Capítulo 51
Era exatamente três da tarde quando Habib entra na sala correndo. Em uma das mãos segura o celular.
— Eles voltarão a atacar! — Diz de uma vez.
— Quem? — Gabriel e Samanta perguntam ao mesmo tempo.
— O Exército Nacional Líbio, comandado por Haftar. — Suspira em sinal de cansaço — Não vejo a hora de tudo isso acabar!
— Eles estão tentando assumir a comando da capital novamente? — Questiono.
Pelo que me lembrava das aulas no CEM, após a morte de Kadafi em 2011, antigo chefe de estado da Líbia, o país passou a ter dois grupos políticos. O Exército Nacional Líbio (LNA), liderado pelo marechal Khalifa Haftar e o Governo do Acordo Nacional (GNA), liderado por Fayez al-Sarraj.
O governo reconhecido pela ONU é o comandado por Fayez, e há anos Haftar quer reverter esse quadro, tentando a todo custo fazer com que o lado nacionalista militar tome o poder.
A base do GNA fica na capital, Trípoli, onde Habib trabalha. Já a base do LNA fica em Tobruk, localizada ao leste do país.
— Estão sim! Assim como em 2019, eles estão vindo com tudo! Segundo alguns colegas de trabalho, nós estamos recebendo suporte de alguns grupos armados que já saíram de Mistra, em picapes equipadas com metralhadoras e homens fortemente armados... — Habib esfrega o rosto algumas vezes — Me desculpem, mas eu preciso retornar o quanto antes!
— Não precisa se desculpar, Habib, iremos com você! — A maioria dos olhos se voltam para Gabriel, que toma a palavra — Há três dias o Senhor tem me dado o mesmo sonho todas as noites. Nele, estou no meio de um furacão, e haviam muitas pessoas desesperadas e feridas pedindo por socorro. No primeiro momento eu pensava estar sozinho, mas o Senhor me mandava olhar para trás. Quando eu o fazia, via cada um de vocês com roupas camufladas, como um verdadeiro exército, inclusive a Lídia e o Hassan estavam presentes. — Volta seu olhar para Habib — Pessoas precisarão de nós e o próprio Deus conta conosco. Retornaremos para a capital com você!
— Eis-nos aqui! — Théo fala — Fazemos parte do exército de Cristo, e estamos prontos para a batalha.
Concordamos com a palavra do doutor. O Senhor confirma o seu querer em cada coração naquele lugar. Sendo assim, em poucas horas estávamos novamente na estrada, retornando para o local de maior risco.
Mais uma vez o silêncio toma conta do lugar. Todos estavam atentos a qualquer movimento estranho no meio da estrada.
Em meu bolso sinto o celular vibrar. Penso em ignorar.
— Não vai atender? — Vicente pergunta baixo.
Pego o aparelho. Solto o ar assim que vejo a imagem no visor.
— Como imaginei... — Olho para o homem ao meu lado e ele me encoraja a prosseguir.
Aceito a chamada levando o aparelho até a orelha.
— Oi, mãe! — Saúdo baixo, não quero que ninguém escute a difícil conversa que estava prestes a acontecer.
— Agatha, minha menina! Como estão as coisas por aí? — A voz da dona Fernanda, diferente das outras vezes, não está afobada ou preocupada, mas sim triste.
— Está tudo indo conforme a vontade do Senhor, mamãe. — Fecho os olhos.
— Filha, acabamos de chegar da igreja e o Senhor nos ordenou que clamássemos por vocês! — Ela fala mais baixo — Tem um grupo grande de irmãos aqui em casa neste momento, mas eu não consigo tirar do meu coração que algo de ruim está para acontecer. — Ela fica em silêncio por um tempo — O que está acontecendo, minha filha?
— Mãe, eu... Não sei por onde começar! — Vicente estava próximo demais, então conseguia escutar nossa conversa. Ele segura minha mão livre — Acabamos de saber que haverá um novo ataque na capital. Uma verdadeira guerra.
— E vocês estão em Trípoli? — Pergunta já chorando.
— Não, mas estamos voltando para lá. — Falo ainda mais baixo.
Tudo o que escuto é o seu choro alto e dolorido.
— Mãe, por favor não chora! — Peço — Lembre-se, tudo ficará bem!
Mas ela nada responde. Escuto a voz de papai do outro lado da linha.
— Agatha? — Questiona.
— Sou eu, pai! Como está a mamãe?
— Está mal, querida! Não para de chorar, o que aconteceu?
