Flutuando no espaço
Estou flutuando bem no meio do espaço sideral, cercado por milhares de estrelas. Mexo os braços e pernas, movimentando-me no ar e indo para uma direção desconhecida. Logo chego em um planeta. Assim que fiquei em terra firme, uma multidão começou a me abraçar, todos com sorrisos no rosto. Uma garotinha me puxou pelo braço e disse alegremente:
- Oi, Miguel! Bem vindo de volta para casa!
Olhei ao redor, aquele planeta era vibrante, colorido, e cada pessoa era diferente uma da outra. Vi cadeiras de rodas, talas, muletas, andadores, próteses. Algumas se comunicavam com as mãos, outras falavam normalmente.
Ouço uma voz ao longe:
- Miguel! Acorde! Hoje é seu primeiro dia de aula!!!
Acordei com os gritos de minha mãe, infelizmente era apenas um sonho. Será que estou pedindo muito para o destino ao desejar que esse sonho se realize?
É difícil ser diferente, principalmente quando existe algo visível que comprove o quão esquisito você é. Desejo que as pessoas me vejam da mesma forma como enxergam um garoto comum, não quero ser especial, quero ser normal.
O engraçado é que a normalidade é relativa, só é considerado normal algo que acontece com muita frequência ou que existe em grande quantidade. Por exemplo, o normal é alguém saber andar, falar, ouvir, enxergar e controlar seus próprios movimentos, justamente porque a maioria das pessoas conseguem fazer isso.
Agora, como seria se existisse um universo onde a maioria das pessoas não conseguisse andar? Isso seria normalizado, certo? Nesse caso, o estranho seria encontrar alguém andando na rua, provavelmente todos olhariam a pessoa com espanto.
Pode parecer loucura, mas eu realmente acredito que sou de outro universo. Quer dizer, alguém que pertence a determinado lugar jamais seria tão rejeitado, geralmente estrangeiros são rejeitados, e eu sou um estrangeiro. Sou alguém de outro universo, que por acaso veio parar aqui nesse universo onde não sou e nem serei totalmente incluído. Nunca contei nada disso a ninguém, porque se contasse, diriam que sou louco, que tenho imaginação fértil, e que tudo é mentira.
Acontece que os seres desse universo são egocêntricos, acreditam que em um espaço tão amplo são as únicas criaturas inteligentes que existem, preferem acreditar nisso para satisfazerem seu ego e seu desejo de serem melhores que todos os outros seres. O orgulho e o egocentrismo fazem com que eles sejam alienados, mas parece que despertá-los da alienação e trazer o conhecimento da verdade não vai trazer felicidade, muito pelo contrário, eles iriam me odiar ainda mais por fazer isso. Assim, tenho meus motivos para me manter calado.
Decidi parar de pensar nisso e começar a me arrumar, pois não quero chegar atrasado. Do lado da cama tem uma mesa de cabeceira, pego minha roupa que havia colocado ali na noite de ontem, e começo a vestir. A camiseta eu consigo vestir normalmente, mas a calça não.
Como não posso ficar muito tempo em pé, e corro risco de cair facilmente, preciso vestir a calça *deitado na cama. A cadeira de rodas está na frente da mesa de cabeceira, consigo me transferir da cama para a cadeira de rodas, vou até o banheiro, lavo o rosto, arrumo o cabelo, e logo estou pronto para ir à escola.
Minha casa é grande e espaçosa o suficiente para me movimentar com minha cadeira e ir a todos os cômodos, a pia do banheiro é numa altura normal, mas posso ficar em *pé por um tempo, o que ajuda bastante.
Vou até a sala de jantar, onde meus pais estão tomando o café da manhã, minha mãe para de comer, olha para mim e diz:
- Tem certeza que quer ir à escola? Talvez seja melhor pensar direitinho naquela proposta que te dei.
Suspirei. Não podia acreditar que aquela discussão estava prestes a se iniciar novamente, parece que ela não me entende.
- Mãe, vamos conversar sobre isso agora? Eu já estou pronto para ir à escola, achei que estava tudo resolvido e que tinha concordado comigo - respondi.
