto de David e tudo que vê nele é o homem que ela amaldiçoa até os dias de hoje.
Parece que ela tem 16 anos novamente. Ela vê Dwayne e seu sorriso malicioso, vê a forma como as palavras doces e amigáveis dele a conduziram, como ela, inocente e jovem, realmente acreditou que as intenções dele eram boas. Sally não precisava fechar os olhos para se lembrar daquela noite, muito menos de como ele a encurralou contra a parede, de como ela se sentiu tão pequena contra alguém tão mais forte.
Sentiu sua garganta fechar e sua visão embaçar, porém ela não derramou nenhuma lágrima. Não importava mais, da mesma forma que não importava naquela época. Não importou se Sally era uma criança, se ela estava indefesa, se ela sofreu ou não. Ninguém na ZQ se importou, a não ser sua irmã e as pessoas próximas a elas. E agora Sally via a situação se repetir, porém de maneira pior. Ela via David agir e não conseguia fazer nada.
Ellie suspirou devagar quando a mão dele ficou sobre a dela, entendendo o que as palavras dele queriam dizer. Em seguida, vagarosamente, ela levou sua outra mão para descansar sobre a de David, em um ato que parecia ser totalmente inocente, até o momento em que ela quebrou o dedo dele com força.
David gritou de dor, o som do osso quebrado ecoando na sala silenciosa. Sally e Simon se assustaram, observando a cena do homem curvado por conta da dor. A menina rangeu os dentes para ele, furiosa. Ellie soltou a mão dele e esticou seu braço para tentar pegar a chave, porém ela caiu no chão. A garota tentou busca-la, mas foi impedida por David que a segurou pela roupa e bateu seu rosto contra a grade.
Simon e Sally se aproximaram para intervir, a mais velha tentando pegar a chave, porém o rapaz pisou na sua mão, a fazendo grunhir de dor. Adams teve que se afastar e Simon pescou o objeto, guardando-o em seu bolso. Quando ela o olhou, ele balançou a cabeça brevemente, negando.
"Agora não." Ele sussurrou, sem que David pudesse ouvir.
Simon foi até seu tio, deixando Sally com um olhar confuso para trás. Tanto David quanto Ellie haviam se afastado. A garota estava apoiada no chão, em suas mão e joelhos, enquanto seu nariz sangrava nos azulejos.
── Sua putinha. ── Xingou o homem, observando enquanto Sally levava suas mãos até as costas de Ellie, tentando ajuda-la. ── Vamos ver o que vou falar para os outros agora.
David se desvencilhou das mãos de Simon, quando seu sobrinho tentou ajuda-lo e deu as costas para a grade, decidido a sair da cozinha.
── Ellie. ── Murmurou a garota, virando-se para ele. David para seus movimentos quando chega na porta e olha para ela, ainda segurando sua mão machucada.
── O que é? ── Ele indaga. Ellie se aproxima da grade, deixando Sally para trás.
── Fala que Ellie é a garotinha que quebrou a porra do seu dedo! ── Ela exclama para David, furiosa.
── Como é que você falou mesmo? Fatiar vocês em pedacinhos? ── David abre a porta com brutalidade e sai. Simon o segue logo em seguida, olhando uma última vez para trás antes de sair e fechar a porta.
Quando estão completamente sozinhas novamente, Sally vai até Ellie, puxando a garota para si. Ela faz com que a mais nova a encare, analisando a garota e ficando horrorizada com o ferimento que aberto um pouco acima de seu nariz. Sangue escuro escorria do ferimento, chegando até mesmo a passar pelos lábios rachados de Ellie.
── Ellie... Não deveria ter feito isso. ── Sally rasga um pedaço de pano de sua roupa e o utiliza para limpar o sangue que escorre pelo rosto da menina.
── Fiz o que você disse. Joguei o jogo dele e esperei o momento certo pra agir. ── Ela responde, grunhindo de dor e tentando se afastar quando o pano passa pelo ferimento no nariz.
── Desculpa. ── Diz Sally. ── Sei que tentou fazer isso pra ajudar, mas se colocou em risco. Sem contar que o David não estava sozinho, foi arriscado demais, Ellie.
── Eu precisava tentar.
Sally segurou o rosto dela com as duas mãos e a fez encara-la.
── Dá próxima vez, não tenta. Entendeu? ── A garota assente e a Adams vê quando os olhos dela se enche de lágrimas. ── Vem cá, meu amor. ── Ela puxa para um abraço e a envolve, deixando que Ellie retribua aquele ato afetuoso. ── Me desculpe, eu deveria ter feito alguma coisa...
── Não foi sua culpa. ── Ellie nega com a cabeça. ── Fiz porque eu quis e porque ele mereceu. Eu não me arrependo, Sally. Não me arrependo. ── Sally a abraça mais forte quando ela repete aquelas palavras. Triste, porém orgulhosa, Adams a mantém perto de si enquanto pode. Esperançosa, pois sabe que Ellie é melhor e mais forte do que ela e por isso valia a pena protege-la.
