Capítulo 56
Desperto com a horrível sensação de estar me afogando.
— Bom dia, bonitinha! Já descobri que você gosta de dormir bastante. — Ouvir tal voz me fez despertar imediatamente. Sento-me depressa e percebo que estou completamente encharcada — Calminha! Não irei te machucar.
Vejo o homem sentado em uma cadeira de madeira, apoiando os antebraços nos joelhos, enquanto fita-me com seus olhos escuros.
— On... — Tento falar, mas minha garganta esta seca demais. A única coisa que consigo fazer é tossir.
— Deve estar com sede, né? — Pergunta com ironia.
Ele se endireita na cadeira, estala os dedos algumas vezes e um outro homem aparece no local.
— Traga um copo de água para a moça! Ela está com sede, vamos mostrar que somos bons anfitriões. — O outro assente e sai em seguida — Assim que estiver em condições de falar, gostaria de conversar com você.
Franzo o cenho, mas permaneço calada. Ele ri. Logo o outro rapaz volta com o copo de água, entregando-me. De olhos fechados, bebo tudo de uma só vez, sem perder tempo para saborear aquele precioso momento.
Abro os olhos e devolvo o copo, fitando o rosto do rapaz. Fico completamente perturbada com o que vejo. Deixo o copo cair, para o espanto e indignação dos dois.
— Como é desastrada! — O líder repreende-me enquanto o outro, de cabeça baixa, agacha para catar os pedaços de caco.
Aproximo-me para ajuda-lo, mas ele me impede, erguendo uma das mãos.
— Pronto, pode se retirar daqui, agora preciso ficar a sós com a bonitinha que ainda desconheço o nome. — Dispensa o capanga, que se levanta, e ainda sem me encarar, sai do local.
Cômodo este que reparo pela primeira vez apenas agora. As paredes estão no osso, sem revestimento, apenas com a camada de argamassa. Há uma única janela, que permanece trancada, e uma porta. Haviam poucos objetos. A cadeira de madeira e um pequeno colchão, onde estou sentada neste exato momento.
— Bom! Creio que já está apta para falar...
— O que você fez com os outros? — Minha voz sai rouca.
— Acho que a senhorita permanecerá na curiosidade! — Ele ri secamente antes de responder — Além do mais, quem faz as perguntas aqui sou eu! — Sua voz sai grossa na última parte, mas logo ele muda o tom — Então, vamos a primeira pergunta. — Cruza uma das pernas, apoiando o calcanhar na coxa — Qual é o seu nome?
Eu nada respondo.
— Acho que o gato comeu a língua da bonitinha! — Sorri — Darei mais uma chance. Qual é o seu nome?
Encaro-o por alguns segundos antes de me deitar no colchão novamente.
Um barulho de madeira atingindo o chão me faz pular. Tento sentar, mas o líbio é mais rápido e me ergue pelo cabelo.
— AÍ! — Grito com a dor — ESTÁ ME MACHUCANDO!
— Ahhhh, então a língua dela está no mesmo lugar! — Ri alto. Em seguida segura minha garganta com força — Isso é para você aprender a não me contrariar e apenas obedecer!
Ele chuta minha barriga e eu caio de joelhos com a mão no abdome. Logo sinto uma cotovelada no meu rosto que me faz cair de cara no chão.
O homem se aproxima de mim, ergue meu rosto pelo queixo e pergunta com ira.
— Qual é o seu nome? — Sinto as lágrimas silenciosas rolarem pelo meu rosto e toda a dor de antes voltar, mas decido ser prudente e responde-lo.
— Agatha. — Sussurro.
— Boa garota, Agatha! — Aproxima-se ainda mais e sussurra em meu ouvido — Se você souber se comportar direitinho, será muito bem recompensada, bonitinha!
Sua voz me causa arrepios. E só de pensar nas reais intenções por traz daquela frase, meu estômago se revira.
Ele me joga de qualquer jeito no colchão, ajeita a roupa e caminha até a porta.
— Ah, e só para você saber. — Vira novamente para mim — A reação do seu namoradinho tornou as coisas muito mais interessantes para mim. Então você realmente deve ser boa! — Pisca e sai, deixando-me sozinha com as minhas dores e Deus.
