Capítulo 59

— Bem-vinda a sua casa, filha! — A voz de dona Fernanda soa atrás de mim.

Estávamos em frente à casa dos meus pais, no Rio de Janeiro. Finalmente voltamos para Brasil. Após permanecer mais uma semana no hospital, o médico me liberou. Entretanto nos aconselhou a esperarmos mais algumas semanas antes de fazermos uma viagem tão longa. E ele estava completamente certo.

Nesse tempo, meu corpo conseguiu se recuperar cerca de 70%. Não foi um tempo fácil, pois a ficha de tudo o que aconteceu, e estava acontecendo, começou a cair. Todas as noites eu tinha pesadelos com o cárcere, Jamal, as mortes no jardim, Théo... Mamãe dormia comigo, pois não conseguia ficar sozinha à noite.

Passava horas do meu dia chorando, sendo consolada pelos meus pais e por Vicente, que eram incansáveis em me cobrir de oração, amor e palavras de encorajamento. Entretanto, o último também não estava muito bem psicologicamente falando, pois passou por coisas terríveis, principalmente no início de seu cárcere.

Infelizmente só conseguiríamos começar nossa terapia ao voltarmos para o Brasil, e esse foi um dos motivos que mais nos incentivou a viajarmos o quanto antes.

— É bom estar de volta! — Digo com um sorriso no rosto.

Entro na casa e todas as boas lembranças daquele lar invadem o meu coração. Como eu amo a minha família!

— Queridos, vocês querem tomar um banho? Enquanto isso eu preparo o nosso lanche. — Mamãe pergunta para Vicente e para mim.

— Seria muito bom, tia Fernanda! — Ele fala.

— Ótimo! — Vira-se para mim — Você poderia levar o seu noivo até o quarto de hóspedes, filha? Tudo está como antes!

— Claro, mãe! — Seguro a mão de Vicente — Vamos, Vin.

— Não demorem! — Papai diz quando já tínhamos subido a escada.

— Ok! — Respondo do pavimento superior. Caminhamos em silêncio até chegarmos à porta do seu quarto — Você fica aqui, o meu quarto é o do lado. — Digo sem encará-lo.

Ele toca o meu rosto, e com delicadeza me faz fita-lo.

— O que há de errado? — Pergunta acariciando o meu queixo.

— Não é nada! — Tento me afastar, mas ele segura o meu rosto com as duas mãos.

— Agatha, eu tenho acompanhado de perto toda a sua luta contra os traumas. Tenho visto toda a sua dor. Não diga que isso não é nada!

Fecho os olhos com força e permito que as lágrimas rolem.

— Você tem me evitado sempre que pode. Eu só quero entender o porquê, amor?

— Vin... — Tapo minha boca com a mão quando um soluço alto sai — Eu... Eu não queria fazer isso, mas é inevitável!

— O quê? — Pergunta, sem deixar de acariciar o meu rosto.

— É inevitável olhar para você e lembrar de tudo o que passamos na Líbia. Todo aquele sofrimento... Deus! — Vicente junta as nossas testas — E isso só aumenta a minha dor.

— Gatha... Sinto muito por isso! — Abro os olhos e fito seus orbes azuis com tristeza — Eu amo você, e o que eu mais desejo é te ajudar a passar por esse vale e sair ainda mais forte do que você é! Mas eu não suportaria ser a pessoa que te deixa pior. Eu não posso! Mesmo que isso doa em mim, meu amor!

Ele me abraça com força e eu o aperto.

— Eu não quero que você se afaste! Preciso de você ao meu lado... Só não sei como lidar com tudo isso, Vin! — Sinto-o afagar meu cabelo.

— Deus nos ajudará! Apenas Ele! — Afasta-se para me fitar — Sem contar que começaremos com as sessões no psicólogo. Creio que isso nos ajudará bastante!

— Amém! — Concordo.

— Por ora, eu deixarei que sua família cuide de você. Percebi como se sentiu bem melhor ao lado dos seus pais.