A memória de Sally não tinha o costume de falhar quanto a acontecimentos do passado. Por mais que fosse alguém sem capacidade de guardar rancor, ela ainda relembrava muitos acontecimentos tenebrosos do passado. Sua mente era uma caixa de lembranças. Nem todas eram ruins, porém as ruins as vezes se sobressaiam perante as boas.
Enquanto o tempo passava lentamente naquela cela, a cabeça de Ellie deitada em seu colo e seus dedos passando pelos fios rebeldes dela, o silêncio perpetuava, dando brechas para os pensamentos intruvisos em sua mente vazia.
Sally não pensava no que aconteceu quando tinha 16 anos com frequência. Ela evitava ao máximo deixar sua mente vagar para Dwayne e tudo o que envolveu aquele dia. Com o tempo se tornou fácil seguir em frente. Não significava, é claro, que havia apagado a dor ou a marca que todo aquele acontecimento lhe deixou.
Ela ainda tinha medo de fantasmas. Algumas noites, noites ocasionais, se pegava acordando assustada novamente, com medo de estar de volta aquela época, lutando contra um monstro. Sally se recordava das primeiras noites que acordou gritando, da forma como Riley surgirá na porta do seu quarto em questão de minutos e a envolvia em seus braços, prometendo que tudo ficaria bem, repetindo as mesmas palavras várias vezes.
Ele não pode mais te machucar.
Sally demorou a acreditar naquelas palavras. As fantasias que sua mente criava, os pesadelos que atormentavam durante seu sono, traziam cenários dolorosos onde Sally se via continuamente encarando aquele homem novamente. Em todas as vezes, ela achava que acabaria sendo morta por ele. Em outras, ela implorava para que isso acontecesse. Preferia a morte do que passar por tudo aquilo mais uma vez.
Quando o tempo começou a passar, o aconteceu também passou a ser esquecido. Sally percebeu que Dwayne não iria voltar para Boston, passou lidar com as dores do passado de maneira diferente ── ajudando as pessoas na ZQ e mantendo-se ocupada. Ela nunca mais falou sobre e ninguém a forçou a isso, nem mesmo Riley. A vida continuou, as estações mudaram, mas isso nunca significou que as marcas não ficaram. Elas ainda estavam ali, escondidas aonde apenas Sally poderia enxergar e alcançar.
Quebrando sua linha de pensamento, a porta da cozinha foi aberta de maneira abrupta por David. Ele adentrou aquele cômodo acompanhado de James e Simon e os três caminharam diretamente até as celas. Sally e Ellie se sobressaltaram, já esperando pelo pior quando avistaram aqueles homens.
── James, segura a menina. ── Ordenou David. ── Vamos levar a mulher, está na hora de separar as duas.
── Não. Espera ai. ── O desespero enche os sentidos da Adams, que parece frenética enquanto olha para aqueles homens.
Sally coloca-se a frente de Ellie de maneira protetora, deixando a menina entre ela e a grade, sem que tivessem para onde fugir.
── Fiquem longe! ── Ela exclama, quando a porta é aberta. ── Vou acabar com vocês se encostarem em mim!
Eles avançam mesmo com seus protestos. Sally tenta fugir, porém David e Simon a seguram por seus braços e a puxam de cima de Ellie. James se encarrega de tentar segurar a menina, que se debate em suas mãos, tentando soca-lo. Adams tentar lutar contra os dois homens, fazer com que a soltem, mas é praticamente arrastada para fora da cela.
── Me soltem, agora! ── Sally grita contra eles. ── Eu vou te matar se você machucar ela! Me larga, filho da puta!
── Cala a boca! ── David ordena, porém isso não faz com que Sally diminua suas tentativas de fugir deles. ── Isso só vai piorar as coisas para você!
── Não! Sally! ── Ellie chama por ela, tendo seus braços segurados por James, ela se debate o máximo que consegue. ── Soltem ela! Deixa ela em paz!
Sally tenta olhar para trás algumas vezes, ela chama por Ellie, mas nenhuma dos seus esforços são úteis. A mulher é levada para fora da cozinha, tendo um último vislumbre da menina lutando contra o homem que a segura quando é arrastada pelo restante do corredor por tio e sobrinho.
James joga Ellie no chão quando ela morde a mão dele, lançando a menina contra as grades com brutalidade enquanto exclama de dor. Ellie cai em suas mãos e joelhos, apenas escutando James sair e trancar a cela novamente. Ela ergue o olhar para ele devagar, ofegante e zonza.