Meu pai decidiu se intrometer, dizendo a minha mãe:
- Querida, isso é algo importante para nosso filho. Além disso, acredito que trará mais evolução e independência. Perguntou para a doutora Cláudia o que ela pensa da sua proposta?
Ah, não! O assunto fica ainda pior quando falam da minha psicóloga, olhei para minha mãe para ver a reação dela. Rugas na testa, lábios franzidos, olhos esbugalhados, uma veia do pescoço um pouco saltada, tudo indica que está irritada. Ela diz em um tom de voz alto:
- Sr. Antônio! Como ousa dizer que eu não sei o que é melhor para meu filho? Não preciso pedir a opinião de uma qualquer, que nem é mãe! Eu só quero proteger o Miguel!
E agora? Eu não quero seguir a proposta da minha mãe. Resumidamente, a ideia dela envolve aulas particulares para minha própria segurança e bem estar, tudo isso por conta de um incidente que houve na escola anterior e que prefiro não dar muitos detalhes nesse momento. Meu pai se posiciona, dizendo:
- O melhor para o Miguel é enfrentar a realidade! Não adianta tentar proteger ele, porque não é assim que funcionam as coisas. Miguel vai à escola, pronto e acabou. Vamos lá, filho.
Ele empurrou minha cadeira de rodas até a porta do carro, eu me apoiei segurando no banco, levantei e consegui entrar. Fiquei esperando enquanto minha cadeira era guardada no porta-malas, depois disso, o carro acelerou rumo à escola nova.
Sou um alienígena tentando me passar por um terráqueo, e isso não funciona. É impossível passar despercebido quando se é tão diferente, ainda mais na escola, um lugar onde todos encaram, cochicham e apontam. Adolescentes adoram julgar a anormalidade alheia e acreditam que podem mudar qualquer coisa. Ainda assim, tenho esperanças de que dessa vez será diferente.
Assim que cheguei na escola, ouvi uma voz vindo de trás de mim, dizendo:
- Ei! Você é novato? Nunca te vi por aqui.
Senti medo. Como saber se a pessoa que está falando comigo é confiável? Eu não queria problemas logo no primeiro dia de aula, sabia que se acontecesse algo ruim teria que seguir a proposta de minha mãe, ou seja, ter aulas particulares. Tentei responder, mas saiu apenas um monte de palavras confusas em um sussurro. A pessoa ficou de frente para mim, e finalmente pude ver sua aparência.
Era um garoto pálido, de cabelos loiros, óculos de grau, vestia uma camisa polo branca, calça jeans e tênis, tudo arrumadinho demais. Com certeza era mais um desses garotos ricos e populares de uma escola particular um tanto cara, enquanto eu ganhei uma bolsa de estudos para estar aqui. E garotos como ele não costumam ser muito legais, segundo minhas experiências.
- Você está bem? Posso ajudar em alguma coisa? - o garoto perguntou.
Talvez eu estivesse julgando pela aparência. E se ele fosse um cara legal? Poderíamos ser amigos. Mas e se ele não for nada legal e estiver fingindo? Tento analisar suas expressões, parecem muito verdadeiras, não pode ser fingimento. Mesmo assim, afastar-me das pessoas parece ser a melhor decisão, por isso respondi:
- Não estou a fim de conversar, então me deixe em paz.
Eu conheço a expressão que fazem assim que ouvem minha voz, e foi essa a expressão dele: uma mistura de tentar disfarçar um riso junto com uma cara de tipo "ei, você é estranho". *Bem que eu queria falar de um jeito normal, pena que é muito difícil. Achei que o garoto desistiria e iria embora, mas ele disse:
- Por que não quer conversar? Eu posso te mostrar melhor a escola, apresentar umas pessoas legais, podemos ser amigos.
Eu conheço essa estratégia, ele deve estar fingindo ser legal para ser bem visto pelos outros, assim que conseguir o que deseja, se afastará de mim. Decidi deixar bem claro que não sou um idiota e que entendo o que as pessoas fazem para conseguirem boa reputação, então disse a ele:
- Tem certeza que quer falar comigo? Olha, eu sou um cadeirante, nerd, esquisito e considerado maluco. Você nem sabe o que me trouxe até aqui. Acho que não vai querer estragar sua reputação, só estou avisando.