— Resumindo, estamos em perigo. Intensifiquem as orações por nós, por favor!
— Faremos isso, minha filha! Não sei exatamente o que se passa, mas creio que o Senhor cuidará de cada um aí!
— Amém! — Digo, e do outro lado escuto a voz do meu irmão conversando com nossa mãe — Eu amo muito vocês! Nunca esqueçam disso, ok?
— Não diga isso como se fosse uma despedida, minha filha! — Fala mais baixo, talvez para que mamãe não escute.
— Ok! — Suspiro — Posso falar com o Ângelo?
— Claro, querida! E nós também te amamos! Estaremos esperando ansiosos pela volta de vocês! E não pararemos de clamar até recebermos outra ligação sua, dizendo que está tudo bem!
Sorrio.
— Obrigada!
Silêncio do outro lado.
— Águi! Como vai, irmãzinha? — Meu coração se alegra ao ouvir a voz dele.
— Estou bem, Anjinho! Depois a mamãe irá conversar com vocês sobre as coisas que estão acontecendo aqui. Só queria te lembrar da conversa que tivemos na noite anterior a minha viagem.
— Na piscina.
— Isso...
Escuto o barulho do outro lado da ligação diminuir.
— Eu prometi que cuidarei dos nossos pais! Mas eu tenho certeza que eu não o farei sozinho, pois em breve você voltará! Fique tranquila! Cumpra a sua missão aí que eu cuidarei dos nossos pais, irmãzinha!
Neste momento, alguns carros da polícia passam em alta velocidade ao nosso lado. Habib fala algo em árabe que não consigo entender. Pela sua expressão, não é algo bom.
— Ângelo, eu preciso desligar agora! — Minha voz denuncia meu estado de alerta — Eu amo vocês! Por favor, diga isso a mamãe, minha sobrinha e cunhada!
— Águi...
Não espero para ouvir o que ele tem a dizer. Desligo ao mesmo tempo que a van dá um solavanco. O celular cai de minha mão, mas eu não me importo em pegá-lo, pois do lado de fora vejo alguns policiais armados nos cercando.
— Esperem aqui! — Habib diz — Resolverei isso.
Sai do carro devagar, com as mãos para o alto. Um policial se aproxima de forma agressiva, mas antes que haja qualquer tipo de agressão física, nosso companheiro diz algo que o faz recuar.
O outro homem escuta com atenção, depois aponta para a van. Habib abre a porta dos passageiros e Vicente agarra minha mão com força.
O policial nos olha com desconfiança, mas por fim nos libera para seguirmos adiante. Solto o ar pesadamente quando escuto a porta ser fechada e o nosso anfitrião tomar novamente seu lugar.
— Por pouco! — Diz sem se virar para nós — Eles desconfiaram que fossemos do exército de Haftar. Foi Deus, irmãos, pois em casos assim eles não pensam duas vezes antes de encherem o carro de balas.
Engulo em seco.
Continuamos nossa viagem, novamente em silêncio. Cada um conectado com o Pai, em um só propósito.
***
Horas mais tarde chegamos em Trípoli e parecia que tudo estava em seu devido lugar, tirando o fato de haver um número bem maior de policiais espalhados pelas ruas.
Mas apenas parecia...
Enquanto as pessoas caminham nas calçadas, cumprindo seus afazeres, e os carros percorriam as ruas movimentadas da capital, um tiroteio ensurdecedor transforma a "tranquilidade" de um dia comum, em uma grande confusão.
Os próximos momentos foram caóticos e assustadores. Centenas de pessoas gritam em desespero. Algumas correm em busca de abrigo, outras seguram armas de grande porte apontando para quem estivesse em sua frente, sem pena de disparar. Os policiais tomam seu posto e logo o tiroteio começa com força.
— Abaixem-se! — Vicente grita, em seguida me incentiva a deitar no chão, junto com ele. Os outros foram fazendo o mesmo.
— Pare a van! — Habib grita com desespero — Isso não deveria estar acontecendo! Há algo de errado!
Júlia e Lara gritam quando uma bala atinge o vidro perto de onde estavam. Vin me puxa para si. Agarro-me eu sua blusa e começo a clamar de olhos fechados. Meu coração bate acelerado no peito à medida que o tiroteio se intensifica.
— Consegue coloca-la naquele beco? — Escuto a voz de Habib e logo a van começa a se mover novamente.
Mais um tiro atinge o veículo, dessa vez próximo a minha cabeça.
O grito de Vicente me faz pular em seus braços, levando-o a gemer ainda mais.