***
O tempo passou rápido demais. Não tinha noção de quantos dias ou meses permaneci no cativeiro. Todavia, contemplei dezenas de amanheceres e anoiteceres.
Para o meu espanto, alívio e preocupação, poucas foram as vezes que o líder veio me visitar. Quando vinha, sentava em sua cadeira, fazia-me algumas perguntas, perguntas essas que optei sabiamente por responder, fazia algumas piadas de mal gosto sobre o povo cristão e saia.
Não sabia se isso era bom ou ruim, mas em meu íntimo sinto que ele tem algo terrível em mente. Por ora, tenho apenas orado ao meu Deus pedindo discernimento e sabedoria.
Não tem saindo fácil passar pelo luto neste lugar. Na verdade, minha mente não aceita de forma alguma o que aconteceu. A única coisa que me faz esquecer de sua morte é o colar em meu pescoço. Fecho os olhos todas as vezes que o toco, e costumo me recordar dos momentos que tivemos.
Por causa disso, o choro fazia parte da minha rotina. Entretanto, com o passar dos dias, ele tem sido substituído pelos meus longos períodos de oração e louvor. Eu não possuo um manuscrito da bíblia comigo, mas mantenho a palavra de Deus bem guardada em meu coração, e ela tem sido o meu alimento diário e motivo da minha restauração diária.
E era exatamente assim que eu me encontrava quando a porta foi aberta pela primeira vez naquele dia, adorava a Deus de todo o coração.
— Bom dia! — Como das outras vezes, tento puxar assunto com ele, mas o rapaz do copo continua me ignorando — Ok!
Dou de ombros e continuo com o meu louvor.
— I know that You are for me! I know that You are for me! I know that You will never forsake me in my weakness. And I know that You have come now even if to write upon my heart, to remind me who You are (Eu sei que Tu és por mim! Eu sei que você é por mim! Eu sei que Você nunca me abandonará em minha fraqueza. E eu sei que você veio agora mesmo para escrever em meu coração, para me lembrar quem Você é).
— Se o Jamal chegar aqui e ver você cantando essas músicas, irá espanca-la. — Abro os olhos, assustada e feliz por escutar a voz daquele homem misterioso.
— Você está falando comigo! — Sorrio e ele desvia o olhar, terminando de ajeitar o meu almoço.
— Coma! E toma cuidado com a sua cantoria, pois nem sempre sou eu que faço a ronda por aqui. — Comenta e sai, deixando-me novamente sozinha.
***
Tempo, tempo, tempo... Estava cada vez mais difícil passar pelo teste do tempo.
Com o tempo, a comida foi ficando escassa, o banho de sol rarefeito e a higiene pessoal dificultosa.
Com o tempo, as lembranças insistiam em cutucar a ferida do meu coração machucado; o medo desejando engessar a minha fé; e as incertezas da minha atual circunstância tentavam a todo custo me fazer desacreditar que havia um Deus que continua cuidando de mim.
Com o tempo, as visitas do Jamal voltaram a se tornar constantes e aquela sensação de que algo ruim estava por vir só aumentava.
E hoje percebi que eu tinha razão quanto ao porvir.
A porta é escancarada com força, e de lá entra um Jamal furioso.
— Preciso de você, bonitinha! — Segura-me pelo pulso com força.
— O que irá fazer? — Pergunto enquanto aquele homem, completamente fora de si, me arrasta para longe do cárcere — Hein? — Meu coração começa a temer.
Ele para abruptamente e aperta os meus ombros de forma brutal.
— Eu já disse que quem faz as perguntas por aqui sou eu! Achei que tinha aprendido! — Sem esperar qualquer resposta da minha parte, vira e volta a andar rápido.
Ao chegar em um pátio central, lotado de outros prisioneiros e dezenas de traficantes, ele para de andar e se vira para mim, desta vez com um sorriso malicioso no rosto.
— Agatha... — Diz meu nome como se estivesse saboreando cada palavra — Este nome é bem bonito.
Já ia abrir a minha boca, mas o olhar que ele me lança é mortal e assustador. Então prefiro me calar.
