IV - Peso na Consciência, pt. 1

13:46h

Os detetives, após enfrentarem um caótico trânsito, finalmente chegam na sede do Departamento de Polícia de Summerdale. Jesse desce do carro e encara o prédio retangular de 4 andares à sua frente. Ela ajeita o blazer bege e fecha um pouco os olhos ao direcioná-los para o sol, claramente incomodada com sua potência luminosa. Teniak percebe e dá uma leve risada.

-- Não tá acostumada com um dia de sol, nova-iorquina? -- indagou ironicamente enquanto abria o porta-malas do carro.

-- É. Estamos acostumados com os prédios bloqueando toda luz natural. -- Jesse pegou sua bolsa e passou a mão no cabelo.

-- Melhor ir se acostumando com ela agora. -- Teniak sorriu debochadamente. -- A propósito. Vai deixar a sua mala aí? -- apontou para dentro do porta-malas.

-- Por enquanto sim. Nós deixamos ela no hotel mais tarde. Temos coisas mais importantes pra resolver agora. -- Jesse saiu andando em direção à entrada do prédio enquanto falava, ansiosa para começar logo o trabalho.

-- Espera... ''nós''? -- O detetive deixou um tom indignado e ao mesmo tempo surpreso transparecer e fechou o porta-malas em seguida.

13:50h

Os detetives de elite, Jesse e Teniak, caminham lado a lado por entre os corredores do Departamento, ostentando uma presença poderosa e importante com seus passos sincronizados e pesados, suas posturas eretas e profissionais, seus semblantes sérios e análogos à vasta experiência e intelecto que possuem. Quase equiparados em relevância e fama, a imagem deles atrai olhares e murmúrios de todos os ângulos, como se fossem celebridades do cinema.

Capitão Connor abre os braços a distância e sorri, saudando Jesse Henderson com entusiasmo.

-- Detetive Jesse Henderson! É uma honra finalmente conhecê-la pessoalmente. -- esticou a mão, cumprimentando.

-- Capitão Sullivan O. Connor. É um prazer conhecê-lo. -- ela sorriu educadamente.

-- Espero que a recepção do detetive Teniak tenha sido de seu agrado. -- Sullivan olhou para Teniak com o mínimo de julgamento enquanto sorria, aguardando um sinal positivo.

-- Bom... -- Jesse cruzou os braços e refletiu um pouco. --, da última vez que desci de um avião, fui recebida com uma arma apontada na minha cara, então melhor impossível. -- ela riu sozinha, ganhando olhares duvidosos e preocupados de Teniak e Sullivan. -- O que foi? Nunca viram o caso do Sequestro da Linha Boston?

O Capitão consentiu com a cabeça repetidas vezes, recordando.

-- Sim, claro! Fiquei feliz quando vi os policiais tirarem os reféns do avião. -- ele baixou a cabeça por alguns segundos. Jesse ergueu as sobrancelhas e assumiu um semblante desconfiado. -- Enfim. Seja muito bem-vinda à Polícia de Summerdale, Detetive Henderson. Tenho alguns assuntos para resolver no momento, então vou abrir caminho para vocês trabalharem. -- Sullivan sorriu, acenou com a cabeça, deu um tapinha companheiro no ombro de Teniak e saiu andando em disparada.

Os detetives olham o capitão e depois se encaram, como se dissessem ''O que acabou de acontecer?''

13:54h

Teniak acende as luzes da sala de reuniões enquanto Jesse coloca sua bolsa em cima da cadeira para abri-la e tirar algumas pastas, sentando-se e organizando-as logo em seguida na superfície da mesa. O detetive prepara o projetor da apresentação e senta despretensiosamente no vidro, colocando uma perna sobre a outra.

