Capítulo 57

— Gostou da surpresinha, querida Agatha? — Jamal pergunta, mas meus olhos não desviam daqueles orbes azuis que me fitavam com intensidade e aflição.

— Vin! — Sussurro.

— Podem soltá-lo para que os pombinhos aproveitem o pouco tempo de vida que lhes restam.

Sinto uma dor absurda ao tentar ficar de pé, mas consigo com a ajuda do Zyan. Os capangas de Jamal desamarram os pés e as mãos de Vicente, em seguida retiram a mordaça de sua boca. Sem esperar um segundo sequer, corro em sua direção e ele faz o mesmo.

Jogo-me em seus braços, e o mesmo me aperta. A dor invade nossos corpos completamente machucados, pois Vicente estava com feridas piores que as minhas, mas isso não nos impede de continuarmos ali, um nos braços do outro.

— Vin, você está vivo! — Digo entre a curva do seu pescoço — Eu... Eu pensei que...

— Shhhh! Estou aqui, amor! Estou aqui! — Acaricia minhas costas e cabelo.

— Eu senti tanto a sua falta! Você não tem noção da dor que eu senti em minha alma, Vin! — Os soluços tomam conta do ambiente — Eu te amo!

— Eu também te amo, Gatha! — Segura meu rosto com delicadeza, beijando cada parte dele — Eu te amo demais, e saber tudo o que esse homem tem feito com você me deixa maluco e dilacerado! — Ele chora, um choro doloroso — Eu jamais vou me perdoar por não ter te protegido como prometi, amor!

— Do que está falando? — Pergunto sem entender.

— De todas as vezes em que esse monstro abusou de você, Águi. — Diz e eu nego com a cabeça.

— Não! Ele pode até ter me batido, espancado, mas jamais encostou em mim de outra forma, Vin! — Olho do meu noivo para o líder, que possuía um sorriso terrivelmente maquiavélico em seu rosto — Você! — Afasto-me um pouco de Vicente e aponto para Jamal — Você o fez pensar todas essas coisas, não foi?

Dá de ombros e ergue as mãos.

— Culpado! — Ri secamente — Mas hoje o seu amado verá em cores que eu cumpro com minhas palavras! — Fita-o com ódio — E eu terei o prazer de ver em cores o seu real sofrimento. Prendam-no na cadeira.

Os dois vêm em nossa direção com as armas apontadas para nós.

— Parem com isso! As coisas não precisam ser assim! — Mas um deles me empurra, e eu só não caio no chão, pois Zyan me segura.

— Não toque nela, seu monstro! — Vin grita para Jamal enquanto se debate nas mãos dos traficantes.

Em movimentos rápidos, eles prendem Vicente e o colocam na cadeira.

— Muito bem! Agora eu quero os três para fora daqui! — Diz aos capangas — Somos só você e eu, querida Agatha! — Segura o meu queixo com uma das mãos — Ops! Na verdade, teremos um telespectador... — Olha de relance para o meu noivo, que se debatia desesperadamente na cadeira — Faça menos barulho, por favor! O único som que desejo ouvir são os gemidos desta bela jovem! — Ri com gosto.

— NÃO! — Soco seu peito, mesmo sentindo os ossos das minhas mãos doerem — VOCÊ NÃO IRÁ ENCOSTAR EM MIM! NÃO IRÁ!

— Isso é o que iremos ver, bonitinha! — Me joga no colchão com força.

Bato minhas costas e solto um gemido de dor.

— Isso! Esse sim é o som que eu desejo ouvir. — Diz se colocando sobre mim.

— SAIA DE CIMA DE MIM! — Tento chutar suas partes, mas ele segura o meu calcanhar e com uma força incomum, torce o meu pé.

— AH! — Um grito agudo rasga a minha garganta e as lágrimas quentes molham o meu rosto — PAI!

— Não adianta gritar por socorro! Não há ninguém capaz de te livrar de mim. — Diz passando suas mãos nojentas pelo meu corpo, enquanto a outra segura os meus pulsos acima da cabeça.

— Pai! — Fecho os olhos e clamo por socorro — Paizinho, por favor... Me ajude! Por favor...

Sinto uma de suas mãos tocar a pele debaixo da minha blusa e subir até um dos meus seios. Me remexo ainda mais debaixo do seu corpo pesado, enquanto os soluços ficam cada vez mais altos.

— Isso mesmo, bonitinha! Assim que eu gosto. — Diz, em seguida beija o meu pescoço, fazendo um caminho molhado e repugnante até o meu colo.

Sinto minhas forças se esgotando, mas sei que não estou sozinha, então me ponho a cantar.

— Espírito Santo, ore por mim... — Fecho os olhos e me concentro em cada palavra dita em forma de oração — Leve pra Deus tudo aquilo que eu preciso.