Sally é levada para a despensa daquele lugar, deixada acorrentada contra os canos de circulação de ar que passam por aquele pequeno espaço. Seu rosto está vermelho pelo esforço, fios rebeldes de cabelo caem na frente de seu rosto e ela ainda tenta estabilizar sua respiração. As algemas que estão em seu pulso são apertadas e velhas, aparentando que estão prestes a enferrujar, mesmo assim ela força contra elas tentando solta-las.
David e Simon se afastaram assim que terminaram seu trabalho, ficando de pé na frente dela. Sally lança um olhar furioso ao homem, sentindo a raiva que borbulha dentro de si aumentar.
── Não olhe para mim dessa forma, foram vocês que pediram por isso. ── David fala, encarando-a. Ele está próximo as prateleiras ao lado esquerdo da porta, enquanto Simon está em frente a passagem. Sally não consegue decifrar o olhar que está no rosto dele. ── Não queria ter que chegar a tanto, mas vocês me obrigaram a isso.
── Vai se foder. ── Ela cospe aquelas palavras lentamente, desejando poder ser capaz de soltar-se. ── Vocês dois. Vão se foder!
── Esse seu comportamento não vai te levar a lugar nenhum. Pare de bancar a durona, eu sei que você não é. ── David se aproxima, curvando-se para ficar na altura de Sally. ── Eu consigo ver a garotinha assustada que você é. Por isso que é descartável.
Ela fecha seu punho fortemente, sentindo sua unha cravar sobre sua palma, controlando-se quando o rosto de David está frente a frente ao seu. Sally deixa-se levar e cospe na cara dele. O homem fecha os olhos e solta uma risada de escárnio enquanto limpa seu rosto com a manga do casaco.
Em questão de minutos, ela sente o lado esquerdo de seu rosto arder quando ele disfere um tapa forte contra a sua bochecha, capaz até mesmo de fazer seu rosto virar para o outro lado. Sally sente o gosto do sangue em sua boca, provido por um corte que se abriu em seu lábio inferior.
David a segura pelo pescoço, fazendo com que a mulher o encare. Suas mãos são frias, encaixando-se bem abaixo de seu maxilar. Ele não chega a restringir totalmente sua respiração, mas a impede de mover a cabeça, fazendo pressão o suficiente para mantê-la no lugar, erguendo-a para ele.
── Não há lugar para você nesse mundo. ── Ele continua. ── Uma ovelha sem um rebanho, mas que é fraca demais para continuar sozinha... Eu não sei como você durou tanto.
── Sou mais forte do que você imagina. ── Responde ela, entredentes.
── Eu duvido que seja. ── Ele retruca. ── Mas, espero que entenda, que não vou deixar a Ellie desamparada. Ela estará melhor comigo do que com você. Sei como cuidar dela, como retratar aquele comportamento. Simon aprendeu, ela também irá.
Sally olha para Simon com o canto dos olhos, vendo a forma como ele se encolhe e desvia o olhar no batente da porta. Não consegue manter a atenção sobre o rapaz por muito tempo, pois logo David a está forçando a olhar para ele novamente.
── Já você... Você não tem concerto. É apenas um empecilho. ── Continua o homem. ── Vou tirar você do meu caminho.
Com brutalidade, David a solta, colidindo as costas de Sally contra a parede. O peso da realidade a acerta em cheio e ela sente uma sensação de desespero formando-se em seu interior. Seus braços estão presos em suas costas e seu olhar encara o chão, enquanto David se levanta e lhe dá as costas para sair.
Sally escuta os passos dele se afastando em completo silêncio. Ela fecha seus olhos fortemente, sentindo seus olhos enchendo de lágrimas, e engole o seco. Sua garganta se aperta, porém ela não pode hesitar. A necessidade que cresce dentro de seu corpo é que ela faça alguma coisa, que tente intervir de alguma forma.
── Por favor. ── Ela murmura, atraindo a atenção de David. ── Por favor, deixa ela ir. ── Adams ergue o olhar para ele lentamente. ── Deixa a Ellie ir. Eu fico no lugar dela. Eu obedeço você, eu faço o que você quiser, só... Por favor, não faz isso com ela. Ela é só uma criança.
Impassível, David a encara. A simplicidade que passa em seu olhar é falsa, predatória. Sally desejava poder fazer mais do que implorar misericórdia a um homem como ele.
── Não há o que temer. Assim como você, eu só quero o melhor para ela. ── Ele sorri. ── Ás vezes, é necessário colocar um pouco de medo para que isso aconteça. ── David vira-se e saí, sem dizer mais nada.
O corpo de Sally treme, enquanto permanece com o olhar desfocado e vidrado direcionado para o chão de azulejos de tom creme. Seus lábios tremem levemente e ela precisa morde-lo para conter as lágrimas antes que caíam, sentindo o gosto metálico do sangue em sua boca. Quando finalmente decide deixar seu corpo sobre a parede, desfaz os punhos em suas mãos, afastando seus dedos das palmas marcadas.
