A queda de uma bailarina
Ah, girar. Eu giro e giro, e quase pareço me perder nesse mundo giratório, porque tudo se transforma num colorido borrão cheio de movimentos. E aí eu decidi parar para ficar em posição de fazer pliés, mas sinto uma mão no meu corpo, não vi quem me tocou, parece que foi de propósito. Droga!
Não consegui fazer o movimento certo graças a esse maldito empurrão! E nem tenho como dizer quem fez isso! Espatifada no chão, vejo que estou cercada por bailarinas, algumas com olhares de pena, outras de desdém, e uma delas que está no canto apenas praticando na barra, ignorando tudo.
Ah, por favor, suas ridículas! Não me olhem assim, eu estou bem, e sou a pessoa certa para interpretar a protagonista. Ok, meus pés estão doendo um pouco, e acho que torci um tornozelo talvez, mas até chegar o grande dia já estarei recuperada.
As garotas se afastam pros lados e uma sombra conhecida me encobre, é a senhorita Rosetta, baixinha, de cabelos grisalhos cortados na altura do queixo, vestida com uma malha preta, de semblante sério, essa é a nossa "simpática" (só que não) professora de ballet.
A professora olha para mim e retorce os lábios, conheço essa expressão. Sim, decepção.
_ Jordana! Você não conseguiu, né? Tem certeza que deseja ser a protagonista do ballet? Saiba que cada detalhe é muito importante, não quero que manche minha reputação. Saia agora, descanse, não quero ver sua cara no momento, e pelamor de qualquer coisa, treine como se sua vida dependesse disso! Na verdade, depende sim!
Ela está irritada, e eu fecho os punhos com vontade de socar a sua cara, um soco bem merecido na minha opinião, afinal era apenas uma queda, isso não me torna uma má dançarina. Mas eu simplesmente tiro as sapatilhas, me levanto, pego a bolsa e ando em direção à porta do estúdio, até que ouço a garota que continuou treinando na barra. Com um sorriso sarcástico, ela diz:
_ Ah, Jojo, querida! Não esqueça de alisar seu cabelo pra apresentação final, talvez eu possa te ajudar nisso. Sabe, ninguém quer ver um ninho de passarinho misturado com esponja de aço girando, precisa ficar linda para interpretar Clara do ballet Quebra-nozes.
Sim, eu sei que as intenções dela não são essas que ela diz. Aliás, Katherine não me engana, ela vai tentar estragar tudo ao máximo para impedir que eu interprete Clara, e eu sei a culpada pelo empurrão, mas não tenho como comprovar porque a professora adora uma certa puxa-saco insuportável. Decido responder à altura, mas de modo que apenas ela ouça:
_ Não preciso da sua ajuda, barbie falsa do Paraguai. Você não me engana com suas falsidades, alguma hora a máscara vai cair e quem vai arrancar ela pra todo mundo ver será eu. Boa sorte tentando tomar meu lugar, pena que não conseguirá. Tchauzinho, princesa!
Saio do estúdio sorridente, como é bom revidar quem merece. Katherine vai aprender a lição.
Aliás, nunca vi uma adolescente ser tão terrivelmente preconceituosa. As pessoas desse tempo atual não deveriam estar aprendendo a ser mais tolerantes? Essa loira é muito estranha, parece que vive em outro século, ou em um universo paralelo. Ela trata mal as bailarinas mais gordinhas, ou de pele mais escura, ou qualquer uma fora do seu padrão de ser "cópia e clone" dela. É por isso que tento me sobressair.
Talvez se eu conseguir ultrapassar a tirânica e ficar com o papel principal, tudo melhore, porque assim darei força para que as bailarinas possam ser do jeito que são, com todas as suas diferenças e personalidade.
Não é à toa que meu nome é Jordana, aquela que corre, semelhante às águas de um rio cujas correntezas nunca param. E eu não vou parar até garantir respeito e inclusão de verdade nessa escola.
Fui ao vestiário após sair do estúdio, eu precisava lavar meus pés com água fria da torneira para amenizar a dor pois meus dedos acabaram machucando um pouco devido à queda abrupta. Me vejo no reflexo, e começo a pensar em minha aparência, algo comum para uma garota adolescente, ter inseguranças sobre si mesma.
Meus cabelos são cacheados, eu diria que os cachos são bem definidos, quase crespos. Mas queria que fossem mais fáceis, assim ninguém reclamaria da dificuldade que é domar essas madeixas para fazer um tradicional coque de bailarina. Será que pensam que é um ninho de passarinho, como Katherine falou?
Jordana, pare de pensar nisso! Nossa, você é linda! Só ignore, qualquer palavra que sai da boca dela é falsa, incluindo quando te chama de feia.
Lavo os pés, coloco sapatilhas normais e saio do vestiário imediatamente, tentando parar os pensamentos negativos. Mas vejo algo que me deixa desconfiada bem no pátio da escola.
Um garoto cadeirante é parado por um garoto loiro, eles falam algo, e aí o cadeirante entra numa sala enquanto que o loiro fica do lado de fora. Ok, tudo certo, parece coisa comum, dois garotos conversando.
Seria comum se eu não conhecesse o tal garoto loiro. Seu nome é meio diferente, de forma que esqueci como se pronuncia, ainda mais porque não estudamos na mesma sala, mas o conheço de forma que posso afirmar que ele não é confiável. Eu precisava proteger o garoto cadeirante, mas sem parecer estranha, pois sou apenas uma desconhecida qualquer.
