Capítulo 47
Sentada próxima à janela do quarto, observo a noite escura. A cortina de voil e a penumbra do cômodo, tornavam-me imperceptível para quem olha de fora.
Um suspiro vindo de Lídia chama minha atenção. Desvio meus olhos da paisagem noturna e fito a loira com compaixão. Júlia já dormia tranquilamente em sua cama. Hassan saíra há pouco menos de dez minutos, afim de descansar.
Quanto a mim... Preferi permanecer acordada, observando as estrelas e conversando com Deus. Era algo que eu sempre amei fazer, porém nos últimos meses não tive tanto tempo assim.
O brilho das estrelas me transmite paz e conforto. Só de imaginar que o Deus que ouve minhas orações, é o mesmo responsável por sustentava estas belas estrelas, meus olhos enchem de lágrimas.
— Quem somos nós para recebermos todo o seu cuidado e proteção, Senhor. Somos pó dessa terra. Pecadores miseráveis... Mas mesmo assim o Senhor nos ama e se importa conosco. — Fecho os olhos e encosto a cabeça na parede — Obrigada!
— Por nada! — Abro os olhos e fito a porta. Um pequeno sorriso nasce ao contemplar a figura encostada no batente.
— Não falava com você! — Ele alarga o sorriso e se aproxima silenciosamente.
— Eu sei, mas encontrei a oportunidade perfeita para me manifestar. — Ele aponta para um banco ao lado do meu — Posso?
— Fique à vontade! — Volto a encostar a cabeça na parede.
— Vim substituir o Hassan. — Ele olha para a cama onde Lídia dorme e suspira — Como ela está?
— Não acordou durante o tempo que estive aqui, mas parece que teve alguns pesadelos. — Sigo seu olhar.
— Creio que isso é normal, devido o que aconteceu ontem. — Volta-se para mim — Seria excelente se a Sabrina estivesse aqui para ajudá-la.
— É verdade...
— E você, por que permanece acordada? Sempre é a última a dormir. — Crispa os olhos e eu dou de ombros.
— Costume?! — Minha resposta mais parece uma pergunta — Mas você não pode falar nada, pois faz o mesmo.
— É, acho que somos muito parecidos. — Sorri de lado.
— Deve ser o instinto médico que habita em nós. — Ergo a sobrancelha.
— Negativo! Terei que descordar de você, dona Agatha, pois neste exato momento o doutor Théo Alencar está dormindo como um anjo, no quarto da frente. — Aponta para o outro cômodo.
É quase impossível prender a gargalhada. Pressiono os lábios e concordo com ele.
— É verdade! — Respiro profundamente e volto a olhar pela janela — Essa noite eu escutei uma parte da conversa entre Habib e Gabriel.
Ele me encara, desta vez me analisando.
— E...?
— E que, segundo Habib, — Olho rapidamente para Lídia, e me aproximo de Vicente, sussurrando as próximas palavras — é arriscado demais permanecermos aqui após o ocorrido de ontem.
Ele fica em silêncio, mas concorda com minha afirmação.
— E ele tem razão.
Nego algumas vezes com a cabeça.
— Mas Deus nos dará uma estratégia. — Seus orbes azuis transmitem a convicção de suas palavras.
— Tenho certeza que sim, mas precisamos conversar com a Lídia e com a Júlia. Elas estão assustadas, Vicente.
— Nós iremos fazer isso amanhã mesmo, Águi. Mas antes, entraremos em contato com o Cardoso e com a Sabrina para recebermos instruções exatas de como abordar o assunto. Como psicólogos, eles saberão o que devemos fazer.
— Que bom!
Após alguns minutos de conversa, o sono fala mais alto e eu decido cochilar. Era muito mais fácil relaxar sabendo que Vicente estava a poucos metros.
***
Desperto com vozes vindas do corredor. Ao levantar, me dou conta de que nenhuma das meninas estavam no quarto, ou até mesmo Vin. Sentindo a moleza do sono ainda dominando o meu corpo, pego um vestido leve, peças íntimas e sigo até o banheiro.
Tomo um banho rápido e faço minha higiene bucal. Quando estou prestes a sair do quarto, Théo entra como um furacão, acompanhado de Júlia, com o rosto completamente pálido.
— O que aconteceu? — Pergunto.
— Agatha, arrume suas coisas! Precisamos sair daqui.
Júlia passa por mim, indo direto para o guarda-roupa. E eu permaneço parada, sem entender o que está acontecendo.
— Onde está a Lídia? — Pergunta ao passar os olhos pelo quarto e não encontrar a loira.
— Eu não sei, Théo! Acabei de acordar e não estou entendendo nada! — Começo a me exaltar.
Ele resmunga algumas vezes e soca a parede.
— Por favor, arrumem suas coisas e as da Lídia, irei avisar aos outros sobre o seu sumiço. — Diz saindo em seguida.
— Sumiço? — Sussurro — Que sumiço? — Viro-me parra Ju, que continua seu trabalho apressadamente — O que está acontecendo, Júlia?