— Sábia decisão! Mas hoje eu vim cobrar algo de você, bonitinha! — Toca o meu rosto fazendo leves carícias. Seu toque me dá repulsa e automaticamente eu me afasto — Tsc, tsc, tsc... Já conversamos sobre isso! — Ele choca nossos corpos com força — Querida Agatha, — Agarra-me pela nuca — preciso provar os seus lábios neste momento.
Arregalo os olhos.
— O QUÊ? — Grito em desespero — NÃO!
Mas me arrependo logo em seguida, quando minha cara está sendo esmagada no chão quente da areia do Saara.
— O que disse? — Pergunta entredentes.
— Eu disse... — Tento falar, mas a areia invade minha boca, fazendo-me tossir.
— Está com sede? — Ergue-me pelo cabelo, e mais uma vez eu grito de dor — Então vamos beber um pouco de água!
Sou arrastada até um pequeno balde, onde Jamal enfia minha cabeça, mal dando tempo para eu puxar o ar. A água entra pelo meu nariz me fazendo sufocar e engolir bastante líquido. Começo a me debater, e quando estava prestes a perder a consciência ele me ergue.
Meus pulmões ardem pela falta do ar, e eu os puxo com força.
— Irá me beijar, Agatha? — Pergunta em tom de ameaça.
— Jamais! — Cuspo novamente em seu rosto.
Com o dorso da mão, o homem acerta o meu rosto e eu vou ao chão. Tudo o que eu consigo sentir a seguir são os seus socos e chutes por todo o meu corpo, inclusive no meu rosto. Tento me arrastar algumas vezes, mas sou puxada pelo pé para uma nova sessão de surras.
Quando já não sinto mais o meu corpo, apenas a exaustão, ele se aproxima, cospe em meu rosto e dá ordens para que me levassem dali. E é exatamente neste momento, mesmo com todo o sangue escorrendo por minha face, atrapalhando minha visão, um rosto conhecido chama minha atenção no meio daquela multidão.
— Hassan? — Sussurro, mas sou puxada pelo braço.
Ao entrarmos para o meu cárcere particular, os homens de Jamal me jogam no chão.
— Limpe-a! — Ordena o Líder — De hoje não passará!
O capanga que tem me vigiado nesse tempo, entra no quarto com uma maleta de primeiros socorros. Ao ver o meu estado, respira fundo e balança a cabeça em negação.
— Deixa-me ajuda-la! — Levanta-me com delicadeza. Sento na cadeira de madeira e o homem se agacha em minha frente.
— Meus olhos estão inchados, não é? — Pergunto, e sinto os músculos da minha face doerem com o movimento.
Ele suspira antes de responder.
— Você levou uma surra feia, Agatha! O seu corpo todo está ferido. Não sei como ainda está acordada — Mal consigo sentir a lágrima que rola pelo rosto — Mas não se preocupe, irei cuidar de você!
E assim ele o fez. Limpou todas as feridas visíveis aos olhos humanos, entretanto, apenas um poderia limpar as feridas da minha alma.
Tomo um banho demorado, sentada na mesma cadeira de madeira, pois mal conseguia ficar em pé. Coloco novas vestes e volto para o quarto, onde o rapaz me incentiva a comer. Além de sentir dores em minha boca, o meu estomago ainda estava embrulhado, mas decidi comer apenas para que ele permanecesse mais tempo ali.
— Fico me perguntando o motivo de você ser diferente dos outros. — Inicio uma conversa.
— Mas eu não sou diferente! — Desvia o olhar para a porta.
— Sim, você é! E eu sou prova disso! — Eu já não aguentava mais guardar a curiosidade só para mim.
Ele ri e volta a me encarar.
— Eu só tenho feito o que me pedem, Agatha.
— Não digo em relação aos dias que tenho estado aqui! — Ele fica tenso novamente e ameaça levantar, mas eu seguro sua mão — Por favor! Eu preciso saber! — Digo de uma vez.
Aparentemente preocupado, ele olha para a porta.
— O que quer saber? — Volta a me encarar.