-- Vamos começar agora uma recapitulação dos eventos subsequentes às investigações do Caso Julianne. -- disse olhando para Henderson. Sua fala é profissional, o que contradiz diretamente com sua postura. -- No dia 12 de Setembro deste ano, um tiroteio ocorrido na Escola Primária Eleanor Julianne tirou a vida de 17 pessoas e feriu outras 33. Dentre as vítimas fatais, cuja maioria é composta por crianças e pré-adolescentes, está Margareth Julianne, coordenadora pedagógica e irmã da fundadora da instituição, que morreu na madrugada do dia 13, decorrente de uma hemorragia interna no fígado causada por perfurações de cartucho 12 gauge, munição originária para espingardas pesadas de uso militar. Um modelo da SPAS-12, fabricada em território nacional, foi encontrado junto do cadáver de um dos assassinos. Os autores do crime foram três adolescentes: Anthony Lavigne, 15 anos; Craig Tianesco, 16 anos; Danielle Beiriz, 15 anos. Todos encontrados mortos às 11:48h numa sala de aula, com perfurações feitas por munições 9mm que atravessavam o palato duro e o giro pós-central, características que montam um cenário de suicídio coletivo. Além dos cadáveres, no mesmo cômodo também foram encontrados escritos com sangue na parede, que formavam a mensagem: ''Este é o nosso verdadeiro lado''...

-- Você vai me perdoar pela interrupção, mas tenho uma dúvida. -- alertou Jesse, apontando a caneta para cima. Teniak virou a cabeça em sua direção. -- Você disse que um modelo nacional da SPAS-12 foi encontrado, mas, para conseguir modelos como esse, não é necessário uma licença especial e anos de experiência com armas pesadas?

-- Eu já tava mesmo chegando nessa parte, então vou aproveitar o gancho da sua intromissão pra falar dos novos assuntos. -- Patrick levantou da mesa e inspirou profundamente. Jesse balançou a cabeça em afirmação. -- Várias características deste crime me levaram a crer que ele não é apenas uma revolta de adolescentes contra a sociedade, mas sim, um ato meticulosamente organizado e cínico de terrorismo. -- estas últimas palavras pesaram na mente de Teniak, o que o levou a proferi-las com intensidade.

-- Terrorismo? Então você acha que uma organização está por trás disso? -- Jesse encostou na cadeira e começou a mordiscar a ponta da caneta.

-- Possivelmente. Acompanhe o meu raciocínio. -- Teniak se vira e pula alguns slides até chegar numa imagem das armas encontradas. -- Primeiro: uma SPAS-12, duas Beretta M9 e sete cartuchos de 12 gauge e 9mm. Três adolescentes que, além de possuírem acesso a armas militares e munições, também tinham experiência com o manuseio delas, o que indica duas coisas, levando em consideração que é necessário um treinamento especializado e guiado para saber utilizar essas armas: existe um fornecedor e um treinador; ou alguém que se responsabiliza pelas duas práticas. Segundo... -- passou para o próximo slide, que são imagens de respectivamente: um laudo toxicológico; braços com um furo de agulha e um elástico amarrado logo acima; pupilas dilatadas dos três cadáveres. --, exames toxicológicos detectaram altas concentrações de heroína nos vasos sanguíneos, e de uma nova variante mais forte do LSD, apelidada de Carnage, atuando como inibidora nos canais pré-sinápticos do tálamo, que está ligado com as nossas funções motoras e sensitivas, comprovando que esses jovens estavam sob um efeito cego de codependência com quem estivesse fornecendo essas drogas.

-- Já ouvi falar dessa Carnage. -- Jesse se inclinou para frente, como se de repente, uma memória trágica viesse a tona. -- Há 2 anos, a guarda costeira de Nova Jersey apreendeu um carregamento industrial de cocaína, e uma combinação de psilocibina e outras substâncias químicas potencializadoras dos efeitos do LSD... acho que chamaram a combinação de ''Protótipo''. Depois disso, nunca mais o viram em outro canto do país.

Teniak olhou para baixo e pôs a mão no queixo, pensativo.

-- Então, é uma especiaria exclusiva do exterior.

