Bolos de chocolate
Hoje eu acordei muito feliz, feliz mesmo! Sabe aquela alegria de pular pra lá e pra cá? Foi assim que acordei, pulando na cama igual pularia em um pula-pula numa festa de criança. Porque seria um dia especial, ontem à noite tinha planejado tudo, fiz bolos de chocolate, cortei eles em quadradinhos, organizei numa bandeja, só faltava fazer cópias do panfleto que mamãe tinha ajudado a criar.
Finalmente o meu projeto daria certo, logo teria um monte de amiguinhos para me ajudar a salvar os bichinhos abandonados. Todos gostam de bolo de chocolate, certo? Bolos de chocolate deixam qualquer pessoa feliz e amigável.
Qualquer pessoa, menos Rigel, ele é tão ruim e malvado que os bolos de chocolate não funcionam nele, com certeza nunca será amigável. E mesmo assim tento chamar ele para o projeto, porque mamãe disse que a família dele é muito rica, e o dinheiro ajudaria muito.
Afinal, de que projeto estou falando? Querem saber?
O projeto Amigos Peludos foi criado para adotar e cuidar de animais abandonados ou doentes, e não precisa exatamente ser peludo, pode ter penas e escamas também. Prefiro os peludos, é gostoso de abraçar e acariciar, mas todos merecem amor, não importando o jeito que sejam.
Já fiz outros projetos antes, mamãe sempre me ajuda, mas no fim as pessoas desistem, os projetos acabam, e eu choro muito. Projeto Flores, projeto Lixo Criativo, projeto Futuro Verde, todos eles acabaram, mas eu não vou desistir, mamãe diz que eu sou especial e que vou mudar o mundo do meu jeito, só tenho que ignorar pessoas más e ser forte.
Começo a me arrumar para ir à escola, amo vestidos coloridos, tenho muitos vestidos. O que eu escolhi é leve e soltinho, vai até o joelho e é cheio de desenhos de flores com um rostinho sorridente. Sabia que teria que andar na terra molhada, por isso coloquei minhas galochas vermelhas.
Olhei para a capa do meu caderno, ele tem o desenho da Peppa pig, lembrei que minhas galochas são iguais as dela e fiquei feliz.
Estava pronta, por isso corri até a mamãe e falei:
_ Mamãe, vamos logo! Eu estou pronta, e quero ir pra escola mais cedo por causa do projeto!
_ Ah, Nicolly. Espere um pouco, tenha paciência, estou arrumando as coisas aqui na bolsa, agorinha termino.
Adoro a bolsa da mamãe, é enorme, feita de tecido resistente e com flores de feltro macio bordadas na frente. Dentro dela tem potinhos de tinta, lápis e giz de cera coloridos, pincéis, tesouras, fantoches, livros que quando abre os desenhos sobem, livros de pintar, livros de plástico que dá pra tomar banho sem estragar, rolos de papel crepom, pastas com papéis recortados, e muito mais. Cabe tanta coisa que parece mágica.
Mamãe é muito bonita, com seus cabelos castanhos cacheados enormes, pele negra, olhos cor de avelã, ao contrário de mim. Quando eu era bem pequena achava que iria crescer e ficar igual ela, mas agora sei que isso é impossível, e me pergunto como mamãe pôde me escolher no orfanato, tenho certeza que lá tinham muitas outras crianças mais bonitas e talvez mais comportadas do que eu.
Tenho testa grande, meus olhos são repuxados, mas não um repuxado igual o dos japoneses. Meus cabelos castanhos são bem lisos e sem graça, mal dá para colocar alguma coisa pra enfeitar porque sempre escorregam. Minha cara é bem redonda, parece uma lua. Sou baixinha e um pouquinho gordinha. Tenho dezesseis anos, mas dizem que não pareço ter essa idade porque penso igual criança.
Não me sinto bonita, porque com exceção de mamãe, ninguém nunca disse que estou bonita, e porque não pareço com nenhuma das princesas da Disney.
Mamãe terminou de arrumar as coisas, entramos no carro e fomos para a escola.
Saí correndo com minha mochila nas costas e uma bandeja cheia de bolo de chocolate nas mãos. Entrei na secretaria da escola, coloquei a bandeja em cima da mesa, tirei uma pasta com um panfleto de dentro da mochila, e entreguei para a tia Paula.
Tia Paula sorriu e falou:
_ Oi, Nicolly! Nossa, que legal esse panfleto, projeto interessante. Quer que eu faça quantas cópias pra você?
Eu queria mil cópias, porque o número mil parece ser um número muito bom, mas acho que mamãe não iria gostar disso, então respondi:
_ Tia Paula, pode fazer cem cópias pra mim. Você quer comprar um bolo de chocolate? É para ajudar o projeto.