Antes, na casa segura, ela já havia feito pequenos machucados em formatos de meia lua sobre a pele. A dor era suportável, ferimentos superficiais, mas que voltavam a sangrar quando pressionados demais. Ela estava sem suas luvas para cobri-los agora, sentindo as pequenas fisgadas em sua pele sempre que tentava flexionar a mão. Não ajudava também que as algemas estavam apertadas e cavavam contra a pele de seu pulso.
Sally não se importava com a dor ── uma parte cruel dela pensava até que merecia ──, ainda era suportável e sua mente estava focada unicamente em Ellie, no fato de que não conseguiu protege-la. Não conseguiu se proteger.
Ao escutar os gritos histéricos da menina vindo do lado de fora daquela sala, Sally ergue a cabeça e lança um olhar de olhos arregalados para a porta. Ela se debate, fazendo com que as algemas machuquem mais seus pulos, desesperada para poder sair dali e ir de encontro a jovem.
── Ellie... ── Ela murmura no silêncio daquela dispensa, sozinha e impotente. Tudo o que consegue fazer é permanecer ali, esperando pelo pior.
Passam-se alguns minutos silenciosos até que Sally tenha alguma mudança novamente, dessa vez surgindo quando a porta é aberta. Simon entra na sala com cuidado, tentando fazer o máximo de barulho enquanto abre a porta de ferro e a deixa entreaberta, finalmente encarando Sally no canto da dispensa.
Ela parece arrisca, quase como um animal enjaulado. Uma carranca se forma em sua face, demonstrando que Adams não tem o intuito de ser amigável com ele.
── O que você quer? ── Indaga em um tom de voz baixo, porém firme. Transborda desgosto e raiva.
── Sei que está com raiva de mim e tem todo o direito. ── Fala o rapaz. ── Mas eu não vim fazer mal a você. Eu vim te tirar daqui.
── Por que?
── Porque eu não sou como o meu tio e estou cansado disso. ── Simon responde. Eles se encaram por um curto período de tempo, antes que ele retire uma chave de seu bolso e vá até ela. ── Só não podia te ajudar antes, você não me deu muitas escolhas.
── Foi você quem dificultou as coisas, Simon. ── Ela retruca.
── Se eu tivesse te deixado continuar, você teria se matado, Sally. ── Disse ele, enquanto tendo certa dificuldade para abrir as algemas. ── Teria sido muito pior. Você não quis me ouvir, não quis ir embora. Fiquei sem alternativas quando não quis me escutar. Depois, precisei esperar o momento certo pra te ajudar a sair daqui.
── Se você acha que vou sair daqui sem a Ellie, está muito enganado.
── Você não entende? Meu tio tá obcecado por ela. Ele não vai parar. ── Retorquiu o Kline. ── Vai ser pior se tentar intervir.
── Você tem tanto medo dele assim? ── Ela indaga e Simon desvia o olhar, amuado. Sally consegue perceber a dor nos olhos dele, a forma como David o afeta. Nem queria imaginar o que aquele homem havia feito com ele para deixa-lo tão dividido. Ela sabia que Simon queria ajudar, queria se libertar, porém o medo e a devoção cega o prendiam. ── Simon, me escuta-
Sons de disparo interrompem a fala de Sally antes que ela possa terminar, atraindo o olhar arregalado dos dois para a porta, pois os tiros vieram do corredor. Eles se entreolham alarmados e surpresos pelo o que acabou de acontecer. Simon se apressa para abrir as algemas, querendo ver a Adams livre tanto quanto a própria mulher.
Quando está livre das algemas, Sally coloca-se de pé antes de Simon, aflita pelo o que pode ser a causa daqueles disparos. Ela não espera que ele a siga, porém Simon o faz. Adams abre a porta e encara o corredor, vendo o momento em que as portas no final dele batem quando alguém passa correndo, mas não tem a oportunidade de identificar quem seja.
Os dois saem daquela sala com cuidado e caminham até a cozinha com o dobro de atenção. Em determinado momento Simon toma a frente e entra naquele cômodo primeiro, pedindo para Sally esperar, pois ele não sabe o que pode ter acontecido ali dentro.
── Meu Deus. ── Ele exclama, assim que encontra algo na parede ao lado da porta. Percebendo o espanto no rosto dele, Sally entra e encontra o motivo da reação do rapaz.
James está morto. Seus olhos estão abertos e há sangue saindo de um ferimento feito na junção de seu pescoço e ombro. Ela não se espanta pela cena, nem mesmo sente empatia. Sally só pode imaginar que Ellie fez isso. Ela o matou e fugiu, por isso David foi atrás dela.
── Preciso encontrar a Ellie. ── Adams comenta, dando as costas para Simon e aquela cena, deixando o cadáver para trás. A morte de James não há afeta, percebe que não se importa com nenhum deles.