Jamal se afasta, em seguida sinto um forte ardor em minha face. Abro os olhos e fitos os seus raivosos, mas não me calo.

— Pare de cantar! — Manda indignado.

— Todas as coisas cooperam pra o bem daqueles que amam a Ti. — Sinto um novo soco, dessa vez em meu estomago, fazendo o meu ar sumir por um momento — Espírito... Santo... Vem orar por mim! — As lágrimas continuavam rolando.

— EU MANDEI VOCÊ PARAR!

Com um forte puxão, ele rasga minha blusa, fazendo-me estremecer de repulsa e frio.

— Estou clamando! Estou pedindo! — Minha voz sai carregada de sofrimento, mas cada palavra dita vinha das profundezas do meu coração — Só Deus sabe a dor que estou sentindo!

— PARA! —

Recebo mais dois socos fortes no estômago, e com tal ato eu me encolho em posição fetal, pois a dor é insuportável.

— Meu coração está ferido, mas o meu clamor está subindo! — A última frase sai como um sussurro.

E naquele momento um barulho ensurdecedor chama nossa atenção. A porta é aberta e três homens enormes entram com espadas desembainhadas. Um deles vestia a farda de marechal, os outros dois, de soldados.

Jamal se levanta rapidamente, mas quando fita o marechal, cai de joelhos com o rosto no pó. Não tenho ideia do que aconteceu, pois o mesmo tenta se erguer diversas vezes, mas não consegue.

Esforço-me para permanecer com os olhos abertos, mas a exaustão estava dominando o meu corpo e as pálpebras quase se fechavam.

— O seu clamor chegou até nós, filha! — Escuto uma doce voz. Ao abrir os olhos, mesmo com dificuldades, percebo uma forte luz irradiando do rosto daquele general.

— Mestre... — Digo com a voz grogue — Você veio!

— Viemos resgatá-los! Agora descanse, você está segura!

A última coisa que me recordo é de ter aberto um pequeno sorriso e sentir os braços de alguém me erguendo do chão.

***

O sacolejo de um carro em alta velocidade me acorda. Meu corpo protesta por descanso, mas as fortes dores me fazem despertar. Permaneço de olhos fechados, sentindo um carinho gostoso em meu cabelo.

Vicente cantarola uma canção qualquer, o que me faz sorrir, pois era um conforto e grande alívio tê-lo ao meu lado novamente. Não tinha sido um sonho.

— Ela está sorrindo! — Uma voz, bastante familiar, mas que não escutava há muito tempo, me faz entender que aquilo não era real.

— Sim! Talvez esteja tendo um sonho bom. — Vicente responde e deposita um beijo em minha testa.

Se aquilo realmente se tratava de um sonho, o meu desejo é que eu permaneça dormindo.

— Segurem-se! — A voz de Zyan reverbera pelo local, em seguida meu corpo pula no banco, levando-me a dar uma cabeçada no teto.

Assustada, abro os olhos. Em um reflexo, seguro os bancos do motorista e carona com força. Meus braços doem demais.

— Desculpe, pessoal! Não tinha visto o buraco. — Zyan comenta um pouco envergonhado.

Com os olhos ainda arregalados e a respiração entrecortada, olho para o meu lado direito e vejo Vicente esfregar a testa, enquanto a outra permanece em volta de mim.

— Você está aqui! — Digo sentindo os olhos marejados — Não foi um sonho...

Ele sorri e aproxima nossos rostos.

— Isso é completamente real. — Pega minha mão e leva até o seu peito.

Fecho os olhos e solto um longo suspiro.

— Pensei que estava sonhando, pois achei ter ouvido a voz da Lili... — Escuto um risinho contido enquanto ele abre um lindo sorriso.

— Pois você não achou errado. — Ele vira o meu corpo, e ao contemplar a pessoa que está ao meu lado esquerdo, a voz desaparece.

— Águi! — A loira se joga em cima de mim e eu solto um gemido de dor, o que me desperta. Não me afasto, pelo contrário, eu a aperto ainda mais.

— Eu não estou acreditando nisso! — Sussurro, mas em meu coração sentia a alegria, que está sendo externizada pelas lágrimas de felicidade — Deus! Você está bem!

— Sim, Águi! Deus teve misericórdia de nós e poupou as nossas vidas! — Se afasta para me encarar.

Seu rosto estava mais fino, abatido e com algumas feridas já cicatrizando. O cabelo maior e ainda mais loiro. Seus olhos denunciam os maus bocados que a jovem passou, mas o sorriso permanecia em seus lábios.

— Eu não sei o que dizer... Por favor me perdoe por não ter segurado a sua mão ou por não ter ido atrás de você, Lili! Eu...