— O que aconteceu? — Pergunto enquanto ergo o meu corpo para tentar olhá-lo, mas ele me impede.
— Nã-não... se mova! — Sua voz sai ofegante.
— Ele foi atingido! — Lara grita ao meu lado.
— Não! — Digo, dessa vez me erguendo.
Olho para onde Lara indica e percebo que a ferida está sangrando bastante, mas parece que foi atingido por uma bala de raspão.
Suspiro um pouco mais aliviada, mas meu alívio dura pouco ao notar que ele começa a suar frio. Já ficando sem força, fecha os olhos.
— Ei! — Toco com desespero em seu rosto — Vin, não feche os olhos, por favor!
Olho ao redor, tentando encontrar algum tecido para estancar o sangue.
— Aqui! — Théo se aproxima rastejando. O doutor me entrega um cinto no momento em que a van para novamente.
— Obrigada! — Toco perto da ferida e Vicente grita, abrindo os olhos — Fica comigo, amor! — Sussurro.
— A-amor? — Ele abre um sorriso de lado.
— Apenas permaneça acordado! — Tento ser firme. E na tentativa de rir, ele acaba sentindo mais dor — Preciso minimizar a hemorragia, fique quietinho!
— Ok! — Solta um grunhido de dor.
Com o cinto dado por Théo, faço um torniquete, reduzindo o fluxo de sangue do resto do corpo para o membro afetado.
— Parece que não houve rompimento de nenhuma artéria. — O doutor diz e eu concordo.
— Sim! O sangue está escuro e não jorra tanto, mas não sabemos por quanto tempo permaneceremos aqui. — Tento me ajeitar naquele pequeno espaço entre os bancos.
— Vice! Está aí, cara? — Théo pergunta e recebe um aceno de cabeça em confirmação.
A porta é aberta e Habib nos chama para fora.
— Vá na frente, Águi, eu o levo! — Tento protestar, mas ele me impede — Olha o meu tamanho, doutora! Sou capaz de carregar esse homem sem tanto esforço!
Encaro Vicente e ele sorri de leve.
— Ok! — Digo e saio, acompanhada por Lara, que pega algumas mochilas contendo medicamentos e materiais necessários para um atendimento de emergência.
Só então percebo que estamos em um beco sem saída. Nos fundos há uma porta entreaberta.
— Vão! — Habib ordena.
Olho algumas vezes para trás, e vejo Théo e Vicente saindo do veículo. Abro a porta o suficiente para que eles consigam passar.
Com todos do lado de dentro, o mais velho fecha a porta e a tranca em seguida.
Após imobilizar o paciente, limpar o ferimento, e confirmar que o projétil não estava lá, Théo faz o curativo, dando poucos pontos, enquanto eu preparo o antibiótico para Vicente tomar. Seus gemidos apertam meu coração, mas tento ser forte por nós dois.
— Agora você ficará bem, meu amigo! — O doutor bate em seu ombro e se levanta.
— Como se sente? — Pergunto quando Théo se afasta, levando os matérias descartáveis e sujos para longe de nós.
— Cansado! — Diz em um sussurro.
Sorrio e sento ao seu lado.
— Descanse um pouco. — Ajudo-o a se deitar, sem machucar ainda mais a ferida, e coloco sua cabeça apoiada em minha coxa — Não sei se conseguirá dormir, mas pode tentar. Estaremos aqui! — Acaricio seus cabelos e ele fecha os olhos, com um sorriso contido nos lábios.
— Obrigada por cuidar de mim... amor! — Alarga o sorriso e relaxa um pouco mais.
Ergo os olhos, também com um sorriso no rosto, e pela primeira vez me dou conta de que não somos os únicos ali. Haviam mais quatro pessoas, sendo que duas delas recebiam atendimento do nosso grupo.
Sabrina, a psicóloga, conversa com uma senhora de idade, enquanto Sam e Lara examinam o tornozelo de um jovem. Gabriel e Théo conversavam com os outros dois, tentando acalmá-los e também entenderem um pouco mais da situação.
Mesmo diante daquele caos, podíamos ver a mão de Deus cuidando de cada alma naquele presente, como ele sempre faz.
>>>><<<<
Meus queridos, a única coisa que eu posso dizer é que a partir daqui teremos apenas fortes emoções! Lembrem-se, assim como nós, eles estão em guerraaaaa!! Não apenas uma guerra civil, mas principalmente uma guerra espiritual.
"pois a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais."
Efésios 6.12
Att.
NAP 😘
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