── Sally. ── Simon a chama, fazendo-a parar e virar-se para ele no meio do corredor. Ele para no batente da porta.
── Se não vai me ajudar, não tente me atrapalhar. ── Responde Sally. ── Nada que você me disser vai me fazer mudar de ideia.
── Não, eu não... ── Ele suspira, parecendo frustrado. Simon leva a mão ao coldre em suas costas e entregou uma faca a Sally ── Eu vou encontrar o resto do pessoal do grupo, impedir que eles tentem entrar aqui e talvez... deixa-los em um lugar seguro. Nenhum deles tem nada haver com isso. ── Disse ele, enquanto fechava os dedos dela em torno do cabo. ── Apenas... Não morre, ok?
── Obrigada. ── Ela fala, aceitando o objeto. Simon assentiu, dando um fantasma de um sorriso para ela.
Sally olhou para ele uma última vez, antes de partir dali. Ela não o forçaria a acompanha-la, sabia que seria muito difícil para ele. Não sabia o que Simon havia sofrido na mão de seu tio, todo o terro psicológico que aquele homem havia o feito passar... Sally não gostava de imaginar.
Simon se encontrava muito dividido, talvez o apego a única família que lhe restará fazia isso com ele. Sabia que David estava errado, que era um homem ruim, mas ainda assim era difícil lutar contra todas aquelas amarras feitas por vários anos. O mais longe que ele conseguiu ir foi ajudando a Adams a fugir e ela já era grata ao Kline por isso.
Sally parte, perdendo a forma como os olhos de Simon a seguem pelo corredor, e vai de encontro a David. Conhecendo melhor o lugar em que está, ela percebe que estão em um tipo de restaurante.
Tenta não fazer barulho enquanto caminha, com medo de acabar alertando David de sua proximidade. Porém só o encontra quando está em frente as portas que dão para a área de refeição do resort. Mesas e cadeiras postas, um carpete vermelho no chão e o homem andando devagar pelo local, como se estivesse procurando algo.
Sally se esconde quando ele olha na direção da porta, quase sendo pega, mas indo para o lado da parede antes que ele pudesse vê-la através do vidro redondo na porta. Ela aguarda por alguns segundos, respirando fundo algumas vezes e pensando no que fazer. Olha novamente pelo vidro e percebe que ele se afastou o suficiente.
De costas para a porta, David não há vê, muito menos a escuta quando Sally abre uma pequena brecha nas portas duplas e passa sem fazer barulho. Adams vai até ele por trás, decidida a avançar para enfiar a faca em seu ombro. David percebe a movimentação quando ela está próxima e decide tentar acertá-la com o cutelo.
Sally abaixa e a lâmina acerta o vento, porém ela não erra. Adams crava sua faca no lado esquerdo de David, que grunhe de dor. Quando ele ergue o cutelo para machuca-la, Sally segura o braço dele, enquanto David segura o dela com a lâmina ainda pressionada contra seu abdome.
── Sua vagabunda. ── Ele diz com os dentes cerrados, fazendo força contra a mão de Sally, que não cede ao segurar o cabo da faca. ── Eu deveria ter te matado quando tive a chance!
── Penso o mesmo sobre você. ── Entre dentes, Sally o responde. ── Deveria ter te matado quando te encontrei naquela floresta.
Quando Sally percebe que ele está ganhando naquela luta de força, Ellie sai de seu esconderijo rapidamente, apenas para jogar um pedaço de madeira que está pegando fogo em David. Os dois são obrigados a se afastar quando isso acontece. David desvia e o objeto vai para o canto da sala, ateando fogo em uma cortina, porém deixa o homem distraído e da a Ellie e Sally a chance de correr e se esconder novamente.
As duas vão para lados opostos, escondendo-se atrás de mesas e cadeiras dispostas pela sala. Alguns lugares tem alguns sofás booths, que são altos o suficiente para mantê-las fora da vista de David. O cheiro de queimado começa a permear pelo ar, alastrando-se pelas cortinas, prestes a consumir o restante do ambiente do restaurante.
── Não podem se esconder para sempre. ── David exclama, falando alto e claro para que as duas possam escutar. ── Vocês não tem para onde ir. ── Ele pragueja ao retirar a faca e joga-la longe. ── As portas estão trancadas e as chaves estão comigo.
Até aquele ponto, as chamas ficaram mais fortes. Teto, paredes, mesas, tudo está começando a ser consumido pelo fogo. As duas portas que dão para os fundos, onde havia uma saída liberada por Simon, estão bloqueada pelas chamas. A única saída que elas tem é pela frente, porém a porta havia sido trancada por David.
Sally olha ao seu redor, desesperada por uma solução, uma forma de fuga. Ela rasteja pelo chão até estar atrás do bar. Escutando os passos de David e a forma como ele canta o nome de Ellie.
