III - Primeiro Dia.

25 de Setembro de 1991, 8:40h.

O 'bip' da secretária eletrônica toca e uma voz suave de timbre barítono com pequenos vestígios de sotaque britânico ecoa do microfone:

''Alô, alô. Aqui é Patrick Teniak. Se você estiver ouvindo essa mensagem, é porque eu não estou disponível no momento, ou porque simplesmente não quero atender agora. Deixe sua mensagem depois do bip que talvez eu retorne sua ligação.'' 

Após a mensagem, uma segunda voz, desta vez entoando alegria forçada num tenor meio rouco surge:

''Opa! E aí, grande detetive Teniak! Você já deve ter ouvido falar de mim: o carismático apresentador do The Real Side Show, Kenty Lennsburgh! Sei que o senhor é um homem bastante ocupado e que já deve ter recebido várias ligações desse tipo, mas é porque todo apresentador sonha em entrevistar o mais promissor e relevante detetive do estado! O Ladrão de Pele, o Canibal de Sweetville e agora o Caso Julianne! Todo caso que você pega é solucionado alguns diaszinhos depois, isso é surpreendente! Adoraria ter o senhor no meu programa do próximo sábado à noite. Tô no aguardo de uma resposta, viu? E em nome de toda a comunidade Summerdale: muito obrigado pelo seu serviço e continue com o excelente trabalho! Tchau!''

O tilintar suave e instantâneo da xícara de café ao bater no pires demonstra a serenidade de Teniak, quase soando como algo formal.

-- Nunca que vou participar de um programa desses. -- afirmou levantando vagarosamente a cabeça e passando a língua entre os lábios.

-- Mesmo? Lembro perfeitamente de você ter dito há uns 4 anos atrás que você adoraria participar de um programa de TV. -- ironizou sorridente sua esposa, Karla Teniak, que andava de um lado para o outro sem parar.

-- Há 4 anos atrás eu também acreditava que café não tirava o meu sono. Ingênuo pra caralho. E é um programa de rádio, não de TV. -- também sorriu ao ver a expressão da mulher se transformar em uma surpresa falsa e debochada.

 -- Eu vivia me perguntando se você estava brincando com a minha cara sobre esse lance do café ou não. Você realmente não refletia pra tentar encontrar o motivo de tanta insônia e ansiedade? -- Karla riu.

Teniak empurrou o lábio inferior para fora da boca, fechou um olho e fez uma expressão pensativa.

-- Não.

-- É sério isso? -- a mulher assumiu um semblante genuinamente impactado. -- Você tá zoando, né?

-- Talvez sim, talvez não. -- Teniak levantou da mesa, pegou o paletó preto do cabide e sua maleta escura de couro. -- Tá na hora de sair.

Ele se aproximou da esposa e beijou-a apaixonadamente por alguns segundos. 

-- Quando voltar, eu vou querer uma resposta definitiva, ouviu? -- disse ela calmamente, quase como um sussurro apaixonado e sedutor, enquanto encara fixamente olhos do marido. Teniak sorriu e passou a mão pelos cabelos de Karla. 

-- Tá bom. Tenha um bom dia no trabalho hoje, amor.

-- Você também. 

Os dois sorriram numa alegria genuína e apaixonada. Esta é uma despedida clássica de casal, mas que difere num único elemento: eles nunca terminam a conversa com ''Eu te amo'', pois acreditam piamente que palavras não chegam perto de representarem um amor verdadeiro. Entretanto, existe uma ação cujo os dois concordam em ser a melhor expressão romântica: voltar para casa no final do dia.

8:53h

Teniak entrou em seu Chevrolet Monza despretensiosamente, como se não importasse o fato de que faltam apenas 7 minutos para as 9:00h, o começo de seu turno. Colocou os óculos escuros, sintonizou a rádio na 43.1 FM e deu um sorriso de orelha a orelha ao ver que sua música favorita tocava no horário de sempre. Desengatou a marcha e pisou fundo no acelerador. 