-- Algo assim. -- Jesse jogou a caneta sobre a mesa e se ajeitou na cadeira. -- E não importa quem seja o fornecedor, tenho quase 100% de certeza de que ele não é um cidadão americano. Porque toda vez que essas novas drogas surgem, os criadores procuram manter um mérito, entendeu? Eles querem os lucros, querem que as pessoas comprem deles, mas não vendam, porque pode foder os negócios.

-- É um traficante de fora, então?

-- Na pior das hipóteses, sim.

A conversa é interrompida por três cuidadosas batidas na porta de vidro da sala. Os dois detetives instantaneamente concentram as atenções no policial Duncan, que abriu levemente a boca e piscou freneticamente os olhos, procurando palavras.

-- Eu acho que vocês vão querer dar uma olhada nisso. -- ele saiu andando em direção a sala de descanso dos funcionários. Teniak e Jesse se olharam por alguns segundos, curiosos, e saíram em seguida.

14:02h

Ao chegarem na sala de descanso, encontraram alguns policiais reunidos ao redor de uma TV de tubo, assistindo boquiabertos e surpresos ao jornal local. A repórter está parada no estacionamento de um lugar que aparenta ser uma clínica; algumas pessoas podem ser vistas ao fundo conversando entre si.

''De acordo com o relato de testemunhas, a mãe de Kyle Lewis, Marjorie Lewis, de 55 anos, correu em direção ao garoto quando viu que ele estava parado na linha do trem, que fica próxima da clínica de terapia infanto-juvenil do Dr. Tedros Angionuth, que presenciou a situação. O Dr. Angionuth também gostaria de ressaltar a importância de manter os olhos bem abertos para os sinais da depressão, que são...''

-- Caralho. Imagina o desespero que essa mãe sentiu quando viu o filho numa linha de trem. -- comentou um dos policiais.

-- Com o trem vindo, ainda por cima. -- complementou outro.

Teniak assumiu um semblante pensativo e olhou para o centro da televisão, focando ao mesmo tempo em todos os elementos que compõem o ambiente daquela reportagem, mas também não reparando em nenhum detalhe importante o bastante para guardar na mente por 2h, no mínimo. Ele deu alguns toques no ombro de Jesse, pedindo para segui-lo de volta à sala de reuniões.

14:04h

-- Teve alguma ideia? -- perguntou Jesse ao ver Teniak pegar sua maleta.

-- Precisamos falar com aquele terapeuta hoje mesmo. -- ele andou até a porta de vidro. -- Kyle Lewis estava no dia do ataque à escola. Se aquele homem for o terapeuta dele, então pode ser que a gente consiga algo novo.

-- Espere um pouco, Teniak, não é assim que os negócios funcionam. -- Jesse segurou no braço do detetive, aumentando levemente o tom de voz. -- É assim que você sempre trabalha? Precisamos ter certeza de que não vamos gastar tempo com isso. Não aja de forma imprudente.

-- Sabe por que as investigações só progrediram depois de 2 semanas? -- Teniak encarou profundamente os olhos de Jesse. -- Porque o juiz, que inclusive, faz parte da repartição pública federal, demorou na autorização do mandado de busca e apreensão pra casa dos assassinos. E sabe por que o juiz demorou pra autorizar? Porque só a porra da comoção nacional de um massacre escolar pra esse país sentir vontade de ajudar o fim de mundo que é Summerdale. Tive 2 semanas pra pensar em absolutamente tudo que poderia fazer pra progredir nesse caso, então não venha me chamar de imprudente... porque você não estava aqui para sentir o desespero de pais que perderam os filhos, senhora Federal.

Teniak inspirou profundamente, tentando acalmar os nervos, e saiu da sala de reuniões. Jesse apenas encarou sua retirada em silêncio. Seu olhar parece estar reprimindo algo, como uma memória dolorosa, ou um sentimento complexo prestes a explodir. Sabe-se apenas que, após esta conversa, a detetive Jesse Henderson compreendeu a grandiosidade da diferença entre o caos do mundo urbano de Nova York, e do mundo de Summerdale.

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