_ Ah, queridinha, eu adoraria. Mas não posso comprar, são regras da escola _ ela recusou meus bolos?
Mas por que? Eu não gostei disso, fiquei chateada. Será que a tia Paula não é mais minha amiga? Isso dói meu coraçãozinho, é como se ele tivesse quebrado em pedacinhos, tia Paula não é qualquer pessoa, ela não é má e isso me deixa triste.
Começo a chorar, tia Paula me abraça, faz carinho em minha cabeça redonda demais, e diz:
_ Oh, menininha! Não chore, a titia ama a Nicolly, o problema é que a titia pode ser demitida se descumprir a regra de comprar coisas fora da cantina da escola enquanto está no trabalho. Mas se o diretor autorizar, a titia compra seu bolo, tá?
Diretor? Mas quem é esse diretor? Ele não é legal! Quem proíbe as pessoas de comer bolo de chocolate? Isso é maldade.
_ Quem é o diretor? Não gostei dele, ele é mau. Como pode proibir minha amiga de comer bolo de chocolate? _ falei, cruzando os braços.
Titia Paula riu e falou para mim:
_ Nicolly, o diretor é o senhor Andrade.
Fiquei envergonhada de ter falado que o senhor Andrade é mau, saí apressadamente, mas depois retornei e acenei dizendo:
_ Tia Paula espere aí, agorinha eu volto. Vou falar com o senhor Andrade.
Corri para a sala do diretor, bati na porta, ele abriu com um sorriso e falou:
_ Nicolly, o que te trás aqui? Alguém te incomodou de novo?
Tio Andrade sempre conversa com aqueles alunos malvados, só ele aparecer que todos ficam amedrontados, é por isso que gosto dele. Apesar de causar medo nesses alunos, ele não é nada assustador, na verdade é um homem com os cabelos castanhos misturados com um pouco de branco, sempre usa camisas bem passadas, e é gentil e paciente, nunca vi gritar ou ficar realmente bravo com alguém, ele não pode ser o diretor mau que proíbe as pessoas de comprar bolo. Se eu pudesse escolher um papai pra cuidar de mim, com certeza escolheria o senhor Andrade, mas acho melhor não falar isso, mamãe diz que certas coisas que eu falo podem deixar as pessoas constrangidas e não gosto de deixar ninguém envergonhado.
_ Tio Andrade, a tia Paula da secretaria falou que o diretor não deixa ninguém comprar bolos de chocolate. Ela disse que o senhor é o diretor. Isso não é verdade, é? Estou vendendo bolos para ter dinheiro pro meu projeto, e vou ficar triste se não vender nenhum, quero falar com o diretor malvado, isso é injusto _ falei com firmeza, mamãe ficaria orgulhosa, não choraminguei.
_ Ah, entendi. O diretor malvado sou eu, pode falar comigo, entre na minha sala _ tio Andrade disse rindo, como se achasse divertido, não vi graça nenhuma. Entrei na sala dele.
_ Hum, delícia! Esses bolos estão muito bons! Você que fez?
Confirmei com a cabeça, estou sentada em um pufe e brincando com um urso de pelúcia que achei na sala do diretor. A sala não é ruim, na verdade é muito agradável, nem entendo o motivo de terem medo de vir aqui.
O senhor Andrade pegou algumas notas e entregou a mim, mas tem algo errado, por isso falei:
_ Você pegou dois pedaços, e me deu dinheiro a mais, isso não tá certo, não tenho troco para te dar. Quer quatro pedaços?
Ele sorriu, dizendo:
_ Nicolly, quero apenas dois pedaços, é o suficiente. E isso aí tá certo sim, dei dinheiro a mais para ajudar, mas esse é um segredinho nosso. Ah, e pode vender seus bolos, tá? Tem minha autorização.
Fiquei feliz, pulei, dei um abraço nele, e sem querer acabei falando algo que não devia:
— Obrigada, papai!
O senhor Andrade me encarou, seu rosto não parecia nada contente, ficou olhando calado, até que desviou o olhar para o chão e respondeu:
— Eu não sou seu pai, Nicolly. Você sabe disso.
Ah, será que tio Andrade ainda é meu amigo? Não sei, mas não gostei do jeito que olhou para mim, como se estivesse triste. Ele estava triste, certo? Preciso dar um jeito de deixar ele feliz, mas acho que bolos não vão funcionar nesse caso.
Pelo menos consegui a autorização do diretor.
— Já falei que não vou comprar isso! Aliás, deve estar com um gosto horrível, já que foi você quem fez. Vou contar para o diretor que você continua vendendo coisas na escola _ Rigel fez uma careta, e falou de forma ruim.