— Águi! — Ela segura os meus ombros e me lança um olhar de amor — Tudo o que aconteceu foi a mão de Deus guiando os meus passos! E eu passaria por tudo isso novamente... — Olha para o banco da frente e sorri envergonhada.

Sigo seu olhar e as coisas começam a fazer sentido.

— Eu sabia que tinha te visto! — Solto uma risada de felicidade. Tudo parecia um sonho.

Logo lembrei da passagem que se encontra em Salmos 126.1-3

"Quando o Senhor trouxe do cativeiro os que voltaram a Sião, éramos como os que estão sonhando. Então a nossa boca se encheu de riso e a nossa língua de cânticos. Então se dizia entre as nações: Grandes coisas fez o Senhor por eles. Sim, grandes coisas fez o Senhor por nós, e por isso estamos alegres."

— Agatha, eu queria ter lhe ajudado lá no pátio, mas....

— Eu entendo, Hassan! — Toco seu ombro e sorrio — Mas não estava em sua alçada!

Olhar para ele me lembrou a figura de seu pai, consequentemente dos nossos irmãos.

— Eu... — Um nó se forma em minha garganta, mas uno forças para continuar — Eu preciso contar algo para vocês. — Os rostos de quase todos se viram para mim, menos o de Zyan, que continua focado na estrada — Antes de sermos capturados, o Jamal tirou a vida de alguns dos nossos irmãos — Fecho os olhos com força, lembrando-me daquela cena terrível.

— Nós sabemos, Agatha. O Vicente nos contou o que viu quando saíram do casarão! — A voz de Hassan sai embargada — Eu já sei que o meu pai foi mais um mártir que entregou a sua vida por amor a Cristo.

— Eu sinto muito! Muito mesmo! — Vicente me envolve em um abraço lateral.

— Ele nos contou sobre o Habib, Cardoso, Gabriel e a Sam, mas e os outros? — Lili pergunta com preocupação — O que aconteceu com os nossos amigos?

Olho para a loira e forço a minha mente a lembrar daquele dia.

— O Théo... — Lembrar do doutor me deu um aperto no coração — O Théo conseguiu apagar um dos capangas, o que nos permitiu fugir. Só que acabamos nos separando das outras mulheres, entre elas estavam a Lara, Gio, Sabrina e Ju. — Olho para Hassan — Aisha foi conosco. Corremos para a plantação, pois seria um excelente lugar para despistá-los. Mas o Théo... — Um soluço escapa dos meus lábios. Não aguento e desabo em lágrimas.

Vin me abraça com força. Sinto suas lágrimas rolarem pelo meu pescoço.

— Ele foi atingido no abdome, mas a ferida foi profunda e estava sangrando bastante, Vicente! Eu não consegui fazer muita coisa e estávamos ficando sem tempo. — Encaro seus olhos que refletem a tristeza do seu coração — Eu precise escolher. Permaneceria tentando ajuda-lo, ou me entregaria e daria aos dois uma chance de sobreviverem e buscarem ajuda.

— Você fez o certo, amor! — Acaricia meu rosto.

— Mas infelizmente eu não faço ideia do que aconteceu com eles. O Jamal não me contou nada quando perguntei.

— Ele não falou nada a respeito também. — Zyan se manifesta.

Assinto. Então me dou conta de que estávamos fugindo. Olho para trás e vejo mais alguns carros.

— Como conseguimos escapar? Para onde estamos indo? — Pergunto.

— Não sabemos exatamente o que acontece, tudo o que chegou ao nosso conhecimento, foi que um exército invadiu o local e libertou os cativos.

— Um exército? — Sorrio, lembrando-me do general com o rosto resplandecente.

— Sim! — Zyan diz — Mas de uma coisa eu tenho certeza, eles não pertencem ao exército líbio e nem a qualquer exército que eu já tenha conhecido.

— Compreendo... — Apoio minha cabeça no ombro de Vicente.

— Agora estamos indo para um abrigo de refugiados que o próprio marechal nos instruiu. — O motorista comenta com animação — Aliás, continuo curioso com esse exército, principalmente com o seu marechal, sua voz não me era estranha...

O comentário de Zyan me faz sorrir, pois é impossível não lembrar do sonho que o mesmo me contou.

— Fica tranquilo, Zyan, pois você ainda ouvirá muito a voz desse marechal! — Ele me olha pelo espelho retrovisor e eu pisco para ele, que dá de ombros e volta o seu olhar para a areia vermelha que forma o deserto do Saara.

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"O SENHOR dos Exércitos está conosco; o Deus de Jacó é a nossa torre segura!" Salmos 46.7

Com eles está somente o poder humano, mas conosco está o Senhor, o nosso Deus, para nos ajudar e para travar as nossas batalhas!!! (Parafraseando o que está escrito em 2 Crônicas 32)

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Att.
NAP 😘

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