Capítulo 46
Naquela mesma noite Habib chega após seu expediente, acompanhado de mais dois carros. Tal movimentação nos assusta, pois não aguardávamos ninguém. Algumas pessoas estavam em seus quartos e outras na sala, assim como eu.
Théo e Gabriel se colocam de pé na mesma hora. Os dois nos orientam a entrarmos rapidamente no porão. E assim, Lídia e eu o fazemos.
Olho para trás e não avisto Vicente ou Júlia.
— Onde eles estão? — Sussurro para Biel.
— Eu não sei, Águi, mas irei atrás dos dois assim que vocês estiverem seguras aí embaixo.
— Ok! — Confirmo algumas vezes com a cabeça antes de descer a escada. Gabriel parte logo em seguida.
Théo nos encara por breves segundos antes de nos alertar:
— Qualquer coisa, gritem! — Assentimos e ele fecha o esconderijo nos deixando mais uma vez sozinhas.
— Isso não está me cheirando bem! — A loira sussurra ao meu lado.
— Estava sentindo uma sensação estranha desde cedo... Vamos orar, Lili! — Ela segura minhas mãos e iniciamos nosso clamor, em baixo tom.
Cerca de três horas depois, a porta é aberta. Suspiramos aliviadas ao contemplar a figura de Vicente descendo a escada.
— Estão bem? — Pergunta com preocupação.
— Sim, estamos. E a Júlia? — Procuro saber.
Ele nega com a cabeça e solta um suspiro.
— Ela não estava dentro da casa.
— O QUÊ? — Gritamos, e ele se apressa em tapar nossas bocas.
— Por Deus, não gritem! Eles acabaram de sair daqui. Os outros já estão atrás dela. — Ele nos lança um olhar sério. — Vão para o quarto e não saiam de lá. Assim que souber de qualquer coisa eu aviso.
— Ok! — Subo a escada rapidamente. Meu coração estava apertado. Agradeço mentalmente a Deus por não precisar passar pela sala para seguirmos até o quarto.
Entro no cômodo onde estamos acomodadas. Lili faz o mesmo, e tranca a porta atrás de sim.
— Onde essa mulher se enfiou? — Começo a andar de um lado ao outro — Senhor Jesus, guarde a vida da Júlia!
Um barulho vindo do guarda-roupa me faz parar no lugar. Lídia corre em minha direção, segurando meu pulso com força.
— Júlia? — Sussurro, com esperança de que fosse ela.
A porta do guarda-roupa é aberta. Na mesma hora Lídia solta meu braço e corre em direção a parceira de profissão.
— Como você dá esse susto em nós, mulher? Os meninos estão que nem loucos atrás de você! — Ela repreende a jovem.
— Foi mal! Na hora que escutei a movimentação, eu saí do quarto para encontrar com vocês no esconderijo, mas não deu tempo, pois os homens desconhecidos tinham acabado de entrar na sala. Eu voltei correndo para o quarto e me tranquei no guarda-roupa.
— Meu Pai! — Exclamo.
— Você está bem? — Lili pergunta com os nervos à flor-da-pele.
— Agora estou. E vocês? — Rebate, preocupada com nosso estado.
— Também estamos! — A loira volta sua atenção para mim — Irei avisá-los que ela está bem.
— Ok! — Concordamos.
Ela sai do quarto nos deixando sozinhas.
— Eu pensei que algo de ruim iria acontecer, Águi! Meu coração foi até a boca e voltou. Ainda bem que ninguém me viu.
— Misericórdia, Júlia! Nem fale uma coisa dessas. — Sento na cama e apoio os cotovelos em minhas pernas — Não sabemos quem são esses homens, muito menos o que queriam.
Vão para o quarto e não saiam de lá.
As palavras de Vicente voltam em minha mente. Em um rompante me levanto da cama. Com o susto, Júlia faz o mesmo.
— Vicente pediu para não sairmos do quarto! — Conto — Não era para deixarmos a Lídia sair. — A passos rápidos, caminho até a porta.
— Espera! — Ela segura o meu braço — Não pode me deixar sozinha!
Seguro seu rosto com as mãos.
— Escute bem! Assim que eu sair, guarde todas as nossas coisas no fundo falso do armário. Tudo! Depois tranque a porta e só abra caso seja uma de nós. Se não for, grite!
Ela assente algumas vezes.
— Ok!
Saio do quarto sem fazer barulho. Ando devagar até o corredor principal, que leva à área social da casa.
— Que belezura! Bela namorada... — Ouço uma voz masculina, até então desconhecida por mim, dizer em árabe — Você tem bom gosto, jovem Hassan!
— Obrigada! Agora se nos dá licença, precisamos ir. — Nunca ouvira Hassan falar com tanta frieza.
— Mas por que tão rápido? Seu pai ainda não voltou, seja lá de onde ele se enfiou em tão pouco tempo. — O tal líbio comenta. Silêncio — Qual é o seu nome, princesa.
Princesa?
— Não te interessa! — Hassan brada com raiva.
Deus! Só pode ser a Lídia.
Arregalo os olhos e sinto um aperto forte no peito. Quando estou prestes a dar um passo, que me revelaria aos demais, sinto uma mão tapar minha boca e me puxar para si.