— Por que poupou a minha vida quando me encontrou naquele caixote? Por que não disse aos seus parceiros que havia uma pessoa escondida naquela picape? E não adianta dizer que não viu, pois sua reação quando eu cheguei aqui te denunciou! — Pergunto tudo de uma vez.
Ele respira fundo e se levanta. Caminha de um lado para o outro até que decide falar.
— Eu sinceramente não sei! — Diz por fim — Eu apenas te reconheci.
Franzo o cenho demonstrando toda a minha confusão.
— Como você pôde me conhecer se eu tinha acabado de chegar na Líbia? — Questiono e ele dá de ombros.
— Eu tive um sonho, e nesse sonho eu te vi exatamente na posição em que você estava. — Fico perplexa com sua revelação — Eu ia te entregar, mas uma voz me impediu. Ele disse para eu não tocar em um fio sequer de cabelo seu. Que você era a menina dos seus olhos. — Sinto os meus olhos arderem e o coração se aquecer — Fiquei sem entender, mas quando te vi naquele dia, pude sentir o cuidado e o amor que o seu Deus tem por você. Isso me constrangeu, e até hoje me pergunto se um dia serei amado dessa forma. — A tristeza em sua voz é notória.
Tento me levantar, mas ele vem ao meu encontro. Seguro suas mãos com força.
— Você já é amado! Antes mesmo de ser gerado, Ele já te amava. — Sorrio e ele fecha os olhos — A sua história foi escrita por Ele, não tenha dúvidas!
— Mas eu não mereço! — Diz com a voz embargada.
— Nenhum de nós merecemos! Isso se chama graça, o favor imerecido. — Aperto suas mãos para que ele olhe em meus olhos — João capítulo três, versículo dezesseis: Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aqueles que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna! Guarde essa palavra em seu coração.
— Esse Jesus que vocês tanto falam... É o filho de Deus que foi entregue por nós? — Pergunta com incerteza.
— Exatamente! — Sorrio — Basta você crer nessa verdade, compreende?
Ele balança a cabeça em afirmação.
— Eu creio! Eu creio que Jesus é o filho de Deus! E eu também quero ser o menino dos olhos de Deus, assim como você!
Seu comentário me faz sorrir e chorar ao mesmo tempo.
— Louvado seja o nome do Senhor!
Glorifico e em seguida faço uma rápida oração por ele. Ao finalizar, fito seus olhos com seriedade.
— Você sabe o meu nome, — Digo — Mas eu não sei o seu.
Ele sorri e estende a mão em minha direção.
— Meu nome é Zyan! Prazer em conhece-la, Agatha!
De repente uma lembrança vem em minha mente.
Se encontrar o Zyan, diga que eu ainda estou o esperando! — Pega uma caneta do bolso, em seguida vira a palma da minha mão e começa a escrever — Zyan! Não esqueça.
— ZYAN! — Exclamo — Não é possível! — Tento colocar a mente exausta para trabalhar — Eu sei que a probabilidade de você ser o Zyan da Nádia é...
— Nádia? — Ele segura meu ombro, e sem querer acaba me machucando — Desculpe-me! — Se afasta — Você disse Nádia? — Assinto algumas vezes e ele abre um sorriso enorme — Você conhece a minha esposa? Ela está bem? — Ele está em êxtase.
— Sim! Sim! Eu conheço a Nádia, e ela me pediu para te entregar um recado, caso te encontrasse. Disse que ainda está te esperando!
Ele fecha o punho e tapa a boca, tamanha é sua emoção.
— E o nosso bebê, Agatha? — Sua pergunta me quebra, mas sou impedida de responder, pois a porta é aberta por Jamal.
— Chegou o momento mais aguardado! — Diz com um sorriso diabólico no rosto — Podem trazê-lo!
Em seguida, dois de seus capangas entram no quarto carregando uma pessoa. Quando nossos olhos se cruzam, meu coração para de bater por alguns segundos.
Não é possível!
>>>><<<<
Que vontade de socar esse tal de Jamal 😠😤
Obs: vocês não ficaram na curiosidade, pois já já publicarei o próximo capítulo.
Não esqueçam de clicar na estrelinha, please!
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