── Eu sei que você não está infectada, Ellie. Ninguém infectado luta tanto assim para sobreviver. ── Comenta o homem. ── Me diz como você conseguiu. Qual é o segredo? Ou você só é especial para caralho mesmo?!
A informação surpreende Sally, porém não tem tempo para pensar sobre isso. Ellie surge pelo lado oposto do bar e vai até ela. Um certo alivio a consome por estar perto da menina novamente. As duas não falam nada, apenas se encaram, trocam olhares que transmitem tudo e Sally aperta o ombro dela como um cumprimento e um certo ato de conforto.
"Podemos derruba-lo juntas e pegar a chave." Sally sussurra, apenas movimentando os lábios para a garota escutar. Ellie encontra uma faca pequena sobre o fogão e a pega, mostrando objeto a Sally que assente e pega o objeto.
── Ninguém gosta de ser humilhado, meninas. ── David continua. ── Vocês não sabem como eu sou bom! Não sabem o que eu podia dar a vocês se tivessem deixado!
Sally olha pela lateral do balcão para saber onde David está. Por conta do crepitar das chamas, não consegue escutar os passos dele, muito menos dizer se ele está perto. Adams o vê caminhando para o lado oposto e o seguem de trás do bar. Ela guia a menina mantendo a mão sobre o ombro dela.
── Eu tenho uma notícia para vocês. Nenhum de nós irá morrer aqui hoje. ── Disse o homem, parecendo mais calmo. ── Eu mudei de ideia e a sua amiga sabe disso. Eu nunca planejei te matar Ellie, pois eu decidi que você precisa de um pai. Irei cuidar de você e vou te educar. ── Sally aperta a mão sobre o ombro de Ellie, enquanto escuta as palavras dele. ── Vou educar as duas.
Sally odeia como a fala dele transborda malícia, odeia a forma como David a lembra de Dwayne, principalmente quando ele cantarola o nome de Ellie como uma melodia quase confortável e familiar em seus lábios. Ela sente nojo, o repudia. Odeia os dois e o que eles são, mas não deixa esse sentimento a cegar. Sally diz a si mesma que precisa manter o foco, manter a mente limpa e sã.
Ela segura o cabo da faca e vira-se para Ellie quando estão perto da passagem para fora do balcão. Sinaliza para a garota pegar as chaves, enquanto ela segura David por trás e Ellie assente para ela, apenas aguardando pelo momento.
Sally sai primeiro do esconderijo. Agachada e tendo seus passos disfarçados pelas chamas, ela aperta o passo quando está atrás dele e consegue segurar David por trás antes que ele vire. Adams enfia a faca no ombro deles várias vezes, enquanto o homem se debate, tentando fazer com que ela o solte. Ellie surge na frente dele, desviando quando David tenta acerta-la com o cutelo, fazendo com que ele perdesse a lâmina, e avança para pegar as chaves na cintura de homem.
David está se mexendo demais, levando as mãos aos braços da Adams para fazê-la soltá-lo e também tentando afastar Ellie. Ele acaba a chutando, fazendo a garota cair no chão antes de pegar as chaves e em seguida consegue retirar Sally de suas costas, batendo-a contra a parede várias vezes. Os braços dela afrouxam no momento em que Adams arfa por ar, sentindo a dor se alastrar.
Ele se vira para ela e segura pelos braços. Sally não tem força contra ele quando David a puxa, a joga contra uma mesa e bate a cabeça dela contra a superfície. A mulher cai no chão sentindo a dor e a forma como sua mente se perde, ficando zonza graças ao ataque. Aproveitando aquele momento de fragilidade dele, David a chuta várias vezes na barriga.
── Você não sabe a hora de parar, não é?! ── Ele indaga, chutando-a mais uma vez. ── Não sabe quando desistir.
O homem apenas para quando Ellie avança contra ele, tentando machuca-lo, mas acaba recebendo um tapa forte no rosto. David a acerta com as costas das mãos, fazendo a garota cair de barriga no chão, assim como Sally. Diferente da Adams, Williams ainda parece ter um pouco de consciência e rasteja pelo chão, tentando chegar até o cutelo que caiu debaixo de uma mesa.
David a impede a chutando no estômago, fazendo a mesma gritar de dor, e depois a virando para si. Quando Ellie está de costas para o chão, o loiro monta sobre a cintura dela, enquanto a segura pelos braços. Ellie grita e cospe na cara dele, tentando lutar contra o homem, que apenas ri.
Sally recobra a consciência aos poucos, levando seus braços trêmulos ao chão, enquanto tenta se erguer. Seu cabelo caí em seu rosto e sua visão está turva.
Porém, seus ouvidos captam tudo.
── Eu pensei que você já tivesse entendido. ── David diz, enquanto força as mãos dela para o chão, mantendo-as a presas acima da cabeça. ── A briga é a parte que eu mais gosto. ── David sorri, enquanto ela chora mais. ── Não tenha medo. Não existe medo no amor.