O trajeto de ida ao trabalho é o melhor para Patrick. Adora a brisa fresca e levemente úmida das manhãs, quando os termômetros batem em 18° C, que de acordo com ele, ''é a melhor temperatura para um ser humano viver''. A vizinhança toda o conhece, o que não é surpreendente, relembrando o fato dele ser um famoso detetive pelas redondezas. As pessoas o cumprimentam euforicamente por onde passa, e os olhares de aprovação e satisfação surgem um atrás do outro, quase como se Teniak fosse um arco-íris que transparece esperança e cor viva para um dia cinzento e opaco de tempestade. Ele sorri, cumprimenta de volta e agradece todos os elogios, sempre com uma falsa alegria estampada no rosto. Na verdade, Patrick Teniak não se tornou detetive para buscar recompensas e reconhecimento, mas sim, porque acredita que ficar parado e deixar o caos tomar conta da sociedade é quase o mesmo que permitir a livre destruição do mundo.

9:07h

Ao chegar no estacionamento da sede do Departamento de Polícia de Summerdale, onde trabalha, encontra dois policiais uniformizados parados na frente de sua vaga com os braços cruzados e sorrisos irônicos estampados no rosto. Na medida que vai estacionando seu carro, eles começam a aplaudir falsamente.

-- Ora ora, se não é a estrela do momento chegando atrasada para iluminar o dia escuro. -- debochou o da direita, Peter. 

-- Atrasado de novo, Detetive Teniak? -- questionou o da esquerda, Markus, em tom antipático.

-- Falar do meu horário não é trabalho de vocês. O que querem? -- o detetive colocou o paletó e pegou sua maleta, direcionando-se logo em seguida para os policiais.

-- O Capitão Connor quer te ver na sala dele em 5 minutos. -- afirmou Peter.

-- Parece que as tensões estão aumentando nas investigações do caso Julianne. -- avisou Markus, descruzando os braços.

-- Aumentando como? -- perguntou o detetive.

-- Eu sei lá, porra. Falar do seu horário não é nosso trabalho, da mesma forma como resolver seus problemas também não. -- Markus saiu andando rapidamente, e Peter o seguiu.

9:16h

 Teniak bate na porta do escritório do Capitão Sullivan O. Connor e a abre vagarosamente.

-- Senhor? Queria me ver? -- perguntou calmamente. 

-- Detetive Teniak, por onde andou? -- Connor girou a cadeira em direção a porta e lançou um olhar prepotente contra o homem britânico de 1,82m de aparência estoica e séria que é Patrick Teniak. -- Quando perguntei aos rapazes sobre você, me disseram que ainda não tinha chegado ao escritório.  -- fez um sinal de mão, chamando-o para dentro.

O detetive fechou a porta e sentou na cadeira próxima da mesa do capitão. Abriu um sorriso despreocupado, se acomodou e revidou com um olhar profundo.

-- Eu estava tomando um café com a minha esposa. O senhor sabe que não funciono sem o meu cafézinho. -- encostou o cotovelo no braço da cadeira e apoiou o queixo sobre a mão.

-- Então por que não tomou café mais cedo? -- Sullivan indagou em tom sereno, cruzou os braços e encostou na cadeira.

- De 8:00h? O efeito da cafeína iria embora no momento em que eu chegasse aqui. -- Teniak riu despretensiosamente e o capitão o seguiu.

-- Você é o nosso melhor detetive, então vou deixar passar dessa vez. -- Connor se inclinou e pegou uma pasta em sua mesa. -- Temos assuntos mais importantes a tratar.

-- Me disseram que as tensões aumentaram no caso Julianne. O que isso significa?

-- Notícia mais ou menos e notícia ruim. Qual você quer primeiro? -- o capitão colocou os óculos, abriu a pasta e começou a verificar algumas fichas, procurando algo em específico.

-- A ruim.

-- O detetive Hill pediu exoneração do caso. -- Teniak abriu a boca, confuso e descrente. --, a mãe dele sofreu um AVC e ele solicitou transferência para Nova Orleans pra cuidar dela.

-- Caralho. Eu vou desejar melhoras e boa sorte para ele mais tarde. E a mais ou menos?

-- O FBI vai entrar no caso. -- Sullivan passou uma ficha para Teniak.

O detetive passou o olho pelas informações de ''Jesse Henderson'', uma detetive da divisão de Crimes Especiais do FBI.

-- FBI? Vão assumir o caso? -- ele questionou, parcialmente indignado.