Faço minha melhor cara assustadora e amedrontadora de brava, abordo o loirinho prensando seu corpo contra a parede, e segurando firme em seus ombros digo:
_ Sei que está querendo algo com aquele carinha, ô estrela! Você não costuma ser agradável com pessoas como ele, e não deixarei que apronte novamente, então vou deixar avisado que tô de olho! Ouviu?
Ele sorri e responde:
_ Olha só, a bailarina maloqueira querendo proteger alguém que não seja ela mesma, que novidade. Se eu fosse você, prestava mais atenção em si própria, afinal se olhar melhor verá que a agressora aqui parece ser nada menos do que aquela que você vê na sua frente no espelho.
Fico constrangida e solto ele, não quero ser acusada de bullying, isso acabaria com minha vida nessa escola. Só desejo de todo o meu coração aflito que o garoto cadeirante perceba a realidade antes que tudo fique mais grave.
Não tinha percebido o que acontecia, nem como Rigel realmente era, até ver o que aconteceu com Nicolly há um tempo atrás, mas já era tarde demais. Não pude fazer muita coisa enquanto ela chorava e gritava, esperneando em agonia, deitada no chão toda encolhida. Só chorei baixinho no canto pensando que fracassei.
Após as aulas, compro um delicioso bolo de chocolate da Nicolly, ela deve ser a hippie mais fofinha que já vi na vida, pena que não posso ajudar tanto nos projetos dela. Faço perguntas, preciso saber se está tudo bem:
_ Oi, Nicolly. Ninguém te incomodou hoje, né? Sabe que pode me contar se tiver alguém te incomodando.
Nicolly sorri, dizendo:
_ Ah, Jojo! Você é minha melhor amiga de todas! Vai querer adotar um cãozinho abandonado? Eles precisam de uma pessoa legal que cuide e dê muito, muito carinho.
Gostei de ver seu sorriso e empolgação, mas ela se esquivou da minha pergunta, não respondeu se alguém a havia incomodado, me dou conta de que Nicolly está ficando mais esperta, parece que anda aprendendo regras sociais. Pergunto novamente:
_ Você não respondeu minha pergunta, Nicolly. Alguém te incomodou hoje?
Ela olha para o chão cabisbaixa, não quero que chore. Será que fui rude ao perguntar? Ah, preciso melhorar nessa coisa, não sou muito delicada com as pessoas ao falar! Tenha cuidado Jordana, Nicolly é uma anjinha, não a magoe!
Aí vejo que ela diz baixinho:
_ Rigel é mau...
Isso me preocupa. Rigel fez algo com Nicolly? Preciso defendê-la, ele não pode ficar impune dos seus erros. Mas deu a hora de ir embora, minha van havia chegado para me buscar, teria que deixar pra próxima.
Tudo o que fiz foi acenar e gritar de longe:
_ Tchau Nicolly! Tenho que ir embora, depois conversamos!
Entro na van escolar, pensando repetidas vezes sobre não ter feito nada para ajudar. Droga! Odeio aquele garoto monstruoso!
Abro a porta de uma casa meio vazia e solitária. Ah, mais um dia de solidão.
Na verdade outras pessoas moram comigo, só são ocupadas demais e por isso quase não temos contato durante a correria da semana, mas sábado e domingo nos unimos, fazendo com que a ausência seja compensada pelo carinho e festividade.
Minha família fala gritando, é risonha, alegre, adora abraços, contato físico e umas brincadeiras. Sinto saudades, bate aquela ansiedade para que o final de semana chegue logo, esse aconchego familiar é muito bom.
Deito na cama do meu quarto, e olhando na direção do teto começo a... Como dizem? Viajar na maionese, ficar a ver borboletas.
Vejo uma bela garota rodopiando, tão cintilante, tão delicada. Aí percebo que a bailarina no palco sou eu. Nossa, como estou incrível ali!
Paro de girar e fico meio abaixada, com as mãos estendidas para o lado e sorrindo. Toca uma música que parece de entrada triunfal, e aí surge um garoto em sua cadeira de rodas, usando um manto e uma coroa. Que lindo ele é.
Eu me levanto e vou em sua direção, ele segura minhas mãos e olha para mim, parecendo suplicar para me ver dançar e girar naquele palco.
E aí eu ouço um alarme de celular e desperto do meu sonho acordada...
Olá, meus viajantes espaciais! Estou de volta!
Viajei pra outra galáxia numa nave, por isso a demora!
Vamos conversar um pouco, né?
Primeiro, essa Jordana não sou eu. O nome dela é esse simplesmente porque gostei do significado por trás, combina com suas atitudes fortes e intensas.
O que acharam dessa bailarina maravilhosa?
E vocês acabaram de conhecer Katherine. Super gentil ela, né? Terá um capítulo pra essa personagem também.
Se quiserem relembrar o que Rigel fez com Nicolly dessa vez, releiam o capítulo "Bolos de chocolate".
Jordana é a heroína defensora dos oprimidos, que embora se sinta fracassada, não desiste de ajudar as pessoas.
Ah, e um leve spoiler: ela dará um jeito em Rigel, podem acreditar.
Até o próximo capítulo que nem sei quando vai sair, mas prometo que vai sair.
Beijinhos astronômicos para meus viajantes espaciais preferidos!
Jojo!
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