— Eles estão planejando vir para cá esta noite. — Suas mãos trêmulas colocam mais algumas peças de roupa dentro da mala.
— Eles quem? — Seguro suas mãos frias e ela me encara, com os olhos lacrimejando.
— Os traficantes. — Engulo em seco — O Habib tinha razão. Aqueles caras são envolvidos com pessoas más.
— E como vocês ficaram sabendo que eles estão vindo? — Ela solta minha mão e corre para o armário.
— Eu não sei ao certo, Agatha! Só sei que precisamos sair daqui o quanto antes e agora a Lídia sumiu! — Joga as últimas coisas dentro da bagagem e tenta fechá-la, mas sem sucesso — Que droga!
Percebendo a seriedade da situação, começo a arrumar minhas coisas e as da Lídia em silêncio.
— Espero que ela não tenha feito nenhuma besteira! — Julia resmunga, colocando a mochila nas costas.
— Por que ela faria? — Pego as malas e juntas saímos do quarto.
— Eles conversaram conosco sobre precisarmos sair daqui. Aparentemente Lili reagiu bem e compreendeu a necessidade de partirmos o quanto antes. Mas ela estava estranha, Águi! Não sei explicar, mas pude ver o pavor em seus olhos.
— Precisamos encontra-la, Ju! — Deixo as malas ao lado do sofá e procuro por alguém. A casa estava completamente silenciosa.
— Onde eles estão? — Julia se aproxima de mim, também olhando ao redor.
— Eu não sei, mas tem algo estranho. — Sussurro. Mando uma mensagem no grupo dos missionários avisando para onde estávamos indo — Vamos para o porão.
Com as bagagens nos ombros, seguimos até a sala de cinema, onde havia o acesso para o esconderijo. Entretanto, ao virarmos o corredor, ouvimos vozes diferentes vindas da sala de estar, onde estávamos há poucos segundos.
Impeço minha companheira de continuar e levo um dedo a boca, pedindo silêncio.
— Onde elas estão? — Um deles pergunta em baixo tom.
— Devem estar no quarto, os homens saíram para procurar a loira. — Aquela voz não me era estranha.
— A bonitinha sumiu?
— Sim — Ele diz.
— Não tem problema, vamos pegar as outras duas e depois caçamos a loirinha.
Os três dão risada e essa é a nossa deixa.
Puxo Julia pela mão, que estava congelada, e começamos a correr.
— Precisamos nos esconder, eles estão atrás de nós! — Sussurro.
— Como eles descobriram sobre nós duas, Águi? — Pergunta entre gemidos.
— Não faço ideia, mas de uma coisa eu tenho certeza, há um traidor entre os empregados de Habib. Não podemos ir para o esconderijo!
— Tem razão! — Concorda.
Abro uma porta qualquer e entro em uma espécie de escritório. Só depois percebo se tratar do escritório do anfitrião. Tranco o local e fecho os olhos tentando me concentrar.
— Meu Pai, nos direcione! Por favor! Para onde a gente deve ir? — Clamo por socorro.
— A janela! — Júlia aponta com euforia.
Uma das janelas estava aberta, e sem pensar duas vezes, puxo-a e indico o vão.
— Passa você primeiro, em seguida eu te entrego as malas.
— Ainda bem que essa casa é térrea! — Suspira aliviada.
Assim que passamos pelo vão, fecho a esquadria e começo a correr em direção a saída do terreno. Porém, antes de chegarmos ao portão principal, percebo duas figuras balançando as mãos a poucos metros de nós, em meio aos jardins pouco iluminados. Vicente e Hassan.
— Aquele é o Vicente? — Julia pergunta, tentando enxergar através da pouca luz.
— Sim! Vamos! — Mudamos nosso percurso e logo estávamos abraçando os dois homens.
— Graças a Deus que estão bem! — Vicente suspira aliviado.
Eles pegam nossas bagagens. E logo voltamos a correr.
— Há um traidor entre nós. — Digo encarando Hassan.
— E eu sei muito bem quem é o traidor. — Responde entredentes — Vimos Said abrindo o portão para os dois que estão na casa.
— E há mais deles do lado de fora. — Vicente complementa.
— Said? O motorista que me pegou no aeroporto? — Pergunto em choque.
— Ele mesmo. O homem que mais confiávamos... Que o Senhor Jesus tire do meu coração a raiva que estou sentindo agora. Sou capaz de socar aquele...
— Te entendo, meu irmão, o sentimento é totalmente recíproco, mas agora precisamos encontrar os outros. — Vicente tenta acalmá-lo no momento em que chegamos ao galpão/estufa.
— Não temos para onde ir. Said conhece todos os lugares desta propriedade. — Digo.
— Nem todos! — Hassan olha para nós com um sorriso lateral dançando no rosto — Mas precisamos ser rápidos, antes que eles venham para este lado do terreno.
Ao abrir a porta do galpão, Habib nos recebe com um pedaço de pau.
— Calma, pai, somos nós! — Ergue os braços.
— Desculpe, meu filho! Entrem, precisamos ser rápidos.
Olho o local e tudo está escuro, mas consigo avistar o doutor mais atrás ao lado de Gabriel.