-- Não. Trabalharemos em cooperação com eles. As investigações do caso Julianne completaram 2 semanas ontem, então o FBI adquiriu jurisdição para mexer no que eles quiserem mexer, e eles escolheram colocar a detetive Henderson como representante neste caso. -- o capitão tirou os óculos e encarou Teniak com seriedade. -- Ela chega hoje à tarde para o primeiro dia. Quero que esteja lá no aeroporto para recebê-la, e não importa o que aconteça: não subestime o poder que ela exerce sobre este caso. Entendeu?

O detetive fez uma expressão séria e consentiu com a cabeça.

12:55h

Parado em frente ao portão de desembarque D-8 com as mãos nos bolsos do paletó e uma postura semiprofissional que mistura formalidades com desaprovação, Teniak aguarda a chegada de Jesse Henderson, marcada para as 13:00h. Algumas horas antes, o detetive deu uma investigada aprofundada nas mais pertinentes informações a respeito dela: formada em 1° lugar na Academia de Polícia entre vários candidatos promissores; condecorada 9 vezes por atos heroicos e liderança em casos de terrorismo; responsável pela prisão de 21 serial killers e por desmantelar uma corporação de fachada para o tráfico de mulheres. Após descobrir tudo isso, Teniak começou a remoer uma pergunta em sua mente: ''Por que o caso Julianne?'' É algo que, mesmo com sua vasta experiência como detetive e alto intelecto, não consegue compreender por inteiro. Por dentro dos bolsos, suas mãos suam e tremem em ansiedade e curiosidade -- talvez seja seu instinto policial gritando em ato de clamor pela descoberta.

13:04h

À distância, Teniak avista uma mulher branca de descendência britânica de 1,73m com cabelos castanhos escuros curtos, olhos cor avelã e um rosto sério quase indecifrável. O detetive levanta a mão, chamando-a. Ela percebe, acena com a cabeça e caminha até ele.

-- Detetive Jesse Henderson? -- perguntou Teniak, estendendo a mão em sua direção e escondendo sua ansiedade, assumindo as formalidades costumeiras.

-- Detetive Patrick Teniak, suponho. -- ela o cumprimenta, sorrindo educadamente. -- É um prazer conhecê-lo.

-- O prazer é todo meu. Me permita ajudá-la com as malas. -- Jesse consentiu com a cabeça e Teniak se aproximou, pegando a mala e uma bolsa pesada, mas que para ele, não era nada demais.

-- Muito obrigada por isso. A viagem foi bastante cansativa, entende? 

-- American Airlines? Se sim, então eu acho que depois daquelas poltronas duras, precisaremos marcar uma sessão de massagem para você. -- ele riu despreocupadamente enquanto caminha, e ela também.

-- Ouvi bastante a seu respeito, Patrick. -- Jesse cessou rapidamente a risada e puxou um novo assunto, deixando um leve tom de admiração escapar. -- Admito que me surpreendi com a sua resolução pro caso do Ladrão de Pele.

-- Mesmo? Steve Willinger era apenas uma imitação barata e burra do Assassino do Zodíaco. Mensagens deixadas na pele das vítimas com uma caligrafia de criança do primário? Tudo o que precisei fazer foi passar de casa em casa e convencer as pessoas a assinarem um enorme contrato falso. -- Teniak riu com desdém e orgulho ao recordar deste caso.

-- Você presumiu que o assassino era ambidestro porque não existia uma consistência caligráfica entre as mensagens. Quem mais, além de mim e você, seria capaz de pensar em algo assim? -- Jesse abriu um sorriso pretensioso.

-- A polícia local que não. -- os dois gargalharam.

Ao passarem pelos portões do aeroporto e chegarem ao carro de Teniak, ele colocou as bagagens no porta-malas e entrou no veículo. Jesse olhou ao redor no interior, abriu as narinas e sorriu ironicamente.

-- O que foi? -- indagou o detetive enquanto engatava a marcha.

-- Um Monza? Por que escolheu o mesmo carro que o meu tio usa quando ele quer se achar para as nova-iorquinas?  

-- Ele também comprou esse carro aos 30? -- Jesse consentiu com a cabeça. -- Então foi pelo mesmo motivo dele. 

Henderson ergueu as sobrancelhas e fez uma expressão surpresa enquanto Teniak colocava seus óculos escuros e pisava fundo no acelerador.

Detetive Jesse Henderson, da divisão de Crimes Especiais do FBI, chegou às 13:04 do dia 25 de Setembro de 1991 para acompanhar as investigações do Caso Julianne juntamente de Patrick Teniak. 

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