Sua cabeça ainda gira, mas ela consegue escutar tudo ao seu redor. Ela cospe sangue e leva a mão até o ferimento na testa, vendo sua mão manchada de vermelho em seguida. Escutando as palavras dele e os gritos de Ellie, Sally pega uma das cadeiras de madeira e vai até os dois. Ela o agride com o objeto, utilizando todas a força que ainda lhe resta para derruba-lo. Adams solta a cadeira no chão.
Quando David cai, ele solta a menina, deixando-a livre para pegar o cutelo acima de sua cabeça. Ellie não hesita quando vai para cima dele no chão, enfiando a lâmina primeiro no pescoço dele e depois o acertando várias vezes. Ela perde o foco enquanto grita, não pensa enquanto apenas fere David para matar. Os gritos dele morrem rapidamente. Seus rosto fica deformado pelos contínuos cortes, sangue espirra para todos os lados, porém Ellie não se importa.
Mesmo quando David já está morto, ela continua agredindo-o várias e várias vezes. Sally precisa intervir para conter o ataque de fúria da garota, envolvendo seus braços em torno dela por trás e segurando as mãos da menina, impedindo-a de prosseguir.
── Tudo bem, Ellie. Tudo bem. Já acabou. ── Com a voz mansa, Sally a segura para que Ellie pare de se debater, enquanto a menina continua chorando. ── Ele está morto. Acabou. ── Williams cai no colo dela, tremendo e se encolhendo, soltando a arma no chão. ── Ele não pode mais te machucar. Ele não vai mais.
Sally fecha os olhos fortemente, sentindo os tremores que passam pelo corpo dela. Ellie se agarra a ela como um bote salva-vidas, como uma ancora. Faz com que Sally se lembre de Riley, da forma como sua irmã a abraçou aquela noite e a embalou em seu colo como um bebê, repetindo palavras de conforto, garantindo que o pior havia passado.
── Eles não podem. ── Ela continua, murmurando baixinho ao que Ellie deita a cabeça na curva de seu braço e continua a chorar. ── Eles não podem mais machucar a gente.... Não mais.
Sally espera até que Ellie se acalme, dando a jovem o tempo que precisar para parar de chorar. Apenas quando o choro angustiado dela tornam-se pequenos soluços é que Adams decide levantar, dizendo para ela que as duas precisam sair dali por conta do fogo. Pega a chave no corpo deformado de David e sai enquanto as chamas começam a chegar até o cadáver, passando a consumi-lo também, transformando em cinzas aos poucos.
As duas vão até a porta tossindo por conta da fumaça e Sally tenta ser rápida para encontrar a chave certa no meio do molho de chaves. Demora alguns segundos até que ela consiga, empurrando Ellie para fora primeiro e saindo em seguida, recebendo o ar frio do inverno no rosto ao encarar o mundo exterior novamente ── nunca havia sentido-se tão feliz por ver a neve mais uma vez, Sally nem ao menos se importava com o frio.
Elas desceram as escadas e andaram juntas pela neve, sem nenhum caminho para onde seguir, porém decididas a seguir em frente. Adams olha para os dois lados procurando por algo, tentando pensar no que fazer e para onde ir, mas sua mente estava tão perdida e seu corpo cansado.
── Sally! Ellie! ── Sally se sobressalta ao escutar a voz familiar que grita seus nomes. As duas se viram ao mesmo tempo, vendo Joel chegando até elas. Os olhares assustados em seus rostos se tornando olhares aliviados.
Ellie vai até ele primeiro, novos tremores passando por seu corpo ao ver o homem novamente. Joel embala o rosto dela, cheio de preocupação em sua face quando se agacha ao nível dela.
── Ele... Ele tentou- ── Ela tenta dizer entre soluços. Não consegue controlar as palavras, a boca abrindo e fechando silenciosamente. Hiperventilando, sua garganta queima.
── Tá tudo bem. ── Joel a puxa para um abraço com uma mão gentil em volta do pescoço, embalando o rosto dela próximo a curva de seu ombro. ── Tá tudo bem. ── Ele repete. ── Está tudo bem, meu amor. Eu estou com você.
Os soluços de Ellie se transformam em gritos abafados enquanto treme no aperto do homem, mas Joel não vacila. Na verdade, ele apenas a puxa para mais perto, embalando sua cabeça com cuidado, mesmo quando suas unhas ameaçam abrir buracos no tecido de sua jaqueta.
O olhar dele se ergue para Sally que ainda não tem coragem de se aproximar. Joel vê a tristeza no rosto dela enquanto a analisa. Estende uma mão para ela e, quando Sally aceita, Miller a puxa para o abraço, consolando as duas.