— Vin...

— É necessário! Pelo menos por um tempo. — Sorri de lado e coloca uns fios de cabelo atrás da minha orelha — Além do mais, eu preciso procurar um novo emprego, uma casa... Aí sim eu poderei, finalmente, te chamar de minha...

Acaricio seu rosto delicadamente. Com o dedão, contorno sua sobrancelha, olho, nariz e boca. Ergo o olhar para os seus olhos e engulo em seco com a intensidade que Vicente me fita. Uma de suas mãos sobem até minha nuca, puxando-me para perto de si, até unirmos nossas testas. A outra faz leves carícias em minha cintura.

Sinto sua respiração profunda tocar a pele da minha bochecha. Fecho os olhos com expectativa, afinal este seria o nosso primeiro beijo de verdade. Pela primeira vez eu consigo sentir cada reação do meu corpo, causada pelos toques de Vicente, e confesso que está sendo perfeitamente incrível.

Isso me faz sorrir.

— O que foi? — Pergunta com a voz rouca, enquanto deposita beijos leves perto dos meus lábios.

— Isso é bom! — Falo em um sussurro.

Ele se afasta e me olha com diversão. O sorriso que ele dá só me faz querer puxá-lo para mais perto e selar nossos lábios de uma vez. No entanto, ele é mais rápido ao diminuir a distância entre nós unindo nossos lábios com carinho e paixão.

Quando eles se tocam sinto um leve frio no estômago. Meu coração acelerado poderia ser ouvido por qualquer um a quilômetros. Envolvo seu pescoço com minhas mãos e o trago para mais perto. Seu beijo era doce e viciante, fazendo-me deseja-lo cada vez mais.

Por fim, nos afastamos quando nossos pulmões rogavam por oxigênio. Vin continua depositando beijos em meu rosto enquanto afaga meu cabelo com as mãos.

— Uau! — Comento após recuperar o ar — Se fosse preciso esperar mais doze anos para dar o meu primeiro beijo com você, eu o faria sem problema algum!

A gargalhada de Vicente me deixa constrangida, mas logo me uno a ele rindo do meu débil comentário.

— A cada dia que se passa eu te amo mais, Agatha Tavares! — Me dá um selinho antes de se virar e entrar em seu quarto — Vamos nos arrumar para descermos, estou com bastante fome.

Assinto, ainda envergonhada, e sigo para o meu quarto. Evito de todas as formas me recordar das muitas lembranças que surgem em minha mente ao entrar no cômodo, principalmente da minha melhor amiga. Se o fizesse, não sairia mais dali, e Vicente não era o único que estava faminto.

Abro o guarda-roupa a fim de pegar uma roupa limpa e me deparo com a caixa das lembranças. Sem pensar duas vezes, abro-a e retiro a carta amarelada de lá. Começo a abrir o envelope, entretanto, paro.

— Para que reviver o passado se Deus tem nos dado uma nova oportunidade? — pergunto a mim mesma.

Dessa forma, vou até a pequena lixeira próxima da penteadeira e pico o papel em vários pedaços. Volto ao armário com um sorriso no rosto e paz no coração, pego a roupa e sigo para o banheiro.

Tomo um banho rápido, coloco um vestido fresquinho, prendo meu cabelo em um rabo de cavalo e saio.

— Demorei? — Pergunto após chamar o meu noivo no quarto ao lado.

— Nem um pouco. — Ele segura minha mão e me olha com os olhos brilhando — Tem algo que eu gostaria de te dar. Comprei há alguns anos pensando em nós. — Retira do bolso uma caixinha de veludo.

Olho dele para o objeto algumas vezes, até entender do que se tratava. Vicente sorri docemente e abre a caixa revelando o lindo anel de ouro branco com pequenos cristais.

— Comprei está aliança no Canadá, e minha intenção era te pedir em casamento assim que retornasse, mas nada disso aconteceu — Dá de ombros — Quando achei que tinha sido pedida em casamento, não sabia o que fazer com ela, já que nossas iniciais estão gravadas na aliança.