— Onde está Lídia? — Interrompo a conversa.
— Vocês não a encontraram? — Théo se aproxima em alerta.
— Não! — Dizemos juntos.
Vicente pressiona os olhos tentando se acalmar. Em seguida os cinco começam a discutir sobre o que seria feito. Julia foi a primeira a entrar e se acomodar em algum canto. A coitada estava tremendo.
Percebo que a porta do galpão permanecia aberta. E justamente no momento em que fui fecha-la, eu contemplo algo que faz os pelos do meu corpo se arrepiarem.
Olho para o grupo de homens que ainda discutem dentro do galpão. Depois volto meu olhar para a área externa. Fecho a porta, sem fazer barulho, e desço os poucos degraus.
Percorro rapidamente o espaço que me separa da plantação, e ao chegar diante das altas folhas, meu coração teme.
Confie em Mim!
Ouço, claramente, uma voz mansa e suave falando comigo.
Respiro fundo. Quando dou o primeiro passo para dentro do matagal, escuto outra voz, dessa vez nem um pouco mansa ou suave, gritar ao longe.
— Lá está ela! — Sem olhar para trás, eu corro para dentro da plantação.
À medida que eu avanço, as folhas vão se fechando sobre mim e escurecendo o caminho. Meu coração já pressentia o que estava por vir, pois aquele cenário não era totalmente desconhecido.
Paro por um instante, afim de recupera o folego que estava quase escasso. A noite escura me impedia de enxergar o que exatamente estava diante de mim, e a vegetação alta não colaborava.
Uma brisa suave brinca com minha pele, praticamente nua, causando um arrepio na mesma. Olho para baixo e percebo que estava usando exatamente o mesmo vestido preto.
Ao me dar conta do que estava acontecendo, eu corro. Corro o mais rápido que eu consigo, na tentativa de evitar uma grande desgraça.
— Vamos! Vamos! — Peço com minha voz baixa — Grita!
Mas nada escuto, apenas o roçar das folhas e o contato das minhas sandálias com a terra.
— Vamos, Lídia! Grita! — Meu coração aperta ainda mais, e minha voz embargada me sufoca.
De repente, escorrego em algo e vou direto para o chão. Tento me levantar, entretanto, me assusto ao olhar para minhas mãos e vê-las sujas de vermelho. Suspiro aliviada ao me recordar dos tomates podres esmagados pelo chão. Olho ao redor e quase solto um grito ao vê-la encolhida entre a folhagem.
Engatinho até ela e a abraço.
— NÃO! POR FAVOR, NÃO ME MATE! — Ela grita e eu me apresso em fechar sua boca. Consequentemente sujando-a.
— Shhhhh! Sou eu, Lili! — Sussurro.
— Á-Águi? — Ergue o olhar. Ao me reconhecer, se joga em meus braços — Águi, é você!
— Sim, sou eu, Lili! Mas agora precisamos correr! — Tento levantá-la.
— Não! Eles estão chegando! Irão nos matar, Águi!
— Acalme-se! — Respiro fundo e olho mais uma vez ao redor. Precisávamos ser rápidas — Escute, eles realmente estão vindo, mas só irão nos pegar se permanecermos aqui. Me entendeu?
— Si-Sim!
— Agora vamos! — Ergo-a pela mão e logo começamos a correr.
Corremos por um bom tempo, até que finalmente o matagal acaba, e nos deparamos com o grande lago artificial. Exatamente como o Senhor me mostrara.
Diferente do meu sonho, Lídia estava comigo. Deus estava nos dando um grande livramento.
— O que faremos agora, Pai? — Indago.
Mergulhem!
Lídia arregala os olhos e agarra o meu braço.
— Vo-você escutou? — Gagueja nervosamente.
— Sim! E você ouviu, precisamos mergulhar!
Tomo suas mãos e corremos até a borda do lago. Seguro seu rosto entre minhas mãos, forçando-a a me encarar.
— Lídia, Deus nos deu uma ordenança! Precisamos mergulhar. Eu estou acostumada a fazer esse tipo de coisa, e para isso, precisamos manter a calma, ok?
— Ok!
— Confie em Deus, Ele está conosco! Lembre-se de Pedro ao andar sobre as águas. Quando ele tirou os olhos do Mestre e focou na tempestade, começou a afunda. — Ela precisava entender a seriedade da situação.
— Sim.
— Haja o que houver, não se desespere, e não solte minhas mãos! — Aperto seu braço.
Ela assente e me puxa para continuarmos a caminhar até o fundo. A água gelada toca nossa pele. Quando estávamos apenas com a cabeça do lado de fora, eu a encaro e pergunto — Está pronta?
— Sim! — Diz com convicção.
— No três! Um... Dois... Três!
E submergimos, rumo ao desconhecido.
>>>><<<<
Esse capítulo o Senhor me deu há muuuuito tempo, e eu estava nervosa e ansiosa por escrevê-lo.
A ordem é mergulhar e confiar! 🙏🏼🙏🏼🙏🏼
Att.
NAP 😘
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