Meu coração acelera e eu tento me desvencilhar, porém a voz de Vicente me tranquiliza.
— Sou eu. — Sussurra em meu ouvido. Fecho os olhos na vã tentativa de relaxar — Eu pedi para não saírem do quarto! — Era possível sentir a tensão em seus músculos e voz.
Simplesmente concordo com a cabeça.
Seu braço, que estava ao meu redor, afrouxa. Em seguida retira a mão dos meus lábios e me vira de frente para si.
Seus olhos denunciam seu nervosismo, assim como os meus.
— Vá para o quarto e se esconda, agora! — Assinto. Ele deposita um beijo demorado no topo da minha testa e segue para a sala.
Retiro as sandálias e corro para o cômodo. Assim que tento abrir a porta, bate um desespero, pois a mesma estava trancada.
— Ju! — Sussurro — Ju, abra a porta! Sou eu, Águi!
Bato devagar, mas nada acontece. Se ela estiver dentro do armário, não irá me escutar.
Olho ao redor. Sem pensar duas vezes, entro no quarto dos homens. Era a cópia perfeita do nosso, só que rebatido. Abro as portas do guarda-roupa e me escondo entre as vestimentas masculinas.
Minha cabeça explodia, tamanha era a tensão. Escorrego entre as paredes até sentar no chão. Mesmo sem conseguir me concentrar, devido a dor, começo a orar.
***
— Ela está aqui! — Ouço alguém gritar.
Aperto os olhos e aos poucos eu os abro.
— Está tudo bem, Águi? — Olho para o lado e vejo que as portas do guarda-roupa estão abertas, e do lado de fora Gabriel está agachado.
— Sim! — Minha voz sai um pouco rouca — Apenas minha cabeça que está latejando.
— Deve ter sido o susto. — Estende a mão, ajudando-me a sair do esconderijo improvisado.
— Com certeza foi isso! — Asseguro.
— Vamos, Vicente ficou desesperado quando Júlia falou que não estava com ela no quarto.
— Ele se preocupa demais. — Murmuro.
— Eu, no lugar dele, faria a mesma coisa... — Olho para o meu amigo, que dá de ombros e me arrasta para fora.
Chego à sala, ao mesmo tempo que Habib e Vicente. Este denuncia vir em minha direção, mas eu sou mais rápida e sigo até Lídia, que chora abraçada à Ju.
— Ei! — Sento-me ao seu lado e ela se joga em meu colo — Já está tudo bem, Lili! — Aperto-a em meus braços — Já passou!
Ela se afasta e me olha com os olhos amedrontados. Engulo em seco.
— Você não viu como ele me encarava, Águi! Me devorava com os olhos! — Começa a chorar novamente em meu ombro — Hassan se aproxima com um copo nas mãos. Ele se agacha, ficando em nossa altura.
— Lídia, beba.
— Obrigada! — Ela agradece e toma o líquido, sem ao menos perguntar o que está bebendo. Encaro-o e ele percebe meu olhar.
— É apenas água com açúcar.
A loira devolve o copo. Suas mãos tremem, assim como suas pálpebras.
— Eles voltarão! Eu sei! — Sua respiração começa a ficar acelerada — Eles virão para me buscar! Deus! Me leve antes, por favor! Me leve antes!
— Lídia! — Chamo com firmeza — Olhe para mim! — Assim ela faz — Eles não voltarão, ok? Agora nós iremos até o quarto, você tomará um banho bem relaxante, comerá alguma coisa e dormirá!
— NÃO! — Ela grita — Eu não quero dormir.
— Lili, — Vicente se aproxima da ex-namorada — Você não estará sozinha! Ficaremos ao seu lado.
— Mas eu não quero dormir. — Sua voz sai chorosa.
— Tudo bem! Você fará tudo o que a Agatha falou, e depois apenas descansará. Não precisa dormir.
— Ok.
Ela me fita e eu a ajudo a ficar de pé.
— Vamos. — Incentivo.
Após um relaxante banho, uma boa alimentação e muita atenção, a loira não resiste e se rende ao cansaço físico e mental.
— Vocês poderiam ficar com ela por um instante? Só preciso dar uma respirada e comer algo.
— Nós ficaremos aqui. Só não saia de casa ou fique perto das janelas. — Hassan, que estava no quarto comigo, Julia e Lídia, aconselha.
— Não sou doida! — Levanto e saio do cômodo.
Sigo em direção à cozinha, mas paro no meio do caminho, ao ouvir a voz de Habib.
— Não é mais seguro. Infelizmente, precisarão sair daqui o quanto antes. — Diz com pesar.
— E quanto aos missionários que virão em breve? — Gabriel pergunta.
— Agora ficará mais complicado ainda, Gabriel! Eu conheço o Omar há anos. Apesar de ser o meu vizinho, sempre desconfiei do envolvimento dele com os traficantes. É melhor não arriscarmos.
— Concordo. Vamos continuar orando, creio que Deus nos mostrará o que fazer.
— Assim seja, meu jovem! — Habib diz.
Não escuto mais nada, apenas volto correndo para o quarto onde a loira estava, com a conversa dos dois martelando em minha cabeça.
E agora, Pai?
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