Ela esconde seu rosto no ombro dele, sentindo o cheiro de cedro e café no casaco que Joel veste agora o manchando com suas lágrimas e sangue também, agarrando a parte de trás da jaqueta em total angústia e desejando esquecer os eventos daquele dia.
── Está tudo bem, meninas. ── Ele alisa com cabelo das duas com as mãos. ── Vocês estão seguras agora.
Levando as palavras de Joel como o conforto que precisa, Sally relaxa no abraço dele. Pelo menos por um tempo, eles tem tranquilidade.
Quando se afastam, ela limpa o rosto das lágrimas derramadas e se levanta, enquanto Joel entrega seu casaco para Ellie e devolve a mochila de Sally para que ela possa pegar o seu próprio e se cobrir.
── Para onde vamos agora? ── Pergunta ela em um tom baixo. Percebe que sua voz está áspera, sua garganta um tanto seca.
── Vamos achar um lugar para ficar. ── Joel responde, ficando de pé, mas mantendo Ellie debaixo de seu braço. ── Pensamos no resto amanhã. Temos que cuidar de vocês primeiro.
Sally concorda com ele. Mesmo querendo entrar no assunto Riley, ela se contêm. Ela não quer apressar as coisas, não quando Ellie ainda parece abalada.
Eles estão prestes a caminhar para longe do restaurante, quando alguém aparece. Todos os três se viram na direção da pesso, Joel apontando uma arma para o homem no processo e colocando Ellie e Sally atrás de si.
── Espera. Não atira. ── Simon pede, erguendo as mãos em rendição. ── Por favor. Não quero machucar vocês.
Joel não parece convencido, seu olhar furioso se aprofunda. Sally sabe que ele não hesitaria se visse Simon como uma ameaça, faria de tudo para protege-las e principalmente descontar sua raiva do que aconteceu em alguém.
── Joel, ele me ajudou. ── Sally intervém, aproximando-se do homem e ficando ao lado dele. Miller a encara. ── O nome dele é Simon, é sobrinho do David, o homem que nos prendeu aqui. Mas não é uma ameaça.
Recebendo aquela informação, Joel olha para Simon. O rapaz permanece onde está, sem mexer um músculo. Depois, ele olha para Sally novamente.
── Confia nele? ── Indaga Miller.
── Não o conheço bem, mas ── Adams olha para Simon uma vez, antes de continuar. ── ele teve a oportunidade de me matar e não me matou. Deixe-o ir. Simon é tão vítima quanto nós duas.
Joel parece ponderar sobre algo, pensamentos conflitantes passando por sua mente, antes que finalmente tenha algo a dizer. Ele olha para o Kline.
── O que faz aqui?
── Eu... Eu só queria saber o que aconteceu. ── Ele responde. Seu olhar ergue-se para Sally. ── Vocês o mataram?
Ela assente e Simon fica um tempo em silêncio.
── Bom. ── Concorda ele, cumprimindo os lábios levemente. ── Sinto muito... ── Continua. ── Queria ter ajudado. Não teria chegado a tanto se eu tivesse feito algo antes.
── Você ainda pode ajudar. ── Joel responde, fazendo Simon encara-lo, surpreso. ── Quer se redimir, garoto? Essa é a sua chance. Preciso que leve a gente até um lugar, depois de acharmos uma casa segura para passar a noite.
── Que lugar? ── Questiona Kline, franzino o cenho, confuso.
── Um acampamento. ── Miller disse, abaixando a arma devagar e mantendo seu olhar asturo sobre o rapaz. ── Fica ao norte daqui. Ouvi dizer que você conhece muito bem.
Sally percebe quando Simon entende onde Joel quer chegar, como se algo na mente dele clicasse, e não lhe passa despercebido a forma como ele engole o seco. Um traço de algo familiar passa pelo olhar dele, um lampejo de um sentimento que compreende bem como é. Medo.
AUTHOR'S NOTE. 𓏲࣪ ☄︎˖ ࣪
⠀I. Depois de semanas, estou de volta com um capítulo novo. Estava com tanta saudade de UATW, vocês não imaginam o quanto! Nem acredito que consegui terminar mais um cap, depois de tanta luta.
⠀II. Esse capítulo foi bem difícil de escrever, confesso que me emocionei bastante enquanto escrevia e as cenas com o David me traziam um misto de emoções. Percebi que era necessário colocar essa aviso no início, pois o conteúdo tratado é bem delicado.
⠀III. Peço também um feedback de vocês sobre, pois é importante pra mim saber se tudo ficou bem claro, se não cometi nenhum erro na hora de expressar algo e afins.
⠀IV. Não se esqueçam que os comentários de vocês são sempre importantes para mim, pois eu amo interagir com vocês. Estamos entrando na reta final e quero vocês aqui comigo, acompanhando e comentando as altas emoções que viram nos últimos capítulos.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top