Retiro o anel de sua mão e observo o objeto brilhoso, já sentindo os olhos manejados.

— Então a aliança era para mim! — Comento em um sussurro.

— Como assim? — Pergunta confuso.

— Certa vez a Lídia achou essa caixinha nas suas coisas e ficou extremamente animada achando que seria pedida em casamento — Ele desvia o olhar e solta um suspiro.

—Sinto muito por isso, amor... — Coloco um dedo em seus lábios o impedindo de continuar.

— Já passou! Vamos esquecer isso, ok? — Ele assente e segura meu pulso, depositando um beijo no mesmo.

Puxo minha mão com delicadeza e coloco, eu mesma, a aliança em meu dedo anelar da mão direita.

— É perfeita, Vin! — Admiro meu novo acessório especial.

Ele segura minha mão novamente e deposita um beijo demorado nos nós dos meus dedos.

— Eu te amo, Gatha!

— Eu também amo você! —
De mãos dadas, descemos a escada rumo ao térreo.

— Aí estão vocês! — Mamãe diz com animação — Venham! Venham!

Dito isso sai da cozinha indo para a área externa. Vicente e eu trocamos olhares, mas a seguimos. Ao sairmos da casa fico boquiaberta com a quantidade de pessoas que estavam lá. Entre elas, a maior parte dos meus companheiros de viagem.

Lara e Lídia correm em minha direção. Solto a mão de Vicente e faço o mesmo. Abraço as duas com tanta força a ponto de Lara reclamar.

— Águi! — Fala entre risos — Eu sei que sentiu nossa falta, mas está nos sufocando, amiga!

— Deixa a garota, Lara! — Lídia empurra a amiga — É bom te ver bem novamente!

Dou uma risada sem humor. Bem era uma coisa que eu não estava, mas não era momento para falarmos sobre isso, principalmente com a Lili, que passou por coisas bem piores, e aparentemente estava melhor do que eu.

Vicente se aproxima e fala com as duas. Cumprimento o restante do pessoal, e quando chego perto do meu irmão, começo a chorar feito uma criança. Ele me toma em seus braços e chora junto comigo.

— Irmãzinha, nunca mais nos dê esse susto ok? — Assinto com alegria.

Vejo Veronica segurando um embrulhinho do colo, o que faz meu coração aquecer. Mas antes de me aproximar, algo chama minha atenção. Ângela se escondia agarrada nas pernas da mãe.

Com cuidado, aproximo-me da pequena e fico em sua altura. Ao tocar seus cabelos cor de fogo, ela me olha com os olhos arregalados.

— O que houve, bonequinha? Não reconhece mais a sua dindinha? — Ela assente uma vez — Então por que está assim?

— Poque eu senti a sua falta, dindinha. — Seus lábios tremem e eu não consigo mais resistir. Puxo a minha sobrinha em um abraço apertado.

Foi uma questão de tempo para que ela voltasse a se soltar, e eu não preciso dizer que a enchi de beijinhos, fazendo a pequena gargalhar. Ela estava enorme, cresceu bastante nesse último ano.

Conheci o mais novo membro da nossa família, Alexandre. Ele era um amor de criança, tão quietinho e preguiçoso, não desgrudou do colo da mãe nem por um segundo.

Caio e Lipe também estavam lá. Fui recebida por eles cum um abraço de uso e muito choro da parte do meu maninho, que não parava de me agradecer após saber o que fiz por sua amada.

O meu querido pasto Pedro, dona Joana e Quel também estavam lá. Como eu senti falta da minha segunda família. Mas o que mais me surpreendeu foi a presença de Pablo, meu antigo chefe e amigo.

Esse momento precioso ao lado das pessoas mais importantes da minha vida, encheu meu coração de esperança, alegria e renovou o meu ânimo para continuar aquela caminhada que, com toda certeza, não seria nada fácil.

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