Eu nem tinha falado nada pra ele, não pedi para comprar meus bolos, apenas sorri porque mamãe me ensinou a ser educada. Não sou burra de ser boazinha com o Rigel depois das coisas que fez, não gosto dele, é um garoto mau.
Na verdade é pior do que mau, ele é um verdadeiro monstro escondido por trás de cabelos loiros, óculos de grau e roupas caras, eu vi o monstro que ele é. Impossível me enganar de novo, talvez engane outras pessoas, mas eu não.
Decidi falar umas verdades na cara dele, mamãe falou que devo ser mais firme quando as pessoas são mal educadas comigo, não posso chorar igual uma bebê, eu sou uma mocinha agora. Então fiz minha cara de brava e falei em uma voz mais alta:
— Agora você não pode reclamar mais, eu pedi autorização para o diretor. Ele adorou a ideia de vender coisas para arrecadar dinheiro para o projeto "Amigos Peludos" e ainda comprou dois pedaços de bolo. Aliás, você não é um cara muito legal, Rigel. É horrível da sua parte não doar dinheiro para ajudar esses pobres animaizinhos abandonados! E eu sei que você tem muito dinheiro, isso é muito egoísta!
Eu fico triste quando apontam meus defeitos. Então chamar Rigel de um cara nada legal, horrível e egoísta deveria deixá-lo triste, certo? Triste o suficiente para pedir desculpas, assim espero. Até que ouço sua resposta:
— É horrível da minha parte, né? Muito egoísta? Pouco me importa a opinião de uma garota como você, pode dizer o que quiser de mim.
É, ele realmente é um monstro, nenhuma pessoa falaria assim comigo. Quem não se importa em ser egoísta? Ser egoísta é ruim! Não dá pra não se importar com algo tão horrível. Além disso ele falou comigo como se eu não devesse existir, como se eu fosse um lixo com cheiro muito ruim e não quer me ver na sua frente.
"Pouco me importa a opinião de uma garota como você"
"Opinião...garota como você...pouco importa"
Minha mente repetia aquilo, doía dentro de mim, era como se ele estivesse repetindo sua fala, e sua voz me machucava bem no meu coraçãozinho. Logo aquelas gotinhas de água escorreram pelo meu rosto nada bonito, não suporto Rigel, ele apenas trás dor, por isso corri para bem longe. Minhas pernas são curtas, mas corri o mais rápido que pude e me escondi no meio das moitas e flores da entrada escola. Mamãe não gosta que eu demonstre fraqueza, ela diz que chorar faz as pessoas sentirem pena, e isso não é bom porque sou forte e consigo fazer as coisas.
Mas com certeza Rigel não sente pena, ele não é um garoto normal, mamãe entenderia que dessa vez não tinha como não chorar.
Rigel monstro, você não merece ganhar uma migalha do meu bolo de chocolate.
Olho para as flores, são iguais as que estão no meu vestido, elas só não têm carinhas sorridentes. Mas imagino que possuem um rosto e converso com elas.
Flores não te magoam nem machucam, elas não batem nem dizem coisas ruins. Pessoas geralmente são legais quando você tem bolos de chocolate, mas flores não pedem nada em troca e ainda são boas, por isso gosto delas.
Olho para o sol, limpo as lágrimas com as mãos e abro um sorriso. Amo ficar nesse lugar, pisar na terra e me esconder entre as plantas. A natureza é minha amiga, por isso faço projetos para defender ela, não vou permitir que ninguém destrua. O sol me ilumina e aquece, o vento refresca e acalma, as flores são lindas e cheirosas, a natureza é perfeita.
O projeto Amigos Peludos é apenas o início, e tudo é possível se eu vender bolos de chocolate suficiente.
E aí? Gostaram de Nicolly?
Ela é uma fofa, e vai aparecer cada vez mais, pois tem coisas a descobrir sobre essa garota.
Essa personagem foi inspirada em uma amiga do hospital que também é portadora da síndrome de down, mas elas são bem diferentes, as únicas coisas iguais nas duas são os nomes, o modo de falar e a baixa autoestima.
Nicolly ama a natureza e vai fazer o possível para defender por meio do seu projeto. Vocês gostariam de ajudar e comprar bolos de chocolate?
Ela odeia Rigel, e acho que todos aqui também odeiam, né?
O que será que Rigel fez anteriormente com Nicolly para ela não gostar dele?
Por que o senhor Andrade reagiu daquele modo ao ser chamado de papai? Teorias?
Nicolly tem muitas histórias a contar, isso é apenas o começo.
Beijinhos astronômicos para meus viajantes espaciais, até mais.
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