- Não me importo com reputação, tudo o que quero é fazer amizade com alguém diferente como você. Odeio preconceitos, todos deveriam ser tratados igualmente. Se formos amigos, irei te defender. Qual é o seu nome? - O garoto respondeu com um sorriso amigável.
Talvez ele não fosse uma pessoa ruim, ainda assim tomarei cuidado. Decidi ser educado e me apresentar.
- Meu nome é Miguel. Pode me mostrar a escola depois, faltam poucos minutos para começar a aula. Sabe onde fica a sala 105?
Ele apontou para uma das portas do corredor e disse:
- Prazer, Miguel. Estamos na mesma sala, e meu nome é Rigel.
Já está de noite, o horário de que mais gosto. A noite é mais fresca, sinto o vento soprando na minha pele, bagunçando meus cabelos. Vejo estrelas e mais estrelas a brilharem em meio à escuridão, em algum lugar entre todos aqueles pequenos pontinhos de luz está meu verdadeiro lar, um lugar onde serei amado e incluído por todos, um lugar onde todos os dias são perfeitos e não existe azar. Esse lugar, acabei de escolher o nome, se chama universo diferente. Onde estou agora se chama universo normal, um lugar onde apenas normais são verdadeiramente bem recebidos.
Morar em uma casa um pouco afastada das luzes da cidade tem suas vantagens, poder admirar o espetáculo de luzes do universo sem nenhuma outra luz intrometida para atrapalhar a visão, sem prédios nem grandes estruturas ocupando o céu, sem nuvens de poluição. Com exceção de quando o tempo está nublado, posso admirar as estrelas e procurar constelações toda noite.
Meu quarto tem um telescópio que fica do lado da janela, por onde observo o céu noturno, e assim comecei a contar estrelas e a identificar algumas constelações.
Encontrei a constelação de Órion, e olhei para o pontinho azul, a mais brilhante das estrelas. Começo a pensar sobre informações que sei a respeito dessa estrela. Conhecida como a supergigante azul, possui um diâmetro mais ou menos oitenta vezes superior ao diâmetro do Sol, e é milhares de vezes mais brilhante que a estrela que traz vida à Terra. Mas não me lembro qual era mesmo o nome dessa estrela.
Meus pensamentos são interrompidos por um barulho de alguém batendo na porta, ouço a voz abafada da minha mãe me chamando para jantar, desço da cama, e uso ela como apoio, me segurando para sentar na cadeira de rodas.
Algum dia espero conseguir voltar para meu verdadeiro lar, em um planeta que não sei o nome, e em um universo totalmente diferente de onde estou agora.
Minha família, casa, amigos de verdade estão em algum lugar, sinto isso todas as noites que observo o céu da janela do meu quarto. Definitivamente, não pertenço a esse lugar. Sou um astronauta perdido em um planeta desconhecido, vivendo no meio de alienígenas, sob constante risco de vida, não sei quando nem como poderei retornar ao meu verdadeiro lar.
****Glossário****
* Vestir determinadas peças de roupas, como calças, bermudas, shorts, saias, deitando na cama é a maneira indicada para pessoas com equilíbrio comprometido, seja num grau leve, moderado ou severo.
* Miguel tem um tipo de paralisia cerebral que afeta o equilíbrio, ele consegue ficar em pé sozinho e andar usando um apoio. Depois vocês vão descobrir o porquê ele optou por cadeira de rodas e não andador nesse caso.
* Em alguns casos, a paralisia cerebral pode dificultar a dicção (fala).
Oiii, meus viajantes espaciais! E aí? Como está indo o início da jornada rumo ao universo diferente? Estão gostando?
Vamos interagir um pouquinho, porque amo conversar com os leitores.
O que acham da proposta da mãe do Miguel? Aceitariam ou não?
Qual é a primeira impressão que tiveram sobre o pai de Miguel?
Será que esse universo que Miguel imagina existe?
E o Rigel? Classificariam como confiável? Ou nem tanto?
O que acham que vai acontecer depois?
Já pararam para admirar o espetáculo de luzes do universo à noite?
Espero que tenham gostado de mais um capítulo de "Universos Diferentes"
Beijinhos astronômicos a todos,
Jojo!
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